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O direito à liberdade de expressão e as biografias não autorizadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815

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5 O VOTO DA MINISTRA CARMEM LÚCIA NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.815

Em síntese contida no voto da ministra, relata-se que em 5 de julho de 2012, foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815 Distrito Federal pela Associação Nacional dos Editores de Livros – ANEL, objetivando a declaração da inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil, e tendo como principal argumentação jurídica a opinião doutrinária do professor Gustavo Tepedino.

Na argumentação da autora da ADI, declara-se que a despeito do propósito do legislador de proteger a vida privada e a intimidade das pessoas, o alcance e a extensão dos comandos extraíveis da literalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil, ao não preverem qualquer exceção que contemple as obras biográficas, terminam por violar as liberdades de manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, além do direito difuso da cidadania à informação, direitos estes previstos nos incisos IV, IX e XIV do artigo 5º da Constituição Federal (BRASIL, 2015, p. 2).

Logo de início, a ministra Cármen Lúcia ressalta que o objeto da ação diz respeito à interpretação das normas civis proibitivas, que suprimem os direitos de divulgação de escritos, transmissão da palavra, publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa sem sua autorização. A interpretação dessas normas deve ser posta diante dos princípios constitucionais, visando a proteção das liberdades de expressão do pensamento, da atividade intelectual, artística e de comunicação, no exercício das quais são produzidas as obras biográficas (BRASIL, 2015, p. 2-3).

Uma interpretação que atinja as liberdades constitucionais supracitadas impediria, segundo a autora da ADI, a livre produção e circulação dos trabalhos e configuraria em evidente censura privada, instituto não admitido na novel ordem jurídica inaugurada pela Constituição de 1988 (BRASIL, 2015, p. 3).

Portanto, diante da argumentação exposta, a autora expõe o pedido formulado na ADI:

“que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil, para que, mediante interpretação conforme à Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento da pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais. Caso assim não se entenda, por mera eventualidade... pede [sic] seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil para que, mediante interpretação conforme a Constituição, seja afastada do ordenamento jurídico brasileiro a necessidade do consentimento de pessoa biografada e, a fortiori, das pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais, elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvias em acontecimentos de interesse coletivo.” (BRASIL, 2015, p. 3)

O objeto da ação, indica a ministra, não consiste em afastar do ordenamento jurídico os dispositivos legais questionados, mas sim interpretá-los no que tange a parte relativa à necessidade de autorização prévia do interessado para a publicação das obras biográficas literárias e audiovisuais, construindo nova interpretação compatível com os preceitos constitucionais (BRASIL, 2015, p. 3-4).

Após superação da preliminar arguida de ilegitimidade ativa, que mais diz respeito às questões de ordem processual fora do objeto deste estudo, prossegue-se a análise de mérito da ADI.

5.1 Da Audiência Pública

Em 21 de novembro de 2013, realizou-se no Supremo Tribunal Federal uma audiência pública sobre o tema, oportunidade em que diversos órgãos e entidades admitidos na ADI proferiram suas manifestações.

 Dentre as que merecem destaque, pode-se citar a de Ana Maria Machado, representante da Academia Brasileira de Letras, que se posicionou pela procedência da ADI, declarando que a interpretação usual dos artigos 20 e 21 do Código Civil afrontam o direito do cidadão à informação, atingindo a liberdade de manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. As biografias constituem gênero literário e fonte histórica, sendo fundamentais para construção do futuro e elaboração da identidade cultural. Não é cabível aceitar que arbítrio pessoal incida sobre a liberdade de manifestação (BRASIL, 2015, p. 13).

Roberto Dias, representante da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democratas, ressalta que a democracia, mais do que regime do consenso, é regime do dissenso. O pensamento de Noberto Bobbio o qual explana que o nosso modelo político jurídico atual não autoriza poder que oculta e que se oculta traduz a razão da não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988. No julgamento da ADPF n. 130 de 2009, o STF mencionou que todos têm o direito de dizer o que pensa. Só a posteriori se podem adotar medidas judiciais protetivas de direitos da personalidade, não havendo censura boa ou má, pois toda censura é inconstitucional. Diante da argumentação, constata-se que a Associação se posicionou pela procedência da ADI (BRASIL, 2015, p. 14).

José Murilo de Carvalho, renomado historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, entende que:

“a censura prévia de biografias por extensão da escrita da História priva o leitor e o cidadão de acesso ao conhecimento de sua própria sociedade. A Constituição garante aos que se julguem ofendidos o direito de resposta e de indenização, e o Código Penal contempla penas severas para calúnia, difamação e injúria. Para viver do público, cortejando o público e, ao mesmo tempo, privar o público da liberdade de se manifestar sobre elas, inclusive sobre suas vidas privadas, servir-se do público e não querer servir o público constitui, sem dúvida, grande incoerência, além de revelar uma visão tosca da posição que se ocupa na sociedade.” (BRASIL, 2015, p. 14)

A brilhante justificativa do historiador claramente expõe sua posição favorável pela procedência da ADI.

Leo Wojdyslawski, representante da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão, explana que as produções audiovisuais biográficas por diversas vezes barram em obstáculos interpostos pelos interesses variados de parentes e dos próprios biografados. A ADI não apenas declararia a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos em questão, mas também solucionaria questões que fazem parte do cotidiano das pessoas que estão expõem seus problemas perante o Judiciário, sendo possível assim determinar parâmetros e definição das condutas de tribunais, visto que não se reexaminam provas sobre o mau uso da imagem de pessoas em sede de recurso extraordinário (BRASIL, 2015, p. 14-15). A partir da leitura constante no voto, entende-se que a entidade expõe posição favorável pela procedência da ADI.

Silmara Chinelato, representante da Comissão de Direito Autoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo, avalia que em diversos casos julgados pelo STF, a Corte demonstrou a relevância do caso concreto, decidindo em favor da liberdade de expressão. Citou ainda casos julgados pela Corte Europeia dos Direitos do Homem sobre a publicação de fotos da família de Caroline, do Principado de Mônaco; e que nos casos julgados, foram sopesados os direitos à vida privada e familiar e o direito à liberdade de expressão, ambos assegurados pela Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (BRASIL, 2015, p. 16). A mensagem exposta no voto permite a conclusão de que a comissão possui posição favorável pela procedência da ADI.

