A conciliação no novo Código de Processo Civil: conciliação é legal, mas para quem?

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17/03/2016 às 16:12
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CONCLUSÃO

Demonstrou-se no presente artigo os beneficiados pela conciliação. Em resumo, podemos concluir que a conciliação é viável ao Poder Judiciário, que resolveria sua crise por meio de um mecanismo eficaz, informal, barato e célere, bem como para os litigantes habituais, que celebrariam acordos lesivos com as partes frágeis, as quais mais sofrem com a lentidão processual e com o cenário atual do Poder Judiciário e, assim, estariam dispostas a realizarem maus acordos, do que esperarem por um bom processo ou uma boa sentença.

Não bastasse isso, a problemática é ainda pior se analisado o tratamento atribuído à conciliação no Brasil, em especial a semana da conciliação, que tem grande apoio do Poder Judiciário. Essa semana tem o objetivo de conciliar o maior número de processos no período de sua realização, logo, preocupa-se com o critério quantitativo. Além disso, a propaganda realizada acerca dessa semana tem gerado grande aderência dos litigantes mais frágeis.

Esse parece ser o caminho trilhado pelo Novo Código de Processo Civil quando obriga a realização da audiência de conciliação. A obrigatoriedade de uma audiência consensual, a dificuldade em descartá-la e também a multa imposta ao litigante que se ausenta na oportunidade de resolver o seu conflito pacificamente parecem indicar que a Lei processualista, de forma velada, também privilegiará a quantidade em detrimento da qualidade. Quanto mais se resolver, mais alívio estatal.

A prevalência do critério quantitativo, em se tratando de conciliação, é preocupante porque se trata de um mecanismo que visa a pacificação social. Seu desvirtuamento, ou melhor, a não observância da qualidade dos acordos, gera como consequência a não pacificação social, a resolução paliativa dos conflitos, a permanência do atrito entre as partes.

Quer-se dizer, em outras palavras, que a parte mais frágil na relação jurídica aceitará o mau acordo, porque o seu conflito urge de uma resolução rápida, o que poderá não acontecer diante do Poder Judiciário. E este afeta ainda mais a parte mais frágil porque altera a finalidade da conciliação, abandonando a pacificação social e optando pelo alívio estatal, o que culmina na máquina de acordos, acordos lesivos, pressões para que os acordos sejam feitos e caminhos que culminam, ao final, na realização do acordo.

Isso faz com que, no futuro, o mesmo litígio retorno aos mantos da jurisdição, talvez mais gravoso, talvez menos, o que dependerá do caso concreto, mas existem grandes chances de retorno, o que traz danos à coletividade (pela falta de pacificação social) e também ao próprio Poder Judiciário (pela não resolução do conflito e pela possível intensificação do mesmo).


Notas

1 CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 2. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p.25-27. Para o autor, a autocomposição, a autotutela e a heterocomposição são “meios” para a soluções do conflito e não se confundem com os “métodos”, nem com “mecanismos”. O “mecanismo” para se praticar a autocomposição é a conciliação, mediação e a negociação, dentro das quais existem uma série de “técnicas” ou “métodos” apropriados. Já o “mecanismo” para se exercer a heterocomposição é o Poder Judiciário, que é o titular da jurisdição, e o “método” para tanto é o processo. Por fim, no que diz a respeito a autotutela, o autor defende que a força é o seu “método”.

2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Método, 2015, p. 306-308. Para o autor, a mesma análise crítica foi pensada.

