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Atos de concentração e a comunicação ao CADE:prática de gun jumping à luz da legislação antitruste brasileira

01/11/2015 às 08:26
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Diante de um mundo cada vez mais globalizado, as concentrações entre os agentes econômicos têm suscitado mais atenção por parte dos órgãos de defesa da concorrência.

 

 

 

Em outubro desse ano, foi noticiada a terceira maior fusão da história entre as empresas líderes do mercado cervejeiro: AB InBev (líder de mercado) e SABMiller (vice-líder de mercado).

 

Notícias dão conta de que a proposta ofertada pela AB InBev para a compra da companhia britânica seria de mais de US$ 100 bilhões e, juntas, essas empresas produziriam cerca de um terço da cerveja mundial.

 

Por esse motivo, caso o acordo entre as cervejeiras prospere, será necessária a aprovação dos órgãos de concorrência dos países onde estas atuam.

 

No Brasil, um ato de concentração de grande porte como o anunciado, antes de concretizado, necessita obrigatoriamente de autorização do Conselho de Defesa Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

 

Esta obrigatoriedade consta da lei antitruste brasileira (Lei n. 12.529/11), em seu artigo 88, que prescreve:

 

Art. 88.  Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:

 

I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e

 

II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

 

O objetivo dessa análise antes da finalização da operação é avaliar se aquele ato de concentração será prejudicial ou não para a concorrência brasileira, antes dela entrar no mercado, de forma a não prejudicar o consumidor, conforme a leitura do parágrafo 5º do supramencionado artigo[1].

 

Pela lei, as partes envolvidas no ato de concentração não podem mais praticar a integração de seus negócios antes de submeter a operação à análise prévia do Cade.

 

Caso isso ocorra, é verificado o chamado gun jumping ou “queima da largada”, conduta anticoncorrencial punida com multa, possibilidade das partes terem o seu negócio declarado nulo ou, ainda, sofrer eventual investigação por prática de cartel, dependendo da natureza dos atos de consumação.[2]

 

De acordo com o parecerista Dr. Daniel Gustavo Santos Roque, “evidencia-se a ocorrência do gun jumping quando se identifica a existência de integração prematura entre os agentes econômicos participantes de determinada operação antes de sua aprovação pela autoridade antitruste, caracterizada por meio da transferência ou usufruto de ativos, de valores mobiliários com direito de voto, troca indevida de informações sensíveis ou mesmo a prática de quaisquer outros atos possam caracterizar o exercício de influência, pela empresa adquirente, sobre aquela a ser adquirida com a realização da operação” (grifo nosso)[3].

 

O Cade já teve oportunidade de analisar questões envolvendo atos de concentração vultosos e a ausência de sua comunicação.

 

O leading case sobre gun jumping no direito brasileiro ocorreu em meados de 2013, quando da aquisição de parte acionária da Petrobrás pela OGX em consórcio para exploração de óleo e gás na bacia de Santos.

 

A respeito do assunto, ouve manifestação do CADE através de consulta da Superintendência-Geral do CADE (Parecer nº 182/2013), com a finalidade de analisar a legalidade do ato de concentração entre as empresas PETROBRÁS e OGX.

 

Conforme a redação do parecer supracitado, “nesse ponto, o § 2º do artigo 108 do Regimento Interno do CADE é elucidativo quando, ao regulamentar o tema, destaca a vedação à prática dos seguintes atos – todos de caráter exemplificativo – antes da apreciação final da operação pelo CADE:

 

a) Transferências de ativos;

b) Influência de uma parte sobre a outra;

c) Troca de informações sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes.[4]”

 

A conclusão do parecer foi no sentido de reconhecimento de ato de concentração ilegal – gun jumping -, por ter a compradora – no caso OGX –  participado efetivamente nas decisões a serem tomadas pela vendedora – PETROBRÁS – antes mesmo da aprovação da operação, incidindo na modalidade “troca de informações sensíveis”. Foram aplicadas às empresas envolvidas as sanções prescritas nos parágrafos 3º e 4º do artigo 88 da Lei n. 12.529/11.

 

A decisão do CADE destacou que "a infração de gun jumping é sempre de uma gravidade elevada, mesmo nos casos em que as operações consumadas precocemente não levantem preocupações concorrenciais, uma vez que tal prática representa desafio frontal ao próprio regime de controle prévio de estruturas estabelecido pela Lei nº 12.529/11"[5].

 

Ainda impõe destacar que a prática de gun jumping pode ocasionar a abertura de processo administrativo para apurar a conduta, podendo resultar na imposição de pena de multa que pode variar entre 0,1% e 20% do faturamento bruto das partes envolvidas no ano anterior à instauração do processo, no setor de atividades afetado pela conduta, conforme prescreve o artigo 37 da Lei n. 12.529/11[6].

