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Uma vitória da defesa

04/02/2016 às 10:23
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Comenta-se o contexto da decisão do tribunal suíço que entendeu que os procuradores erraram ao enviar em 2015 um pedido de informações ao Brasil referente à suspeita do uso do sistema bancário pela Odebrecht para pagar suborno.

Noticia-se que o Tribunal Penal Federal, sediado em Belinzona (Suíça), considerou irregular a transferência para o Brasil de provas contra offshores atribuídas à Odebrecht, acusadas de canalizar o pagamento de propina para ex-dirigentes da Petrobras no exterior.

Fala-se em quatro decisões, entre 19 e 22 de janeiro, sobre as offshores Smith & Nash, Golac, Sherkson e Havinsur - empresas sediadas em paraísos fiscais e que operavam contas bancárias na Suíça, por onde teria passado suborno da empreiteira brasileira para os ex-diretores Paulo Roberto Costa, Renato Duque e o ex-gerente Pedro Barusco. Estas empresas realizaram pagamentos de US$ 168 milhões entre dezembro de 2006 e junho de 2014 – dos quais US$ 16 milhões foram parar nas contas secretas dos diretores da Petrobras.

Em decisão de 21 de janeiro, a Câmara de Apelação da corte (composta por quatro magistrados) acolheu recurso dos advogados da Havinsur centrado não no mérito da acusação – um repasse de US$ 565 mil para a conta Milzart, de Renato Duque, em 23 de março de 2010 –, mas em aspectos formais.

O tribunal entendeu que os procuradores suíços erraram ao enviar em 2015 um pedido de informações ao Brasil referente a uma investigação aberta na capital do país, Berna. A apuração trata de suspeita do uso do sistema bancário suíço pela Odebrecht para pagar suborno.

O erro procedimental, segundo o tribunal federal, foi enviar ao Brasil extratos bancários completos das contas ao fazer essa comunicação.

Para a corte, a quantidade de informações enviada pelos suíços aos investigadores brasileiros foi "desproporcional" – a prática foi classificada pelo tribunal como "entraîde sauvage" (colaboração selvagem, em tradução livre).

Em razão disso, o juiz federal que preside a ação penal correspondente no Brasil determinou a suspensão de prazo para alegações finais da defesa (Será mera coincidência a notícia veiculada chegar justamente nessa fase?), envolvendo executivos da Odebrecht, segundo o noticiário.  

A decisão, pelo que se depreende, tem um caráter declaratório, não constitutivo ou condenatório.

Isso porque a Justiça da Suíça decidiu que o Brasil não tem que devolver àquele país europeu documentos bancários que comprovariam pagamentos de propinas no exterior a ex-dirigentes da Petrobrás, mas dá à defesa argumentação com relação a ilicitude da prova.

Entendeu-se que a decisão do envio não foi objeto da devida ponderação, sendo caso de afronta ao princípio da proporcionalidade em face de um erro procedimental que ensejou a colaboração selvagem.  

A decisão noticiada vem dentro de um contexto em que a Suíça, há muito tempo, deixou um sistema de sigilo bancário absoluto.

A Suíça já teve um modelo de sigilo bancário reforçado.

A Suíça teve esse sistema após a crise causada pelo fechamento do Banco de Genebra, em 11 de julho de 1931, que se procedeu à votação da Lei Federal de 8 de novembro de 1934, dispondo acerca dos bancos e caixas econômicas e prescrevendo punições de natureza civil e criminal para a violação do sigilo bancário, em seu artigo 47, letra b; mas resolveu mudar.

Num rompimento com sua antiga tradição, Berna assinou um acordo pelo qual aceita cooperar com investigações sobre evasão fiscal e a fuga de capital para seus bancos. Para muitos, trata-se do fim do sigilo bancário que por anos marcou o país alpino.

Com o acordo, governos como o Brasil terão maior facilidade para pedir das autoridades suíças informações sobre contas suspeitas de serem usadas para evadir impostos.

Realmente, para o OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), “esse é o fim do sigilo bancário”. Mas é necessário prudência.

Necessário, para que essas informações sejam repassadas, que seja obedecido o princípio da proporcionalidade. 

