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Moro ou STF decidirá prisão do Lula. Hegel ou Engels? Doze regras éticas para a política. Nem Maquiavel previu algo como o Brasil.

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17/03/2016 às 14:20
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As intrigas políticas e investigações no Brasil na operação Lava Jato estão melhores que a série americana House of Cards.

Em reportagem divulgada no jornal alemão Die Zeit o jornalista Thomas Fischermann diz que as intrigas políticas e investigações no Brasil [na operação Lava Jato] estão melhores que a série americana House of Cards, que conta a história do inescrupuloso político americano Frank Underwood e suas manobras para chegar ao poder. “É difícil entender por que ainda há pessoas que se interessam por House of Cards. Elas não acompanham as notícias da política brasileira?”[1].

Um resumo do novo capítulo da série é o seguinte: a juíza da 4ª Vara Criminal em São Paulo decidiu que a denúncia contra Lula e outras pessoas deve ser enviada para Curitiba (Moro). Declinou da competência, invocando o instituto da conexão (os fatos narrados na denúncia em São Paulo são investigados por Curitiba ou são conexos a fatos lá investigados). Numa ação de busca e apreensão deferida por Moro se faz referência aos favores recebidos pelo ex-presidente da República, dentre os quais está o tríplex no Guarujá, que é o centro da acusação (em São Paulo) contra o ex-presidente e sua família. Tanto a cessão do imóvel como a sua reforma é objeto de investigação na Vara Federal. Mais: na denúncia em São Paulo os promotores não fizeram nenhuma referência à origem do favorecimento (que seriam as propinas da Petrobrás). Trata-se de uma omissão intencional para fazer supor que o fato narrado não tenha nada a ver com o que está sendo investigado em Curitiba. Pretende-se trazer para São Paulo o que já está em andamento em outro juízo. Mais ainda: o crime de falsidade ideológica teria ocorrido na declaração de renda do ex-presidente. Isso configura crime de sonegação fiscal da competência da Justiça Federal, sendo a falsidade mero meio de execução do crime (o crime-meio fica absorvido pelo crime-fim).

Faz bastante sentido o que foi decidido.  Tudo que está relacionado com a Lava Jato é melhor e juridicamente correto que fique concentrado num único juízo (para se evitar decisões completamente conflitantes).

Ao mesmo tempo noticia-se que Lula seria nomeado ministro. Se isso ocorrer, tudo que for relacionado ao Lula transfere-se para a competência do STF (saindo da jurisdição do Moro). Quando Lula deixar esse eventual ministério, tudo volta para a primeira instância. Em cada caso concreto o STF decide sobre a separação ou não do processo em relação aos demais acusados que não possuem o foro especial.

Não importa em qual juízo Lula irá responder pelos seus eventuais crimes. O fundamental é que tudo seja devidamente apurado, de acordo com o devido processo legal. Se condenado, que a corrupção seja fonte de educação. Uma nova lei devemos aprovar para empobrecer todos os corruptos, destinando-se o dinheiro auferido à educação de qualidade para todos, até os 18 anos, levando-se os mais talentosos (por mérito) para o ensino universitário. É preciso, ademais, pensar em programas educativos especiais para os corruptos condenados (não há nenhum ignorante no mundo que não possa nos ensinar algo, não há nenhum sábio no mundo que não tenha nada para ser aprendido).

Para se alcançar o objetivo da educação, a Lava Jato tem que ver o labirinto criado pelas leis brasileiras, adredemente programadas para se assegurar a impunidade das elites políticas, econômicas, financeiras e corporativas que dominam ou governam a nação. Em muitos países (como hoje é o caso da Espanha, por exemplo), combina-se o foro especial com a designação político-partidária (não só político-ideológica) dos juízes das Cortes Supremas (ver Elisa Beni, La justicia sometida). A impunidade, nesse caso, é quase absoluta. A descrença na Justiça aumenta a cada dia.

