A conciliação no novo Código de Processo Civil: conciliação é legal, mas para quem?

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17/03/2016 às 16:12
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O presente artigo visa estudar de maneira crítica e pragmática a conciliação no Novo Código de Processo Civil, mais especificamente em dois pontos: a audiência autocompositiva obrigatória e a multa imposta àquele que se ausenta na audiência de conciliação

Introdução

O Novo Código de Processo Civil está em vigor e com ele diversas inovações de grande louvor para o ordenamento jurídico processual brasileiro. Dentre elas, destaca-se o incentivo aos meios alternativos para a solução dos conflitos (NCPC, art. 3º, §§2º e 3º), especialmente, à mediação e à conciliação. Registre-se, por oportuno, que esses mecanismos autocompositivos[1] são de grande importância não só para o Direito, mas também para toda a sociedade.

No que tange ao Direito, os meios alternativos autocompositivos são de grande valia porque visam a pacificação social, que é o escopo maior do Direito. De outro lado, para a sociedade, a importância desse incentivo se dá porque as partes são os atores principais na resolução do conflito em que estão envolvidos, isto é, o Estado atribui aos litigantes o poder de construir a decisão que regulamentará as respectivas vidas.

Dessa forma, a decisão final será mais efetiva, trará consigo a noção de que Justiça foi aplicada ao caso concreto e existem menos chances de o mesmo conflito retornar ao Estado, que detém o poder de decidir e impor suas decisões aos jurisdicionais. Daí o porquê de se falar que a conciliação, em sendo um mecanismo autocompositivo, é legal.

No entanto, a noviça lei processual merece uma análise mais crítica em dois pontos[2], quais sejam: (i) a audiência obrigatória de conciliação ou de mediação (NCPC, art. 334, caput) e (ii) a imposição de multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou valor da causa àquele que, injustificadamente, ausenta-se da audiência de conciliação (NPC, art. 334, §8º). Daí a pergunta: a conciliação é legal, mas para quem? O questionamento é pertinente.

Uma porque é inconcebível impor às partes a realização de uma audiência para a composição amigável. Não bastasse isso, o Novo Código de Processo Civil dificulta a não realização dessa audiência a partir do momento em que a dispensa dela apenas ocorrerá em caso de discordância dupla, ou seja, tanto o autor como o réu devem dizer ao Estado que não pretendem a audiência de conciliação. Trata-se de um exagero legislativo, afinal, a discordância de uma das partes já deveria ser suficiente para a não realização da audiência de conciliação, já que, quando um não quer, dois não celebram um acordo.

Duas porque a punição pode ser imposta de forma injusta ao caso concreto, em decorrência do vocábulo “injustificado”. Ora, na prática, pode ocorrer a seguinte situação: “A” litiga com “B”. “A” não concorda com a audiência, mas “B” concorda. A audiência será realizada (anote-se: não houve discordância dupla). “A” não comparece à audiência porque não concorda com a sua realização. “A” poderá ser multado, pois, a depender do intérprete da lei, a sua ausência foi injustificada.

Em suma, quer-se dizer que eventual ausência em audiência de conciliação seria, na realidade, uma demonstração de que a parte não deseja findar o conflito pela via consensual. Punir-lhe, por conta disso, em mau interpretação ao uso do vocábulo “injustificado”, é inviável e pode acontecer na prática, acirrando os ânimos e dificultando a resolução do conflito pela via consensual.

Por fim, é pertinente por um terceiro questionamento: por que a multa foi imposta apenas ao ausente da audiência de conciliação? Afinal, interpretando-se friamente o texto legal, o ausente em audiência de mediação estaria dispensado do pagamento da multa. A resposta pode estar na teoria dos meios alternativos de resolução de conflitos.

Teoricamente, a conciliação é o mecanismo que visa o acordo, assim o conciliador deve induzir as partes a celebrá-lo e estas, ainda que adversárias, devem acordar um resultado final. Fala-se, portanto, que o terceiro, aqui, interfere e sugere o acordo. Em suma, a finalidade da conciliação é o acordo.

