Remédio à sensação de impunidade ou a banalização da prisão preventiva

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As prisões processuais penais são tidas em nosso ordenamento jurídico como exceção, já que se consagra em nosso país o Princípio da Inocência, art. 5º da Constituição Federal: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença.

1. Introdução

Com o andamento da Operação Lava Jato[i], Zelotes[ii] e tantas outras que a Polícia Federal desencadeia, regadas à dinâmica com que são difundidas suas etapas, seja por pronunciamento oficial dos órgãos envolvidos (até entrevista coletiva que só se via no futebol agora tem para divulgar detalhes da investigação). Seja pela chamada: “tivemos acesso exclusivo...”, seja pelas redes sociais, pois quem é que já não recebeu no whatsapp, no facebook, no twitter e etc, algo semelhante?

Mas uma coisa é certa. Nunca na história, ao menos recente desse país, ouviu-se tanto falar em prisão como agora. Até porque há muito “figurão” envolvido e isso é espetáculo.

O fato é: Prisão seja para qual finalidade ela se preste tem que ser tida como exceção e não como regra. Gostemos ou não. Ao menos é isso que ainda rege a Carta Magna.

2. Prisão origem histórica e o cenário atual

É preciso sair do senso comum e que entendamos inicialmente que o instrumento prisão não é simplesmente o ato de prender alguém porque cometeu crime. Há em nosso ordenamento alguns tipos de prisões, com seus fundamentos e finalidades específicas.

Mas por certo se passarmos por nossa história, prisão sempre foi tida como o castigo imposto ao criminoso como meio de impor algo tão forte quanto a sua conduta. Ao mal do crime o mal da pena. Assim quanto mais cruel e mais severa for, menores serão as chances de que aquele criminoso ou outros venham a se enveredar pela prática criminosa. Infelizmente sabemos que não é bem assim, mas isso, falamos em outra oportunidade, por hora recomendamos a leitura do artigo Fundamentos e finalidades da pena no ordenamento jurídico brasileiro.

No sentimento social, quanto mais prisões desses criminosos e quanto mais sangrenta ela for, melhor será para a satisfação popular, afinal de contas quem se importa com bandido não é mesmo?

No Brasil, assim como na maioria dos países tidos por civilizados e que são regidos pelo Estado Democrático de Direito, com respeito à dignidade da pessoa humana, há diversos tipos de prisões, vejamos:

  1. Prisão Penal: é aquela decorrente de sentença penal condenatória que tenha transitado em julgado;
  2. Prisão civil: aquela decorrente de dívidas de alimentos, Pensão alimentícia, art. 5º LXVII da CF/88;
  3. Prisão Administrativa: decorrente dos regulamentos disciplinares das forças militares (Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar), como regra;
  4. Prisão Processual: para garantia da Instrução Processual (Prisão Preventiva, Flagrante Delito e Temporária – Lei 7.960/89).

Repetindo-se, cada uma das prisões enumeradas possuem suas finalidades e fundamentos, mas por certo há algo em comum e que reputamos como primordial: Não podem ser decretadas ao talante, ao alvedrio, ou como queiram os que torcem pelo rigor absoluto, a qualquer momento, sem que haja um motivo processual.

Prisão é coisa séria. Com a prisão se rompe o principal bem jurídico do ser humano após a vida: A Liberdade. Portanto, para que haja essa segregação há que se observar o rigor procedimental, em especial das prisões processuais, já que ainda não há condenação em definitivo.

3. Prisão Preventiva e o preso provisório

A prisão preventiva está disciplinada no Código de Processo Penal nos artigos 311 a 316, e é tida para os que defendem um direito amplo e garantista, como deve ser a regra, que é uma reprimenda muito cara ao suspeito, haja vista que é revestida de grande subjetividade em especial na interpretação literal do art. 312:

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.          (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).         (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Qual a abrangência do conceito de Ordem Pública? Ordem Econômica? Deve ou não o juiz fundamentar o motivo pelo qual decretou a referida prisão?

Em 2011 com a vigência da Lei 12.403, recomendo leitura do artigo: Lei nº 12.403/2011: análise crítica e propositiva à luz do cotidiano em face da sensação de impunidade e segurança social, o legislador procurou dar contornos mais objetivos, mas ainda somente para os tipos de crimes que devem e pode ser decretada a prisão preventiva, ou seja, além dos requisitos previstos no art. 312 é imperioso que o crime objeto de investigação seja doloso e punido com pena máxima em abstrato superior a 4 anos de pena privativa de liberdade (art. 313, I do CPP).

