Execução provisória da medida socioeducativa: pressupostos

23/03/2016 às 18:14
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A medida socioeducativa pode ser executada imediatamente, independente de trânsito em julgado, somente se a sentença confirmar a internação provisória e for proferida dentro de 45 dias.

Segundo o art. 198 do ECA, nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal do Código de Processo Civil, com as algumas adaptações. Esclareça-se que a remissão à revogada Lei n. 5.869/1973 passa a referir-se ao novo CPC (art. 1.046, § 4º).

Estranhamente, previu-se ao procedimento de apuração de ato infracional, de conteúdo nitidamente processal penal, o tratamento recursal do processo civil. Desse modo, cabe apelação (civil) contra a sentença que aplica medida socioeducativa (art. 1.009 do CPC), observando-se especificamente que:

a) os recursos serão interpostos independentemente de preparo (inciso I do art. 198 do ECA);

b) em todos os recursos, o prazo será sempre de dez dias, para o Ministério Público e para a defesa, salvo nos embargos de declaração, cujo prazo é de cinco dias (inciso II do art. 198 do ECA e art. 1.023 do CPC);

c) os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor (inciso III do art. 198 do ECA);

d) há juízo de reconsideração (inciso VII); em caso de reforma, a remessa dos autos dependerá de pedido expresso da parte interessada ou do Ministério Público (inciso VIII).

Debate-se na doutrina e jurisprudência se a apelação contra aplicação de medida socioeducativa pode ser imediatamente executada, independente do trânsito em julgado, especialmente a internação. Embora os arts. 8º e 9º da Resolução n. 165/2012, reformulada pela Resolução n. 191/2014, ambas do CNJ, autorizem a execução provisória indistintamente, é possível um entendimento diverso.

Isso porque, além do efeito devolutivo, o recurso tem, em regra, efeito suspensivo (art. 198 do ECA e 1.012 do CPC/2015), salvo se a sentença, cumulativamente:

(a) “confirmar” a internação provisória (STJ: RHC 65.368 (5T), HC 345.549 (6T) e HC 301.135 (6T): trata como tutela provisória ou a antiga tutela antecipada); se aplicar outra medida, não haverá confirmação da liminar;

(b) for proferida dentro do prazo de 45 dias (art. 108). Se o adolescente já estiver em liberdade, o ideal é aguardar o trânsito em julgado.

Quando o STJ equipara a internação provisória à antecipação de tutela – para fins de afastar o efeito suspensivo (anterior art. 520, VII, CPC/73; atual art. 1.020, § 1º, V, CPC/15) -, precisamos ter em mente que a “tutela antecipada” (antigo art. 273 do CPC/73, atuais arts. 294 do CPC/2015) vigora até a sentença. Ou seja, não haveria sentido em conceder efeito suspensivo ao recurso contra decisão exauriente (mérito), sustando-se os efeitos da decisão liminar (cognição sumária), que vigorou durante todo o processo. A internação provisória, diferentemente, tem prazo definido e não necessariamente estará em vigor quando da prolação da sentença.

Assim, a justificativa do item (b) supra: se a medida provisória ainda estiver em vigor quando for confirmada na sentença de mérito, recomenda-se o efeito meramente devolutivo, mantendo-se a internação; caso ultrapassado o prazo de 45 dias, a medida provisória perde a vigência, de modo que a sentença, ainda que a confirme, deve ter efeito suspensivo, pois já houve alteração da situação fática.

Há quem defenda que, mesmo após a Lei n. 12.010/2009, somente há efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte (art. 215, ECA) e que, aguardar o trânsito em julgado, causaria prejuízo ao adolescente. Outros afirmam que a Lei n. 12.010/2009 tem com foco o regime da adoção, de modo que a alteração no art. 198 do ECA não afetaria o procedimento de aplicação das medidas socioeducativas. Com respeito, não convencem esses argumentos.