Os protestos de março/16 tiveram forte apelo contra a corrupção, pela ética pública e pelo fim da impunidade. Esse é o horizonte que deve ser seguido pela Lava Jato. Ao mesmo tempo, temos que aprovar reformas legislativas para priorizar todo tipo de indenização possível em favor da educação. O dinheiro recuperado dos corruptos não pode retornar para o caixa central da União, sim, tem que ter destinação específica: educação, onde haverá ensino obrigatório de ética, como veremos em seguida.


Hegel ou Engels?

Três promotores de justiça em São Paulo, ao oferecerem denúncia contra o ex-presidente Lula (e outras pessoas) pelo crime de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica, lançaram-lhe um contundente juízo moral, dizendo que “as condutas do torneiro mecânico” envergonhariam até mesmo Marx e Hegel (sic). Confundiram Hegel com Engels (quem subscreveu com Marx o Manifesto Comunista de 1848). Para muitos, esse Manifesto é um equivoco. A trapalhada dos promotores, no entanto, é um equívoco manifesto.

Apesar do manifesto equívoco, sinaliza-se que a filosofia é que pode fazer a ponte entre a ética a política. Good! Faremos em seguida uma breve viagem pela ponte da filosofia que une a ética com a política. Em plena pós-modernidade, para muitos isso não passa de postulados para os habitantes de uma Ilha da Fantasia. Essa parte do trabalho fica reservada para aqueles que gostariam de saber como o mundo deveria ser.  No final encerro tentando mostrar como o mundo político brasileiro é.

O problema: o problema, como apontado por Massimo Donini,[2] uma das máximas referências do atual direito penal italiano, é que desde a modernidade não existe uma ética pública na política distinta da ética do direito, particularmente do direito penal. Acredita-se que politicamente correto é tudo que não for incriminado pelos juízes, pelo direito, incluindo-se o direito penal (Criminally innocent = politically correct). Se passa daquilo que é crime para aquilo que se supõe lícito, deixando-se um vácuo que não é valorativamente neutro e que deveria ser preenchido justamente pela ética.

Outro problema: e qual seria a pauta normativa ética (a ética pública) que seria aconselhável ao poder político? Ao longo da história, significativos pensadores abordaram a questão, oferecendo múltiplas reflexões e sugestões, que servem de pauta para a revisão do atual sistema democrático desacreditado.


Ética racional “versus” ética religiosa

A observação histórica nos permite inferir que o tribunal ético de quem exerce o poder político reside ou em uma ética racional (referências morais racionais, que governaram na Grécia o poder pré-cristão) ou em um Deus (referências morais divinas, como as cristãs, na Idade Média e até o Renascimento, excluindo-se Maquiavel).[3]

A questão, muitas vezes, não é a falta da ética pública (como ocorre com o sistema político-econômico brasileiro), sim, a possibilidade cênica de várias éticas (até mesmo conflitivas). Mais: nem sempre as leis humanas (a ética racional ou supostamente racional das cidades, do Estado, das leis gerais, impessoais) estão em consonância com as leis divinas (ética das famílias, dos povos, das leis pessoais). É aí que surge o problema da desobediência civil (da rebeldia).

Esse antagonismo foi espetacularmente retratado pelo dramaturgo Sófocles (497 ou 496 a.C. – 406 ou 405 a.C.), na tragédia Antígona (cerca de 442 a.C), que faz parte da mitologia grega.