De outra banda, a mediação é o mecanismo que estimula o acordo, que não é e nem pode ser o objetivo final desse mecanismo. Aqui o mediador deverá estimular a comunicação e esta, por sua vez, resultará em acordo entre as partes, vedado ao terceiro imparcial emitir parecer ou propor acordo. Fala-se, portanto, que o terceiro, aqui, facilita a conversação, aconselha e essas circunstâncias culminam no acordo. Em suma, o acordo é uma possibilidade.

A lei processual aborda a diferenciação de forma didática. Em seu artigo 165, §§ 2º e 3º, respectivamente, encontram-se as definições de conciliação e mediação. Por conciliação, entende a lei processual como sendo o mecanismo cabível “nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem”. Portanto, utiliza-se da conciliação para conflitos comerciais, consumeristas e contratuais.

Já a mediação, nos moldes processualistas, é cabível “nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”. Assim, utiliza-se da mediação em conflitos familiares, societários, escolares e também no ambiente de trabalho.

Feitas essas considerações, pergunta-se novamente o porquê de se punir apenas o ausente na audiência em que se visa o acordo? Esse questionamento nos leva a outro: o acordo representa o que para o Poder Judiciário? Ou melhor, o acordo está sendo incentivado para resolver conflitos ou para outros fins, por exemplo, o desafogo do Poder Judiciário? Finalmente, questiona-se: a conciliação é legal, mas para quem?

LEGAL, MAS PARA QUEM?

Para o Poder Judiciário, o questionamento é respondido positivamente, pois para ele a conciliação é a forma mais eficaz e barata para se aliviar o excesso de demandas[3]. Retirar-se-ia da análise do Poder Judiciário o conflito que pode ser resolvido pelo próprio jurisdicionado. Resta averiguar, por conseguinte, se é vantajoso para os litigantes.

E, de fato, será para uma das partes: os litigantes habituais[4], que são aqueles com maior vivência pelos corredores forenses e, também, com o maior número de processos em trâmite no Poder Judiciário[5], compreendendo-se, aqui, as instituições financeiras, prestadoras de serviços de telefonia, operadoras de planos de saúde e a administração pública. Uma característica desses litigantes é uso demasiado do processo judicial, pois:

O custo da administração de um processo e o risco da condenação são muito mais lucrativos do que o investimento na qualidade dos serviços prestados, a revisão das cláusulas contratuais abusivas, o cuidado na contratação ou a facilitação da rescisão. É mais vantajosa para a Administração Pública a judicialização do que o pagamento de resíduos de planos econômicos de ilegalidade notoriamente reconhecida pela Jurisprudência. Perceba-se que o ponto crucial é o fator tempo: para a parte mais fraca, o tempo é sempre desfavorável. O tempo do processo está sempre a favor da parte mais poderosa: seja concluindo rapidamente por um acordo, seja delongando o máximo possível. É justamente isso essa ideologia silencia, o que permanece oculto no discurso da conciliação e da responsabilização do demandante pelo excesso de litigiosidade. (MUÑHOZ, 2015).[6]

As partes supramencionadas preferem o processo judicial pelo excesso de formalidades e até mesmo pelo excesso de demandas do Poder Judiciário, o que postergaria a resolução do conflito. Surge, então, a conciliação como uma excelente válvula de escape para se livrar de um processo judicial que há tempos está sendo incentivado para postergar o fim do imbróglio.

Para a parte contrária, menos habituada com o Poder Judiciário, a conciliação pode não ser o melhor dos caminhos. Essa parte é aquela para quem o tempo é seu inimigo. Essa parte é aquela com pouca credibilidade no Poder Judiciário, angustiada pela demora que o seu processo poderá ter e que aceitaria qualquer acordo para que a sua demanda fosse resolvida.

Ou seja, a parte mais frágil prefere o brocardo “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda” e, para tanto, submeter-se-ia ao litigante habitual, que se utilizando da conciliação (e, portanto, dentro da lei), proporia acordos ínfimos, se comparados ao que, efetivamente, tem direito a parte fragilizada.

Desta maneira, não bastasse a utilização do processo para benefício próprio, os litigantes habituais também se utilizariam a autocomposição de forma perversa, pois têm consciência que a parte mais frágil preferirá receber menos e rápido do que receber mais em um evento futuro e de data incerta. Assim, “a autocomposição acaba sendo usada com má fé, seja para pagar menos do que deveria, seja para ganhar tempo”[7].

