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A teoria do diálogo das fontes e a flagrante inconstitucionalidade do artigo 193, § 2º da CLT:

um novo prisma sobre a constitucionalização do direito do trabalho

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07/03/2016 às 13:44
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3 – A TEORIA DA MAXIMIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E OS ELEMENTOS DO DIÁLOGO DAS FONTES NO DIREITO DO TRABALHO

Antes de se fazer uma análise dos princípios do direito do trabalho, urge identificar as razões pelas quais o sistema jurídico brasileiro tem um ramo do direito dedicado às relações de emprego.

O direito é um produto cultural. Assim, os valores de um país irão influenciar sobremaneira os dispositivos constitucionais/legais de uma nação. Países onde há uma proteção normativa maior ao capital, como é o caso dos Estados Unidos, não há um ramo distinto do direito laboral, apesar do mesmo possuir algumas normas de proteção ao trabalhador, a depender de Estado para Estado. Direito à licença gestante, por exemplo, é positivado em alguns estados daquela federação e, em outros, não da forma como estamos acostumados a lidar.

Os países latino americanos, em geral, possuem algumas características culturais similares, como um passado com graves distorções sociais que ainda permeiam as relações sociais contemporâneas. Com base no clamor da sociedade, normas trabalhistas nestes países tendem a ser bem mais protetoras do que naqueles estados onde tais problemas foram minorados.

Diante deste contexto, o Brasil decidiu separar o direito do trabalho do direito civil, partindo do pressuposto da evidente hipossuficiência do trabalhador. De fato, as diferenças remuneratórias no sistema brasileiro aponta para abismos sociais, com discrepâncias salariais significativas entre o chão da fábrica e a alta diretoria. Isso tudo diante de um histórico escravagista que compôs a base da economia brasileira ao longo de boa parte de sua história.

Como forma de corrigir estas distorções, o direito do trabalho institucionalizou alguns princípios protetivos da parte mais fraca, no caso, o trabalhador, como forma de equalizar a relação entre o todo poderoso empregador e o frágil empregado (relação essa que, via de regra, comporta poucas exceções).

Dentre estes princípios, em corte metodológico vamos nos ater a apenas três deles: princípio da proteção, princípio da irrenunciabilidade dos direitos e princípio da primazia da realidade.

3.1 – Os princípios das relações trabalhistas aplicados

3.1.1 – Princípio da proteção

O princípio da proteção é considerado o princípio dos princípios do direito do trabalho, constituindo a essência da regulação das normas trabalhistas. Ele se divide nos subprincípios do in dubio pro operário e aplicação da norma mais favorável.

No subprincípio in dubio pro operario, todas as vezes em que houver uma pluriexistência de sentidos da norma ou fatos dúbios no processo trabalhista, deve-se interpretar a norma a favor da parte mais fraca, ou seja, o empregado.

O princípio da aplicação da norma mais favorável indica que, quando houver normas em colisão, deverá ser aplicada aquela que melhor proteger a relação trabalhista. Este princípio está sendo ultrapassado pela teoria do diálogo das fontes.

3.2 – Princípio da irrenunciabilidade dos direitos

Por serem considerados normas de ordem pública, os direitos trabalhistas são irrenunciáveis por parte dos empregados. Tal situação tem a haver com o fenômeno da cultura brasileira, onde normalmente o empregador, grande detentor do poder diretivo e de comando da empresa, pode utilizar-se de suas prerrogativas para fazer com que os empregados – a parte mais fraca da relação – termine por “pedir” a sua renúncia a direitos.

3.3 – Princípio da primazia da realidade

Nas relações trabalhistas, não é incomum que a parte formal da relação de emprego seja diferente da parte real, que é aquela que efetivamente ocorre nas empresas. Como forma de fraudar a legislação, classificações dos trabalhadores são forjadas, as jornadas são adulteradas em seus pontos e o papel é elemento que apenas favorece o empregador. Está consubstanciado no artigo 9º da CLT quando aduz que “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

Assim, no direito do trabalho impera o princípio da primazia da realidade, ou seja, a busca da verdade real prevalecerá sobre a verdade meramente formal.


4 – O DIREITO AOS ADICIONAIS POR ATIVIDADES PENOSAS, INSALUBRES E PERIGOSAS NA CONSTITUIÇÃO E A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

O direito fundamental à integridade física e psíquica do trabalhador está posto na Constituição no inciso III do art. 1º, assentando como princípio fundante da República a dignidade da pessoa humana.