Os dois filhos de Édipo (Etéocles e Polinices), depois do seu falecimento, se mataram, na luta pelo trono de Tebas[4]. Assume o poder Creonte, que é um parente próximo da linhagem de Jocasta (mãe de Édipo). Seu primeiro édito dizia respeito ao sepultamento dos irmãos Labdácidas (casa dinástica que reinou em Tabas). Etéocles receberia o cerimonial devido aos mortos e aos deuses. Polinices teria seu corpo largado a esmo, sem o direito de ser sepultado e deixado para que as aves de rapina e os cães o dilacerassem. Creonte entendia que isso serviria de exemplo (de intimidação) para todos os que pretendessem intentar contra o governo de Tebas. Antígona, irmã dos dois, insurgiu-se contra a lei do Estado, lei de Creonte (= lei da pátria), para dar a Polinices os ritos sagrados aprendidos com sua religião. Eis o conflito entre as leis humanas (ética supostamente racional) e as leis divinas (ética divina). É nítida a “desobediência civil” (a rebeldia). Para Antígona a lei da cidade (do Estado) não podia se sobrepor à lei da família, dos deuses. É a fé se sobrepondo à lei terrena. A lei particular preponderando sobre a lei geral[5]. Ismênia, irmã de Antígona (e também dos dois mortos), para livrá-la de responsabilidade, confessa o crime do sepultamento digno (que não cometeu). Ambas são condenadas à morte por Creonte. Hêmon, filho de Creonte, no entanto, se apaixona por Antígona e ainda informa ao pai que o povo nas ruas está de acordo com as convicções dela. Mas a vaidade e o poder já tinham tomado conta de Creonte, que acredita ser o único a poder ordenar e governar aquele país (“É a cidade é que vai prescrever-me o que devo ordenar?”; “Acaso não se deve entender que o Estado é de quem manda?”). O filho ainda tenta trazê-lo à razão: “Não tens respeito pelo seu poder soberano quando menospreza as honras devidas aos deuses”. Hêmon ameaça se matar se o pai não anular o seu ato. O tirano aprisiona Antígona cruelmente (para que ela tenha uma morte lenta). Tirésias, adivinho conhecido e respeitado por todos, adverte Creonte do mal que irá se abater em sua vida devido à sua teimosia, e que os deuses estão enfurecidos. Ele se mantém irredutível, mas após a partida do adivinho é convencido pelo coro a libertar Antígona e sepultar Polinices. Não teve tempo para isso: Antígona morreu e, Hêmon (filho de Creonte), se suicidou; em seguida a esposa de Creonte (Eurídice) fez a mesma coisa, ao saber da morte do filho. Creonte com sua lei supostamente racional venceu, mas perdeu para toda eternidade a futura nora, o filho e a esposa.

Na dramaturgia de Sófocles preponderou como pauta ética a lei do Estado (a lei humana), mas a um custo extraordinariamente trágico. Hoje um conflito ético desse jaez (racional “versus” divino) continua se estabelecendo entre a Constituição (lei do Estado, lei humana) e as crenças religiosas (casamento entre pessoas do mesmo sexo – ver autorização do STF na ADI 4.277 e na ADPF 132 -, uso de embriões, aborto anencefálico – ver permissão do STF na ADPF 54 – etc.).

Está estabelecida a aporia entre a “bancada da bíblia” (dentro do Congresso Nacional) e a bancada da Corte Suprema (STF). Mas no Estado laico o predomínio é indiscutivelmente da Constituição. Esse embate está na iminência de ser repetido no que diz respeito ao conceito de família. A perspectiva é a mesma: qualquer restrição ao espírito constituicional laico (muito provavelmente) será derrubada no STF.


Ética racional

Na filosofia clássica grega (Sócrates-Platão-Aristóteles) a ética (racional) não tem fundo religioso e, ademais, não estava separada da política. Não se imaginava o indivíduo (sujeito que toma decisões em nome da cidade, do Estado) com capacidade de desenvolver virtudes e qualidades morais fora da organização social que constitui a polis[6]. É um idiótes o que se recusa a participar da vida pública. O homem é um animal político (zoon politikón), logo, sua ética é, ao mesmo tempo, pessoal e política. O bem do indivíduo coincide com o bem da sociedade (Aristóteles). Isso se realiza por meio da razão (ética racional).


Ética religiosa

Durante toda Idade Média e até mesmo no Renascimento (excluindo-se Maquiavel) ganhou força (no mundo ocidental) a ética divina cristã (isso se deu de Santo Agostinho – 354 d.C. a 430 d.C. – até o século XVI).

A racionalidade do mundo grego desapareceu (durante a era medieval). No seu lugar entrou a visão bíblica, o dogma cristão, que é o que deveria inspirar as decisões políticas. É a lei de Deus que comanda a vida pública. Os monarcas eram representantes de Deus na Terra. O Direito era divino.

