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Direito fundamental social subjetivo:

conceito, características e eficácia da norma constitucional

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3. Natureza Jurídica.

Nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito poderá ser excluída da apreciação da função jurisdicional do poder público (art. 5.º, XXXV, CFB/88), de modo que o surgimento de uma ação, ou de uma pretensão, decorre da conduta contrária ao direito ou já da iminência da prática ilícita ou estágio de periclitação de um bem tutelado. Destarte, não têm razão aqueles que somente reconhecem existente uma ação quando esta houver sido expressamente prevista pela legislação, caso contrário, isto é, “em caso de silêncio legislativo” dependeria de uma interpretação construtiva do juiz[27].

Tem-se de reconhecer que quando uma norma jurídica confere um direito, estabelecendo proibições, permissões ou obrigações, ainda que não explicite e especifique uma ação diretamente correlata a defendê-lo, o que se sabe ser até certo ponto dispensável, mercê das múltiplas possibilidades do instituto da antecipação da tutela e da execução específica, não é de modo algum uma situação de lacuna a ser integrada pelo intérprete, porquanto essa possibilidade está irremediavelmente contemplada pelo ordenamento jurídico, que não convive, por absolutamente incompatível e contraditório, com uma situação de apatia e passividade ante posturas mutiladoras do sistema.

O que importa e basta para que um sujeito de direito reclame judicialmente a respectiva tutela, a rigor, em termos de direitos fundamentais sociais, é que a conduta, comissiva ou omissiva, total ou parcial, do Estado agrida a ordem jurídica, imediatamente, e atinja desarrazoadamente a sua esfera de direitos, mediatamente, com infringência de uma norma que preveja um direito fundamental social, afinal, “cuando existe un derecho éste es también justiciable” ou “vinculación jurídica implica control judicial”[28].

 Desse modo, a natureza jurídica do direito subjetivo é de poder jurídico, sendo este o “poder jurídico de instaurar, através de requerimento, o processo que conduz à anulação da lei inconstitucional”[29] ou, ampliativamente, à restauração do Direito, seja qual for a natureza da violação, sendo de se reavivar que, à diferença dos direitos e liberdades individuais, à tutela dos direitos fundamentais sociais, no mais das vezes, não basta o impedimento estatal, cuja violação assegura-se correcionalmente, uma vez que, em sua generalidade, não há uma situação de disposição e gozo pré-existente a ser conservada, senão algo por ser efetivamente viabilizado[30].


4. Positivação dos direitos sociais na Constituição brasileira.

A doutrina jusnaturalista responde pela formulação conceitual segundo a qual a categoria do direito é apartada e precedente da categoria do dever, porém, “se se afasta a hipótese dos direitos naturais e se reconhecem apenas os direitos estatuídos por uma ordem jurídica positiva, então verifica-se que um direito subjetivo, no sentido aqui considerado, pressupõe um correspondente dever jurídico, é mesmo este dever jurídico”[31].

O começo da tutela normativa de bens sociais é historicamente situado no século XX e representou não propriamente uma oposição ao positivismo jurídico mas sim um movimento em sua direção, devendo-se iniludivelmente obtemperar para a circunstância de que, quando, nos séculos imediatamente antecedentes, se cogitava de direitos cujo respeito seria devido pelas Constituições, ditas alusões se faziam tendo em consideração algum sistema jurídico, que necessariamente pairava as Constituições ou as precedia, e de onde proviriam tais direitos, que se pretendia subjetivados.

Não fosse assim, a alusão a direitos subjetivos pré-constitucionais tinha “sentido político e não jurídico. Sabe-se bem a que lamentáveis obscurecimentos levaram tais confusões”[32]. Daí a observação de Mello, no sentido de que “os teóricos dos direitos sociais deveriam também refletir sobre o fato de que, se eventualmente se reivindica a existência de direitos fundamentais liberais não positivados, sob a forma de direitos naturais, a doutrina e os tribunais não ousam sustentar a existência de direitos sociais que não estejam expressamente previstos na constituição ou em textos legais. Vale dizer, os direitos sociais do neoconstitucionalismo são apenas direitos subjetivos previstos em normas do direito positivo”[33].