Da mesma forma, no artigo 6º está previsto que a segurança e a previdência social são direitos sociais e no artigo 7º há uma norma diretiva que impõe o dever de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança e seguro contra acidentes do trabalho, sob ônus do empregador, sem excluir a indenização que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa. De acordo com o artigo 7º da Constituição (BRASIL, 1988), litteris:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

Na época da edição da CLT e durante décadas a fio, os direitos dos trabalhadores eram interpretados primeiro aplicando a CLT e, posteriormente, se preciso fosse e nos tradicionais casos de lacunas, buscava-se algo na Constituição. Este tipo de interpretação perdura ainda em alguns pontos do direito do trabalho.

Ao se interpretar os diversos dispositivos constitucionais em diálogo de fontes, verifica-se que pela primazia do princípio da dignidade da pessoa humana os trabalhos penosos, insalubres e perigosos deveriam ser excluídos das relações de trabalho, pois é dever do Poder Público e dos empregadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Não obstante tal fato e mesmo com o atual estágio tecnológico da humanidade, existem funções que ainda são consideradas perigosas, insalubres e penosas, todas necessárias ao desenvolvimento econômico e social. Cita-se, por exemplo, as funções de bombeiros de postos de gasolina, trabalhadores que labutam com redes de energia, médicos e enfermeiros em contato com substâncias contaminantes.

Ainda em interpretação sistêmica do diálogo de fontes, é dever constitucional do empregador defender o princípio da dignidade da pessoa humana e minimizar ao máximo os riscos de seus funcionários. Caso não seja possível, a Constituição determinou a tarifação do risco como medida compensatória.

Assim, a dúvida interpretacional é: pode a legislação infraconstitucional suprimir o direito a um destes adicionais indenizatórios se seus requisitos legais estão devidamente preenchidos?

No caso, a CLT (BRASIL, 2015, p.118), assim prescreve:

Art. 189. Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

[...]

Art. 192. O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximos, médio e mínimo. (Redação dada pela Lei n. 6.514, de 22.12.1977).

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:       (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)

I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;       (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.       (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)

§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)

Segundo a doutrina trabalhista (MACHADO, XAVIER, COLUSSI, 2015, p. 116-118),

Existe insalubridade quando o empregado sofre agressão de agentes físicos ou químicos acima dos níveis de tolerância fixados pelo TEM, em razão da natureza e da intensidade o agente e do tempo de exposição aos seus efeitos; ou, ainda, de agentes biológicos. A insalubridade tem as características de agir de forma agressiva, cumulativa e paulatina. Ocorre a eliminação ou neutralização da insalubridade com: a) adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; b) utilização de equipamento de proteção que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância; c) remoção do funcionário do setor com condição insalubre; d) reclassificação ou descaracterização, feita por autoridade competente. Não havendo eliminação ou neutralização, surge direito ao pagamento do adicional de insalubridade em grau mínimo, médio ou máximo.

[...]

Enquanto o contato com agentes insalubres pode ser elidido pelo uso de equipamentos de proteção, o mesmo não ocorre em relação às condições perigosas. No entanto, o simples fornecimento dos EPIs não se mostra suficiente a afastar o direito ao adicional, pois há necessidade do seu efetivo uso, com permanente fiscalização.

[...]

Enquanto na insalubridade o trabalhador tem continuamente fator prejudicial à saúde, na periculosidade não importa o fato contínuo de exposição, mas apenas um risco por tempo considerável. A condição perigosa não age biologicamente no organismo, mas pode ceifar a vida ou mutilar a qualquer momento da exposição.

Ou seja, pela interpretação do art. 193, § 2º, previu-se que, quando ocorressem as hipóteses de insalubridade e periculosidade, o trabalhador deveria escolher apenas a mais vantajosa. Noutras palavras, a CLT determina que o trabalhador trabalhe em situação onde o mesmo faz jus a um adicional, mas não irá recebê-lo porque tem que optar e não acumular.

Essa interpretação, ainda prevalecente no nosso direito do trabalho, sepulta o princípio constitucional da proporcionalidade, pois ela elimina totalmente a percepção de um dos direitos compensatórios garantidos na Constituição aos trabalhadores.