A colonização do Brasil tinha propósito mercantilista (expropriatório, espoliador), mas ao mesmo tempo foi envalizadora. Deus é a referência moral da vida política, que é julgada não pelo antropologismo grego, sim, pela ética cristã. Para quem quer assumir funções reinantes (de governo) é absolutamente imprescindível a “instrução cristã”, posto que o poder é exercido sob o império da moral divina.

O Antigo e o Novo Testamento palmilham a trilha ética a ser seguida por todos aqueles que querem ser virtuosos morais: não ser soberbos, nem avarentos, nem adúlteros, evitar prazeres efêmeros, conhecimento das leis que regulam a bem comum, imparcialidade, temer a Deus, benevolência, não ser arrogante nem iracundo etc.[7]

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Ao longo da História, como se vê, o problema da relação entre política e ética sempre requisitou uma instância ética referencial, já evidenciada na dramaturgia de Sófocles e situada acima dos poderes seculares adversários: na filosofia clássica romana predominou a ética racional (ética e política não se separam); na era medieval e monárquica (na Europa) e colonial e imperial (no Brasil) preponderou a ética cristã (o divino guia o político). Dessa forma discorreu a relação entre política e ética até o século XVI.


Modernidade

Dentre tantos outros, pelo menos quatro filósofos da modernidade não podem deixar de ser lembrados: 1) Hobbes (1588-1679), para quem a moral deveria se subordinar ao poder político; Kant (1724-1804), para quem o poder político é que deve estar subordinado à moral; 3) Hegel (1770-1831), para quem a moral pode ser superada pelo poder político e 4) Max Weber (1864-1920), para quem o poder político deve estar aberto à moral[8].

De cada um dos quatro filósofos poderíamos extrair pelo menos três indicações morais relevantes para se valorar as putrefatas atividades de pilhagens do clube da cleptocracia. São elas: equidade, transparência e receptividade em Hobbes, universalização, publicidade e dignidade em Kant, progresso rumo à liberdade, realização de fins universais e direitos sagrados em Hegel e serviçalidade, ética das convicções e ética da responsabilidade em Max Weber[9].

Sucintamente, eis as doze indicações éticas listadas (três de cada filósofo), que servem de limites ao poder e à política[10]:

1ª) Hobbes, no seu livro Leviatã (publicado em 1651), conferia todo poder ao soberano, que não deveria se sujeitar a limites morais externos. Por força do (suposto) pacto social firmado pelos cidadãos, teríamos que aceitar todas as decisões desse soberano. Mas do capítulo 30 do seu livro podemos extrair algumas indicações morais: “que pobres e ricos, poderosos e humildes, devem ter seus direitos reconhecidos quando tenham sido injuriados”; “deve-se evitar a impunidade, seja da violência, seja da desonra” (é o império da lei e a certeza do castigo); trata-se da regra da equidade, que obriga a todos;

2ª) O soberano deve publicar leis boas, indispensáveis, não necessariamente justas (sic); o que é produzido pelo rei tem que ser observado (sic); as leis devem ser compreensíveis, claras, inequívocas; leis não necessárias são “trampas para fazer dinheiro”; devem ser publicadas as causas e os motivos das leis; trata-se do critério ético da transparência;

3ª) O soberano deve cercar-se de bons conselheiros, que tenham conhecimento, que se dediquem à defesa da República; também é preciso ouvir o povo, “que está mais familiarizado com suas necessidades”; sem bases populares, que não contradigam a soberania, o Estado não pode subsistir; trata-se do critério de receptividade (o soberano deve ser receptivo tanto aos conselhos dos auxiliares como da queixas da população);

4ª) Posição oposta à de Hobbes foi a assumida por Kant[11](o exercício do poder tem limites morais – ver seu livro A paz perpétua); “a verdadeira política não pode dar um passo sem antes ter-se rendido às regras morais”; havendo conflito entre a moral e a política, prepondera naturalmente a moral; na prática, se sabe, as coisas não são bem assim, porque não é rara a figura do “moralista político”, que evoca a doutrina de Maquiavel para ampliar ou manter continuamente seu poder (forjando uma moral para cada ato que realiza); o “moralista político” (que é o oposto do “político moral”) transforma os conflitos morais em problemas técnicos, que devem ser resolvidos com habilidade; quais princípios morais guiaram o político? O primeiro se fundamenta no critério ou lei da universalização: “Age como se (a máxima de) tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”.

