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Da arquitetura da violência à arquitetura do amor

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O Brasil que estamos construindo será uma potência apenas econômica. Prédios luxuosos com parafernálias tecnológicas e segurança particular para defender os "nobres" cidadãos que podem pagar pelo conforto.

Arquitetura da Violência, o que é? O Brasil, infelizmente, ainda é uma nação movida pelo escárnio e ódio: étnico; sexual; religioso; morfológico. São tantos os ódios e os escárnios que fazem com que a sociedade brasileira seja considerada bárbara. Há a mentalidade de que tudo se resolve pela ponta da baioneta, pelo pau de arara (tortura), pelos vitupérios.

A “educação” no Brasil, antes da LEI Nº 13.010, DE 26 DE JUNHO DE 2014 [Lei da Palmada], era à base de ameaças físicas e psicológicas, tanto pelos próprios pais quanto pelos educadores de instituições de ensino. A regra era dar o “melhor” ensinamento aos futuros cidadãos, de forma que, quando adultos, eles se comportassem como verdadeiros seres humanos “civilizados”. A “civilidade” ensinada às crianças e aos adolescentes tinha como meta a conduta adequada às regras de boa educação comportamental: vestir-se, alimentar-se, falar, gesticular. Enfim, regras para poder viver em grupo.

Dogmas, tabus, superstições e pitadas de racismos e preconceitos formaram a “civilidade” brasileira. Atrás da “civilidade” brasileira se escondia as mais nefastas crenças e filosofias anti-humanísticas, as quais o povo brasileiro vem conhecendo pelas leis que protegem e materializam os direitos humanos. Abaixo, algumas:

1) Lei Maria da Penha;

2) Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos;

3) Estatuto do Idoso;

4) ECA - Estatuto da Criança e Adolescente;

5) Programa Nacional de Direitos Humanos [1, 2 e 3] – PNDH;

6) Programas Estaduais de Direitos Humanos;

7) LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL — LOAS;

8) Lei Antitortura — LEI Nº 9.455, DE 7 DE ABRIL DE 1997;

9) Crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor — LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989;

10) Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher — DECRETO Nº 4.316, DE 30 DE JULHO DE 2002;

11) Crimes hediondos — LEI Nº 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990;

12) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher — DECRETO LEGISLATIVO Nº 107, DE 1995;

13) Convenção sobre os Direitos da Criança — DECRETO No 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990.


A educação do medo

Crianças e adolescentes foram criadas, moldadas ao medo. A disciplina era condicionada ao medo, não ao respeito. Uma sociedade bárbara condiciona pelo medo não educa pelo diálogo — liberdade de expressão. As crianças e os adolescentes tinham que obedecer, cegamente, os pais, os professores, as decisões da Justiça — a criança não era ouvida [direito de audição] pelos juízes.

A liberdade de expressão das crianças e dos adolescentes não existia. O famoso “Faça o que mando, e não o faço!” era muitíssimo usado pelos pais e professores. O saudosismo da palmatória é muito contemplado ainda:

“Saudades do tempo em que as crianças e os adolescentes tinham a boa educação da palmatória!”.

Os professores tinham pleno direito de “educar” seus alunos a base de castigos físicos — puxões de orelha, colocar o aluno virado para a parede ou trancá-lo numa saleta até o término do horário escolar — e psicológicos — adjetivos denegrindo a imagem pessoal da criança ou do adolescente.

Lembro-me de um grupo de professoras de minha infância. Tive aula particular com uma delas. Eu não conseguia resolver o exercício. Cansada e frustrada, pelo seu fracasso em não conseguir me ensinar, bravejou:

“Seu burro, preguiçoso!”.

Outro dia encontrei a "educadora". Não sei o porquê, mas ela me perguntou “Você ficou traumatizado?”. A mente é algo fabuloso. A própria consciência agora a atormentava.

Como eu, acredito que muitos outros cidadãos já sofreram tal investida. Minha avó, por parte de mãe, foi “agraciada” pela palmatória. Por ironia, minha genitora foi matriculada na mesma escola que minha avó estudara; a professora era a mesma que aplicara as palmatórias. “Não pense que fará com minha filha o que fez comigo!”, disse minha avó.

