Noticiou-se que o ministro da Fazenda do governo Michel Temer, Henrique Meirelles, acertou com o presidente em exercício que será enviada ao Congresso uma proposta para criar um foro privilegiado para a equipe do Banco Central.
O novo mecanismo, que deve ser encaminhado na forma de emenda constitucional, substituiria o status de ministro que o presidente do BC tem hoje, o que o protege de ações de juízes de primeira instância.
Nas conversas para montar a futura diretoria do BC, Meirelles tem ouvido dos sondados que eles teriam dificuldades de aceitar o cargo sem a proteção do foro privilegiado, que define que ações contra o presidente do BC têm de ser julgadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Um motivo relevante cuida da chamada “competência por prerrogativa de função”, ou seja, de uma jurisdição especial, exercida ratione personae, a qual, muito embora criticada por alguns, não objetiva beneficiar ou privilegiar certas pessoas colocando-as acima dos cidadãos comuns.
Ao revés, essa previsão constitucional visa a permitir que determinados cargos e funções públicas de maior relevo na estrutura do Estado possam ser exercidos com a necessária independência. Diz José Frederico Marques sobre o assunto: Não se trata de privilégio de foro, porque a competência, no caso, não se estabelece ‘por amor dos indivíduos’, e sim em razão ‘do caráter, cargos ou funções que eles exercem’, como ensinava J. A. Pimenta Bueno. Ela está baseada na ‘utilidade pública e no princípio da ordem e da subordinação e na maior independência do Tribunal Superior’ – como o disse, em 1874, o Supremo Tribunal de Justiça (Paula Pessoa, Código de Processo Criminal, p. 195, nota 1.905).
A competência por prerrogativa de função, como afirmou o Ministro Victor Nunes Leal, na Reclamação 473, DJ de 6 de junho de 1962, é instituída, não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício com alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Disse ele: A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade.
Tal prerrogativa, como acentuou o Ministro Cezar Peluso, em voto no HC 91.473/PI, não é instituída no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse de seu bom exercício, integrando os predicados objetivos do devido processo legal, de sorte que seu beneficiário não tem por onde renunciar a tal direito para ser julgado por órgão de menor categoria. Mas, leve‐se em conta que a prerrogativa de foro não visa beneficiar o cidadão, mas proteger o cargo ocupado.
No passado, o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles teve por Medida Provisória essa prerrogativa de foro confirmada em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. O Relator da matéria foi o Ministro Gilmar Mendes. Alegou-se que “a prerrogativa de foro é uma proteção ao cargo e não ao seu titular”.
O então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, sugeriu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que declarasse inconstitucional a medida provisória que deu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para protegê-lo de processos judiciais na primeira instância.
Fonteles considerou que a MP violou sete artigos da Constituição, entre os quais o que trata do princípio da moralidade na administração pública, porque teve 'inspiração casuística'. Ele enviou parecer ao STF em duas ações diretas de inconstitucionalidade -do PSDB e do PFL.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a MP em 13 de agosto de 2004, quando a conduta de Meirelles, anterior ao cargo no BC, tinha passado a ser alvo de investigação do Ministério Público Federal, por suspeitas de sonegação fiscal e crime eleitoral. Ao transformar Meirelles em ministro, Lula lhe garantiu o foro privilegiado, ou seja, o direito de só ser processado pelo STF nas acusações de crime. Esse é o tribunal que julga o presidente da República, ministros de Estado e congressistas.
Com isso, também foi retirado o poder de procuradores da República que atuam na primeira instância de denunciarem Meirelles. Essa iniciativa passou a ser exclusiva do procurador-geral.O plenário do Supremo Tribunal Federal manteve, por maioria, o status de ministro para o cargo de presidente do Banco Central. A decisão foi tomada no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3289 e 3290, ajuizadas respectivamente pelo Partido da Frente Liberal (PFL) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
O ministro Gilmar Mendes, relator da matéria, votou integralmente pela improcedência das duas ações. “Não se parte de uma pauta prévia de soluções jurídicas para os problemas do mundo”, afirmou. Gilmar Mendes considerou que a prerrogativa de foro “é uma garantia voltada não para os titulares de cargos relevantes, mas para as próprias instituições”.
Segundo o ministro, a situação dos que governam e decidem é diversa das pessoas que administram e executam cargos técnicos e profissionais, sem responsabilidade de decisão e opções políticas. Por isso, afirmou o ministro, os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções.
Com o devido respeito, na medida em que se fala que a Previdência Social iria para a administração do Ministério da Fazenda, que ficaria com a supervisão sobre a autarquia previdenciária, pergunta-se se os diretores daquela instituição também gozariam do mesmo benefício. Indo a Previdência Social para aquele Ministério mostra-se o conteúdo emblemático da matéria de custeio e pagamento de aposentadorias e pensões.
As mesmas razões elencadas pelo ex-Procurador-geral da República Claudio Fonteles subsistem hoje. A medida seria de inspiração casuística, afrontando o princípio da moralidade pública, pois não se pode proteger um agente público, blindando-o de possíveis questionamentos na sua gestão.
A providência afrontaria a chamada legalidade moral.
Exige-se, no sistema de Estado Democrático de Direito, no presente, a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa., como acentuou a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha (Princípios constitucionais da Administração Pública, 1994, pág. 213 – 214).