Patrícia Blanco, representante do Instituto Palavra Aberta, destaca que o poeta, político e precursor da liberdade de expressão, John Milton, em 23 de novembro de 1644, elaborou vigoroso ensaio de nome Areopagitica, antecipando-se à defesa de prática que, no futuro, seria dominante nos países democráticos. Dizia respeito da liberdade de publicar livros sem a exigência do in premature (deixem-no ser impresso). Antes, pedia-se autorização do imperador ou da autoridade eclesiástica, reconhecendo-se que na obra nada havia contra o regime ou a crença dominante. Antes, o escrito passava pela censura para receber o nihil obstat (nada consta) (BRASIL, 2015, p. 16). As palavras proferidas pela representante do instituto pregam a procedência da ADI.

O deputado federal Newton Lima, autor do projeto de lei n. 39.311 que altera os artigos 20 e 21 do Código Civil, expos que fatos conhecidos e públicos, de uma forma ou de outra, não deveriam ser impedidos de serem divulgados, sob pena de tolher a liberdade de expressão. Citou ainda obras biográficas que sofreram censura judicial, tais como a biografia do cantor Roberto Carlos e o filme sobre o pintor Di Cavalcanti (BRASIL, 2015, p. 16-17). A exposição do deputado federal demonstra a posição favorável pela procedência da ADI.

Cláudio Lins de Vasconcelos, representante do Sindicato Interestadual da Indústria Audio Visual, assegura que a procedência da ADI não objetiva a defesa da “jusfundamentalidade da fofoca”, a “jusfundamentalidade da mentira” ou da propaganda subliminar. Para esses e outros abusos há muitos remédios, e cita exemplos: uma segunda versão dos fatos, o direito de resposta, a busca pela indenização financeira na Justiça, a busca pela reparação na esfera criminal. Mas todas são medidas a posteriori, que dependem da consumação do ato ilícito. Que as medidas sejam severas, mas jamais prévias (BRASIL, 2015, p. 17).

O deputado federal Ronaldo Caiado expôs que qualquer pessoa pode dizer o que, de quem, no lugar e no momento que quiser. A Constituição exige apenas a identificação do autor, para que o ofendido possa se defender de eventuais ofensas à sua honra, imagem ou boa-fama, e para inibir o uso irresponsável dessa prerrogativa. A pessoa que se sentir atingida poderá requerer procedimento previsto em lei para a exclusão de trecho que lhe for ofensivo em reprodução futura da obra, sem prejuízo das outras medidas judiciais cabíveis. Há, portanto, a ampla liberdade de expressão e um rito célere para se demonstrar se a agressão ou frase atribuída a alguém que está sendo biografado procede ou não. Não se defende o recolhimento de livros, mas sim a oportunidade de defesa do cidadão sobre a veracidade ou não do fato narrado (BRASIL, 2015, p. 17). O raciocínio exposto demonstra a posição favorável pela procedência da ADI.

O deputado federal Marcos Rogério cita decisão do Superior Tribunal de Justiça de biografia censurada de um famoso jogador de futebol. Defende o deputado que o gênero biografia é distinto da matéria jornalística ou do escrito historiográfico, pois o primeiro visa a exploração da imagem para fins comerciais, objetivando o lucro. Entende que não basta a mera indenização a posteriori, mas que deve haver permissão no ordenamento jurídico para que o ofendido possa, se achar necessário, retirar de circulação a publicação que lhe atinge a honra e a imagem (BRASIL, 2015, p. 18-19). Pode-se compreender que o deputado é favorável pela improcedência da ADI.

Ivar Alberto Martins Harmann, representante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, após a demonstração de diversas situações e casos jurídicos, entende que a liberdade de expressão deva prevalecer, sendo necessário constatar não só o erro em relação ao que se relata, mas também a má-fé na produção e no relato desse erro. O instituto claramente possui posição favorável pela procedência da ADI (BRASIL, 2015, p. 19).

 Ralph Anzolin Lichote, representante da Associação Eduardo Banks, expôs que a ANEL foi criada com o objetivo de propor a ADI. Defendeu o arquivamento do feito por absoluta ilegitimidade da entidade. Explicou ainda que as pessoas cometem deslizes e não podem ser avaliados pelo passado, mas sim pelo conjunto das obras (BRASIL, 2015, p. 20).

Ronaldo Lemos, representante do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional declarou a posição unânime do conselho a favor do direito das biografias sem a necessidade de autorização prévia. Salientou que o conselho recomendou a aprovação do projeto de lei 39.311 do deputado Newton Lima. Como exemplo, citou personalidades mundialmente famosas que foram objeto de diversas biografias e produções audiovisuais. Por fim, fez referência ao artigo 13 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o qual proíbe a censura prévia (BRASIL, 2015, p. 20-21).

Sérgio Redó, representante da Associação Paulista de Imprensa, esclareceu que o agente público não goza da mesma intimidade de um anônimo, pois este último não desperta interesse na sociedade. Citou a defesa à liberdade de expressão na célebre frase do filósofo Voltaire, o qual dizia “Haverei de lutar incansavelmente para que, mesmo não concordando com aquilo que você se pronuncia, você tenha sempre o direito de falar.” (BRASIL, 2015, p. 21).

O advogado João Ribeiro de Moraes se pronunciou defendendo que as pessoas retratadas nas biografias, que possuíam o mais legítimo interesse no que vai ser decidido na ADI, não foram ouvidas, tiveram suas defesas cerceadas (BRASIL, 2015, p. 21-22).

Por fim, Marcus Vinícius Furtado Côelho, representante da Ordem dos Advogados do Brasil, arguiu que o direito de crítica, que é um direito constitucional, seja passível de ser responsabilizado civil e criminalmente. Declarou ainda que a Ordem contraria qualquer proposta de censura, pois prega a liberdade de expressão, e no caso concreto, a livre publicação de biografias, independente de autorização. Ressaltou que as questões negativas que dizem respeito às personalidades merecem ser conhecidas pela sociedade, para que sirvam de exemplo, demonstrando que os famosos são humanos passíveis de erros e que tais erros podem ser evitados. Acobertar erros dos ídolos não colabora para o futuro da nação, pois o exemplo, mesmo que negativo, pode ser utilizado para educar futuras gerações a não cometê-los (BRASIL, 2012, p. 22).

