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A racionalidade penal na Constituição Federal e o limite ao poder punitivo do Estado

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20/07/2016 às 14:24
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4. Direito Penal Constitucional

Conforme já disposto ao longo deste estudo, a razão está na base do Sistema Penal, isto é, ela orienta toda a normatização, interpretação e aplicação das normas penais, evitando, assim, a arbitrariedade do Estado (seja este em sua função de legislador ou de julgador) ao traçar pressupostos básicos para a intervenção estatal resultante da pretensão punitiva deste (como visto no item anterior), ou, ainda, para nortear os procedimentos e direitos do acusado, a fim de que lhe seja assegurada toda a possibilidade de defesa e não haja erro por parte do Estado-juiz. Portanto, é ela que organiza, de maneira lógica, conforme expôs Cesare Beccaria em sua magnífica obra Dos Delitos e Das Penas (1764), o direito punitivo.

A seguir, ver-se-á os principais princípios do direito penal contidos expressamente na Carta Magna, ou que possuam seu fundamento no referido Diploma.

4.1 - Princípio da legalidade penal

O mandamento de otimização em tela está previsto no texto constitucional em seu artigo 5º, inc. XXXIX, in verbis: 

“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”

Trata-se do princípio base do direito penal e dá origem, direta ou indiretamente, a vários outros.

O direito penal possui uma função duplamente protetora. Por um lado, objetiva proteger o indivíduo dele próprio, ou seja, é como se o delinquente necessitasse de uma intervenção externa, a estatal, in casu, para que fosse punido e não reincidir, visto que atuou contra a sua vontade.

De outro lado, deve-se proteger a sociedade contra a transgressão do criminoso, tendo em vista que se já delinquiu uma vez, se nenhuma intervenção for feita, é possível que volte a cometer crimes, colocando toda a comunidade em perigo. Essa é a função precípua do sistema punitivo, já que a pena, na sua acepção contemporânea, possui um caráter majoritariamente de defesa social.

A legalidade penal se trata da lógica legitimadora do direito penal ao afirmar que a conduta proibida deve ser anteriormente tipificada como crime, bem como a sua penalidade em caso de transgressão. Dessa maneira, atos prévios ao surgimento da lei não serão considerados crimes.

O referido princípio está presente em todos os ramos jurídicos, em alguns, mais e em outros, menos. No entanto, no âmbito punitivo, ele é peculiar, visto que deve ser levado em consideração de maneira estrita. Isso quer dizer que a lei, a que se refere o dispositivo constitucional acima exposto, deve ser entendida em seu sentido formal, e não material. A lei em sentido formal necessita de todas os procedimentos e fases previstos na Constituição, devendo ser editada pelo Poder Legislativo e observadas as formalidades, que variam de acordo com a espécie normativa (leis ordinárias, complementares, emendas constitucionais, etc.). A lei em sentido material, por seu turno, leva em consideração apenas o conteúdo, sendo flexível quanto às formalidades, englobando atos normativos, decretos, regimentos internos, entre outros. Esta é, portanto, excluída do conceito de legalidade penal estrita. Da mesma maneira, não podem ser considerados os usos, os costumes e as jurisprudências para tipificação penal.

Para melhor fixação, consideremos dois casos práticos:

1 – Marcos era árbitro de futebol. Em 2009 foi acusado por prática de manipulação de resultado, cujo propósito era beneficiar alguns apostadores.

2 – Cláudia e Paulo, casados, fazem filmagens em suas intimidades e na sequência dirigem-se a uma lan house e encomendam um CD. Depois descobrem que uma cópia do CD que encomendaram circulava pela internet, mostrando as intimidades do casal.

Tanto no primeiro, quanto no segundo casos as condutas, respectivamente, do árbitro e do proprietário do estabelecimento não são puníveis. As condutas não se encaixam em nenhuma prescrição do Código Penal de forma determinada, específica. Ou seja, mesmo que se assemelhem com algumas tipificações, não são penalmente puníveis, mas somente no âmbito de outras esferas penais (verbi gratia, o recebimento de indenização por danos morais no segundo caso).

A legalidade penal traz efeitos tanto em relação ao legislador, quanto em relação ao juiz. No que concerne àquele, tem-se os brocardos nullum crimen sine lege praevia (proibição de retroatividade) e nullum crimen sine lege certa (proibição de leis penais indeterminadas). Dessa maneira, observa-se a regra da irretroatividade da lei penal, tendo como exceções aqueles casos em que a lei nova beneficia o réu, devendo-lhe ser aplicada. O segundo brocardo, por sua vez, proíbe o legislador de criar leis penais abertas, amplas, ambíguas, em que seus significados não estejam claramente manifestados. Essa proibição era ausente no Código Penal Nazista, por exemplo, que afirmava que um fato que “viole um são sentimento do povo alemão” será crime. No Brasil, podemos citar a Lei de Segurança Nacional, à época da ditadura militar, que também inobservava a proibição.