Primeiro, porque o art. 198 do ECA aplica-se expressamente a todos “procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas” e seu inciso IV, que previa apenas o efeito devolutivo aos recursos, foi revogado pela Lei n. 12.010/2009. Ou seja, passou-se à regra do CPC de também ter efeito suspensivo (STJ, 6T, HC 112.799, mencionado nas orientações do Programa Medida Justa do Conselho Nacional de Justiça, acessado em http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/8/docs/orientacoes_sobre_medidas_socioeducativas_-_cnj.pdf. Nesse acórdão, a ordem foi concedida de ofício para possibilitar que o adolescente recorrer em liberdade assistida, em vez da internação). Somente a sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo, salvo se internacional ou houver algum perigo de dano irreparável (art. 199-A).

Segundo, porque o art. 215 é específico para aplicação de sanções aplicadas nas ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular de diversos direitos previstos no art. 208 (“Capítulo VII - Da Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos”). Nessas ações, se o ato ilegal ou abusivo for praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público, cabe ação mandamental (art. 212, § 2º). Se a obrigação for de fazer ou não fazer, cabe a aplicação de tutela específica (art. 213). Nessas circunstâncias, a exigibilidade é imediata, por isso o art. 215 admite a concessão de efeito suspensivo a recurso, para evitar dano irreparável ao sujeito violador da proteção do menor especificada no capítulo, nada se relacionando a adolescente infrator. Observe-se que eventual multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor (art. 213, § 3º).

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Terceiro, embora a aplicação da medida deva ser precoce (próxima à data da infração) e atual (art. 100, único, VI e VIII, ECA), o adolescente não pode receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto (art. 35, I, Lei n. 12.594/2012 - SINASE). Para o adulto solto a apelação da sentença condenatória tem efeito suspensivo (art. 597, CPP) e a execução da pena depende do trânsito em julgado (art. 5º, LXII, CF; art. 283, CPP), embora recentemente o STF tenha autorizado sua antecipação e, mesmo assim, somente se houver condenação em segunda instância (Pleno, HC 126.292, rel. Teori Zavascki, julg. 17/02/2016, maioria 7x4), alterando o entendimento consolidado no HC 84.078.

Quarto, o ônus de o Estado-juiz não conseguir sentenciar em 45 dias ou julgar o recurso em tempo hábil não pode ser atribuído ao adolescente infrator, mediante antecipação da execução da medida socioeducativa antes do trânsito em julgado. Ademais, na realidade, essa execução provisória acaba tendo caráter definitivo, pois é satisfativa (alcança diretamente a medida aplicada) e irreversível (em caso de reforma da sentença, não há como retornar ao status quo ante, sem prejuízo ao adolescente).

Quinto: embora tenha natureza pedagógica, a medida socioeducativa também impõe deveres e restrições, sendo que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, inciso LIV, CF) e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV, CF).

Sexto, crianças e adolescentes devem ser tratados como sujeitos de direitos, mas não meros objetos, assim reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), Estatuto da Juventude (Lei n. 12.852/2013) e na recente Lei da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).

Por fim, pelos princípios destacados, não teria cabimento o pedido de concessão de efeito suspensivo, previsto nos §§ 3º e 4º do art. 1.020 do novo CPC. Ressalte-se que o novo CPC eliminou o juízo de admissibilidade dos recursos em primeiro grau (art. 1.010, § 3º), dispensando-se que o juiz declare os efeitos, que são automáticos.

Assim, o recurso contra a aplicação de medida socioeducativa, em regra, tem duplo efeito, inadmitindo-se a execução provisória e imediata da medida socioeducativa, salvo nas exceções e condições demarcadas no início do texto: confirmação da internação provisória e prolação da sentença dentro dos 45 dias.

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Sobre o autor
Augusto Yuzo Jouti

Juiz de Direito - TJBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trecho integrante do futuro estudo "Reflexo do novo CPC no processo penal – CPP - JECRIM - ECA - augusto jouti"

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