Finda a exposição das manifestações na audiência pública, observa-se claramente que a maioria dos que apresentaram suas opiniões são favoráveis pela procedência da ADI. Dando continuidade, a ministra Carmem Lúcia deu início à fundamentação jurídica para justificar seu voto.

5.2 Parâmetros normativos constitucionais e regras civis de interpretação demandada

Para a fundamentação do julgado, a ministra Cármen Lúcia elencou os seguintes dispositivos da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...]

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

[...]

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

[...]

A partir dos dispositivos anteriormente transcritos, observam-se as normas do Código Civil as quais são objetos da ADI, para que sejam interpretadas conforme a Constituição:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Portanto, questiona-se se os artigos 20 e 21 do Código Civil podem ser considerados inconstitucionais por proibirem a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa sem exceção a obras biográficas, ocasionando cerceamento ou esvaziando a liberdade constitucional de outrem (BRASIL, 2015, p. 24-25).

Questiona-se também se as regras infraconstitucionais podem ser consideradas compatíveis com o texto constitucional, por resultarem de desdobramentos dos princípios que regem os direitos individuais, mantendo assim a vontade do interessado em autorizar ou não a obra (BRASIL, 2015, p. 25).

E, como último questionamento, pergunta-se se há um conflito aparente de normas que possa ser desfeito pela harmonização interna dos princípios e preceitos constitucionais, possibilitando assim a interpretação dos artigos do Código Civil, não desvirtuando a intepretação do texto considerado no contexto (BRASIL, 2015, p. 25).

Em resposta aos questionamentos, a ministra explica que o controle constitucional deve se basear na máxima efetividade das normas fundamentais, prezando pelo aproveitamento compatível do direito infraconstitucional, utilizando-se de técnica que permita a eficácia jurídica e social do ordenamento jurídico (BRASIL, 2015, p. 25).

“em rigor, não se trata de um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição. [...] Em suma, o método é relevante para o controle da constitucionalidade das leis e seu emprego dentro de razoáveis limites representa, em face dos demais instrumentos interpretativos, uma das mais seguras alternativas de que pode dispor o aparelho judicial para evitar a declaração de nulidade das leis. Por via de semelhante princípio, adotado sem excesso, o ato interpretativo não desprestigia a função legislativa nem tampouco enfraquece a magistratura nos poderes de conhecer e interpretar a lei pelo ângulo de sua constitucionalidade.” (BONAVIDES, 2004, p. 517-519/524 apud BRASIL, 2015, p. 25-26).

O cerne da ADI põe em análise em um lado a extensão do exercício constitucional à expressão livre do pensamento, da atividade intelectual, artística e de comunicação dos biógrafos, editores e entidades públicas e privadas veiculadoras de obras biográficas, garantindo-se a liberdade de informar e de ser informado; e do outro lado, o direito à inviolabilidade da intimidade e da privacidade dos biografados, de seus familiares e de pessoas que com eles conviveram (BRASIL, 2015, p. 27).

Para que seja possível tratar do objeto da ação, que é a interpretação de normas do Código Civil, a ministra toma como norte a definição do direito de liberdade de expressão. Leciona que tal direito permeia a história da humanidade, pela circunstância mesma de ser a comunicação própria das relações entre as pessoas e por ela não apenas se diz do bem, mas também se critica, se denuncia, se conta e reconta o que há de vida e da vida, da própria pessoa e do outro, fazendo-se a arte, exprimindo-se o humano do bem e do mau, da sombra e do claro (BRASIL, 2015, p. 29).

A construção da História faz-se pelo que se conta, e também pelo que não se conta, pois silêncio também é história. Mas apenas quando relatada e de alguma forma dada a conhecimento de outrem. Pela sua força de construção e desconstrução de relações sociais, políticas e até mesmo econômicas, a expressão como direito é fruto de lutas permanentes desde os primórdios da história, destaca a ministra (BRASIL, 2015, p. 29).

O direito à liberdade de expressão é outra forma de afirmar-se a liberdade do pensar e expor o pensado ou o sentido, e está presente em todos os sistemas constitucionais democráticos. Os tempos atuais apresentam desafios novos quando ao exercício deste direito. A multiplicidade dos meios de transmissão da palavra e de qualquer forma de expressão sobre o outro amplia as definições tradicionalmente cogitadas nos ordenamentos jurídicos e impõem novas formas de pensar o direito de expressar o pensamento sem o esvaziamento de outros direitos, como o da intimidade e da privacidade. Mas em toda a história da humanidade, o que se tem como fio condutor de lutas de direitos fundamentais é exatamente a liberdade de expressão (BRASIL, 2015, p. 30). Corroborando com o pensamento, a ministra cita J.J. Gomes Canotilho:

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“A liberdade de expressão permite assegurar a continuidade do debate intelectual e do confronto de opiniões, num compromisso crítico permanente. Com essa qualidade, ela integra o sistema constitucional de direitos fundamentais, deduzindo-se do valor da dignidade da pessoa humana e dos princípios gerais de liberdade e igualdade, juntamente com a inerente exigência de proteção jurídica. [...]” (CANOTILHO; MACHADO in JÚNIOR, 2014, p. 132 apud BRASIL, 2015, p. 30).

A força do direito à liberdade de pensamento, construída através da formulação normativa pelo enunciado da garantia da livre expressão, constitui princípio magno na concepção moderna do Estado Democrático de Direito (BRASIL, 2015, p. 31).

A garantia de exercício das liberdades, com realce à livre comunicação do pensamento e de opinião, surge no artigo 11 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa de 1789. Em sequência da conquista fundamental, os documentos de direitos humanos reiteram aquela liberdade essencial, devendo-se citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas - ONU, de 1948 (BRASIL, 2015, p. 31).

Art. 11. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Art. 19. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Em continuidade, merece análise o artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU, internalizado no Brasil em 1992; e o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, internalizada no Brasil em 1992 (BRASIL, 2015, p. 32-33).

Artigo 19

1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Em sua fundamentação, a ministra transcreve ainda outras normas pertencentes ao Direito Internacional, tais como a Convenção Europeia de Direitos Humanos, adotada em 1953 pelo Conselho da Europa, que dispõe em seu artigo 10 sobre os direitos da liberdade de expressão; a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1986, que prevê em seu artigo 9º o direito à informação e à liberdade de expressão; e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000, que tem em seu artigo 11 disposição sobre os direitos de liberdade de expressão e de informação (BRASIL, 2015, p. 33-34).