5ª) A publicidade é o melhor instrumento de concretização dessa lei (assim como de todos os demais imperativos categóricos); não pode prosperar a máxima de que o político não possa se manifestar em voz alta, em público (o sigilo contraria o direitos dos demais); todas as máximas que necessitam de publicidade estão de acordo com o direito e a política bem como com o interesse geral do povo;

6ª) O terceiro imperativo categórico que rege a relação entre a ética e a política reside no critério da dignidade: “Atue de tal modo que use a humanidade (sua ou dos terceiros) sempre como um fim em si mesmo, nunca como meio”; o humano não pode nunca ser instrumentalizado (sua dignidade deve sempre ser respeitada); toda decisão tem que ser preocupar em não usar os humanos como meios para alcançar fins imorais ou ilegítimos; o Estado não pode usar seus policiais ou seu exército como mero instrumento; não é moral pagar dinheiro para pessoas serem mortas ou matarem outros humanos; os policiais não podem ser meras máquinas e instrumentos nas mãos do Estado;

7ª) A moral pessoal pode ser superada pelo poder político em algumas situações, diz Hegel (quem defende que não existe um código moral pessoal que imponha valores distintos aos da prática política). A História reflete sempre o “espírito do povo” (não um indivíduo particular), que sempre se declinou pela liberdade; os agentes públicos devem guiar seu povo por esse espírito, daí sua primeira indicação moral: a humanidade caminha para o progresso da liberdade. Grande é o político (o herói) que consegue avançar nesse sentido (para o progresso da liberdade);

8ª) O direito e a ordem social são criados para controlar os interesses egoístas (bem como as paixões) dos humanos; o fim universal da história reside nos fins particulares dos grandes políticos, que são os instrumentos da sua realização; grandes humanos da História são os que se dedicam a realizar fins particulares que contêm o espírito universal. Aqui reside o critério da realização dos fins universais (por meio da concretização dos fins particulares dos grandes políticos); se o fim particular não realiza um fim universal nos encontramos diante do capricho e de uma imoralidade; a paixão não é em si imoral, quando se concretiza num fim universal; o fato de os poderosos buscarem seus próprios interesses não significa automaticamente uma imoralidade, desde que coincidente com os fins universais;

9ª) “Uma grande figura que caminha, massacra muitas flores inocentes e destroi por força disso muitas coisas por onde passa” (Hegel). Mas há um limite (para essa grande figura política): o dos direitos [fundamentais] sagrados (a dignidade humana, por exemplo, na linguagem de Kant). Mas, e se o ato político atende os fins universais? Nisso reside a ambiguidade de Hegel (que admitiria em favor dos grandes humanos a destruição de “flores inocentes”. Ocorre que nenhum humano pode ser utilizado como meio para se alcançar um determinado fim (Kant). Mais: a noção de direitos sagrados é incompatível com a destruição de “flores inocentes”. Em última instância, a flexibilização dos direitos sagrados para a realização do progresso da liberdade, da estabilidade do Estado, da paz social, do bem-estar geral etc. evoca a regra de ouro ditada por Maquiavel, de que os fins justificam os meios (os bons fins justificam todos os meios, ainda que destrutivos de direitos sagrados).