3 Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, ao final de 2014, haviam 70,8 milhões de processos em andamento, podendo alcançar patamar superior a 71,2 milhões. Dessa forma, antes mesmo de outras provocações ao Poder Judiciário advindas do ano de 2015, já existiam 70,8 milhões de processos em andamento decorrentes de 2014, causando um congestionamento em cerca de 71% dos processos, ou seja, a cada 100 processos ingressantes, apenas 29 são resolvidos, enquanto outros 71 ficam pendentes. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Justiça em números 2015 (ano-base 2014). Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 23 out. 2015, p. 34

4 A concepção de “litigante habitual” foi criada por Marc Galanter. Para o autor, entende-se como litigante habitual como sendo aquela parte que “tem conhecimento acumulado a respeito do litígio que costumam frequentar, têm acesso direito aos especialistas no tipo de causa que litigam; são mais familiarizados com o sistema de justiça; têm condições econômicas para melhor suportar a morosidade do judiciário e os riscos de uma decisão judicial desfavorável; suas condições econômicas favoráveis também lhes permitem manobras estratégicas protelatórias mais vantajosa e, portanto, ter uma cautela maior de jogadas e mais liberdade para ousar em lances cujos resultados, apesar de duvidosos, podem abrir precedentes favoráveis para futuros casos, sempre semelhantes; detém recursos políticos para propor alterações legais que lhes favoreçam”. GALANTER, Marc. Why the “haves” come out ahead: speculations onde the limits of legal chance. Law and Society Review, v. 9, n. 1, 1974, apud FULLIN, Carmen. Acesso à justiça: A construção de um problema em mutação. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo; SILVA, Felipe Gonçalves. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 225.

5 Disponível em <https://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf>. Acesso em 28.12.2015

6 MUÑHOZ, Alberto Alonso. Conciliar é legal... para quem, cara pálida? 2015. Disponível em: <https://justificando.com/2015/06/17/conciliar-e-legal-para-quem-cara-palida/>. Acesso em: 15 dez. 2015.

7 TARTUCE, Fernanda. Conciliação e Poder judiciário. Disponível em <www.fernandatartuce.com.br/>. Acesso em 15.12.2015, p. 2.

8 MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame. In: MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, estudos e pareceres de processo civil. São Paulo: RT, 2005, v. I, p. 296.

9 NADER, Laura. Harmonia Coerciva: A economia política dos modelos jurídicos. Disponível em: <https://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_02.htm/>. Acesso em: 23 dez. 2015.

10 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. Ed. Edições Afrontamento, 1999, p. 156-157.

11 Em visita ao sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça, logo na primeira página de notícias, encontram-se as seguintes manchetes acerca da semana da conciliação: “Goiás fecha R$ 515 milhões em acordos durante Semana da Conciliação”, “Semana da Conciliação gera R$ 1,5 milhão na Justiça Federal em TO”, “Semana da Conciliação firma R$ 20 mi em acordos trabalhistas em SC”, “Pernambuco fecha R$ 3,9 milhões em acordos na Semana da Conciliação”, “Semana da Conciliação movimenta R$ 52 milhões em acordos trabalhistas”, “Semana da Conciliação rende R$ 9,2 milhões em acordos trabalhistas”, “Semana Nacional da Conciliação gera R$ 10,3 milhões em acordos no PI”, “Justiça Federal chega a mais de R$ 2 milhões em acordos em Porto Alegre”, “Acordos trabalhistas em MS atingem R$ 4,5 milhões durante conciliações”, “Núcleo de Conciliação de Mossoró (RN) fecha R$ 8 milhões em acordos”. Ou seja, apenas se ressaltou o quantum se obteve por meio dos acordos, o que culmina em expectativa no cidadão, ou, em termos mais populares, “faz brilhar os olhos” do descrente ou angustiado jurisdicionado com relação ao Poder Judiciário. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediacao/semana-nacional-de-conciliacao/noticias/>. Acesso em: 28.12.2015.

12 CARDOSO, Robson Egídio. A imposição da conciliação pelo Estado como solução para a ineficiência da prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2413, 8 fev. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14316/a-imposicao-da-conciliacao-pelo-estado-como-solucao-para-a-ineficiencia-da-prestacao-jurisdicional>. Acesso em: 28 dez. 2015.

