1. INTRODUÇÃO
No atual cenário político brasileiro, observamos crescente ampliação do Poder Judiciário no que tange a seu campo de atuação e espaço interpretativo. Tal fato, sem dúvida, decorre de um processo de judicialização que muito bem poderia ser encarado como um fenômeno natural e, possivelmente, inevitável, frente ao legado constitucional vigente.
No entanto, faz-se mister observar esses fenômenos a partir de uma perspectiva mais sensível, que vai além de uma ótica autonomista do direito, atentando-se para o fato de que as práticas e os discursos jurídicos são determinados tanto por sua lógica interna, quanto pelas relações de forças que conferem sua estrutura. O protagonismo judicial que presenciamos reflete muito mais do que um mero rompimento de paradigma constitucional, mas a ascensão de toda uma ideologia política vigente em nosso país, de origens vinculadas ao regime colonial e ditatorial, mas também reflexo de nosso atual cenário político-social.
Não obstante as sérias divergências quanto aos benefícios e malefícios advindos desse fenômeno, o que me interessa a este artigo é constatar a origem do ativismo judicial que vivemos no Brasil, o que esse fenômeno evidencia de nossa realidade nacional e, por fim, como devemos responder a esse movimento.
Cabe, portanto, inicialmente, traçar o que seria o ativismo judicial, que, apesar de correlacionar-se, difere-se de judicializaçao. Friso que devemos delimitar ao máximo as fronteiras entre esses dois fenômenos que, embora observados “de mãos dadas” em nosso contexto político-social, não devem ser, de forma alguma, confundidos, sob a pena de incorrer no erro de tratar uma correlação como causalidade - e, por vezes, até mesmo como causalidade única e determinante.
2. JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO
2.1 EM QUE CONSISTEM?
Judicialização significa que questões de ampla repercussão política ou social estariam sendo decididas pelo Judiciário, o que, por óbvio, implica em uma elevação do poder dos magistrados. Por outro lado, ativismo judicial relaciona-se com uma postura proativa do Judiciário ao utilizar seu poder de interpretação, tal qual a aplicação direta de dispositivos constitucionais em situações não expressamente previstas; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos mediante critérios menos rígidos de constatação de violação à Constituição; e a imposição de ações ou omissões do Poder Público, principalmente no que tange políticas públicas.
Portanto, o ativismo judicial se vincula a um posicionamento ideológico do Poder Judiciário, à sua atitude. Enquanto a judicialização é um fenômeno que atribui ao mesmo a competência de decidir uma série de questões que previamente não possuía.
2.2 ORIGENS
O fenômeno da judicialização, no contexto brasileiro, decorre, sumariamente, do processo de redemocratização pós-ditadura, que ampliou drasticamente as atribuições do judiciário, assim como a possibilidade da população de acionar este aparato; da vasta gama de temas abrangidos pela Constituição Federal de 1988 e suas normas programáticas, munidas de metas a serem concretizadas pelo Estado; e, por fim, pelo abrangente, eclético modelo de controle de constitucionalidade adotado por nosso ordenamento.
Já quanto ao ativismo, observamos suas origens na fragilidade das instituições políticas brasileiras. Ora, após longo período antidemocrático, em que o Poder Judiciário se via enfraquecido e submisso ao governo militar, encontramo-nos num processo de redemocratização que ainda não teve o devido tempo para amadurecer suas instituições. Como resultado há uma crise de representatividade e funcionalidade das instâncias políticas, principalmente do Poder Legislativo, que se mostra incapaz de suprir as demandas sociais e aquelas decorrentes de metas constitucionais.
Diante desse cenário, a população - que observava a recomposição das forças de um judiciário agora não mais submisso ao executivo, eivado da responsabilidade de proteger o diploma constitucional, e que, segundo o princípio da inafastabilidade da jurisdição, não poderia se eximir de apreciar e julgar qualquer lesão a direito - recorreu a tal Poder para a solução dos problemas que não se viam resolvidos na esfera legislativa. Ao final dessa “equação”, ascende o protagonismo judicial, presente não só no Brasil, mas em boa parte da América Latina, cuja história guarda grande semelhança.
2.3 POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS E RISCOS
Muito embora esse momento histórico de ativismo judicial seja considerado por muitos como benéfico, devemos nos atentar aos perigos que a ampliação do poder político do judiciário traz consigo.
Primeiramente, o déficit de legitimação democrática dos órgãos desse poder estatal faz com que sejam intrinsecamente incompetentes para a decisão de certas questões políticas no contexto de uma democracia representativa.
Segundo, há o risco de politização da justiça: conforme se transfere para os tribunais a atribuição de discutir questões de cunho amplamente político, paulatinamente esses órgãos, que possuem o dever de interpretar e aplicar as normas do ordenamento através de critérios de justiça, racionalidade e motivação jurídica, se descaracterizam, transmutando em aparatos produtores de decisões finalísticas e arbitrárias. Sendo, portanto, mais suscetíveis à pressão do ambiente político, perdendo sua capacidade de moderar o poder na sociedade, retrocedendo, assim, à repressão.
Por fim, entra em foco também a capacidade institucional, visto que certas questões excedem a capacidade do judiciário devido a questões de ordem técnica, cujo seu aparato não possuiria possibilidade fática para analisar devidamente.
3. CONCLUSÃO
O fenômeno do ativismo judicial tem, inevitavelmente, despertado a atenção de muitos estudiosos do Direito. Entretanto, de forma predominante essa atenção tem se voltado ao estudo dessa realidade sob a perspectiva do Poder Judiciário, em detrimento dos demais. Como já retratado, esse momento é deflagrador de uma série crise de representação política em nosso país, em especial no tange nosso Poder Legislativo.
A busca de uma solução para o problema em que vivemos através de um estudo realizado com enfoque total - ou predominante - sobre o aparato judicial fecha os olhos para o principal foco da questão. Devemos buscar ampliar nossa visão, que tende a, cada vez mais, excluir os demais poderes do campo em que ocorre a luta pelo monopólio de dizer o direito legítimo e, consequentemente, do âmbito de seu estudo. Ora, não é o próprio legislativo que deve, em primeiro lugar, interpretar a Constituição para averiguar a adequação da norma que editará? Não é concedido ao administrador público uma margem discricionária que deve observar as limitações ditadas por princípios do ordenamento? Isso não envolveria interpretação? A produção doutrinária contemporânea já não tende a conceder à Administração a possibilidade de deixar de aplicar norma que considera inconstitucional?
Como conclusão desse estudo, pretendo deixar claro que o fenômeno do ativismo judicial deflagra, mais do que uma questão restrita ao âmbito jurisdicional, uma séria necessidade do estudo das instituições políticas dos poderes executivo e legislativo - em especial o último. Há a necessidade de se trabalhar na raiz do problema, e não no momento patológico, tal qual nós, estudiosos do Direito, estamos acostumados. Busquemos, portanto, assim como Jeremy Waldron, a “dignidade da legislação” e, para sermos ambiciosos, também a “dignidade da execução”.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GALLO, CARLOS ARTHUR. Algumas considerações sobre a judicialização da política na América Latina. Disponível em:
http://www.rbhcs.com/index_arquivos/Artigo.Algumas%20considera%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20a%20judicializa%C3%A7%C3%A3o%20da%20pol%C3%ADtica%20na%20Am%C3%A9rica%20Latina.pdf. Acesso em: 25/02/2013
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