É sabido que, no dia 17 de fevereiro do corrente ano, o Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Habeas Corpus (HC 126.292 – SP [2]), promoveu uma mudança histórica quanto ao tema Execução Provisória de Pena, passando a entender novamente, assim como o que ocorreu no julgamento do HC 68.726 em 28/06/1991, no sentido de que “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.”
Dessa forma, a Corte Constitucional considerou que é possível o cumprimento provisório da pena, uma vez depois de confirmada a condenação penal em segunda instância, mesmo que ainda comporte recursos de natureza extraordinária (Recurso Especial e Recurso Extraordinário), sem que isso configure, portanto, violação ao princípio constitucional da Presunção de Inocência (não culpabilidade), segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, nos termos do art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Como toda decisão judicial deverá ser necessariamente fundamentada, sob pena de nulidade, ante o que estabelece o Princípio da Motivação (art. 93, IX, da Carta Magna), não seria diferente o caso da decisão proferida pelo STF, que considerou legítima a execução provisória da pena.
Portanto, faz-se necessário, aqui, expor quais foram os argumentos utilizados pelo Egrégio STF no seu decisum, conforme será visto a seguir:
1- A execução provisória de pena envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da presunção de inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal;
2- A possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade era orientação que prevalecia na jurisprudência do STF, mesmo na vigência da Constituição Federal de 1988 (vide HC 68.726 [3]);
3- Os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, motivo pelo qual, tendo havido, em segunda instância, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas, parece inteiramente justificável a relativização do princípio da presunção de inocência;
4- A relativização ao princípio da presunção de inocência tem respaldo em vários constitucionalistas, a exemplo do Ministro Gilmar Mendes;
5- A execução provisória da pena não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, quando o acusado é tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal e são observados os direitos, garantias, regras processuais e o modelo acusatório atual;
6- Em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando o trânsito em julgado da sentença penal condenatória;
7- Os recursos de natureza extraordinária não têm efeito suspensivo e tem por objeto precípuo preservar a higidez do sistema normativo, tratando de questões constitucionais que transcendem o interesse subjetivo da parte;
8- O entendimento jurisprudencial que assegura a execução da pena somente depois do esgotamento de todas as vias recursais tem permitido e incentivado a indevida e sucessiva interposição de recursos da mais variada espécie, visando, não raro, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva ou executória;
9- Cumpre ao Poder Judiciário, sobretudo, ao próprio STF, garantir que o processo – único meio de efetivação do jus puniendi estatal -, resgate essa sua inafastável função institucional;
10- Ainda que haja eventuais equívocos nos juízos condenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias, haverá vários mecanismos aptos a inibir conseqüências danosas para o condenado, podendo o réu se valer, por exemplo, de medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial, ou de habeas corpus para controlar eventuais atentados aos direitos fundamentais.
Sem sombra de dúvidas, referida decisão do STF gerou e ainda gera muita polêmica, e, certamente, ainda repercutirá muito no cenário jurídico brasileiro; no entanto, independentemente de qualquer posição doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema em questão, é certo que, no mínimo, foram adotados vários argumentos pela Corte Constitucional, de forma que, mais uma vez, restou demonstrada a sua interpretação de natureza ativista [4], ao procurar estabelecer um equilíbrio do princípio de presunção de inocência entre a efetividade da função jurisdicional penal.
REFERÊNCIAS:
BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Ed. 4. Janeiro/Fevereiro 2009. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf>. Acesso em: 25/02/2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 25 fev. 2016.
STF. Plenário. HC 68.726, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 28/06/1991.
____. Plenário. HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016.
Notas
[2] STF. Plenário. HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016.
[3] STF. Plenário. HC 68.726, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado em 28/06/1991.
[4] “A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público” (BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Ed. 4. Janeiro/Fevereiro 2009. Disponível em: <http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf>. Acesso em: 25/02/2016).