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 dispôs acerca dos direitos sociais no Título II, reservado aos direitos e garantias fundamentais, de modo destacado, reservando-lhes capítulo próprio contido nos artigos 6.º ao 11. Como se vê das suas disposições, o capítulo é inaugurado com um elenco de “direitos” – educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados – cuja configuração jurídica se conforma ao disposto naquela mesma fonte normativa: “na forma desta Constituição”.

A par da referida variedade de direitos nominados introdutoriamente, o mencionado capítulo cuidou, apenas e minudenciosamente, da conformação dos “direitos dos trabalhadores”, que não se confundem com o direito social ao trabalho, antes o pressupõe. Aos direitos à educação, saúde, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados reservou-se o Título VIII, que trata da Ordem Social.

As disposições constitucionais sobre a educação (arts. 205/214) dizem-na “direito de todos e dever do Estado e da família”, devendo ser gratuito o “ensino público em estabelecimentos oficiais”, expondo que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito, progressiva universalização do ensino médio gratuito, atendimento especializado aos portadores de deficiência” et cetera.

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Os artigos 196 a 200 estabelecem ser a saúdedireito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, explicitando que “as ações e serviços públicos de saúde” devem promover o “atendimento integral”.

No que concerne ao direito social ao trabalho, o Capítulo I do título VII, cuida dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, onde se estabelece que a “valorização do trabalho humano” a fim de “assegurar a todos existência digna” de acordo com os “ditames da justiça social” é fundamento da Ordem Econômica e Financeira, que tem, ainda, como princípio, a “busca do pleno emprego”. De se notar que à parcela da população que alcance o “pleno emprego” implicará o atingimento e a fruição da maior parte daquel’outros direitos sociais por seus próprios recursos, diminuindo a participação oficial direta.

O direito social à segurança pública encontra-se plasmado no artigo 144, e tem como conteúdo a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas”, sendo caracterizado como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, determinando-se, ainda, que seja garantida a “eficiência” das atividades dos órgãos responsáveis pela segurança pública.

O direito social à previdência ampara-se nos artigos 201 e 202 que o atribui “caráter contributivo” e, portanto, destina-se aos que auferem renda, mas prevê que “lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário mínimo”, estabelecendo, ainda, que esse “sistema especial de inclusão previdenciária ... terá alíquotas e carências inferiores às dos demais segurados...” .

Do direito social à proteção da maternidade e da infância ocupam-se os artigos 226 a 230. Por eles se estabelece que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, devendo o Estado promover “programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente”, tendo, o diretaçiala dependssistas pessoas"ridade, o direito v de deficiualitpara tanto, que aplicar percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil”.

O direito social de assistência aos desamparados será, nos termos dos artigos 203 e 204, prestado “a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”, compreendendo a proteção a todos os demais direitos sociais, além da concessão de um auxílio financeiro mensal a deficientes e idosos incapazes de, por si ou por sua família, prover o próprio sustento.

Como vimos de ver, mesmo em termos dogmáticos, não é substancialmente diferente o tratamento jurídico que se deve dar à defesa e promoção seja dos direitos sociais ou dos de liberdade. O fato é que aqueles, nalgumas vezes, a depender do grau de satisfação eventualmente já atingido, traduzem direitos de dupla perspectiva, uma imediata, consistente na eficiência público-administrativa, no que concerne aos desempenhos dos seus misteres constitucionais, na busca da melhoria da qualidade de vida de todos os concidadãos, e a outra, mediata e conseqüente, que tem a ver com a própria fruição do direito social. Tome-se o exemplo dos direitos de propriedade e de moradia. No primeiro, dito negativo, tutela-se, grosso modo, a manutenção do direito. No segundo, positivo, tutela-se, prima facie, a boa administração pública, a eficiência na execução dos deveres do mandato político, a idoneidade das ações e condutas governamentais tendentes a propiciar a conquista do indigitado direito.

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Sobre o autor
Adriano Luís de Almeida Silva

Especialista e mestre em direito. Assessor Jurídico e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Adriano Luís Almeida. Direito fundamental social subjetivo:: conceito, características e eficácia da norma constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4632, 7 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46981. Acesso em: 25 abr. 2024.

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