A análise destas normas de Direito Internacional demonstra as obrigações aos membros da comunidade internacional para o seu cumprimento. Os direitos fundamentais são de titularidade de toda pessoa, como são de responsabilidade de todos com todos, de cumprimento obrigatório em relação ao outro, independente de sua condição e natureza (BRASIL, 2015, p. 34).

Perfazendo a análise histórica da liberdade de pensamento e de expressão no direito brasileiro, a ministra relata que desde a primeira Constituição, a de 1824, há a previsão do direito em estudo. É fato que nem sempre se pode expressar o pensamento livremente, como previsto nas normas. A liberdade foi desafio e conquista incessante, no Brasil, como em qualquer outra parte do mundo. A liberdade não é um direito acabado, mas sim é uma peleja sem fim (BRASIL, 2015, p. 37).

Após a análise da presença da liberdade de pensamento e de expressão por todos os textos constitucionais que o Brasil já teve, a ministra conclui que o país nunca teve carência de bons (às vezes ótimos) textos constitucionais e legais. O de que sempre se ressentiu foi de dar a eles cumprimento integral, para que a confiança de sua efetividade jurídica garantisse ao regime democrático a segurança jurídica dos cidadãos, finalidade estatal e social a se cumprir (BRASIL, 2015, p. 44).

5.3 Direito à liberdade de pensamento e de expressão e a censura na Constituição de 1988

Pode-se extrair dos incisos IV, V, IX, X e XIV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que os princípios sobre a liberdade de pensamento, de expressão, de atividade artística, cultural e científica são minuciosamente tratados, deixando bastante claro a proibição da censura, conforme a previsão no artigo 220 da Carta (BRASIL, 2015, p. 44).

Mesmo que diversas normas constitucionais e outras provenientes do direito internacional existam para a garantia de liberdade do objeto já exposto, faz-se ainda necessária a presença explícita da proibição da censura nos mesmos ordenamentos (BRASIL, 2015, p. 45).

Censura é forma de controle da informação. Um terceiro, que não o autor do pensamento e do que quer se expressar, impede a produção, a circulação ou a divulgação do pensamento ou, se obra artística, do sentimento. Enfim, há um controle sobre a palavra ou a forma de expressão do outro. Pode-se afirmar que se controla o outro. O censor faz-se senhor não apenas da expressão do pensamento ou do sentimento de alguém, pior, controla o acervo de informação que se pode passar a outros (BRASIL, 2015, p. 45).

Para melhor entendimento, observando em sentido estrito, censura é a restrição prévia à liberdade de expressão realizada e autorizada por autoridades administrativas, que resulta na vedação à veiculação de um determinado conteúdo. Ampliando o sentido, a censura abrange também as restrições administrativas posteriores à manifestação ou à obra, que impliquem vedação à continuidade da sua circulação. Como exemplos, a censura posterior pode alcançar a apreensão de livros após o seu lançamento, a proibição de exibição de filmes ou a encenação de peças teatrais depois de sua estreia. Todas essas formas são inaceitáveis, por grave ofensa aos preceitos constitucionais (BRASIL, 2015, p. 46).

Em conceito mais amplo de censura, incluem-se os atos judiciais que provoquem a proibição de comunicação de mensagens e informações ou a circulação de obras. Nesse caso, observa-se uma forte presunção de inconstitucionalidade das medidas judiciais que impliquem neste tipo de restrição à liberdade de expressão. Isto porque, não sendo a liberdade de expressão um direito absoluto, em algumas hipóteses raras e extremas pode ser admissível a proibição de manifestações que atentem gravemente contra outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos (BRASIL, 2015, p. 46).

Frequentemente, a censura é lembrada com relação ao ilegítimo e com o perverso atuar ilegítimo do Estado. Prática comum em regimes autoritários ou totalitários, não é, contudo, exclusividade do Estado. A liberdade de expressão, exposição, divulgação do pensamento apresenta-se em norma jurídica, emanada do Estado, como dever estatal, conquanto voltando-se a proibição expressa de sua restrição ao exercício estatal (censura legislativa, administrativa, judicial). Todavia, deve também ser assegurada contra a ação do particular. O homem não pode praticar a limitação ou a extinção do direito à liberdade de expressão do outro em relação ao pensar sobre alguém (BRASIL, 2015, p. 47).

A história demonstra que a humanidade foi silenciada em ocasiões demasiadas, e nem sempre podíamos aprender a pensar para experimentar o que quiséssemos, menos ainda expressar o que pensávamos. A cultura do politicamente correto, expressão adotada desde década de 1980, significando políticas tendentes a tornar a linguagem neutra para se evitar ofensa a pessoas ou grupos sociais discriminados historicamente também vem sendo levada ao paroxismo, passando a se constituir em forma de censura da expressão. Adotam-se formas de censura implícita e particular, exercida de forma a tolher ou a esvaziar o direito à liberdade de expressão (BRASIL, 2015, p. 49).

A censura não apenas bane ideias e pessoas; possui o poder de calar a pessoa, para além de cada um, cala a alma, a alegria, o sonho que se põe em expressão para se tornar ideia, que se pode converter em ação, que se pode tornar destino. A ministra aponta que dois são os atributos da censura estatal ou particular: a intolerância à diferença e à sobranceira de uma em relação à outra pessoa, sobre a qual se pretende exercer o poder (BRASIL, 2015, 49).

Não são incomuns normas constitucionais e de direito internacional proibitivas de censura. O artigo 220 da Constituição de 1988 não inova o direito constitucional. Nos sistemas jurídicos brasileiros, reiteraram-se normas sobre as restrições ao exercício do direito à liberdade de expressão. Atualmente, prevalece a norma constitucional que proíbe expressa e taxativamente qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística (BRASIL, 2015, 51-55).

O sistema constitucional brasileiro traz em norma taxativa a proibição de qualquer censura, valendo a vedação ao Estado e também a particulares. Tem-se, assim, assentada a horizontalidade da principiologia constitucional, aplicável a entes estatais ou a particulares. Arremata-se que os princípios constitucionais relativos a direitos fundamentais não obrigam apenas os entes e órgãos estatais. São de acatamento impositivo e insuperável de todos os cidadãos em relação aos demais. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceado pelo Estado nem pelo vizinho, salvo nos limites impostos pela legislação legítima para garantir a igual liberdade do outro, não a ablação deste direito para superposição do direito de um sobre o outro (BRASIL, 2015, p. 57).

