RESUMO: O presente estudo busca analisar a Defesa do Consumidor a partir dos princípios protetivos extraídos da Política Nacional das Relações de Consumo e a sua eficácia nas relações entre consumidores e fornecedores, verificando a maneira como se dá a efetivação destes princípios. Para tanto, é necessário examinar a evolução e os contornos que a legislação protetiva do consumidor tomou nos últimos anos. Desta maneira, será indispensável avaliar a importância dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico pátrio, e a sua relação com a defesa do consumidor. Em seguida, aborda-se a atuação do Poder Judiciário e o seu papel na busca pela efetivação dos princípios que protegem o consumidor, de modo que, é relevante compreender a maneira como são classificados os princípios e a sua abrangência. É importante salientar que este estudo se dará em consonância com Alexy, e sua doutrina acerca da teoria dos princípios. Busca-se entender se o método da ponderação é adequado na aplicação dos princípios, e se dessa forma será possível efetivar a dignidade do consumidor.
Palavras-chave: Norma Jurídica. Poder Judiciário. Ponderação.
INTRODUÇÃO
Este estudo pretende analisar o acirrado mercado de consumo no qual o fornecedor detém os instrumentos hábeis a produzir e determinar tendências, e o consumidor é considerado o sujeito vulnerável. Nesta relação poderá haver discrepância, com isso, torna-se importante avaliar os mecanismos que visam harmonizar os interesses de seus participantes.
Ademais, com o avanço das tecnologias e do uso da internet os meios publicitários ganharam força. A grande variedade de produtos e serviços disponíveis no mercado pode levar o consumidor a adquirir produtos ou serviços desnecessários a sua real necessidade. Dessa forma, é preciso investigar quais os meios adequados para que o consumidor evite ser vítima de abusos.
Na busca pela tutela protetiva do consumidor, é importante analisar a sua proteção como um direito fundamental, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 prevê no art. 5º, XXXII a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais.
Pretende-se ainda, avaliar o respeito à dignidade do consumidor nas relações entre as partes e como se poderá ajustar o relacionamento entre consumidor e fornecedor, de modo a dar um maior equilíbrio a essa relação. Neste contexto, é de grande importância averiguar o papel da Política Nacional das Relações de Consumo, e seu atendimento às necessidades dos consumidores, objetivando a proteção de suas relações econômicas a partir dos princípios que procuram dar efetividade a esses direitos.
Nesse passo, procura-se estabelecer a relação entre os princípios protetivos do consumidor extraída da Política Nacional das Relações de Consumo e a sua efetivação, objetivando-se o respeito à dignidade do consumidor.
Segundo Lima Filho (2015) os direitos fundamentais geralmente são exteriorizados no ordenamento jurídico pátrio através de princípios. Partindo desta premissa, pretende-se verificar a forma como se dá essa exteriorização. Para isto, parte-se da análise do conceito de norma jurídica, verificando as diferenças existentes entre princípios e regras jurídicas.
Por fim, objetiva-se abordar a importância da efetivação desses princípios como forma de efetivar a dignidade do consumidor, avaliando a aplicação dos princípios protetivos do consumidor pelo Poder Judiciário. A análise utilizará o método de aplicação de princípios proposta por Alexy, segundo a sua teoria dos princípios, através do método da ponderação.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão de literatura em que foram avaliadas publicações referentes à “Defesa do consumidor e os Direitos Fundamentais”. Quanto ao tipo de publicação, foram considerados artigos e livros nacionais publicados em língua vernácula, além da legislação e jurisprudência nacional. O estudo foi realizado na biblioteca setorial e laboratórios de informática e pesquisas da Faculdade Guanambi – FG, localizada na região Centro-Sul baiana a 780 km da capital Salvador-BA.