A irretroatividade da lex gravior e consequente retroatividade da lex mitior, estão também previstas na Lei Maior, em seu inc. XL do art. 5º. Vejamos:

“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”

Quanto à atuação do juiz, citam-se as máximas nullum crimen sine lege scripta (proibição de aplicação dos usos e costumes) e nullum crimen sine lege stricto (proibição de analogia). Dessa maneira, para fundamentar sua decisão, o juiz não pode fazer uso do direito consuetudinário, somente podendo fundamentar-se ou agravar uma pena de acordo com uma lei. A analogia, outrossim, é também proibida no âmbito penal, pois traz insegurança jurídica, excetuando-se a analogia in bonam partens, que traz benefício ao réu.

Cabe registrar esclarecedora decisão[4] do E. Superior Tribunal de Justiça sobre a questão em tela, in litteris:

“HABEAS CORPUS. PENAL. JURISDICÃO MILITAR. PRESCRIÇÃO RETROATIVA ENTRE A DATA DO FATO E O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. LAPSO TEMPORAL TRANSCORRIDO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Não se afigura correto o entendimento segundo o qual o Código Penal Militar restringe a prescrição à fase processual, porquanto inexiste em seu contexto norma específica. O princípio da legalidade penal exorta o intérprete a considerar que tudo aquilo que não é proibido é permitido, que tecnicamente é conhecido pelo brocardo nullum crimen nulla poena sine lege, e que qualquer ato restringente à não-realização do direito de punir deve, de igual modo, ter a prévia disposição legal, e não o contrário. Por outro lado, mesmo que houvesse a indicação negativa expressa, estaria ela revogada pelo texto constitucional, uma vez que a garantia da prescrição para a persecução penal, antes ou depois da ação, é indistinta e impessoal, porquanto todo ser humano, independentemente da raça, da cor, da profissão etc., tem-na em seu patrimônio pessoal, salvo os casos excepcionais. Pelo contexto dos autos, ultrapassado o biênio prescricional entre a consumação do fato e o recebimento da denúncia, há de ser reconhecida a extinção punitiva. Ordem concedida para extinguir a pretensão punitiva pela prescrição.”

4.2   - Princípio da personalidade da pena ou da responsabilidade pessoal

Tal princípio está previsto no art. 5º, XLV da CF. Também denominado princípio da intranscendência ou da pessoalidade, preconiza que somente o condenado, e mais ninguém, poderá responder pelo fato praticado, pois a pena não pode passar da pessoa do condenado.

“XLV. Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”

Este princípio justifica a extinção da punibilidade pela morte do agente, à medida que proíbe o castigo penal pelo fato de outrem (pelo fato alheio), já que o ser humano só pode responder penalmente pelos fatos próprios. Ou seja: ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por fatos de terceiros, que não cometeu ou contribuiu.

Resta óbvia a extinção quando estamos tratando da pena privativa de liberdade, mas o princípio da responsabilidade pessoal faz com que, mesmo tendo o falecido deixado amplo patrimônio, a pena de multa não possa atingi-lo, pois estaria passando da pessoa do condenado para atingir seus herdeiros. Sendo assim, sempre estará extinta a punibilidade, independente da pena aplicada, quando ocorrer a morte do agente. Não acontece o mesmo, porém, em casos de responsabilidade civil ou tributária, por exemplo. Nesses casos, o patrimônio do condenado pode ser afetado, até o limite de sua herança.

Deste princípio decorre, portanto, a não existência no Direito Penal de responsabilidade coletiva, societária ou familiar.

Já decidiu[5] o Superior Tribunal de Justiça:

“RESP - PENAL - ESTUPRO - PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA - O Direito penal moderno é Direito Penal da culpa. não se prescinde do elemento subjetivo. Intoleráveis a responsabilidade pelo fato de outrem. À sanção, medida político-jurídica de resposta ao delinquente, deve ajustar-se a conduta delituosa. Conduta é fenômeno ocorrente no plano da experiência. É fato. Fato não se presume. Existe, ou não existe. O Direito Penal da culpa é inconciliável com presunções de fato. Que se recrudesça a sanção quando a vítima é menor, ou deficiente mental, tudo bem. Corolário do imperativo da Justiça. não se pode, entretanto, punir alguém por crime não cometido. O princípio da legalidade fornece a forma e o princípio da personalidade(sentido atual da doutrina) a substância da conduta delituosa. Inconstitucionalidade de qualquer lei penal que despreze a responsabilidade subjetiva.”

4.3 – Princípio da individualização da pena

Previsto constitucionalmente no art. 5º, inc. XLVI:

“A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;”

Além da exposição acerca da individualização da pena, o dispositivo também traz os tipos de penas que poderão ser aplicadas, tratando-se, in casu, de rol taxativo.