Quanto mais se amplia o espaço de poder social mais se tem a possibilidade real de ser a liberdade restringida pela ação de particulares contra um ou contra um grupo de indivíduos. A proteção dos direitos não se limita, pois, à ação estatal, senão que ela se estende também à ação dos particulares no complexo das relações intersubjetivas. O particular não pode se substituir ao Estado na condição de deter o poder sobre o outro a ponto de lhe cercear ou anular direitos fundamentais (BRASIL, 2015, p. 58).

Quanto ao direito à liberdade de expressão, a eficácia dos direitos fundamentais não se limita ao provimento estatal. Impõe-se a toda a sociedade, não persistindo o agir isolado ou privado pela só circunstância de não ser estatal. O poder individual – que existe na sociedade – não pode se substituir ao poder estatal, nem se imuniza das obrigações relativas aos direitos fundamentais (BRASIL, 2015, p. 59).

Reconhece-se a possibilidade de limitações ao exercício do direito de liberdade de expressão e de acesso à informação pautadas na proteção dos direitos ou reputação de outras pessoas, da segurança nacional, da ordem pública e da saúde e moral públicas. Admitem-se tais limitações previamente estabelecidas em lei, sendo necessário harmonia com os princípios que regem a sociedade democrática. Ademais, qualquer limitação ao exercício dos direitos fundamentais deve conduzir-se pela conclusão de serem os danos produzidos maiores que aqueles causados ao interesse público se a informação fosse retida (BRASIL, 2015, p. 59).

Para o pleno entendimento da questão, não se pode deixar de enfatizar o direito à informação, constitucionalmente assegurado como fundamental, e que se refere à proteção a se obter e divulgar informação sobre dados, qualidades, fatos, de interesse da coletividade, ainda que sejam assuntos particulares, porém com expressão ou de efeitos coletivos (BRASIL, 2015, p. 63).

O direito presente no inciso XIV do artigo 5º da Constituição contempla a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que haverá de livremente poder receber dados sobre assuntos que sejam de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais que possam interferir na sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a seu leque de cogitações legítimas (BRASIL, 2015, p. 63-64).

O direito de ser informado concerne àquele que recebe o teor da comunicação, tornando-se ator no processo de liberdade crítica e responsável pelas suas opiniões e, a partir delas, de suas ações. Liberdade desinformada é algema mental transparente, porém tão limitadora quanto os grilhões materiais. A corrente da desinformação não é visível, mas é sensível na cidadania ativa e participativa. A ministra cita Brecht, e diz que o pior analfabeto é o analfabeto político. O direito de ser informado é a garantia da superação do analfabetismo político (BRASIL, 2015, p. 64).

O direito de se informar relaciona-se à liberdade de buscar a informação em fonte não censurada e sobre qualquer tema que se revele de interesse do cidadão. Restringir a busca livre de assunto ou em fonte circunscrita antecipadamente significa limitar a liberdade de obter dados de conhecimento para a formação de ideias e formulação de opiniões (BRASIL, 2015, p. 64).

Constitucionalmente assegurado, esse direito fundamental compreende a busca, o acesso, o recebimento, a divulgação, a exposição de dados, pensamentos, formulações, sendo todos e cada um responsável pelo que exorbitar a sua esfera de direitos e atingir outrem (BRASIL, 2015, p. 64).

A expressão livre forma e informa o cidadão e torna o pensamento, a produção intelectual, artística, científica e de comunicação fonte de conhecimento e de novas ideias e ações. Nem por isso se dispensa a ela natureza tão absoluta que possa, provocando dano a alguém, tornar imune o autor da lesão ao argumento de exercitar direito próprio. O manto da liberdade de expressão não serve para acobertar os abusos de direito (BRASIL, 2015, p. 65).

5.4 Responsabilidade constitucional pela informação

Não há democracia sem responsabilidade pública e cidadã. Ausência de responsabilidade não prospera sequer na anarquia. Nem a ausência de governo pode ser confundida com desgoverno (BRASIL, 2015, p. 66).

O dever de respeito ao direito do outro conduz ao de responder nos casos em que, mesmo no exercício de direito legitimamente posto no sistema jurídico, se exorbite dano a terceiro (BRASIL, 2015, p. 66).

Quem informa e divulga informação responde por eventual excesso, apurado por critério que demonstre dano decorrente da circunstância de ter sido ultrapassada esfera garantida de direito do outro. A informação, a exposição, a divulgação de dado pode gerar dano como qualquer outro agir humano, e o STF concluiu por inúmeras vezes que a responsabilização compõe o sistema de liberdades (BRASIL, 2015, p. 66).

A Constituição elevou a matéria da responsabilidade civil, administrativa, contratual ou extracontratual à categoria de elemento fundamental de equilíbrio sistêmico, garantindo a mais ampla liberdade e fazendo a ela corresponder igual responsabilidade. Entretanto, o direito civil guarda a aplicação dos preceitos constitucionais, sobretudo no que se refere à relação entre particulares e suas consequências (BRASIL, 2015, p. 67).

A responsabilidade constitucionalmente estabelecida não se afasta por ser o autor da ação danosa titular dos direitos fundamentais, no exercício dos quais terá exorbitado a intervir na esfera de direitos de outrem e que têm igual natureza e idêntico resguardo (BRASIL, 2015, p. 68).

A ministra Cármen Lúcia cita Ingo Sarlet, para melhor compreensão do tema:

“em sentido amplo, a previsão, no art. 5º, V, da CF, juntamente com o direito de resposta, de um direito à ‘indenização por dano material, moral ou à imagem’ opera como um limite à liberdade de expressão, embora não impeça o seu exercício. A fixação, na esfera de demandas judiciais, de valores altos a título de indenização, poderá não apenas inibir a liberdade de expressão como mesmo levar, em situações-limite, à sua inviabilidade, de tal sorte que também nessa esfera há que respeitar os critérios da proporcionalidade e razoabilidade. O direito a indenização, neste contexto, há de ser reconhecido com prudência, sob pena de – apesar de posterior à veiculação do discurso ofensivo – se transformar em limitação ilegítima da liberdade de expressão.” (SARLET in SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2014, p. 466-467 apud BRASIL, 2015, p. 69).