Nesse sentido:

A certeza de que os processos demoram um tempo enorme e de que, por isso mesmo, juízes, conciliadores, mediadores e árbitros tudo farão para que se encerrem por autocomposição do litígio, aliada à incerteza sobre se o juiz decidirá segundo a lei e não pela ideologia de sua preferência, constitui um poderoso estímulo ao descumprimento das obrigações e, portanto, à criação de litígios onde, não fora isso, maiores seriam as probabilidades de adesão espontânea ao império da lei. (MESQUITA, 2005) [8]

Trata-se do que Nader (1994) chamou de harmonia coercitiva. Associa-se a harmonia ao benigno e o confronto ao maligno. O Estado sempre passaria a sensação de conciliação entre as partes, demonstrando que ambos os interesses prevaleceram na decisão final. Na realidade, estaria coercitivamente impondo a harmonia e, para tanto, incumbiria a uma das partes ceder, que, sem sombra de dúvidas, seria o mais fraco, isto é, estar-se-ia consumando a supremacia da “lei do mais forte”.[9]

Essa assimetria entre os litigantes cumulada a informalização do processo judicial oriunda da utilização da conciliação, tem como consequência a renúncia aos direitos e às garantias legais. No mesmo caminho:

Nos casos em que os litígios ocorrem entre cidadãos ou grupos de poder socioeconômico parificável (litígios entre vizinhos, entre operários, entre camponeses, entre estudantes, etc.), a informalização da justiça pode ser um genuíno fator de democratização. Ao contrário, nos litígios entre cidadãos ou grupos com posições de poder estruturalmente desiguais (litígios entre patrões e operários, entre consumidores e produtores, entre inquilinos e senhorios) é bem possível que a informalização acarrete consigo a deterioração da posição jurídica da parte mais fraca, decorrente da perda das garantias processuais, e contribua assim para a consolidação das desigualdades  sociais; a menos que os amplos poderes do juiz profissional ou leigo possam ser utilizados para compensar a perda das garantias, o que será sempre difícil uma vez que estes tribunais informais tendem a estar desprovidos de meios sancionatórios eficazes. (SANTOS, 1999)[10]

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Para o litigante que procura o Poder Judiciário quando não existe outro caminho, a conciliação é, a priori, o pior dos mecanismos, em resumo. Fala-se em “a priori” porque a conciliação será um excelente caminho quando o mecanismo for bem-conduzida pelo conciliador ou utilizado para composição das partes. Aqui a conciliação, efetivamente, seria legal. No entanto, quando malconduzida ou usada em excesso acarreta lesividade à parte mais frágil.

Sublinhe-se o seguinte cenário: o acesso à justiça é dificultoso e, uma vez, ultrapassado os obstáculos, o litigante encontra um Poder Judiciário abarrotado de demandas, lentidão processual, gerando, nele, descrença e angustia em relação ao Órgão jurisdicional, ficando mais propício a aceitar caminhos alternativos para findar, o quanto antes, o seu litígio.

O acordo é o principal dos caminhos, devido a sua facilidade. A conciliação é o mecanismo que visa o acordo e, por conta disso, é o mais difundido no meio jurídico como sendo alternativo à resolução dos conflitos e à crise do Poder Judiciário. A conciliação é tão incentivada que antes mesmo de ser insculpida no bojo do Novo Código de Processo Civil, em 2016, ou da Resolução nº. 125, do Conselho Nacional de Justiça, em 2010, já era objetivada em uma semana destinada única e exclusivamente para a sua realização, a semana da conciliação, que é realizada aos finais do ano em todo Poder Judiciário e se iniciou em 2006.

Essa semana é propagada nos meios de comunicação, sob o lema “conciliar é legal”. As propagandas e as notícias relacionadas, comumente, abordam o percentual exitoso de acordos e o quanto se obteve financeiramente por meio deles[11], demonstrando o quão vantajoso a conciliação é.