O “respeito” aos mais idosos não era respeito consciente, mas respeito porque os padrões sociopolíticos exigiam pelo medo. A pressão familiar e a cultural forçavam as crianças e os adolescentes a “respeitarem” os idosos. Ora, o desrespeito que se vê contemporaneamente se deve à liberdade de expressão garantida às crianças e aos adolescentes. Estes podem refutar a frase “Faça o que mando, e não o que faço!” de seus genitores e de qualquer adulto. A sexualidade, tão reprimida, e ainda é, agora não encontra freios nas agressões físicas dos genitores, porque constitui crime.

Lembro-me de um colega que tinha um irmão “boiola” — gíria da época —, que apanhava de cinto todos os dias. O pai não admitia a condição de seu filho ser “bicha”. Na época — década de 1970 —, se houvesse um gay [menino ou menina] na família, a culpa era da própria família que não soube “educar”: isolamento, pancadas, castigos, terapias; falta de religiosidade etc.

E o que dizer da educação darwinista social? Ora, negros tinham que morar muito longe dos “felizardos e escolhidos” cidadãos de Deus. As crianças brancas eram ensinadas a odiar e a desconfiar de qualquer pessoa com excesso de pigmentação. O Estado, por sua vez, garantia que os “perturbados”, geneticamente criminosos e desordeiros, não vivessem com dignidade. Sem infraestrutura nos locais onde residiam os “perturbados”, a expectativa de vida era diminuída. Uma boa política de genocídio em solo brasileiro. Contudo, tudo deu errado para os eugenistas. Os “perturbados”, de certa forma, foram “agraciados” pelos movimentos sociais antimilitarismo — Golpe Militar de 1964 a 1985 —, pelos “presentes” dos candidatos às eleições — um voto e algum agrado: construção de escola, pavimentação etc. Todos os “agrados” e “presentes” permitiram a sobrevivência dos “perturbados”. Além disso, a mão de obra, ainda escrava, mesmo depois da Lei Áurea, servia aos interesses da aristocracia — afinal os “eleitos” não queriam sujar suas mãos com cimento, areia e saibro [construção civil] e muito menos com sabão [empregada doméstica].

Veja abaixo direitos da criança ou adolescentes. Não é um manual que se esgota em si, mas uma ajuda a compreender os direitos das crianças e dos adolescentes:

1) Não sofrer maus tratos fisicamente através de palmadas, puxões de orelhas, beliscões, espetado com garfo, não ser colocado ajoelhado sobre milho, pedras; trancado em quarto com ou sem comida;

2) Não ser atacado verbalmente com palavras de "burro", "imbecil", "incompetente", "analfabeto", "cala a boca já", "preguiçosa", "mesquinha", "gorda burra", "magra horrorosa";

3) Poder falar o que sente [liberdade de expressão], pensa, mesmo que errado, sem ser censurado com palavras de "burro (a)", "imbecil", "incompetente", "analfabeto (a)", "cala a boca já", "vai apanhar na Cara”. O adulto deve conversar e explicar, eis a democracia ou real civilidade.

4) Poder desenhar livremente suas ideias, mas sem ser em paredes, poltrona etc.;

5) Conversar com amiguinhos (as), de quaisquer idades (idosos, adultos crianças adolescentes), de qualquer cor (branco, negro etc.), alto (a) ou baixo (a), gordo ou magro, pobre ou rico, gay ou não, sem impedimento por parte de seus pais, parentes ou quaisquer outras pessoas [não familiares];

6) Escolher a religião, a filosofia pela qual você gosta mesmo que seus pais, parentes ou quaisquer outras pessoas, não familiares, digam a você que não pode, a não ser que tal religião ou filosofia fale a você que certas pessoas ou classes não prestam e devem ser menosprezadas, ridicularizadas, perseguidas como, por exemplo: pessoa de certa cor (negro ou branco), de certa religião (umbanda, católica, espírita, budista, evangélica etc.);