Por certo o que mais se buscava com a tal reforma não aconteceu: A prisão preventiva continuou sem prazo fixado, permanecendo apenas o prazo indireto e subjetivo da autoridade concedente, haja vista que a liberdade nunca é alcançada por iniciativa das autoridades persecutórias, já que cessados os motivos para sua decretação, por exemplo, de ameaça a Ordem Pública, deveriam cessar também a referida prisão. No entanto a liberdade somente é alcançada com o exercício incansável da defesa que geralmente nas cortes superiores conseguem a revogação de tal medida cautelar.

O jornal o Estado de São Paulo, revelou no último mês de maio que a população carcerária do Brasil, já alcança a 4ª maior do mundo (Estados Unidos, China e Rússia), já são 622,2 mil presos, para um Sistema Prisional precocemente estruturado para 371,8 mil vagas, o que resulta em um déficit de 250,7 mil vagas. Desse total há 250 mil pessoas detidas de forma provisória em carceragens de delegacias ou estabelecimentos similares, aguardando julgamento.

Somando-se ainda a esse número, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), informou que havia cerca de 147.937 pessoas em prisão domiciliar, totalizando assim 755.668 pessoas privadas de liberdade. (ESTADÃO, 2016)

3.1. Afinal o que é preso provisório?

Em resumo é aquele preso que não foi condenado em definitivo. Por conta do Princípio da Inocência consagrado no art. 5º da Constituição Federal: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Portanto, alguém só poderia ir para o cárcere antes dessa decisão final por meio das prisões processuais, mas por certo a manutenção acima de 10 dias ou 60 dias (flagrante delito e prisão temporária, nos crimes comuns e os tidos como hediondos e equiparados, respectivamente, art. 10 do CPP e art. 2º, §4º da Lei 8.072/90), somente pela prisão preventiva,

Em 2008 com a vigência das leis 11.719 e 11.689, três novas modalidades de prisão preventiva foram incorporadas a essa estrutura, já que antes eram tidas como prisões autônomas:

  1. Prisão decorrente de Pronúncia, art. 413, §3º;
  2. Prisão de Sentença Penal Condenatória sujeita a recurso, parágrafo único do Art. 387;
  3. Prisão preventiva domiciliar, art. 317 e 318.

4. Prisão Preventiva. Banalização ou necessidade em face da insegurança social?

Em face dos números, pode-se observar que é preciso se tomar cuidado com o uso indiscriminado da prisão preventiva, pois seus efeitos podem ser perversos e não compreendidos pela sociedade, vejamos:

  1. Antecipação da condenação de um investigado, que ao final poderá nem ser condenado;
  2. Ineficácia do Estado por meio da Polícia Judiciária, em produzir as provas processuais necessárias e eficazes, imprescindíveis a uma condenação;
  3. Sensação de impunidade por parte da sociedade, já que em nosso ordenamento há o instituto da detração penal, art. 42 do Código Penal e art. 111 da Lei de Execução Penal, que desconta o tempo do indivíduo preso provisoriamente da condenação final. Imaginemos um suspeito que ficou preso provisoriamente por 5 anos e veio a ser condenado em definitivo a 6 anos de prisão. O juiz ao aplicar a detração fixará o cumprimento da pena em 1 ano, que logo será beneficiado pelo regime aberto (art. 33, §2º, “c” do Código Penal), já que a condenação não excederá a 4 anos;

Por óbvio dentro do senso comum social e do desejo premente de justiça ou que seja de vingança velada, ao se deparar com a terceira hipótese acima apresentada, aumentará ainda mais a sensação de impunidade e a máxima de que o crime compensa desencadeará uma grande e perene descrença na Justiça, na Polícia e nas Leis nacionais.

5. Conclusão

Como observado, não há soluções mágicas, de um lado o crime e o criminoso, de outro lado a sociedade atingida clamando por justiça. Por certo que o processo penal precisa ser amplo e garantista, mas não necessariamente moroso ou interpretativo.

Precisa ser eficaz, eficiente e efetivo, caso contrário ou se banalizará o instituto da prisão como resposta midiática, ou simplesmente permitiremos que a impunidade fique reinante.

Como sonhou Beccaria[iii], “Não é a intensidade da pena que produz o maior efeito sobre o espírito humano, mas a extensão dela”. Ou seja, após 252 anos (BECCARIA, 1764,), não é o total da pena, mas sim a certeza que o criminoso será punido que prevenirá crimes.