Essas propagandas fazem brilhar os olhos da parte mais frágil, pois, como é cediço, a conciliação versa sobre direitos disponíveis, logo, o acordo versará sobre importâncias financeiras (dinheiro), ou seja, o que a parte quer, via de regra, é dinheiro. A partir do momento em que se propaga o quanto se ganha por meio dos acordos (e é muito!), maior é a aceitação das pessoas à conciliação.

Contudo, embora todo acordo seja caracterizado por concessões recíprocas, por renúncia ou submissão de um interesse em favor de outro, circunstâncias tendem a influenciar e encaminhar o fim do litígio por meio do acordo abusivo. Circunstâncias estas que podem ser de cunho objetivo (como a crise do Poder Judiciário, advogados e conciliadores mal preparados) ou subjetivo (descrédito na Justiça, angústia pela demora na resolução do conflito e o vislumbramento de se obter retorno rápido para um processo demorado).

Outras circunstâncias podem influenciar a celebração do acordo lesivo, tais como: a) as partes celebram o acordo porque acreditam que, do contrário, se tornariam inimigas do magistrado, fazendo com que a imparcialidade do mesmo fosse quebrada em favor da parte contrária; b) advogados que indicam o acordo como um caminho viável para a resolução do conflito, porquanto assim receberiam mais rapidamente os honorários advocatícios; c) imposição do acordo por magistrados que a buscam com o objetivo de atingir metas, as quais são preestabelecidas por Órgãos Judiciários superiores.[12]

No mais, os próprios conciliadores podem influenciar na celebração do acordo. Isso porque, nos Centro Judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (CEJUSC), onde a conciliações são instrumentos praticados incessantemente, percebe-se que a capacitação dos conciliadores é deficitária.[13]

Na prática forense, encontram-se conciliadores parciais ou que se utilizam da comunicação para intimidar a parte desamparada de defesa ou a mais frágil, que demonstram o companheirismo com o magistrado ou o promotor de justiça para fins de convalidar um argumento ou um raciocínio e a imposição de acordos nos termos desses profissionais, assim como os litigantes habituais que impõe os acordos com base em argumentos inconsistentes e com poucos interesses para negociação, agravam a qualidade dos acordos. [14]

Ainda existem outros facilitadores que se utilizam da imprevisibilidade da decisão do magistrado e da demora para a solução do conflito perante o Poder Judiciário para que os litigantes celebrem o acordo[15]. Outros que não conseguem distorcer a assimetria entre as partes[16].

Essas circunstâncias influenciam de tal o modo o acordo que o torna lesivo e, embora evidente a lesividade, a conciliação é praticada em demasia, por exemplo, em uma semana destinada exclusivamente a ela, para alívio do Estado. Por que para alívio do Poder Judiciário?

Uma porque esse Poder, atualmente, encontra-se abarrotado de processos e precisa encontrar alternativas para alívio de si mesmo. Duas porque o próprio Conselho Nacional de Justiça, em seu sítio eletrônico, ressalta que o objetivo da semana é “conciliar o maior número possível de processo em todos os tribunais do país”[17].

Se a conciliação é utilizada desde 2006 para resolver o maior número possível de conflitos e é incentiva pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão que zela pelo Poder Judiciário, por que não seria esse o objetivo da audiência de conciliação no Novo Código de Processo Civil? E parece o ser, afinal, o legislador pecou, no artigo 334, pelo exagero.

A obrigatoriedade de uma audiência consensual, a dificuldade para se abandonar a audiência e também a punição imposta ao ausente parece indicar que o Poder Judiciário deseja que a parte compareça e realize o acordo, não para fins de pacificação social, mas sim para findar processos, ou, em outros dizeres, para alívio da máquina judiciária. Todavia, esse desvirtuamento da conciliação à luz do Novo Código de Processo Civil é velado se comparado à conciliação praticada na semana da conciliação.