10) Brincar com quaisquer amiguinhos (as), a não ser que este (a) amiguinho (a) esteja envolvido com traficantes, portando arma, faça maldades com as demais pessoas ou animais, que quebre ou estrague materiais escolares, piche paredes;

11) Ter horários para brincar, comer, estudar, conversar, dormir, tomar banho;

12) Não ser impedido (a) de falar e visitar algum parente, amigo (a), a não ser que algum amigo (a) ou parente tenha doença infectocontagiosa — o médico impediu visitas —, que esteja em local proibido à visita dentro de certos horários, mas sempre pergunte aos demais parentes se tal informação é verdadeira, você tem o direito à informação;

13) Estudar, e não ser obrigado (a) a trabalhar para ajudar os familiares, principalmente na rua vendendo bala etc.;

14) Pedir água e comida quando sentir sede e fome;

15) Pedir roupa quando estiver com frio;

16) Pedir ajuda a qualquer pessoa quando está perdido (a) ou quando um familiar se machucou e não tem condições de andar;

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17) Ser levada (o), imediatamente, ao médico quando doente;

18) Ter prioridade no atendimento médico;

19) Mandar por e-mail para as autoridades públicas ou ir aos jornais, pedir ajuda aos seus pais ou parentes, pedir melhorias ou conservação das praças públicas, parques, jardins zoológicos, na escola ou colégio em que estuda, quando há falta de merenda, carteiras, mesas, giz, greves constantes dos professores, por falta ou atraso de pagamento salarial do governante (prefeito ou governado); pedir asfaltar a sua rua ou colocar água e esgoto encanados ou terminar a obra de contenção de encosta; Melhorar o policiamento em seu bairro; de pedir retirada de lixão (lixo jogado sem tratamento) de onde você mora;

20) Pedir ajuda (telefonar, conversar ou gritar se for o caso) a qualquer pessoa e principalmente a polícia, vizinho, quando os pais ou um dos pais ou algum parente, estranho: queime você com ponta de cigarro; bate com cinto, martelo, ferro, panela; dá tapa na cara, puxa pela orelha; não quer fazer comida ou não dá de comer a você ou só dá quando você faz o que a pessoa mandar fazer algo que ela quer; sai para a rua e deixa você sozinha (o) ou sai constantemente, deixa com alguma pessoa, mas, depois quando retorna o seu pai ou sua mãe não age como pais que devem dar carinho, atenção, segurança, escutar você, ajudar você a se vestir, tomar banho, aplicar remédio em seu machucado — em vez disto quando chega seu pai ou sua mãe em casa lhe chama de "vagabunda (o)", "imprestável", "problemático (a)", "feia (o)".

Sim, como poderemos ter uma nação humanizada se as crianças e os adolescentes recebem os piores ensinamentos — darwinismo social, corrupção e eugenia — de seus genitores, professores e autoridades públicas? Dizer que tudo está ruim por culpa dos Direitos Humanos é disfarçar o ânimo ao retorno da barbárie. Não são os Direitos Humanos que estão arruinando os valores familiares, a Segurança Pública etc., mas a falta ou escassez de políticas públicas eficientes [Emenda Constitucional nº 19/98] na máquina administrativa do Estado.

O arcabouço de violência no Brasil se deve exclusivamente a uma guerra camuflada de “civilidade”. Negros e mulheres morrem sem que as autoridades se comovam — se assim fosse, a educação seria a centralidade de todas as políticas públicas, e não as prioridades nas construções de vias públicas, estádios futebolísticos; reformas de faixada de escolas e hospitais etc. Tempos sombrios os brasileiros vivem, pois do âmago se constrói uma nação.

Sem educação aos Direitos Humanos — contra corrupção, racismo, preconceito etc. — o Brasil será uma potência apenas econômica. Prédios luxuosos com parafernálias tecnológicas e segurança particular para defender os "nobres" cidadãos — que podem pagar pela segurança e pelo conforto —, enquanto uma massa de cidadãos se acotovela nas vias públicas para mitigar suas agonizantes fome e sede de "justiça".

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Da arquitetura da violência à arquitetura do amor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4990, 28 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45439. Acesso em: 2 nov. 2024.

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