Os dados foram analisados atendendo aos seguintes critérios: dados de identificação dos autores e dos artigos/livros, o ano de publicação, título e revista/editora. Ademais, utilizou-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e a legislação nacional.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR
A vida e o consumo constituem um binômio inseparável. O ato de consumir é uma resposta a um conjunto de processos fisiológicos que garantem a existência da variedade de organismos. O processo de consumir, segundo uma perspectiva biológica, não pode ser considerado de forma isolada, uma vez que se molda a fatores externos pelo próprio ambiente. Consumir, portanto, é um ato de sobrevivência dos seres vivos, sendo o consumo humano mais complexo do que aqueles realizados por outros seres vivos, fazendo do ato de consumir um dos elementos que compõe a própria condição humana (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).
Conforme Almeida (2013, p. 8) [...] “todos nós somos consumidores [...] consumimos desde o nascimento e em todos os períodos de nossa existência. Por motivos variados, que vão desde a necessidade da sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo pelo consumo”.
Com a Revolução Industrial a capacidade produtiva do ser humano aumentou de forma significativa. A produção que antes era manual, artesanal, mecânica, ligada ao seio familiar ou a um pequeno grupo de pessoas, a partir dessa revolução, passou a ser em grande massa, em larga escala. A distribuição do que era produzido também sofreu alterações, visto que, antes era o fabricante quem se encarregava de fazê-la, e a partir de certo momento passou a ser realizada em grande escala pelos megaatacadistas, desta maneira, o comerciante e o consumidor passaram a receber os produtos lacrados, sem a menor condição de saber o seu real conteúdo (CAVALIERI FILHO, 2008).
Segundo Grinover & Benjamin (2007, p. 12) “O homem do século XX vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo, [...] caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como, pelas dificuldades de acesso á justiça” [...].
No Brasil aplicava-se a legislação do Código Civil às relações de consumo, até a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Com essa interpretação gerou-se grandes problemas para compreensão da própria sociedade. Nas relações contratuais, baseadas no direito civil, existe o pressuposto de que os contratantes encontram-se em pé de igualdade. Era feito um contrato a partir da vontade destes e transmitido a um pedaço de papel. Neste escrito, encontra-se a vontade subjetiva das partes, e como o contrato foi realizado, o pact sunt servanda, ou seja, a vontade das partes deve ser respeitada (NUNES, 2012).
A sociedade de consumo não trouxe apenas benefícios aos seus participantes, em certos casos, piorou a situação do consumidor ao invés de melhorá-la, pois, ele ficou em situação de desequilíbrio diante do fornecedor, não se podendo mais falar-se no poder de barganha entre consumidor e fornecedor. A partir dessa discrepância nas relações de consumo foi necessária a intervenção estatal para tutelar o mercado de consumo de modo a equilibrar a relação entre o consumidor, sujeito vulnerável, e o fornecedor (GRINOVER & BENJAMIN, 2007).
A defesa do consumidor começou a ser discutida nos anos 70 de forma tímida a partir da criação de associações civis e entidades governamentais, com a finalidade de promover esta proteção. No Rio de Janeiro foi criado no ano de 1974 o Conselho de Defesa do Consumidor (Condecon); em Curitiba no ano de 1976 criou-se a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor (adoc); em Porto Alegre, no ano de 1976 a Associação de Proteção ao Consumidor (APC); por sua vez em são Paulo através do Decreto 7.890 de 1976 foi criado o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, que tinha em sua estrutura como órgãos centrais: o Conselho Estadual de Proteção ao Consumidor e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, posteriormente chamado de Procon (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).
A Constituição Federal de 1988 elevou a defesa do consumidor ao status de direito fundamental, conforme o art. 5º, inciso XXXII. Prevendo no art. 170, inciso V, o Direito do Consumidor como um princípio da ordem econômica, dirigindo ao Estado o dever de sistematizar esta proteção em um código, conforme o art. 48 do ADCT (LIMA FILHO, 2015).