 

Por fim, e importante consignar que, a anulação do negócio jurídico objeto de gun jumping vem sendo flexibilizado pelo Cade, quando da celebração de Acordo de Previsão de Reversibilidade de Operação – APRO.

 

Isto aconteceu no caso da Goiás Verde Alimentos Ltda. e a Brasfrigo Alimentos Ltda. por efetuarem uma operação de venda de ativos sem a prévia comunicação exigida.

 

Por haver assinado um Acordo de Previsão de Reversibilidade de Operação[7] em janeiro de 2012, o Cade preferiu firmar um novo acordo com as empresas a anular os atos. Dessa forma, o plenário aprovou um Acordo de Controle em Concentração (ACC), mantendo o contrato assinado em outubro de 2012 como válido[8].

 

Todavia, essa não é a primeira decisão em que o CADE realiza o procedimento APRO ao invés de anular de plano o ato de concentração, conforme prevê a lei. Casos como Sadia e Perdigão, Brasil Telecom e Oi e Webjet e Gol, são exemplos de casos em que houve o firmamento do contrato de reversibilidade, sendo que no caso da Webjet e Gol, tal acordo foi posteriormente revogado por conta da aprovação da operação de concentração entre as empresas.

 

Entretanto, não devemos entender a realização de APRO como uma regra, e sim, como uma exceção.

 

O conselheiro-relator Paulo Furquim fez questão de destacar que o APRO tem como objetivo a proteção do cenário existente no momento e não se confunde com uma tendência de deliberação por parte do órgão antitruste. "O APRO reflete um estado bastante preliminar das informações que estão no CADE. É uma cautela do CADE", avisa o conselheiro[9].

 

Diante deste cenário, cabe-nos aguardar as próximas decisões do Cade, consignando apenas que a notificação prévia exigida pela lei antitruste brasileira para atos de concentração vultosos é ferramenta hábil para defesa da concorrência e elementar para garantir ao consumidor seus direitos básicos garantidos pela Constituição pátria.


Bibliografia:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Brasil. Lei Antitruste – lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011.

 

Cade suspende marca Jurema por prática de ‘gun jumping’. JOTA, 22 abr. 2015. Disponível em: http://jota.info/cade-suspende-marca-jurema-por-pratica-de-gun-jumping+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

 

Guia para a análise da consumação prévia de atos de concentração econômica – Cade. Disponível em: http://www.cade.gov.br/upload/Guia%20gun%20jumping-%20vers%C3%A3o%20final%20(3).pdf

 

MOREIRA, Pedro Gomes Miranda e. Controle prévio de atos de concentração econômica – Gun Jumping à luz da lei 12.529/11 e cases perante o CADE. Migalhas, 31 jul. 2015. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI224372,91041Controle+previo+de+atos+de+concentracao+economica+Gun+Jumping+a+luz

 

OGX e Petrobras podem ser multadas por "gun jumping". Migalhas, 30 jul. 2013. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI183447,61044OGX+e+Petrobras+podem+ser+multadas+por+gun+jumping

 

Para preservar concorrência, Cade sela acordo com a Oi. Observatório do direito à comunicação, 11 dez. 2008. Disponível em: http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=22254

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SABMiller aceita oferta de compra da AB InBev por US$ 109 bilhões. G1, São Paulo, 13 out. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/10/sabmiller-aceita-oferta-de-compra-da-ab-inbev-por-us-109-bilhoes.html

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Notas

[1] Art. 88, § 5o Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo. 

[2] Art. 88, § 3o  Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei. 

[3] Parecer exarado no Ato de Concentração n. 08700.005775/2013-19.

[4] Idem.

[5] Idem.

[6] Art. 37.  A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;

II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);

III - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do caput deste artigo. 

§ 1o  Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

§ 2o  No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o Cade poderá considerar o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo Cade, ou quando este for apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.

[7] Art. 59, L n. 12.529. § 1o O Conselheiro-Relator poderá autorizar, conforme o caso, precária e liminarmente, a realização do ato de concentração econômica, impondo as condições que visem à preservação da reversibilidade da operação, quando assim recomendarem as condições do caso concreto.

[8] Notícia veiculada pelo JOTA em 22 de abril de 2015. Disponível em: http://jota.info/cade-suspende-marca-jurema-por-pratica-de-gun-jumping+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

 

[9] Notícia veiculada pelo Observatório em 11 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=22254

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Sobre o autor
Gabriela Gruber Sentin

Advogada; Especialista em Direito Tributário pelo IBET.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENTIN, Gabriela Gruber. Atos de concentração e a comunicação ao CADE:prática de gun jumping à luz da legislação antitruste brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4505, 1 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44094. Acesso em: 22 dez. 2024.

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