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Registro de filho alheio como próprio: até quando quiser ser o pai?

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Quando se fala em não poder "desregistrar" uma criança depois de uma separação, não se trata de ser obrigado a cuidar do filho de outra pessoa, mas de se responsabilizar pelos próprios atos, no caso, o de ter registrado filho alheio como próprio.

Tenho notado uma certa frequência de pessoas perguntando sobre registro e "desregistro" de paternidade, e confesso que fiquei surpresa, pois, ainda que já tenha estudado sobre isso, a realidade tem seu peso.

O parentesco não precisa ser somente natural, conhecido como “de sangue”, portanto, um filho registrado / adotado é tão filho quanto um biológico[1]. Assim, o art. 227, § 6º, da Constituição Federal veda qualquer discriminação entre filho adotivo ou natural:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Tudo começa com a união entre homem e mulher, sendo que esta tem um filho sem registro paternal. Então, o atual companheiro/marido resolve, de maneira voluntária, registrar a criança como próprio filho, às vezes, por boa intenção de formar família ou para provar para a companheira que está "assumindo tudo"; enfim, registra espontaneamente, mesmo tendo o conhecimento de que não é o pai biológico, aquele que forneceu seu material genético.

Entretanto, com o passar do tempo, ocorre algo pelo caminho que atrapalha o relacionamento (traição, desemprego etc.) e os dois se separam. Então, eis o grande problema: a criança ou adolescente passa a não mais ser considerado filho, pois o pai não quer mais ter obrigação de educar nem alimentar, muito menos quer dar suporte emocional/moral ao filho de outro homem!

Ou, por outro lado, o pai até pode ter a vontade, mas a mãe, magoada, não quer mais que aquele "cara estranho", que, até outro dia, era o melhor homem por ter assumido filho “alheio”, seja o pai do seu filho, afinal, ele "não é o pai de verdade"! Sim, a mãe também acaba tendo interesse em findar qualquer vínculo com o ex-companheiro.

Sabe-se que, salvo nos casos de perda de poder familiar previstos em lei, o pai que registrou a criança, tendo ciência da condição de não ser pai biológico, não pode alegar esse fato para tirar seu nome do registro.

Para que seja reconhecida a paternidade socioafetiva, é necessário que estejam presentes dois requisitos: a ausência de vício de conhecimento e que haja um relacionamento de pai e filho(a) entre eles e perante a sociedade.

Veja um julgado, para ilustrar, sobre negatória de paternidade quando o homem foi levado a erro, ou seja, a mulher com quem ele se relacionou havia afirmado que a criança era sua filha biológica:

CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. ASSUNÇÃO DA PATERNIDADE COM MULHER QUE O DECLARANTE MANTEVE RELACIONAMENTO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE MEDIANTE ERRO. PATERNIDADE SÓCIO - AFETIVA. REQUISITOS. INEXISTÊNCIA. 1. DE CEDIÇO CONHECIMENTO QUE O ERRO É "UMA NOÇÃO INEXATA SOBRE UM OBJETO, QUE INFLUENCIA A FORMAÇÃO DA VONTADE DO DECLARANTE, QUE A EMITIRÁ DE MANEIRA DIVERSA DA QUE A MANIFESTARIA SE DELE TIVESSE CONHECIMENTO EXATO (...) 2. IN CASU, PRESENTE O ERRO EM QUE INCIDIU O REQUERENTE AO EMITIR, DE BOA FÉ A MAIS NÃO PODER, DECLARAÇÃO DE VONTADE CONSISTENTE EM RÉ CONHECER A PATERNIDADE DE UMA CRIANÇA QUE SUPUNHA SER SEU FILHO, POR HAVER CONFIADO NA GENITORA DO MENOR COM QUEM MANTEVE RELACIONAMENTO E QUE LHE FEZ ACREDITAR SER ELE O PAI BIOLÓGICO DO REQUERIDO. (...) 3.4 PARA QUE EXISTA A PATERNIDADE SÓCIO - AFETIVA, É NECESSÁRIO O PREENCHIMENTO DE DOIS REQUISITOS: A) INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO; B) QUE O PAI TRATE O FILHO COMO SEU, DE MODO A ASSIM SER HAVIDO EM SOCIEDADE. 4. NO CASO DOS AUTOS, O AUTOR FOI INDUZIDO EM ERRO; MANTINHA UM RELACIONAMENTO COM A MÃE DO MENOR, E POR ISSO ASSUMIU A PATERNIDADE, AINDA QUE COM DESCONFIANÇA. 4.1 A CRIANÇA CRESCEU E AS DIFERENÇAS EXTERNARAM-SE MAIS EVIDENTES TENDO ENTÃO O AUTOR RESOLVIDO COLOCAR UMA PÁ DE CAL SOBRE O ASSUNTO QUANDO ENTÃO REALIZOU EXAME DNA, CUJO RESULTADO JÁ ERA ESPERADO: NEGATIVO. (...) 2 - NÃO HÁ PATERNIDADE SÓCIO - AFETIVA SE O SUPOSTO PAI, ILUDIDO PELA MÃE, FEZ O REGISTRO DE NASCIMENTO DA CRIANÇA ACREDITANDO QUE ESSA ERA SUA FILHA, MÁXIME E SE INEXISTIU CONVIVÊNCIA POR TEMPO SUFICIENTE PARA QUE HAJA AFETO ENTRE O PAI E A CRIANÇA, DE FORMA QUE A FILHA, TRATADA COMO TAL, SEJA CRIADA E EDUCADA PELO PAI. 3 - OMISSIS. 4 - APELAÇÃO PROVIDA EM P ARTE."(TJDF, 6ª TURMA CÍVEL, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007015010145-8 APC DF, RELATOR DESEMBARGADOR JAIR SOARES, DJ 25/06/2008, PÁG. 82). 7. PRECEDENTE DO C. STJ. 7.1"DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. - TEM-SE COMO PERFEITAMENTE DEMONSTRADO O VÍCIO DE CONSENTIMENTO A QUE FOI LEVADO A INCORRER O SUPOSTO PAI, QUANDO INDUZIDO A ERRO AO PROCEDER AO REGISTRO DA CRIANÇA, ACREDITANDO SE TRATAR DE FILHO BIOLÓGICO. - A REALIZAÇÃO DO EXAME PELO MÉTODO DNA A COMPROVAR CIENTIFICAMENTE A INEXISTÊNCIA DO VÍNCULO GENÉTICO, CONFERE AO MARIDO A POSSIBILIDADE DE OBTER, POR MEIO DE AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE, A ANULAÇÃO DO REGISTRO OCORRIDO COM VÍCIO DE CONSENTIMENTO. - A REGRA EXPRESSA NO ART. 1.601 DO CC/02, ESTABELECE A IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO DO MARIDO DE CONTESTAR A PATERNIDADE DOS FILHOS NASCIDOS DE SUA MULHER, PARA AFASTAR A PRESUNÇÃO DA PATERNIDADE. - NÃO PODE PREVALECER A VERDADE FICTÍCIA QUANDO MACULADA PELA VERDADE REAL E INCONTESTÁVEL, CALCADA EM PROVA DE ROBUSTA CERTEZA, COMO É O EXAME GENÉTICO PELO MÉTODO DNA. - E MESMO CONSIDERANDO A PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA CRIANÇA QUE DEVE NORTEAR A CONDUÇÃO DO PROCESSO EM QUE SE DISCUTE DE UM LADO O DIREITO DO PAI DE NEGAR A PATERNIDADE EM RAZÃO DO ESTABELECIMENTO DA VERDADE BIOLÓGICA E, DE OUTRO, O DIREITO DA CRIANÇA DE TER PRESERVADO SEU ESTADO DE FILIAÇÃO, VERIFICA-SE QUE NÃO HÁ PREJUÍZO PARA ESTA, PORQUANTO À MENOR SOCORRE O DIREITO DE PERSEGUIR A VERDADE REAL EM AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE, PARA VALER-SE, AÍ SIM, DO DIREITO INDISPONÍVEL DE RECONHECIMENTO DO ESTADO DE FILIAÇÃO E DAS CONSEQUÊNCIAS, INCLUSIVE MATERIAIS, DAÍ ADVINDAS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. RESP878954/RS, MINISTRA NANCY ANDRIGHI, DJ 28/05/2007 P. 339). 8. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-DF - APL: 87599420088070003 DF 0008759-94.2008.807.0003, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 20/01/2010, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: 10/03/2010, DJ-e Pág. 134).

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A pergunta que deve ser feita é: “E a criança, como fica?”

Diante disso tudo, a criança, que deveria ser preservada dessa confusão amorosa, acaba sendo envolvida do começo ao fim, o que possivelmente lhe causará transtornos por um bom tempo da vida, senão pelo resto dela.

Como advogada, e, antes de qualquer coisa, humana, acredito que o caminho seja levar a pessoa a repensar, enxergar a situação toda e se colocar no lugar da criança, enxergar o vínculo que provavelmente tenha criado, principalmente como figura paterna que é projetada, a fim de evitar sequelas de um abandono afetivo, lembrando que o abandono material é resguardado pela lei, enquanto o afetivo é abstrato e relativo.

Dessa forma, pode ser que sejam amenizados os danos, uma vez que, apesar da impossibilidade de anular a paternidade nos casos citados anteriormente, a vontade de cessar o vínculo como pai continuará ali viva. Não se trata de ser obrigado a cuidar de um filho de outra pessoa, mas de se responsabilizar pelos próprios atos, no caso, o de ter registrado filho alheio como próprio.


Nota

[1] Código Civil/ 02 Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem

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Sobre a autora
Larissa Veras Prudente de Abreu

Advogada e conciliadora.<br>Pós- graduanda em Direito de Família e Sucessões

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Larissa Veras Prudente. Registro de filho alheio como próprio: até quando quiser ser o pai?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4616, 20 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46477. Acesso em: 2 nov. 2024.

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