A grande desvantagem em se realizar programas dessa proporção, em que se preocupa com a quantidade de acordos e os respectivos resultados econômicos, sem se preocupar com a qualidade[18], caracterizando, por vezes, concretas renúncias aos direitos e garantias legais, é que, “um dia ou outro, serão novamente reabsorvidos [os conflitos] pelo Poder Judiciário”.[19]

Ressalta-se aqui, que:

Destarte, evidencia-se que a conciliação utilizada em demasia, sem a observância das garantias processuais e sem a preocupação com a satisfação dos interesses das partes, funciona apenas como um mecanismo paliativo, que elimina grandes quantidades de demandas no presente, mas não consegue exterminar os conflitos de forma definitiva, postergando os problemas para um momento futuro.

Ora, a conciliação não se deve prestar como mero mecanismo de soluções paliativas, ou seja, de eficácia momentânea e incompleta, pois, certamente, o conflito, em momento posterior, recobrará suas forças, podendo até ser agravado, e, assim, como um "bumerangue", a demanda judicial "exterminada" pela conciliação, com nova formatação, retornará futuramente ao Poder Judiciário. (IWAKURA, 2010)[20]

Em outras palavras, acordos superficiais e que não compõe verdadeiramente o conflito das partes incentiva a pseudo-autocomposição e, derradeiramente, a solução velada pode, futuramente, desdobrar-se em impasses judiciais mais ou menos gravosos.

Em resumo, podemos concluir que se para o Poder Judiciário e os litigantes habituais a conciliação se trata de um mecanismo “legal”, para o litigante frágil não o é porque diante de uma conciliação realizada como alívio para o Estado ou malconduzida pelo terceiro imparcial, influenciado pelo descrédito no Estado, pelas artimanhas dos litigantes habituais e vislumbrado pelas notícias vinculadas no meio de comunicação, a tendência é ficar exposto e a aceitar acordos lesivos.

CONCLUSÃO

Demonstrou-se no presente artigo os beneficiados pela conciliação. Em resumo, podemos concluir que a conciliação é viável ao Poder Judiciário, que resolveria sua crise por meio de um mecanismo eficaz, informal, barato e célere, bem como para os litigantes habituais, que celebrariam acordos lesivos com as partes frágeis, as quais mais sofrem com a lentidão processual e com o cenário atual do Poder Judiciário e, assim, estariam dispostas a realizarem maus acordos, do que esperarem por um bom processo ou uma boa sentença.

Não bastasse isso, a problemática é ainda pior se analisado o tratamento atribuído à conciliação no Brasil, em especial a semana da conciliação, que tem grande apoio do Poder Judiciário. Essa semana tem o objetivo de conciliar o maior número de processos no período de sua realização, logo, preocupa-se com o critério quantitativo. Além disso, a propaganda realizada acerca dessa semana tem gerado grande aderência dos litigantes mais frágeis.

Esse parece ser o caminho trilhado pelo Novo Código de Processo Civil quando obriga a realização da audiência de conciliação. A obrigatoriedade de uma audiência consensual, a dificuldade em descartá-la e também a multa imposta ao litigante que se ausenta na oportunidade de resolver o seu conflito pacificamente parecem indicar que a Lei processualista, de forma velada, também privilegiará a quantidade em detrimento da qualidade. Quanto mais se resolver, mais alívio estatal.

A prevalência do critério quantitativo, em se tratando de conciliação, é preocupante porque se trata de um mecanismo que visa a pacificação social. Seu desvirtuamento, ou melhor, a não observância da qualidade dos acordos, gera como consequência a não pacificação social, a resolução paliativa dos conflitos, a permanência do atrito entre as partes.

Quer-se dizer, em outras palavras, que a parte mais frágil na relação jurídica aceitará o mau acordo, porque o seu conflito urge de uma resolução rápida, o que poderá não acontecer diante do Poder Judiciário. E este afeta ainda mais a parte mais frágil porque altera a finalidade da conciliação, abandonando a pacificação social e optando pelo alívio estatal, o que culmina na máquina de acordos, acordos lesivos, pressões para que os acordos sejam feitos e caminhos que culminam, ao final, na realização do acordo.

Isso faz com que, no futuro, o mesmo litígio retorno aos mantos da jurisdição, talvez mais gravoso, talvez menos, o que dependerá do caso concreto, mas existem grandes chances de retorno, o que traz danos à coletividade (pela falta de pacificação social) e também ao próprio Poder Judiciário (pela não resolução do conflito e pela possível intensificação do mesmo).

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