Essa norma condiciona a imposição das sanções aos infratores à natureza e às circunstâncias dos delitos e à luz das características pessoais do infrator, que devem ser personalizadas e particularizadas de acordo com o caso concreto. Assim, as penas devem ser justas e proporcionais, vedado qualquer tipo de padronização acerca de caráteres, características físicas dos delinquentes, etc.

Tal princípio é de suma importância na elaboração, aplicação e execução das penas para que se alcance o fito da utilização da racionalidade penal. Devido a isso é que se afirma que ele vincula os três poderes estatais, quais sejam, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo.

Com relação ao primeiro, o legislador, ao tipificar uma infração, fixa os limites mínimos e máximos do preceito secundário do tipo, bem como os regimes de cumprimento e benefícios possíveis de ser concedidos ao infrator. Nesse momento, o parlamento deve agir com razoabilidade e proporcionalidade, evitando cominar penas severas para condutas pouco ofensivas ou mesmo penas insignificantes para infrações graves. Assim, embora significativa, a liberdade do legislador para cominar as penas não é absoluta, pois ele deve se guiar por critérios objetivos como a natureza da infração, o bem jurídico tutelado e a necessidade social de repressão do fato.

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Quanto ao Poder Judiciário, este vai analisar o caso concreto, estabelecendo a pena in concreto que deverá ser aplicada ao condenado, bem como verificar se este faz jus a algum benefício positivado pelo legislador. Deve, portanto, deter-se minuciosamente às circunstâncias do fato delituoso, bem como às características pessoais do réu.

Na última etapa, concernente à execução da pena e feita pelo Poder Executivo, momento em que a aplicação da pena na fase anterior concretizar-se-á em estabelecimento prisional, observando a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, bem como seu comportamento carcerário.

Cite-se jurisprudência[6] da Corte Maior deste país, que declarou inconstitucionalidade incidental de parte de um dispositivo da Lei 11.343/2006 por afrontar diretamente o princípio ora exposto:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.”

4.4 – Princípio da humanização das penas e direitos assegurados aos presos

Possui previsão esparsa na Constituição Federal, podendo-se citar os seguintes incisos do artigo 5º:

“III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”

“XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;”

“XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;”

“XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”

A preocupação com a humanização das penas, assegurando aos presos dignidade e respeito, por meio de direitos assegurados a eles, teve importância extremada a partir da inigualável obra Dos Delitos e Das Penas, do italiano Cesare Beccaria, que criticou veementemente o sistema punitivo da época, que deixava os presos em situação degradante e não lhes assegurava os mínimos direitos inerentes ao cidadão comum.

A partir daí, houve um movimento tendente a humanizar os presos, tendo papel destacável as convenções internacionais (Declaração dos Direitos do Homem – 1948 – e Pacto de San José da Costa Rica – 1969), visto que o principal objetivo do Direito Penal deve ser o de ressocializar o preso, e não o de piorar a sua situação, à medida que, da maneira que era tratado, ele iria voltar a delinquir continuamente.

O referido princípio tem relação estreita com o princípio-maior da dignidade da pessoa humana, contido no inc. III, do art. 1º, da CF.

Dessa maneira, o Direito Penal deve tratar com benignidade vislumbrando sempre a coletividade social. Seria inaceitável tratar de forma desumana o indivíduo mesmo quando tenha sido condenado por transgredir o ordenamento penal.

Não se admitem penas cruéis como as penas de caráter perpétuo, de morte (salvo em caso de guerra declarada), de trabalhos forçados, de banimento ou toda e qualquer pena de castigos corporais. Qualquer pena que possa atingir a condição físico-psicológica do ser humano é inconstitucional.

Em decisão[7] paradigmática, o Superior Tribunal de Justiça julgou:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO PENAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM MATÉRIA CRIMINAL. PRAZO. DOIS DIAS. ARTS. 619 DO CPP E 263 DO RISTJ. MATÉRIAS NÃO APRECIADAS PELO TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE POR ESTA CORTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PÉSSIMAS CONDIÇÕES E SUPERLOTAÇÃO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. TRANSFERÊNCIA DE PRESOS. NECESSIDADE. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA HUMANIZAÇÃO DA PENA.

1. O prazo para a oposição de embargos declaratórios, no âmbito penal, é de dois dias, consoante determina os arts. 619 do Código de Processo Penal e 263 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

2. As questões levantadas pelo ora Recorrente, nos embargos declaratórios opostos, ao argumento de não terem sido apreciadas por ocasião do julgamento do mandamus, não podem, nesse momento, serem analisadas por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.