No Direito, não há espaço permitido para a imunidade absoluta do agir no exercício de direitos com interferência danosa a esfera de direitos de outrem. Ação livre é ação responsável. Responde aquele que atua, ainda que sob o título de exercício de direito próprio (BRASIL, 2015, p. 71).

O exercício do direito às liberdades não se concilia com restrições ao direito de informar, menos ainda com a sua eliminação. O que se há de reivindicar sempre é a responsabilidade democrática, que se impõe como princípio de cumprimento igualmente garantido (BRASIL, 2015, p. 71).

5.5 Direito à intimidade e à privacidade

Segundo o preceito disposto no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, as dimensões da vida tida por invioláveis são encarecidas por se considerar que podem ocorrer, nas circunstâncias da convivência social, ofensas ou violações a estes direitos. A inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem constitui direito. Sua violação acarreta a forma de punição do autor da lesão, qual seja, a indenização pelo dano material ou moral (BRASIL, 2015, p. 72).

O famoso conceito de Brandeis (right to be alone) vem sendo revisto nos tempos em que à invasão de privacidade se relaciona a evasão de privacidade. Há os que buscam o direito de se manterem em sossego e no controle das informações a seu respeito; e há os que buscam se mostrarem e difundirem, incessantemente, o descontrole e a divulgação exibida das informações a seu respeito. A proteção de escolha de vida contra o controle ou o descontrole de dados publicizados independe da escolha autônoma do interessado conforme o conceito extraído do normativo constitucional (BRASIL, 2015, p. 73).

A privacidade contrapõe-se à publicidade, ou seja, o que não se dá a público, por escolha de espaço próprio do controle das informações e dados sobre a vida da pessoa. A privacidade foi conquistada, não tendo sido sempre considerada direito, menos ainda qualificada como fundamental (BRASIL, 2015, p. 73-76).

No direito brasileiro, a matéria relativa à tutela da inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa foi deixada ao cuidado da legislação infraconstitucional. O direito civil e o direito penal, ramos tradicionais do direito, contemplaram sempre as formas de reparação do ilícito civil ou penal pelo dano causado pela violação àqueles direitos (BRASIL, 2015, p. 79-80).

A constitucionalização expressa da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem é recente. Por isso, ainda se percebem dificuldades na aceitação como direitos fundamentais opostos não apenas ao agir estatal, mas por igual em relação aos particulares (BRASIL, 2015, p. 80).

O acúmulo de dados e as possibilidades de sua obtenção/divulgação a respeito de todos e de cada pessoa já não parece compatível com o conceito de Brandeis (right to be alone). Atualmente, a dificuldade em ser deixado em paz no sentido de ser respeitado em seu desejo de ficar só com os seus dados, controlando o que quer, pretende e aceita seja posto a público, contrapõe-se na velocidade em que os dados circulam, como fatos, fotos, versões e até inversões sem controle (BRASIL, 2015, p. 80).

A inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa tem na Constituição a resposta ao caso de desobediência a essa regra. E assim é por se saber que o homem descumpre normas, e disso se sabe. Por isso existem os contratos de confidencialidade que se tornaram comuns e que buscam assegurar que aqueles que convivem proximamente sejam obrigados a fazer silêncio do que virem e ouvirem do outro ou no espaço do outro (BRASIL, 2015, p. 82).

Mesmo com as proibições, os textos normativos insistem em aceitar restrições, mas por prever também as formas de se reparar eventuais abusos, e como exemplo, observa-se o que preceitua a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão e a lei n. 8.730 de 1993 que obriga a declaração de bens e rendas para os agentes públicos (BRASIL, 2015, p. 82-83).

Para a ministra, não se pode alegar estar diante de circunstâncias que respeitam sempre a quem exerce cargo do povo, pelo que este deve dele saber, não se podendo escusar de deixar que a plena luz entre sobre todos os setores de sua vida. Primeiro, porque há sempre um espaço de indevassabilidade e segredo que compõe o íntimo de uma pessoa e que é de parco ou nenhum conhecimento dos outros. Segundo, porque quem faz a sua vida e profissão na praça pública, com a presença e a confiança do povo e angaria o prestígio que o qualifica e enaltece não há de pretender esquivar-se deste mesmo público quando bem desejar, como se a praça fosse um mecanismo virtual, com um botão de liga/desliga ao sabor do capricho daquele que buscou e fez-se notório (BRASIL, 2015, p. 86).

A notoriedade tem preço, e este é fixado pela extensão da fama. Essa é quase sempre buscada. E quando não é, mas ainda assim é obtida, cobra pedágio: é o bilhete do reconhecimento público que se traduz em exposição do espaço particular, no qual querem adentrar todos (BRASIL, 2015, p. 87).

A notoriedade torna a pessoa alvo de interesse público pela sua referenciabilidade, podendo ser através de destaque no campo intelectual, artístico, moral, científico, desportivo ou político. Quando o ponto de interesse advier ou convier às funções sociais desempenhadas ou delas decorrerem ou para a sua compreensão concorrem as informações que extrapolem as linhas da quadra de jogo ou desempenho, a busca, produção e divulgação de informações não é ilegítima, nem pode ser cerceada sob o argumento de blindar-se a pessoa com a inviolabilidade constitucionalmente assegurada (BRASIL, 2015, p. 94).

Estes são os direitos fundamentais assegurados nos sistemas interno brasileiro e em normas de direito internacional, algumas internalizadas no direito pátrio, que constituem o que, não poucas vezes, têm sido considerados violados – ressalva feita ao direito à liberdade de informação e de ser informado – por pessoas, que se veem sujeitos de estudos, pesquisas, obras, nas quais suas vidas são relatadas e os escritos produzidos e divulgados, independente de autorização da narrativa e das versões do autor da produção (BRASIL, 2015, p. 94).

E diante da narrativa apresentada, a ministra entende que o recolhimento de obras produzidas por decisão judicial que atenda o pleito do sujeito sobre o qual se escreve, de seus familiares, ou se impedir sequer a produção da obra biográfica pela ausência de autorização, baseia-se, atualmente, nos artigos 20 e 21 do Código Civil (BRASIL, 2015, p. 94).