Se passarmos a analisar a questão sobre outra ótica, vejamos a injustiça gerada com o trabalhador. Se em uma dada empresa tem-se um trabalho divisível que é ao mesmo tempo insalubre e perigoso (mas cuja atividade possa ser cindida, separando-se o perigoso do insalubre), a empresa poderia contratar dois funcionários para realizar cada uma das etapas do trabalho. Para um dos funcionários a empresa pagaria o salário mais o adicional de insalubridade e para o outro o salário mais o adicional de periculosidade. Ambos estariam sendo remunerados com justiça social.

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Entretanto, a mesma empresa pode demitir um destes funcionários e unificar os dois trabalhos em apenas um funcionário. Milagrosamente, um dos adicionais será glosado não por o risco à saúde ser inexistente, mas por serem adicionais inacumuláveis. O empregador teria, então, um enriquecimento ilícito ao expor o trabalhador a um agente potencialmente agressivo da saúde de seu empregado e não pagaria a compensação prevista na Constituição porque a lei infraconstitucional suprimiu indevidamente um direito constitucional quando este se fazia presente.


5 – CONCLUSÃO FINAL

No momento de sua promulgação e por um resquício da época do período de exceção vivido no país, a Constituição brasileira era relevada na interpretação dos dispositivos legais, que tinham prevalência sobre a interpretação constitucional. Com a virada dos anos 2000, o Supremo Tribunal Federal passou a emprestar força normativa à Constituição em um grau ainda não visto na história do direito brasileiro.

Ao se analisar a Constituição Federal, ela previu os direitos dos trabalhadores a um ambiente de trabalho sadio e digno, com a necessária redução dos riscos inerentes ao trabalho. Nos casos em que a redução não seja possível, a Constituição determina a percepção de adicionais compensatórios dos riscos sofridos.

A interpretação até então vigente afirmava que o artigo 193, § 2º, da CLT, ao prever que, nas situações onde os riscos ao trabalhador são cumulativos (periculosidade e insalubridade), um deles seria suprimido, apesar de estar previsto em norma Constitucional. Ao interpretar desta forma, o Judiciário trabalhista esvaziou a força normativa da Constituição.

No caso, como os adicionais possuem função compensatória pelas ofensas ao princípio fundante da dignidade da pessoa humana, eles são cumuláveis e indenizáveis na forma da lei, que não poderá suprimir a sua percepção sob pena de se cometer uma grave inconstitucionalidade em face do direito dos trabalhadores.


6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Renato Rua. Diálogo das fontes e eficácia dos direitos fundamentais: síntese para uma nova hermenêutica das relações do trabalho. São Paulo : LTr 79-05, p. 526-527.

BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito Constitucional. Tomo II, 2ª ed. revista. Rio de Janeiro : Renovar, 2009.

BRASIL. Consolidação das leis do Trabalho. CLT comentada pelos juízes do trabalho da 4ª Região. Coordenação SOUZA, Rodrigo Trindade de et al. LTR 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp. 1009591/RS, rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 13.4.2010, DJE 23.08.2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inq 3.412, rel. p/ o ac. min. Rosa Weber, julgamento em 29-3-2012, Plenário, DJE de 12-11-2012.

FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos E. Pianovski. Princípio da Dignidade Humana (no direito civil), in TORRES, Ricardo Lobo et al. Dicionário de Princípios Jurídicos. Rio de Janeiro : Elsevier, 2011.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Sérgio Antonio Fabris Editor : Porto Alegre, 1991.

MACHADO, Fabíola Schivitz Dornelles; XAVIER, Luciana Carigi; COLUSSI, Luiz Antônio. in CLT comentada pelos juízes do trabalho da 4ª Região. SOUZA, Rodrigo Trindade de (coordenador). São Paulo : LTR, 2015.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais. 6ª Edição. São Paulo : RT, 2011.

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito constitucional do trabalho. Salvador : Podivm, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

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Sobre o autor
Pedro Dias Araújo Júnior

Mestre em direito processual civil pela UFS.Pós-graduado em direito constitucional e processual civil pela UFS.Extensão em Common Law no Iuslaw/George Washington Law Scholl. Graduado em direito pela UFPE.Professor universitário.Procurador do Estado de Sergipe.Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO JÚNIOR, Pedro Dias. A teoria do diálogo das fontes e a flagrante inconstitucionalidade do artigo 193, § 2º da CLT:: um novo prisma sobre a constitucionalização do direito do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4632, 7 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46223. Acesso em: 22 nov. 2024.

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