OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS
De acordo com Lima Filho (2015), os direitos fundamentais geralmente se exteriorizam no ordenamento jurídico através de princípios. Nesse passo, essa exteriorização será analisada através da teoria dos princípios de Alexy.
A principal distinção entre regras e princípios, consiste no fato de que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado dentro do maior alcance possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Os princípios são “mandamentos de otimização”, isso significa dizer que eles possuem como caraterística a possibilidade de serem satisfeitos em graus variados e que a sua satisfação não depende apenas das possibilidades fáticas, mas também, das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2008).
As regras são normas que serão sempre satisfeitas ou não. Isso significa dizer que se uma regra é valida, deve-se seguir exatamente o comando que ela possui, nem mais nem menos. As regras possuem determinações no âmbito do que é fática e juridicamente possível. Portanto, a distinção entre princípios e regras é qualitativa e não uma distinção de grau. Toda norma é considerada uma regra ou um princípio (ALEXY, 2008).
No ensinamento de Barroso (2013), modernamente a constituição brasileira passou a ser interpretada como um sistema aberto de princípios e regras permeável a valores jurídicos suprapositivos, sendo que, os ideais de justiça e a busca pela realização dos direitos fundamentais exercem seu papel central. Na atualidade, prevalece o entendimento de que o sistema jurídico ideal é concebido através de uma distribuição equilibrada entre princípios e regras.
O CONFLITO ENTRE REGRAS E A COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS
O conflito entre regras apenas poderá ser resolvido se for introduzida entre elas uma cláusula de exceção para eliminar esse conflito, caso contrário, uma das regras deverá ser declarada inválida. Os conflitos entre regras ocorrem na dimensão de sua validade. Para ser resolvida uma colisão entre princípios é necessário que um ceda ao outro, o que ocorre é que um dos princípios possui precedência ao outro em determinadas condições. Aqui, não há que ser declarada a invalidade de um princípio, nem tampouco, existe uma cláusula de exceção como no conflito entre regras. O que ocorre é que os princípios em determinados casos concretos possuem pesos diferentes, com isso, o de com maior peso terá precedência ao outro. A colisão entre princípios não está na dimensão da validade, tendo em vista que só princípios válidos podem colidir, na verdade ocorrem na dimensão do peso (ALEXY, 2008).
O que irá determinar a medida como se dará o cumprimento de um princípio em relação a outro colidente é a ponderação. Ela é a forma de aplicação específica do princípio. A definição do caráter dos princípios é a sua conexão com a máxima da proporcionalidade, trata-se de uma conexão estreita. A máxima da proporcionalidade possui três máximas parciais, quais sejam: a máxima da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Se os direitos fundamentais possuem caráter de princípio, logo a máxima da proporcionalidade vale na aplicação dos direitos fundamentais. O centro da construção dos princípios consiste na conexão necessária entre direitos fundamentais e a proporcionalidade (ALEXY, 2014).
De acordo com Alexy (2014, p. 142):
A ideia fundamental da otimização em relação às possibilidades jurídicas, ou seja, o exame da proporcionalidade, pode ser formulada em uma regra que pode ser denominada “lei da ponderação”. Ela reza: Quanto maior o grau de descumprimento de ou interferência em um princípio, maior deve ser a importância do cumprimento do outro princípio. A lei da ponderação mostra que a ponderação pode ser dividida em três passos ou níveis. No primeiro nível trata-se do grau de descumprimento de ou de interferência em um princípio. A ele se segue, no próximo nível, a identificação da importância do cumprimento do princípio oposto. Finalmente, no terceiro nível, identifica-se se a importância do cumprimento do princípio oposto justifica o descumprimento do outro princípio ou a interferência nele.
A ponderação consiste em uma técnica de decisão jurídica, a ser aplicada em casos difíceis, nos quais a subsunção se mostrou ineficaz. Isso ocorre devido ao fato de existirem normas de mesma hierarquia indicando soluções distintas. Tornou-se comum nos últimos tempos a utilização da ponderação pela jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal (BARROSO, 20013).
Conforme Lima Filho (2015) [...] “ao magistrado compete, ao aplicar a norma abstratamente prevista pelo legislador, ponderar qual é o melhor ajustamento desta norma ao caso concreto”.
POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
É no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor que se encontra a Política Nacional das Relações de Consumo, que possui como objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, a saúde e segurança, visando proteger os interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida dos consumidores. Objetiva-se ainda a transparência e a harmonia das relações de consumo observando seus princípios regedores (BRASIL, 1990).
Através dessa política nacional, procura-se a implantação de um sistema jurídico único e uniforme, através de normas de ordem pública e interesse social, de aplicação imprescindível na busca da tutela dos interesses dos consumidores. A instrução instrumentalizada no art. 4º do CDC está ligada aos ditames da ordem econômica, art. 170 da constituição Federal de 1988, bem como da proteção dos direitos e garantias fundamentais, conforme o art. 5º da carta magna, os quais visam alcançar a harmonia daqueles que integram o mercado de consumo (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).