10ª) Max Weber encerra o quarteto filosófico selecionado. Para ele, quem faz política (quem a exerce por profissão ou esporadicamente ou ainda, acrescentaríamos, quem procura estar bem posicionado dentro do Estado para influenciar as decisões políticas) aspira ao poder, seja para conseguir outros fins (idealistas ou egoístas) ou simplesmente pelo puro amor ao poder (prestígio, privilégios, ostentação etc.). Há duas maneiras de se exercer a política (diz Weber): (a) há aqueles que vivem para a política (são os que querem servir à causa pública, independentemente de remuneração); (b) e há aqueles que vivem da política (que são os assalariados ou funcionários, que dependem da política para viver). A essas duas maneiras eu agregaria uma terceira (que constitui a espinha dorsal do clube da cleptocracia brasileira): há ainda os pilhadores, os que vivem para se enriquecer ilícitamente ou ilegitimamente com a política (leia-se: para pilharem o patrimônio público ou o poder por meio da governança ou da posição de domínio sobre a sociedade = por meio da política). “Quem gosta muito de dinheiro deveria ser afastado da política” (diz José Mujica) , que acrescenta: “a vontade de ter [muitos] bens materiais” não se relaciona bem com o serviço público; “Sempre disse aos empresários: se eu souber que pediram alguma propina a vocês e vocês não me avisaram, teremos uma relação péssima. Com essa declaração, não havia abertura para que me oferecessem nada”; “Se misturamos a vontade de ter dinheiro com a política estamos fritos. Quem gosta muito de dinheiro tem que ser tirado da política”; é preciso castigar essa pessoa porque ela gosta de dinheiro? Não. “Ela tem que ir para o comércio, para a indústria, para onde se multiplica a riqueza”, declarou. Bonete Perales chama a primeira limitação de Weber de critério da serviçalidade[13](ou seja: é moralmente válida a atividade de servir à causa política, à sociedade, não a de se servir da política para se enriquecer ilícita ou ilegitimamente);

11ª) A ética da convicção (agir de acordo com alguns princípios éticos) e a ética da responsabilidade (prestar atenção nas consequências dos atos) completam a concepção trinária de Max Weber, para quem: “Há uma diferença abismal entre seguir a máxima da ética da convicção, tal como a que ordena (religiosamente falando) que “o cristão obra bem e deixa o resultado em mãos de Deus” ou segundo a máxima ética da responsabilidade, como a que ordena ter em conta as consequências previsíveis da própria ação”[14]. Para Weber, ademais, toda ética da convicção deve ter publicidade, deve ser clara (todos devemos dizer a verdade). Ela se caracteriza por não prestar atenção nas consequências dos atos; os fins não podem justificar os meios; se os meios são moralmente censuráveis, os fins não restam justificados;

12ª) Mas é fundamental ao político também prestar atenção nas consequências dos seus atos (aqui reside a ética da responsabilidade). Os meios podem ser moralmente justificados, mas às vezes as consequências do ato são extremamente desastrosas (veja acima o sofrimento que Creonte teve que suportar, para manter a coerência da sua ética de convicção). De outro lado, a ética da responsabilidade ainda diz o seguinte: “Nenhuma ética do mundo pode desprezar o fato de que para conseguir fins bons é preciso contar em muitos casos com meios moralmente duvidosos ou perigosos, e com a possibilidade ou até mesmo a probabilidade de consequências laterais moralmente más”. Não é verdade que “do bem só pode resultar o bem e do mal só pode decorrer o mal”. As coisas não são tão lógicas no mundo da política e do poder. De qualquer modo, mesmo tendo presente a ética da responsabilidade, o político não está impedido de se abrir para a ética da convicção (dos princípios), para tomar as decisões mais justas possíveis. A duas éticas (da convicção e da responsabilidade) são complementares.

No fundo, Weber suaviza a ética dos princípios de Kant (dizendo que o político também leve em conta as consequências). Ambos, no entanto, coincidem que o poder e a política não podem ser exercidos sem ética. Muito mais flexíveis são Hobbes e Hegel (que colocam em primeiríssimo plano a política). A moral está subordinada à política, ao soberano (Hobbes). Ou a moral pessoal pode ser superada pelas grandes decisões dos (herois) políticos (Hegel). A combinação de Weber com Kant oferece limites mais estreitos à atuação política. As ideias de Hobbes e Hegel são tendencialmente maquiavélicas (libera o político da ética), mas isso não significa que eles não ofereçam qualquer limite às decisões políticas, como vimos.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Moro ou STF decidirá prisão do Lula. Hegel ou Engels? Doze regras éticas para a política. Nem Maquiavel previu algo como o Brasil. . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4642, 17 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47374. Acesso em: 2 nov. 2024.

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