De tal sorte, não nos parece ser possível que Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que estava em liberdade, após uma condenação de mais de 39 anos de prisão, somente voltou para a cadeia por meio de uma prisão preventiva resultante da Operação Saqueador. (CARTA CAPITAL, 2016). Talvez seja por isso que insisto na expressão: Uma coisa é ser preso por um crime. Outra coisa é ser processado por esse crime. Outra coisa é ser condenado por esse crime e por fim, outra coisa é cumprir pena por esse crime.

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Referências

ARAÚJO, Temístocles Telmo Ferreira. Fundamentos e finalidades da pena no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3791, 17 nov. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/25861>. Acesso em: 2 jul. 2016.

_______________. Nova Lei das Prisões: análise crítica da sensação de impunidade e segurança social. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3033, 21 out. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20223>. Acesso em: 2 jul. 2016.

BECCARIA, CESARE. 1764,. Dos Meios de Prevenir Crimes. Dos Delitos e das Penas. s.l. : Ridendo Castigat Mores - www.jahr.org, 1764,.

CARTA CAPITAL. 2016. Operação Saqueador. [Online] 30 de junho de 2016. [Citado em: 02 de julho de 2016.] http://www.cartacapital.com.br/blogs/parlatorio/carlinhos-cachoeira-e-preso-pela-pf-entenda-a-operacao-saqueador.

ESTADÃO. 2016. A trágica situação das prisões. Opinião Estadão. [Online] 31 de maio de 2016. [Citado em: 02 de julho de 2016.] http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-tragica-situacao-das-prisoes,10000054318.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. 2015. Receita Federal. Operação Zelotes. [Online] Receita Federal, 26 de março de 2015. [Citado em: 02 de julho de 2016.] http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2015/marco/operacao-zelotes-1.

WIKIPÉDIA. 2016. Operação Lava Jato. WIKIPÉDIA. [Online] 02 de julho de 2016. [Citado em: julho de 02 de 2016.] https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato.


[i]Operação Lava Jato: é uma investigação em andamento realizada pela Polícia Federal do Brasil, cuja fase ostensiva foi deflagrada em 17 de março de 2014, com o cumprimento de mais de uma centena de mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, tendo como objetivo apurar um esquema de lavagem de dinheiro suspeito de movimentar mais de R$ 10 bilhões de reais, podendo ser superior a R$ 40 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões em propinas. A Polícia Federal a considera a maior investigação de corrupção da história do país. (WIKIPÉDIA, 2016)

[ii] O termo ZELOTES, que empresta nome à Operação, tem como significado o falso zelo ou cuidado fingido. Refere-se a alguns conselheiros julgadores do CARF que não viriam atuando com o zelo e a imparcialidade necessárias. (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2015)

[iii] CESARE BONESANA, marquês de Beccaria, nasceu em Milão no ano de 1738. Educado em Paris pelos jesuítas, entregou-se com entusiasmo ao estudo da literatura e das matemáticas. Muita influência exerceu na formação do seu espírito a leitura das Lettres Persanes de Mostesquieu e de L’Esprit de Helvétius. Desde então, todas as suas preocupações se voltaram para o estudo da filosofia. Foi ele um dos fundadores da sociedade literária que se formou em Milão e que, inspirando-se no exemplo da de Helvétius, divulgou os novos princípios da filosofia francesa. Além disso, a fim de divulgar na Itália as idéias novas, Beccaria fez parte da redação do jornal Il Caffè, que apareceu de 1764 a 1765. (BECCARIA, 1764, p. 4)

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Sobre o autor
Temístocles Telmo Ferreira Araújo

Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandante do Policiamento de Área Metropolitana U - Área Central de São Paulo. Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública junto ao Centro de Altos Estudos de Segurança na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós graduado lato senso em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público, São Paulo. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e Prática Jurídica do Centro Universitário Assunção. Professor Conteudista do Portal Atualidades do Direito. Foi Professor de Procedimentos Operacionais e Legislação Especial da Academia de Polícia Militar do Barro Branco nos de 2008, 2009 e 2013. Professor de Direito Penal e Processo penal - no Curso Êxito Proordem Cursos Jurídicos (de 2004 a 2009). Professor Tutor da Pós-graduação de Direito Militar e Ciências Penais na rede de ensino Luiz Flávio Gomes - LFG (De 2007 a 2010). Professor Tutor de Prática Penal na Universidade Cruzeiro do Sul em 2009. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, Direito Administrativo Militar e Legislação Penal Especial. Foi membro nato do Conselho Comunitário de Segurança Santo André Centro de 2007 a 2012.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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