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13 Essa vivência forense foi presenciada em mais de um ano estagiando em um CEJUSC localizado no Estado de São Paulo, portanto, essas conclusões a partir de caso paradigmas, pautaram-se da análise empírica. Não se quer, porém, generalizar, já que existem muitos profissionais excelentes no ramo. Todavia, a partir de casos paradigmas e a vivência nos Centros, resultou na conclusão exposta nesse artigo.

14 Experiência semelhante viveu Ana Carolina da Matta Chasin, quando da análise dos Juizados Especiais Cíveis. CHASIN, Ana Carolina da Matta. Uma simples formalidade: Estudo sobre a experiência nos Juizados Especiais Cíveis em São Paulo. 2007. 183. f. Tese (Doutorado) - Curso de Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 132. et. seq.

15 Ibidem, p. 135. A autora bem demonstra os argumentos utilizados pelos conciliadores, tais como, “a pauta [de audiência de instrução e julgamento] está demorando uns sete ou oito meses”, “fazendo acordo agora você não vai ter que esperar tanto” ou “não podemos prever o que o juiz vai decidir” e “o juiz pode decidir de um jeito diferente”.

16 Ibidem, p. 140-141.

17 Disponível em <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediacao/semana-nacional-de-conciliacao/>. Acesso em: 08.02.2016.

18 TEIXEIRA, Ludmila; NUNES, Dierle. Conciliação deve se preocupar com a qualidade dos acordos. 2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-ago-31/movimento-pro-conciliacao-preocupar-qualidade-acordos/>. Acesso em: 23 dez. 2015.

19 IWAKURA, Cristiane Rodrigues. Conciliar é legal?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17035/conciliar-e-legal>. Acesso em: 23 dez. 2015.

20 CARDOSO, Robson Egídio, op. cit., loc. cit.


REFERÊNCIAS

CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 2. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.

CARDOSO, Robson Egídio. A imposição da conciliação pelo Estado como solução para a ineficiência da prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2413, 8 fev. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14316/a-imposicao-da-conciliacao-pelo-estado-como-solucao-para-a-ineficiencia-da-prestacao-jurisdicional>. Acesso em: 28 dez. 2015.

CHASIN, Ana Carolina da Matta. Uma simples formalidade: Estudo sobre a experiência nos Juizados Especiais Cíveis em São Paulo. 2007. 183. f. Tese (Doutorado) - Curso de Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Justiça em números 2015 (ano-base 2014). Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros/>. Acesso em: 23 out. 2015.

IWAKURA, Cristiane Rodrigues. Conciliar é legal?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/17035/conciliar-e-legal>. Acesso em: 23 dez. 2015.

MESQUITA, José Ignácio Botelho de. As novas tendências do direito processual: uma contribuição para o seu reexame. In: MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, estudos e pareceres de processo civil. São Paulo: RT, 2005, v. I.

MUÑHOZ, Alberto Alonso. Conciliar é legal... para quem, cara pálida? 2015. Disponível em: <https://justificando.com/2015/06/17/conciliar-e-legal-para-quem-cara-palida/>. Acesso em: 15 dez. 2015.

NADER, Laura. Harmonia Coerciva: A economia política dos modelos jurídicos. Disponível em: <https://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_02.htm/>. Acesso em: 23 dez. 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015. São Paulo: Editora Método, 2015.

RODRIGUEZ, José Rodrigo.; SILVA, Felipe Gonçalves. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. Ed. Edições Afrontamento, 1999.

TARTUCE, Fernanda. Conciliação e Poder judiciário. Disponível em <www.fernandatartuce.com.br/>. Acesso em 15.12.2015.

TEIXEIRA, Ludmila; NUNES, Dierle. Conciliação deve se preocupar com a qualidade dos acordos. 2012. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2012-ago-31/movimento-pro-conciliacao-preocupar-qualidade-acordos/>. Acesso em: 23 dez. 2015.

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