3. Não se vislumbra, no caso específico, a existência de direito líquido e certo do ora Recorrente. Embora não tivesse plena competência sobre todos os detentos da 76ª Delegacia de Polícia de Niterói/RJ, nada mais fez o Juízo da 3ª Vara Criminal de Niterói/RJ, do que dar prevalência - com a determinação de transferência dos presos em face do superpovoamento e do estado lastimável do referido estabelecimento prisional - aos ditames da Carta Magna, consubstanciados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da humanização da pena, bem como nos direitos dos presos expressamente assegurados em seu art. 5º, inciso XLIX ("é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral").

4. De qualquer forma, o pedido de sustação da referida decisão resta esvaído, uma vez que, ao que se denota dos autos, acrescido do lapso temporal decorrido, a transferência dos presos certamente já foi efetivada, não havendo, portanto, razão - quanto aos condenados em definitivo - para regressarem à carceragem da referida Delegacia de Polícia, por ser destinada apenas, a teor do art. 102 da Lei de Execuções Penais, "ao recolhimento de presos provisórios."

5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.”

4.5 – Princípio da presunção de inocência

Está previsto no art. 5º, inciso LVII, da CF. Veja-se:

 “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”

De modo geral, é possível afirmar que a presunção de inocência, enquanto princípio constitucional geral, é mais um elemento de promoção do necessário equilíbrio entre a liberdade do cidadão (jus libertatis) e a prerrogativa estatal de punir eventuais infratores (jus puniendi), cujo objetivo maior é garantir a manutenção de um Estado de Direito. Por isto a presunção de inocência, enquanto princípio constitucional, não apenas desautoriza a formação prévia de qualquer juízo afirmativo quanto à culpabilidade, como também, e a nosso ver com maior ênfase ainda, veicula a ideia de que todos são inocentes até que se prove que são culpados. Este, aliás, o conteúdo semântico do próprio vocábulo “presunção”, ou seja, suposição que se tem por verdadeira até prova em contrário.

A prova em contrário, como afirmado acima, ensejará a sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso ocorre porque se deve considerar a delinquência como uma excepcionalidade, de modo a presumir que o acusado não cometeu o fato criminoso que lhe é imputado.

O referido princípio está em coadunância com a máxima do in dubio pro reo, porquanto esta afirma que em caso que haja quaisquer dúvidas, seja na interpretação, na cognição de fatos ou na aplicação de dispositivos penais, o jurista deve se utilizar da solução que beneficie o réu, sob pena de infração aos princípios da ordem penal.

Destaque-se o seguinte julgado[8] do STJ, a respeito da harmonia que deve reger a observância do princípio em comento com dispositivos penais e processuais penais que, de alguma forma, relativizem-no quando as circunstâncias assim exigirem, pois nenhum princípio é absoluto:

“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PERICULOSIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL INVERSÃO NA ORDEM DE INQUIRIÇÃO. 1. A presunção de inocência, ou de não culpabilidade, é princípio cardeal do processo penal em um Estado Democrático de Direito. Teve longo desenvolvimento histórico, sendo considerada uma conquista da humanidade. Não impede, porém, em absoluto, a imposição de restrições ao direito do acusado antes do final processo, exigindo apenas que essas sejam necessárias e que não sejam prodigalizadas. Não constitui um véu inibidor da apreensão da realidade pelo juiz, ou mais especificamente do conhecimento dos fatos do processo e da valoração das provas, ainda que em cognição sumária e provisória. O mundo não pode ser colocado entre parênteses. O entendimento de que o fato criminoso em si não pode ser valorado para decretação ou manutenção da prisão cautelar não é consentâneo com o próprio instituto da prisão preventiva, já que a imposição desta tem por pressuposto a presençade prova da materialidade do crime e de indícios de autoria. 2. Se as circunstâncias concretas da prática do crime, homicídio praticado com requintes de crueldade, revelam a periculosidade do agente, justificada está a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria. 3. Do fato de o juiz ter perguntado primeiro e não ao final, em descumprimento ao art. 212 do Código de Processo Penal, não decorre por si só, à falta deprejuízo, a teor do art. 563 do Código de Processo Penal, a decretação de nulidade, segundo precedentes desta Suprema Corte, ausente inclusive protesto da parte na oportunidade. 4. Habeas Corpus denegado.”

Cumpre salientar, por último, que os princípios explicitados neste tópico não esgotam a matéria do Direito Penal Constitucional. Somente se buscou dar atenção especial aos princípios basilares dessa área jurídica, tendo igual importância os demais princípios que, malgrado não estejam explicitamente dispostos na Carta Magna ou sejam de tal maneira gerais que servem para todos os demais ramos do direito, também possuem papel primordial na racionalidade do Direito Penal. Entre eles, estão: a necessidade de motivação das decisões judiciais; devido processo legal; contraditório e ampla defesa; busca da verdade real; lesividade dos delitos; entre outros.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Matheus. A racionalidade penal na Constituição Federal e o limite ao poder punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50761. Acesso em: 29 mar. 2024.

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