O Código de Defesa do Consumidor foi a lei mais revolucionária do século XX, pelas inúmeras inovações que introduziu no ordenamento jurídico pátrio. Apesar de destinada às relações de consumo, o CDC influenciou todo o sistema jurídico brasileiro, tanto a doutrina quanto a jurisprudência mudou profundamente após a sua vigência. O CDC adotou uma técnica legislativa avançada que se baseou em princípios e cláusulas gerais, permitindo assim, ser considerado como uma lei principiológica (CAVALIERI FILHO, 2008).
Segundo Garcia (2010, p. 21), o Código de Defesa do Consumidor:
[...] constitui norma principiológica (normas que veiculam valores, estabelecem os fins a serem alcançados, ao contrário das regras que estipulam hipóteses do tipo preceito/sanção), contemplando cláusulas gerais (técnica legislativa na qual são utilizados conceitos jurídicos a serem preenchidas pelos magistrados quando da análise de um caso concreto, v.g., boa-fé objetiva, função social do contrato etc.).
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DO CONSUMIDOR
A dignidade da pessoa humana já foi abordada neste trabalho como um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988, sendo ainda, considerada o principal princípio do ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, “A dignidade da pessoa humana — e do consumidor — [...] ilumina todos os demais princípios e normas [...] dentro do sistema constitucional soberano brasileiro. A dignidade garantida no caput do art. 4ºda Lei n. 8.078/90 está, assim, ligada diretamente àquela maior” [...] (NUNES, 2012).
Interessante ilustrar a sua aplicação no seguinte julgado:
DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÍNICA DE EXAME OCUPACIONAL. TEMPO DE ESPERA. CONSUMIDORA AGUARDOU ATENDIMENTO POR APROXIMADAMENTE TRÊS HORAS. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA CONSUMIDORA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. [...] NO CASO CONCRETO, O TEMPO DE ESPERA SUPEROU QUALQUER SITUAÇÃO DE NORMALIDADE, CONFIGURANDO VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA CONSUMIDORA. 3. O QUANTUM A SER FIXADO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS DEVERÁ OBSERVAR AS SEGUINTES FINALIDADES: COMPENSATÓRIA, PUNITIVA E PREVENTIVA, ALÉM DO GRAU DE CULPA DO AGENTE, DO POTENCIAL ECONÔMICO E CARACTERÍSTICAS PESSOAIS, A REPERCUSSÃO DO FATO NO MEIO SOCIAL E A NATUREZA DO DIREITO VIOLADO, OBEDECIDOS OS CRITÉRIOS DA EQUIDADE, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 4. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (TJ-DF - ACJ: 20130910094440 DF 0009444-10.2013.8.07.0009, Relator: EDI MARIA COUTINHO BIZZI, Data de Julgamento: 26/11/2013, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/01/2014, 1054p).
PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor está previsto no inciso I, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. O consumidor é considerado a parte mais fraca no mercado de consumo, visto que, o fornecedor detém os meios necessários para o controle desse mercado. Ele é quem irá ditar a quantidade da produção, fixar valor do que vai produzir. A tutela da vulnerabilidade do consumidor tem por objetivo equilibrar a relação econômica entre este e o fornecedor, conferindo-lhe instrumentos para se defender (FILOMENO, 2007).
O Direito do Consumidor encontra fundamento na vulnerabilidade. Esta é um elemento informador da Política Nacional das Relações de Consumo. Ela visa estabelecer igualdade entre consumidores e fornecedores que fazem parte dos elementos da relação de consumo. O consumidor é tido como vulnerável, pois não detêm o controle do processo de produção, distribuição e comercialização, participa apenas do consumo (CAVALIERI FILHO, 2008).
Importante destacar a distinção entre os termos, vulnerabilidade e hipossuficiência. A vulnerabilidade justifica a existência da defesa do consumidor, é uma característica de todos que se enquadram na condição de consumidor, ou seja, é dizer que os todos os consumidores são vulneráveis. Já a hipossuficiência se dá de duas maneiras: hipossuficiência econômica, quando o consumidor é tido como pobre; ou processual, quando possui dificuldade na produção de provas em juízo (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).
Espécies de vulnerabilidade
É encontrado na doutrina três espécies de vulnerabilidade do consumidor, que podem ser das seguintes maneiras:
Conforme Nunes (2012), a vulnerabilidade técnica está relacionada aos meios de produção que é de monopólio do fornecedor. Não diz respeito apenas à técnica de produção, mas também, ao aspecto de controle das decisões do que será produzido e posto à venda no mercado de consumo. O consumidor, parte fraca dessa relação, fica condicionado ao que o fornecedor produzir.