Há o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, que cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. São pesadas as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Em resumo, a providência atende aos seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Certamente a defesa deve levar aos tribunais, e, por fim, ao Supremo Tribunal Federal, com a matéria devidamente prequestionada a discussão com relação à natureza de prova ilícita com relação a esse material coletado. Isso porque ela foi colhida em afronta ao direito à intimidade.

A prova ilícita é prova vedada.

Constituem-se provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio (artigo 5º, XI, da Constituição Federal) ou das comunicações (artigo 5º, XII, da Constituição Federal); as conseguidas mediante tortura ou maus tratos (artigo 5º, III, da Constituição Federal); as colhidas com infringência à intimidade (artigo 5º, X, da Constituição Federal). Em suma, afasta-se, no processo penal brasileiro, a admissibilidade de provas ilícitas, do que se lê do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal.

A prova é ilegal sempre que sua obtenção caracterize violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento, seja de natureza processual ou material. Por sua vez, quando a proibição for colocada por uma lei processual, a prova será ilegítima ou ilegitimamente produzida. Quando a proibição for de natureza material, a prova será ilicitamente obtida.

O certo é que nosso sistema jurídico não admite as provas obtidas no processo por meios ilícitos.

A prova obtida por meios ilícitos deve e pode ser banida do processo por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados. Aqui tudo que vem pela prova ilícita cai na vala comum da inconstitucionalidade, razão pela qual deve ser objeto de nulidade absoluta, algo cujo prejuízo não se presume.

É sabido que, no direito comparado, como é o caso da Alemanha, tem-se admitido atenuações, em casos de excepcional gravidade, sempre obedecido um critério de proporcionalidade, respeitando-se um equilíbrio entre os valores fundamentais contrastantes.

De outra parte, reconhece-se a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado ainda que colhida em afronta a direitos fundamentais seus ou de terceiros. É uma aplicação do princípio da proporcionalidade.

Nessa esteira a conclusão é de que a prova colhida pelo próprio acusado elimina a ilicitude, como se vê, em face de causas legais, na legítima defesa ou no estado de necessidade, excluindo-se a ilicitude.

Pela posição do Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da Constituição de 1988, é refratária a prova ilícita. É o que se tem de julgamento de 18 de dezembro de 1986, onde se determinou o trancamento de inquérito policial baseado em interceptações telefônicas feitas por particulares, com confissão de sua realização por meios sabidamente ilícitos (RTJ 122/47).

Questiona-se o aproveitamento da prova ilícita em favor da acusação, em que o critério da proporcionalidade poderá ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da inadmissibilidade. Fala-se nessa aplicabilidade potencial e finalística quando se trata da função do controle da atividade estatal responsável pela produção da prova. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 251.445/GO, DJU de 3 de agosto de 2000, relator Ministro Celso de Mello, afirmou a ilicitude e a inadmissibilidade da prova em razão de ter sido obtida com violência do domicílio do suposto autor, em situação que envolvia crimes de natureza sexual contra menores, pela prática de registro e manutenção de fotografias pornográficas.

Por certo dir-se-á que será necessário falar em homologação dessa decisão estrangeira para que tenha eficácia no Brasil.

Estamos próximos de um sistema que reconhece eficácia propriamente sentencial ao julgamento estrangeiro, subordinando-lhe, contudo, a produção dos efeitos, em regra, a um ato praticado por órgão nacional. Ora, atribui-se, nesse sistema, a tal ato, o caráter formal de uma decisão, proferida através de um procedimento específico, reservando-se a um único órgão a competência, ou ainda atribuindo esta a uma pluralidade de órgãos. De outro lado, será permitido tal reconhecimento pela verificação de tais pressupostos.

Adotamos, para o caso, o que o sistema jurídico italiano chama de giudizio di dilabazione. Assim, ao órgão nacional compete, de forma exclusiva, verificar, na sentença estrangeira, a concorrência de determinados requisitos extrínsecos ou intrínsecos, tidos como suficientes para o reconhecimento da eficácia.

Seguimos a trilha dos sistemas na Itália, em Portugal. Distanciamo-nos da experiência belga (Code Judiciare, art. 570), onde se abre ao órgão nacional a ampla revisão da causa, reconhecendo-se o julgamento estrangeiro apenas quando se chegue à conclusão de que foi justo, como se via na França, até 1964, com o Arrêt Munzer.

Abandonamos, já na República, a exigência da reciprocidade, antes objeto do que foi enfocado no Decreto 6.982, de 1878, que fugia à exigência para reconhecimento das sentenças estrangeiras no Brasil, na subordinação ao tratado.