No ensinamento de Garcia (2010, p. 03):
A inclusão da defesa do consumidor como direito fundamental na CF vincula o Estado e todos os demais operadores a aplicar e efetivar a defesa deste ente vulnerável, considerado mais fraco na sociedade. É o que chamamos de “força normativa da Constituição”, na expressão de Konrad Hesse, em que a Constituição, ou os direitos nela assegurados, em especial os direitos fundamentais, não são meros programas ou discursos a serem seguidos, mas apresentam força de norma (normas jurídica), passível de ser executada e exigível.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
CONCEITO GERAL
Existe dificuldade em definir um conceito sintético e preciso do que seriam os direitos fundamentais, tendo em vista a ampliação e transformação que sofrera ao longo da história. A dificuldade aumenta ao serem empregadas várias expressões para designá-los, entre elas: direitos humanos, direitos do homem, direitos naturais, direitos fundamentais do homem, liberdades fundamentais, liberdades públicas, direitos individuais e direitos públicos subjetivos (SILVA, 2005).
Aqui importa diferenciar direitos humanos e direitos fundamentais, por serem mais pertinentes a este estudo. Conforme Novelino (2012) na Constituição Federal de 1988 encontra-se o termo direitos fundamentais, em referência aos direitos humanos consagrados em seu plano interno. Enquanto que, a expressão direitos humanos, faz referência a esses direitos quando previstos em tratados e convenções internacionais, ou seja, no plano internacional.
No mesmo sentido, Oliveira (2012) infere que os direitos de proteção aos seres humanos eram denominados de direitos do homem, e posteriormente ao serem inseridos nas Constituições dos Estados, passaram a ser chamados de direitos fundamentais. Já a expressão direitos humanos passou a ser utilizada após serem previstos em tratados internacionais.
Bulos (2014, p. 525) infere que:
Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.
Segundo Alexy (2014), os direitos humanos são definidos em cinco características, quais sejam: (1) a universalidade (todos os seres humanos, nesta qualidade, são portadores ou possuidores destes direitos); (2) são fundamentais (os direitos humanos não protegem todas as condições imagináveis do bem-estar, mas apenas os interesses e as necessidades fundamentais); (3) a abstração (refere-se ao objeto dos direitos humanos, por exemplo, todos possuem um direito á saúde, entretanto, o que isso significa em um caso concreto pode ocorrer uma longa disputa); (4) caráter moral (a validade dos direitos humanos consiste no fato de poderem ser justificados moralmente. Essa validade consiste na fundamentabilidade do seu caráter moral. O que fundamenta a existência dos direitos humanos é a sua própria existência); (5) a prioridade (os direitos humanos não podem ter sua força invalidada por normas “jurídico-positivas”; sendo também, o padrão com o qual se medirá a interpretação do que está positivado).
Conforme Nino (2011, p. 44):
Na medida em que os direitos humanos são invocados por proposições justificatórias, os juízos legais podem expressar direitos humanos somente se constituírem uma subclasse de juízos morais. Se a lei for tomada no sentido descritivo, ela não é capaz de gerar direitos humanos. [...] O que importa aqui é o caráter moral dos direitos humanos, o fato de se originarem direta ou indiretamente de princípios morais (princípios cuja validade, recordemos, não depende de sua formulação ou aceitação por qualquer autoridade, os quais são gerais, universais e supervenientes e têm primazia perante outros princípios práticos, exceto quando estes também possuem caráter moral).
O avanço alcançado pelo direito constitucional na atualidade é fruto da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e de que a Constituição é o local onde devam estar previstas normas que assegurem essa proteção. Em paralelo a isso se tem o reconhecimento da constituição como norma máxima do ordenamento jurídico e que os valores mais importantes da existência humana, devam estar resguardados nessa norma suprema, que possui força vinculativa máxima (BRANCO, 2014).
Os direitos fundamentais não surgiram ao mesmo tempo, e sim, em períodos distintos, segundo a demanda de cada época. A consagração e a progressividade nos textos constitucionais deu origem às chamadas gerações de direitos fundamentais. Entretanto, uma geração não exclui a outra, sendo que, atualmente, a doutrina tem optado pelo termo dimensão (NOVELINO, 2012).
Conforme Bonavides (2004, p. 563-564) os de primeira geração:
[...] são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente [...] Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
Quanto aos de segunda geração, estes dominaram o século XX da mesma forma que os da primeira geração. Nessa classificação entram os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos. Nasceram ligados ao princípio da igualdade, do qual não podem ser separados, pois, do contrario, seria o mesmo que desmembrá-los (BONAVIDES, 2004).
