Danos a Fazenda Pública: da prescritibilidade do ilícito civil

15/02/2016 às 10:22
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O presente artigo trata da tese definida pelo STF no julgamento do RE com Repercussão Geral nº 669.069/MG, onde a Corte Constitucional fixou o seguinte tema: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".

I – INTRODUÇÃO

Prescrição é a perda de uma pretensão pelo decurso de um prazo. Trata-se de uma “punição” pela inércia do titular do direito a tomar providências que possibilitem o exercício de seu direito em um período de tempo razoável.

A prescrição foi criada para trazer tranqüilidade e segurança jurídica nas relações sociais e comerciais, não se admitindo que uma pessoa tenha sobre outra uma pretensão eternamente, dependendo exclusivamente de um ato de vontade.

Assim, a lei estipula prazos a serem observados para o exercício de alguns direitos, sob pena dos mesmos não poderem mais ser exercidos. A prescritibilidade é a regra no direito brasileiro.

Ressalta-se que a prescrição não irá extinguir o direito em si, mas sim a sua pretensão. Dessa forma atingirá o direito indiretamente pois uma vez extinta a sua forma de proteção, o direito propriamente dito normalmente ficará prejudicado.

II – DA PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO A FAZENDA PÚBLICA

Quando se fala em prazo prescricional envolvendo a fazenda pública, pode-se imaginar o prazo prescricional para ações em face da fazenda pública ou os prazos prescricionais para a fazenda pública exercer o direito de se ressarcir de danos causados ao erário. Ambos os prazos já foram controvertidos na doutrina e jurisprudência, mas, aparentente, foram pacificados.

A) PRESCRITIBILIDADE PARA AÇÕES EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA

Tal prazo não é objeto deste artigo, de forma que, resumidamente, pode-se afirmar que o Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo julgado pela sua 1ª seção, no REsp 1.251.933/PR decidiu que o prazo prescricional de ações indenizatórias movidas em face da Fazenda Pública era quinquenal, aplicando o Decreto 20.910/32 e afastando a aplicação da norma civilista.

B) PRESCRITIBILIDADE PARA AÇÕES DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO

Tema mais controvertido e decidido somente no ano de 2016, diz respeito a prescritibilidade ou não de ações de ressarcimento ao erário.

Isso porque a doutrina e a jurisprudência sempre divergiram quanto a previsão Constitucional do art. 37, 5º:

Art. 37 (...)

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” (grifo nosso)

Pela leitura da referida norma constitucional pode-se chegar a conclusão que todo e qualquer dano causado ao erário seria imprescritível (visão mais extensiva) ou que a imprescritibilidade se refere apenas as ações de ressarcimento provenientes de improbidade administrativa (visão mais restritiva).

Após a Constituição Federal de 1988, o Judiciário já reconhecia e aplicava, sem maiores hesitações, o prazo prescricional de 5 anos previsto no Decreto 20.910/32 e também previsto às ações populares (STJ, Resp 36.490/SP) para ações de ressarcimento ao erário, que, como bem identificou o ministro Luiz Fux no julgamento do REsp 406.545/SP, têm objeto e fundamento jurídicos relevantemente aproximados aos das ações civis públicas que persigam a anulação de atos administrativos e o ressarcimento do erário. Esse precedente foi ainda reiterado outras vezes pelo Superior Tribunal de Justiça, como pode ser verificado nos REsp 910.625/RJ e 727.131/SP.

Contudo, como afirmado anteriormente, tal tema nunca foi pacífico. Outras inúmeras decisões também entendiam haver a imprescritibilidade das ações que tinham como objeto o ressarcimento de danos causados ao erário, como ficou consignado no julgamento do Resp 1.069.779/SP, julgado pelo próprio STJ em 18 de novembro de 2010.

A fim de pacificar tal situação, o tema chegou ao Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral 669.069/MG. A Repercussão Geral foi reconhecida em Agosto do ano de 2013, mas o julgamento somente teve início em Novembro do ano seguinte.

O Julgamento teve como relator o Ministro Teori Zavascki, o qual, em seu voto, afirmou que a ressalva contida na parte final do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição Federal, deve ser entendida de forma estrita. Segundo ele, uma interpretação ampla da ressalva final conduziria à imprescritibilidade de toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, mesmo as fundadas em ilícitos civis que não decorram de culpa ou dolo.