Em nosso sistema, a Emenda Constitucional n. 45/2004 conferiu força normativa de natureza constitucional às normas previstas em tratados e convenções internacionais, em situação de superioridade à legislação federal, quando aprovadas por 3/5 de ambas as Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, e, tendo como objeto o tema relativo aos direitos humanos, como se lê do artigo 5º, § 3º, da Constituição.

Por certo, como acentua Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de Processo Penal, 16ª edição, pág. 959),  à luz da Emenda Constitucional n. 45/2004, a necessidade de homologação, hoje feita pelo Superior Tribunal de Justiça, por atribuição de norma constitucional derivada, a teor do artigo 105, I, “i”, da Constituição Federal, de sentença penal estrangeira tem por objetivo primeiro a preservação da soberania nacional, dentro do que chamamos cooperação de combate à criminalidade, do que se vê em tratados e convenções internacionais. Cabe, assim, tal competência ao Superior Tribunal de Justiça, por seu Presidente, sem contestação, ou pelo Plenário, com impugnação.

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A lei considera que a sentença estrangeira é capaz de adquirir eficácia no país, subordinando tal aquisição a um ato formal de reconhecimento praticado por órgão nacional.

Tal ato é a homologação. O ato formal de reconhecimento (homologação) é acontecimento futuro e incerto a que a lei subordina a eficácia, no território brasileiro, da sentença estrangeira. A decisão que acolhe o pedido de homologação de sentença estrangeira, seja qual for a natureza desta, é constitutiva.

Cria-se uma situação jurídica nova. Como procedimento de jurisdição contenciosa com o devido contraditório, a decisão, seja pela procedência ou improcedência do pedido, faz coisa julgada material e formal.

Na lição de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VI, pág. 334), homologar é tornar o ato, que se examina, semelhante, adequado, ao ato que devia ser.

Assim, o nosso sistema jurídico considera a sentença estrangeira capaz de adquirir eficácia no país, mas subordina tal aquisição a um ato formal de reconhecimento praticado por órgão nacional. Tal ato é a homologação.

Há um ato de reconhecimento e a eficácia da decisão alienígena é importada. O contraditório na homologação se restringe à satisfação ou não dos requisitos de homologabilidade. Não se compõe uma lide, mas apenas se averigua a existência de determinados pressupostos que dizem respeito à decisão homologada.

No Brasil, a ação de homologação tem a natureza constitutiva, ficando fora de cogitação falar em prescrição dela.

Aqui se exerce o que se convenciona chamar de direito potestativo.

O decurso de prazo seria de irrelevância para o pedido de homologação.

São requisitos indispensáveis à homologação:

a) Haver sido proferida por juiz competente (artigo 788, II, CPP e artigo 217, I, RISTF);

 b) Terem sido as partes citadas ou ter-se legalmente verificada a revelia (artigo 788, II, CPP e artigo 217, II, RISTF);

c) Ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que for proferida (artigo 788, III, CPP e artigo 217, III, RISTF);

d) Estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial (artigo 788, IV e V, do Código de Processo Penal e artigo 217, IV, RISTF). O Código de Processo Penal refere-se à oposição de embargos ao pedido de homologação (no prazo de 10 dias).

Tal remédio processual tem a natureza de verdadeira contestação, como prevista em Regimento Interno.

Aceito a posição emanada de Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, 16ª edição, pág. 962), quando diz que somente a homologação da sentença estrangeira é capaz de atestar a sua validade extrínseca, bem como a validade formal de seu conteúdo, pelo exame de sua compatibilidade com a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública.

Enquanto isso o Banco Central da Noruega anunciava a revisão dos investimentos do país em ações da Petrobrás, “por causa do risco de corrupção grave”.

O governo da Noruega é dono de uma fatia de 0,61% do capital da Petrobras. Comprou ações da estatal, no governo Lula, com o dinheiro de um fundo formado com royalties do petróleo.

A reclassificação da Petrobras foi recomendada pelo Conselho de Ética do fundo, depois de seis meses de análises e consultas à administração Bendine. O órgão concluiu que “a Petrobras tem responsabilidade pela corrupção grave”.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma vitória da defesa . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4600, 4 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46289. Acesso em: 22 dez. 2024.

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