O ponto fulcral de discussão da ADI é como interpretar esses dispositivos, sem excluí-los do sistema, por declaração de vício de inconstitucionalidade, tornando-os compatíveis com os princípios constitucionais, assecuratórios de direitos fundamentais, em caso de obra biográfica produzida sem autorização (BRASIL, 2015, p. 95).

5.6 Biografia e liberdades individuais e públicas

Não é tarefa fácil identificar a natureza da obra biográfica. Menos dificultoso é identificar a obra biográfica. Sobra o primeiro item muito tem escrito na história e na literatura. De literatura a historiografia, de obra literária a produto investigativo, a biografia é gênero que anda passo a passo com o andar histórico da humanidade (BRASIL, 2015, p. 96).

Não há apenas uma teoria na qual se enquadrar a obra biográfica, nem há apenas uma razão para se chegar à escolha de tal escrita na busca de se passar do particular para o plural e também, não poucas vezes, para se ter da coletividade, que tenha absorvido o jeito e a influência de alguém, para o particular (BRASIL, 2015, p. 97).

Na evolução da biografia, essa se humanizou. A vida grafada estendeu-se. O interesse multiplicou-se. E o retrato não foi mais modelo de perfeição para qual se preparou o que se quis. O retratista escarafunchou dentro da casa, da vida, do psique e incomodou (BRASIL, 2015, p. 97).

A biografia é a escrita (ou o escrito) sobre a vida de alguém, relatando-se o que se apura e se interpreta sobre a sua experiência mostrada e que, não sendo mostrada voluntariamente, não foi autorizado pelo sujeito ou por seus familiares a passarem para a coletividade (BRASIL, 2015, p. 98).

O biógrafo busca saber quem é o biografado, indo atrás de sua vida. Investiga, prescruta, indaga, questiona, observa, analisa para concluir o quadro da vida, o comportamento não mostrado que ostenta o lado que completa o ser autor da obra que influencia e marca os outros. A vida do outro há de ser preservada. A curiosidade de todos há de ser satisfeita. O biógrafo cumpre o segundo papel (BRASIL, 2015, p. 98-99).

Sem ver a totalidade da vida da pessoa não há como se saber o que é a vida da figura que tenha marcado uma época, como sua obra foi elaborada, suas influências pretéritas e aquelas que tenha provocado. O dilema entre o que foi e o que poderia ter sido, a luta do querer e do que se fez para se atingir, o que foi dor transformada em força, o que foi vigor desperdiçado e tornado obra de desabafo, tudo compõe a pessoa (BRASIL, 2015, p. 99).

O mundo não é um construído, é um permanente construir. E a construção, especialmente a partir de figuras de referência, faz a história. Sem o saber dessas figuras, como se avançar? Sem a autorização, como prosseguir (BRASIL, 2015, p. 99)?

A ministra esclarece que afirmou-se, no curso da ação, que a biografia não estaria cerceada, apenas dependeria de autorização, porque as versões apresentadas poderiam comprometer a intimidade e a privacidade do biografado (BRASIL, 2015, p. 100).

Entretanto o argumento não convence: primeiro, porque a expressão é livre. Qualquer censura prévia é vedada pelo sistema. A autorização prévia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras após a sua divulgação é censura judicial, que apenas substitui a administrativa (BRASIL, 2015, p. 100).

Segundo ponto é que a biografia autorizada é uma possibilidade que não exaure a possibilidade de conhecimento das pessoas, comunidades, costumes, histórias. E entre a história de todos e a narrativa de um, opta-se pelo interesse de todos (BRASIL, 2015, p. 100).

Terceiro, a biografia autorizada não está proibida. Esta não apenas é permitida como pode ser estimulada. Apenas é de se levar em conta que a memória é traiçoeira. Um mesmo fato pode ser lembrado com os requisitos cerebrais que impõem a seleção e até mesmo a recriação de fatos e casos que não foram o que a interpretação da pessoa sugere. Não se há de frustrar a história pela lembrança elaborada de uma única pessoa (BRASIL, 2015, p. 101).

Quarto, a privacidade de quem sai à rua não pode ser considerada igual quadrante da intimidade daquele que se mantém guardado em seu secreto quarto. Nem é que esse não seja objeto de olhares. É que seu dormente não abre a janela para resguardo pessoal constitucionalmente protegido (BRASIL, 2015, p. 101).

Temem-se versões da história de alguém que não é a sua vida. Temem-se enganos e fraudes. O risco é compreensível e concreto. Mas viver é arriscar. Há que se permitir o erro para se buscar o acerto. E garante-se a reparação sem se tolher o direito do outro (BRASIL, 2015, p. 102).

A pesquisa histórica depende das biografias. É da vida e com as vidas que se estruturam as sociedades. Sociedade é o todo composto de vidas singulares, mas que se erguem com esteios estruturadores das instituições e construtores de catedrais e capelas de gentes, ideias e costumes (BRASIL, 2015, p. 102).

A autorização prevista na legislação civilista talvez tenha sido pretensão de se constituir em proteção jurídica asseguradora da inviolabilidade constitucionalmente prevista e sem a qual o rol de direitos fundamentais não tem plena eficácia relativamente ao Estado e aos particulares (BRASIL, 2015, p. 102-103).

Não há como compatibilizar o que o direito garante como liberdades, assegura a sua plena expressão, proíbe expressa e taxativamente qualquer forma de censura, define como direito fundamental a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da privacidade e, para descumprimento desta norma, prescreve a forma indenizatória de reparação e norma de hierarquia inferior sobrevém fixar regra para o exercício da liberdade, iniciando-se, em seu ditame, com a ressalva: “salvo se autorizadas...” (BRASIL, 2015, p. 103).

Há absurda contradição: a Constituição garante a liberdade e a lei civil afirma que o exercício não pode ser garantido salvo se autorizado pelo interessado (BRASIL, 2015, p. 103).

Ademais, não se pode afirmar que a circunstância de proteção da inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem ser agravada pelo fato de se buscarem fins comerciais com a comercialização da obra biográfica (BRASIL, 2015, p. 106).

Escreve-se para ser lido, e livro é produto de comércio. Logo, o que se está a obtemperar é desimportante para o deslinde da questão relativa à interpretação da matéria. O mesmo entendimento é aplicável para a obra audiovisual. Produção cinematográfica é comercializável. E comércio faz-se com o pagamento pela prestação do serviço ou do produto (BRASIL, 2015, p. 106).