De acordo com o relator, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade, além de regra, é fator importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social. Dessa forma, a ressalva constitucional da imprescritibilidade não se aplica a qualquer ação, mas apenas às que busquem o ressarcimento decorrentes de sanções por atos de improbidade administrativa. Uma interpretação ampla dessa regra poderia trazer resultados incompatíveis com o sistema, entre os quais, o de tornar imprescritíveis ações de ressarcimento por simples atos culposos.

Com esse voto, foi proposto pelo relator fixar como tese de repercussão geral que a imprescritibilidade a que se refere o parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos tipificados como improbidade ou ilícitos penais.

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Contudo, após os votos dos Ministros Luiz Fux, Roberto Barroso e da Ministra Rosa Weber, houve pedido de vistas do Ministro Dias Tóffoli. Assim o impasse continuou por mais tempo, até que, em Fevereiro de 2016, foi retomado o julgamento da matéria e decido o mérito do tema.

Seguindo o voto do relator, o STF decidiu que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Essa conclusão não vale para ressarcimentos decorrentes de improbidade administrativa.

Dessa forma, o Tribunal fixou a seguinte tese: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil"

Observa-se do julgamento e da tese fixada, que o STF criou duas regras:

1ª) É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.

2ª) É imprescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública para ressarcimentos decorrentes de improbidade administrativa.

Um dos principais fundamentos para o STF chegar a essa conclusão foi que a prescritibilidade é a regra no direito brasileiro, ou seja, em regra, as pretensões indenizatórias estão sujeitas a prazos de prescrição. Para que uma pretensão seja imprescritível, é indispensável que haja previsão expressa neste sentido.

Não é possível ler o §5º do art. 37 da CF/88 de forma isolada. O mesmo deve ser lido em conjunto com o § 4º, de forma que ele deve ser feita uma interpretação mais restrita, se referindo apenas aos casos de improbidade administrativa.

Se fosse admitida uma interpretação mais ampla da ressalva final contida no §5º, toda e qualquer ação de ressarcimento movida pela Fazenda Pública seria imprescritível, o que não se coaduna com o sistema juridico constitucional vigente. Faltaria proporcionalidade.

Como afirmado anteriormente, a prescrição é um instituto importante para se garantir a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social. É uma forma de se assegurar a ordem e a paz na sociedade.

Assim, a imprescritibilidade prevista no art. 37, §5º, CF não se aplica para danos causados ao Poder Público por força de ilícitos civis, como por exemplo, os advindos de um acidente de trânsito causado por um particular contra um veículo da fazenda pública.

De forma diversa, quanto aos danos ao erário causados por improbidade administrativa, a tese acima fixada afirma ser imprescritível a ação de ressarcimento. Como exemplo, podemos citar a ação de um administrador público que compra, por meio de licitação viciada, produtos por preço superfaturado.

Deve-se atentar que o prazo para ajuizamento da ação de improbidade administrativa é de 5 anos. No entanto, a doutrina e jurisprudência entendem que, no caso de ressarcimento ao erário, a ação é imprescritível por força do §5º do art. 37 da CF/88. Vide STF AI 744973 AgR e STJ AgRg no REsp 1442925/SP.

Assim, mesmo que a ação esteja prescrita para se impor penas de multa civil ou perda do cargo do cargo público, a mesma poderá ser proposta para se cobrar o ressarcimento ao erário causado pelo autor do ato de improbidade.

III) CONCLUSÃO

Assim, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal fixou duas regras:

1º) Há prescritibilidade das ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ILÍCITO CIVIL;

2º) Há imprescritibilidade das ações de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de atos de IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal preferiu realizar uma interpretação mais restrita da parte final do art. 37, §5º, CF, pacificando o tema com a seguinte tese: "É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 14 e fe. de 2016.

BRASIL. Lei n. 10.046, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Lex: Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 14 de fev. De 2016.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes; É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. Essa conclusão não vale para ressarcimentos decorrentes de improbidade administrativa. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2016/02/e-prescritivel-acao-de-reparacao-de.html>. Acesso em 14 de fev. de 2016.

OLIVEIRA, Erival da Silva, Direito Constitucional – Coleção Elementos do Direito. - 14. Ed. - São Paulo: RT 2015.

VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil: parte geral. - 15. Ed. – São Paulo: Atlas 2015 – (Coleção Direito Civil; v. 1)

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Sobre o autor
Bruno Medrado dos Santos

Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá (RJ). Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trata-se de assunto recentemente decido pelo STF no julgamento do RE 669.069/MG (Fev/2016).

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