Já os da terceira geração são os direitos de fraternidade ou solidariedade, abrangendo a paz universal e o meio ambiente equilibrado, dentre outros direitos difusos e coletivos. Neste caso, são protegidas pessoas determinadas e indeterminadas. Foram realçados após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (1945) e com a internacionalização dos direitos humanos (OLIVEIRA, 2011).
No mesmo sentido, Garcia (2010, p. 22), aduz que: [...] “no final do século XX, período marcado por profundas mudanças na comunidade internacional e na sociedade [...], com a finalidade de tutelar o próprio gênio humano, surgiram os direitos considerados transindividuais, direitos de pessoas consideradas coletivamente” [...].
A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que aliás, correspondem á derradeira fase de institucionalização do Estado social. São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência (BONAVIDES, 2004, p. 571)
Os direitos fundamentais ainda possuem como características: a historicidade (são históricos como qualquer direito); a inalienabilidade (são direitos intrasferíveis e inegociáveis); a imprescritibilidade (são direitos que nunca deixam de ser exigíveis); e a irrenunciabilidade (não se pode renunciar aos direitos fundamentais, pode-se até deixar de exercê-los, mas nunca poderão ser renunciados) (SILVA, 2005).
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Na Constituição Federal de 1988, tem-se que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana, conforme o art. 1º, inciso III. Segundo o art. 170 da carta magna assegura-se que toda ação econômica tem por finalidade garantir a todos uma existência digna. Essa dignidade é um atributo que pertence a todos os indivíduos, é inerente à condição humana não influindo nisso qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, etc. (RAMOS, 2014).
Em consequência à consagração da dignidade da pessoa humana de maneira expressa no texto constitucional, tem-se o reconhecimento de que a pessoa deve constituir o objetivo supremo da ordem jurídica, devendo haver uma presunção a favor do ser humano em uma relação entre o indivíduo e o Estado (NOVELINO, 2012).
Segundo Nunes (2012), embora alguns doutrinadores entendam que o princípio da isonomia é a principal garantia constitucional, ele entende ser a dignidade da pessoa humana o principal direito constitucional garantido na Constituição Federal de 1988, sendo a dignidade o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional.
A utilização da dignidade da pessoa humana na jurisprudência brasileira pode se dar de quatro maneiras. A primeira forma consiste na fundamentação da criação de novos diretos, é a chamada eficácia positiva do princípio da dignidade da pessoa humana. O segundo modo é realizado pela forma de interpretação adequada das características que compõe determinado direito. A terceira forma de utilização consiste em criar limites à atuação do Estado, é chamada de eficácia negativa da dignidade da pessoa humana. Por fim, a quarta forma consiste na fundamentação do juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em face de outro (RAMOS, 2014).
Apesar de possuir um grande apelo moral e espiritual, existe um vazio na definição do que seria a dignidade da pessoa humana. Sendo muito invocada pelas partes em litígios quando em jogo questões moralmente controvertidas. Deste modo é necessário que se faça um esforço doutrinário para caracterizar a sua natureza jurídica e a extensão de seu conteúdo (BARROSO, 2013).
Nesse sentido, Ramos (2014, p. 77) entende que: [...] “uso abusivo e retórico da “dignidade humana” pode banalizar esse conceito, dificultando a aferição da racionalidade da tomada de decisão pelo Poder Judiciário em especial no que tange ao juízo de ponderação entre direitos em colisão”.
Com isso, Barroso (2013) assevera que a dignidade da pessoa humana possui valor fundamental, trata-se de um princípio jurídico com status constitucional fazendo parte dos direitos fundamentais. Os princípios constitucionais desempenham diversos papeis no sistema jurídico, dentre deles, pode-se citar dois: o de fonte direta de direito e deveres, quando extraem regras que serão aplicadas em situações concretas; e o papel interpretativo, que será o alcance e o sentido que a dignidade da pessoa humana demonstra sobre os direitos constitucionais.