Certamente, corre-se o risco de haver abusos, de se produzirem escritos ou obras audiovisuais para divulgação com o intuito exclusivo de se obterem ganhos espúrios pela amostragem da vida de pessoas com detalhes que não guardam qualquer traço de interesse público (BRASIL, 2015, p. 106).

Risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não é se abatendo liberdades conquistadas que se segue na melhor trilha democrática traçada com duras lutas. Reparam-se danos nos termos da lei, pois não é com mordaça ou censura que se resolve a inverdade. É com mais verdade sobre o inocorrido e narrado por má-fé ou ignorância (BRASIL, 2015, p. 107).

5.7 Biografia: a intimidade e a privacidade do biografado

Por força dos princípios constitucionais garantidores dos direitos fundamentais devem ser as normas infraconstitucionais interpretadas de acordo com os princípios constitucionais, dotando-os de plena efetividade, sem perda de seus conteúdos ou de sua eficácia, para se assegurar o bem viver de cada um e de todos. Mas os fins a que se destinam as normas constitucionais não se alteram senão para serem mais firmes em sua objetividade (BRASIL, 2015, p. 108).

A vida de todos compõe a sociedade. A vida do outro, singular, deve ser o quanto mais deixada em paz. Mas quem sai à rua deixa-se ver. Num mundo em que a praça virtual é mais intensa e mostra o que se passa na cama e até debaixo dela, não se há de pretender que o que prega no largo da cidade se queira depois esconder daquele que o tenha encontrado (BRASIL, 2015, p. 108).

Não se extingue o direito à inviolabilidade, à intimidade ou da vida privada. Respeita-se, no direito, o que prevalece no caso posto em juízo, sem juízo prévio de censura nem possibilidade de se firmar a censura prévia ou a posteriori, de natureza legislativa, política, administrativa ou judicial, deixando-se em relevo e resguardo o que a Constituição ficou como inerente à dignidade humana a ser solucionado em casos nos quais se patenteie desobediência aos princípios fundamentais do sistema, pois sem a liberdade de expressão, não há sociedade democrática (BRASIL, 2015, p. 109-110).

5.8 Interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil

Contemplam os artigos 20 e 21 do Código Civil, em sua literalidade, a exigência de autorização prévia para divulgação de escritos, transmissão da palavra ou publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa sem o que poderão ser proibidas, a requerimento do interessado ou, em se tratando de morto ou de ausente, do cônjuge, ascendentes ou descendentes, sem prejuízo da indenização cabível, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (BRASIL, 2015, p. 110).

Essa interpretação protetiva do direito à intangibilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, não pode ser aplicada relativamente à produção de obra biográfica, pela circunstância de não ser conter exceção expressa a esse gênero no dispositivo legal (BRASIL, 2015, p. 111).

Além do mais, não pode porque a liberdade de pensamento, de expressão, de produção artística, cultural, científica estaria comprometida e a censura particular seria a forma de se impor o silêncio à história da comunidade. A proteção não se dá apenas no espaço da política, e sim em todas as formas de expressão asseguradas pela Constituição (BRASIL, 2015, p. 111).

A aplicação e intepretação dos dispositivos em questão tem provocado o recolhimento de obras biográficas publicadas, ao impedimento de sua edição ou a proibição de sua exposição e venda ou a sua exibição, quando se trata de obras audiovisuais. Diversos são os casos presentes na jurisprudência brasileira (BRASIL, 2015, p. 111).

Podem-se citar a proibição da publicação da biografia do cangaceiro Lampião; a proibição da exibição do documentário sobre o pintor Di Cavalcanti; a proibição da biografia de Noel Rosa, dentre outros (BRASIL, 2015, p. 111-113).

A Constituição brasileira assegura as liberdades de maneira ampla. Não pode, pois, se anulada por outra norma constitucional, por emenda tendente a abolir direitos fundamentais (inciso IV do artigo 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à imagem, à privacidade, à honra e à imagem (BRASIL, 2015, p. 113).

Para se interpretar constitucionalmente o que nos artigos 20 e 21 do Código Civil se contém, há de se considerar que: a) as normas constitucionais de direitos fundamentais garantem a vida digna, para o que se assegura, expressamente, a liberdade de pensamento e de sua expressão, liberdade de informação e de criação intelectual, artística e científica; b) consequência lógica daquelas liberdades, está vedada qualquer forma de censura, estatal ou particular; c) consectário lógico da dignidade da vida, a Constituição também garante, como direito fundamental, a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem das pessoas, impondo-se, na norma, a forma pela qual se repara o descumprimento desse direito, a saber, mediante indenização (BRASIL, 2015, p. 114).

Para a solução da questão, há de se acolher o balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias (BRASIL, 2015, p. 115).

Portanto, demonstra-se a clareza da inconsistência constitucional das regras dos artigos 20 e 21 do Código Civil, e no mesmo sentido, está Canotilho que afirma; “Não temos dúvida que o balanceamento ‘definitório categorial’ ou ‘universalizante’ detectado no enunciado linguístico do art. 20 do Código Civil conduz a uma operação deôntica de proibição claramente inconstitucional.” (BRASIL, 2015, p. 117).

5.9 Conclusão do voto

Findando todo o raciocínio exposto, a ministra Cármen Lúcia decide por julgar procedente a ADI, dando interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução do texto. E passam os artigos a possuírem a seguinte interpretação:

a) em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas);

b) reafirmar o direito à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, nos termos do inc. X do art. 5º da Constituição da República, cuja transgressão haverá de se reparar mediante indenização. (BRASIL, 2015, p. 118-119)

Após a exposição de seu voto (que não foi lido na íntegra em plenário, mas somente uma síntese), o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski passou a palavra para o ministro Luís Roberto Barroso, dando início à votação da decisão (STF, 2015).

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Sobre o autor
Pablo Edirmando Santos Normando

Advogado. Pós-graduado em Direito Público e pós-graduado em Direito Privado pela Escola Superior da Magistratura do Estado do Piauí. Graduado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NORMANDO, Pablo Edirmando Santos. O direito à liberdade de expressão e as biografias não autorizadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4636, 11 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46505. Acesso em: 23 abr. 2024.

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Monografia apresentada à Escola Superior da Magistratura do Estado do Piauí como requisito para a obtenção do título de Especialista em Direito Privado.

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