Segundo Cavalieri Filho (2008), a vulnerabilidade fática decorre da discrepância entre a capacidade econômica do consumidor e fornecedor. O consumidor é a parte mais fraca dessa relação, já o fornecedor, possui os mecanismos de produção e o consequente poder econômico. O status social leva o consumidor à necessidade de consumidor, pois o mercado de consumo vende ilusões e necessidades irreais. Fazendo com que este caia na tentação de estar sempre consumindo, colocando-o em uma cadeia viciosa levando ao endividamento e consequente negativação do nome.
A vulnerabilidade jurídica está relacionada à carência de informação do consumidor a respeito de seus direitos e a quem reclamar por eventual conflito, dificuldades de chegar ao judiciário e a longa demora de tramitação dos processos judiciais. Essa vulnerabilidade garante ao consumidor um processo célere. Sendo que esta poderá ocorrer na fase extrajudicial, na fase pré-processual e até mesmo depois de terminado o processo (GIANCOLI & ARAÚJO JÚNIOR, 2012).
Nesse passo, importante conferir o seguinte julgado:
CHEQUES - VINCULAÇÃO A NEGÓCIO QUE NÃO SE REALIZA - DIREITO DE DEVOLUÇÃO - RESPEITO AO PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR - SENTENÇA REFORMADA. 1. ASSINANDO CONSUMIDOR CONTRATO DE FINANCIAMENTO, QUE ESTÁ DIRETAMENTE LIGADO À COMPRA QUE FAZ, DANDO CHEQUES PARA PAGAMENTO DAS PARCELAS MENSAIS A QUE SE OBRIGA EM RAZÃO DO CONTRATO, E SE NÃO RECEBE ELE AS MERCADORIAS FINANCIADAS, NÃO PODE ELE SER OBRIGADO A QUITAR AS PRESTAÇÕES, NÃO SÓ EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA UTILIDADE DO CONTRATO, COMO, AINDA, EM RECONHECIMENTO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. [...] (TJ-DF - ACJ: 20020110349929 DF , Relator: LUCIANO VASCONCELLOS, Data de Julgamento: 02/10/2002, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU 13/11/2002, 134p).
PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO
O inciso II, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor prevê que o Estado deve agir no sentido de proteger efetivamente o consumidor. É dever do Estado instituir órgãos de públicos de proteção e defesa do consumidor e incentivar a criação de associações que visem protegê-lo. A ação do Estado no mercado de consumo visa a sua regulação, intervindo quando necessário, conduzindo a proteção efetiva do consumidor e cuidando do funcionamento dos produtos e serviços oferecidos pelo fornecedor no mercado de consumo (FILOMENO, 2007).
Segundo Giancoli & Araújo Júnior (2012) o Estado pode intervir no mercado de consumo, defendendo os interesses do consumidor, garantindo-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais e zelando pela sua qualidade. A ação do Estado pode ser verificada por intermédio de Procons, do Ministério Público, da Secretaria de Direito Econômico e do incentivo à criação de entidades civis de proteção ao consumidor.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
A necessidade do respeito à boa-fé objetiva é extraída do inciso III, do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. Os contratantes, consumidor e fornecedor, devem se respeitar praticando uma conduta de lealdade na relação contratual, baseando-se na confiança de ambas as partes para que o contrato possa ser executado da melhor maneira possível. A boa-fé objetiva é obtida através de comportamentos éticos relacionados a um dever de conduta. Devendo esta ser observada em todas as fases do contrato, ou seja, na fase pré-contratual, durante a execução do contrato e após a sua extinção (GARCIA, 2010).
PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
Este princípio tem previsão no caput do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. Dentre os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo está à observância da transparência (BRASIL, 1990).
Conforme Giancoli & Araújo Júnior (2012), o princípio da transparência significa a clareza e precisão da informação, devendo a relação estabelecida no mercado de consumo ser feita de forma clara, tendo absoluta transparência entre as partes. O fornecedor tem o dever de informar tendo zelo pela quantidade e qualidade das informações prestadas ao consumidor, cuidando da segurança dos produtos e serviços que põe no mercado de consumo. Já o consumidor tem o direito a ser informado de forma adequada sobre o que vai consumir.
PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
Ainda que, não se esteja expresso no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, este princípio encontra-se, no entanto, espalhado por vários artigos do diploma consumerista. O legislador preocupou-se em criar novos mecanismos para facilitar o acesso dos consumidores à justiça como meio de defesa dos seus direitos (GARCIA, 2010).
Alvim apud Gondim (2011) assevera que a “necessidade de conferir efetividade ao processo e facilitação do acesso à justiça exigiu que se fortalecesse a posição do consumidor [...] com a criação de mecanismos de ordem processual que realmente representassem a desobstrução do acesso à Justiça” [...].