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A racionalidade penal na Constituição Federal e o limite ao poder punitivo do Estado

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20/07/2016 às 14:24
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A racionalidade deve estar na base do sistema penal, para que este seja considerado lógico e justo, e respeite as liberdades individuais dos particulares em detrimento de qualquer arbitrariedade que possa advir dos poderes estatais.

Resumo: O presente estudo tem como objetivo precípuo a análise da racionalidade do Sistema Penal, fundamentada, sobretudo, na Carta Magna, e de que maneira ela influirá na elaboração, interpretação e aplicação das normas punitivas. Evita, nesse sentido, o arbítrio do Estado-juiz, por meio da instituição de limites à sua atuação.

Palavras-chave: Constituição Federal, Direito Penal, racionalidade, arbítrio.


1. Introdução

De início, em consonância com a finalidade principal deste trabalho, qual seja, o estudo da racionalidade penal contida na Constituição Federal e o seu reflexo no Sistema Penal, mediante o estabelecimento de regras e limites à pretensão punitiva do Estado, é importante fazer uma breve trajetória histórica do ramo do direito em comento, especialmente no que diz respeito à introdução da ideia de racionalidade no ordenamento jurídico, seja por meio da teorização jusnaturalista, seja por meio da normatização positivista, conforme ver-se-á adiante.

Nesse diapasão, a história das sociedades pode ser dividida de diversas maneiras, variando de acordo com o autor a que se leva em consideração. Freud, por exemplo, estabelece os períodos animista, religioso e científico, enquanto que Comte utiliza as fases teológica, metafísica e científica/positiva. Luhmann, por sua vez, divide a história da humanidade em sociedades arcaicas, sociedades avançadas e período moderno.

No que concerne ao direito penal, o momento inicial, primitivo, de sua trajetória histórica é o relativo ao período de ofensa à vontade dos deuses, que não é datável. Nessa fase, inexistia a relação de mando e obediência entre os indivíduos, não havendo relação de subordinação entre eles, pois deviam seguir apenas as ordens das autoridades divinas, chamadas de totem. Caracteriza-se pela inserção do homem no mundo dos mitos, apresentando grande relação com a natureza, explicando-se, assim, a crença de que tudo que acontecia era decorrente da vontade dos deuses. As proibições que os integrantes de cada clã deveria seguir são denominadas de tabu e a sua inobservância gerava duas espécies de punição: a expulsão do indivíduo da tribo e a faída, que consistia na vingança de sangue, ou seja, explicava-se pelas noções de represália (que garante a segurança) e de solidariedade (que garante a proteção), segundo Luhmman.

Superado esse primeiro período, tem-se a fase de ofensa à vontade do soberano, que diz respeito à transição do mundo mágico para as sociedades imperiais. Há uma aliança entre os deuses e os soberanos, com a transformação na identidade daqueles, que adquirem a forma humana. Caracteriza-se pelo nascimento e desenvolvimento das sociedades clássicas, especialmente Grécia e Roma, e o direito penal apresentava-se por meio de normas costumeiras, que quando infringidas, lesava-se a vontade tanto do soberano, quanto dos deuses, devido à proximidade entre ambas as figuras.

O terceiro momento trata-se da ofensa à vontade do legislador quando as normas não são seguidas. Surgem novas bases de justificação e fundamentos para o direito penal, tendo início basicamente no século XVI com o Renascimento, consolidando-se com as Revoluções Americana e Francesa. Apresentou forte influência de pensadores como Descartes, Locke, Rousseau e Hobbes, tendo por principal base a ideia de liberdade. Nessa fase, há o rompimento com o direito antecessor e principalmente com a noção de arbitrariedade, que era dominante antes do seu surgimento, visto que esse momento baseia-se na lei, que nasce na figura do legislador e se legitima por um Parlamento (isto é, indiretamente pelo povo). O respeito ao legislador, que estipula previamente as situações que devem ser observadas pelo particular, é elemento caracterizador do período, assim como a tripartição dos poderes do Estado, com o surgimento da figura do juiz, que possui autonomia e deve decidir o caso concreto de maneira imparcial. A inserção da racionalidade no direito, por meio da corrente jusnaturalista, remonta a essa fase.

Surgem, assim, duas escolas penais: a clássica e a positiva. Aquela teve como principais representantes Filangieni, Fewenbach e Bentham, remontando-se à primeira metade do século XIX. Defendiam que o crime não passava de um ente jurídico, um produto da razão, isto é, algo inventado, posto. Segundo eles, a pena apresentava caráter retributivo (de castigo), decorrendo a responsabilidade penal do livre arbítrio de cada indivíduo (ou seja, ele é livre para fazer suas escolhas). Refutavam, ainda, a ideia de determinismo.

A segunda escola foi adotada por pensadores como Lombroso, Garófalo e Ferri e surgiu basicamente na segunda metade do século XIX. Afirmam que o crime não é uma invenção da razão, mas que é um fato natural, social, biológico e pode ser captado, percebido na natureza. Baseiam-se, dessa maneira, numa visão naturalista. A responsabilidade penal, segundo essa corrente, decorre do simples fato de viver-se em sociedade, ou seja, existe uma responsabilidade social, por meio de forças inatas ou externas ao delinquente que o levam à prática do crime. Ou ainda, possuem a ideia de responsabilidade determinada (geograficamente, psicologicamente etc.) e a pena era vista como uma maneira de defesa social.

No Brasil, por sua vez, o código penal vigente data de 1940, mas passou por revitalização em 1984, que foi muito bem aceita e elogiada pelos estudiosos do direito, principalmente porque primou pela legalidade estrita das penas e dos crimes.

Essa tendência foi seguida e aperfeiçoada pela Constituição Federal de 1988, que incorporou diversos temas e princípios inerentes ao direito penal, o que ocasionou o que muitos denominam de Direito Penal Constitucional. Princípios como a presunção de inocência do acusado, o contraditório e a ampla defesa, a legalidade penal estrita, a proibição de retroatividade da lei penal, salvo se beneficie o réu, entre outros, que serão melhor estudados em tópico próprio adiante.


2. Jusnaturalismo, positivismo jurídico e a racionalidade

A dicotomia entre o direito natural e o direito positivo é antiga entre os estudiosos, tanto no meio jurídico, quanto no religioso, filosófico, entre outros, estando, no entanto, todos relacionados. Hoje, conquanto, o referido debate perdeu bastante a sua importância, sobretudo por conta de uma tendência unificadora da duas vertentes de pensamento.

O jusnaturalismo, malgrado se trate de uma linha de pensamento única, com ideias gerais e aspectos comuns, apresentou diferentes ramos internos, basicamente devido à diversidade dos momentos históricos em que estavam inseridos os seus estudiosos, podendo ser dividido de acordo com a conjuntura social de cada período.

A origem do pensamento, inobstante de maneira ainda bastante insipiente, deu-se com o surgimento do Direito, na Grécia. As ideias de Heráclito são, provavelmente, as que melhor explicam a linha de entendimento nesse momento, e versavam sobre a existência de um direito natural, eternamente válido, que deve ser observado e seguido em qualquer lugar, visto que é universal, e prescinde de legislação, convenção ou qualquer outra invenção humana.

Tempos depois, de maneira mais sistematizada, surge a vertente do direito natural ligado à ideia de vontade divina. Ou seja, o direito verdadeiro, único, que deveria ser seguido estritamente, seria aquele que advém da vontade de Deus, pois este dita as normas de conduta e de convivência em sociedade que devem ser observadas. Faz-se a distinção entre o direito natural absoluto e o relativo, sendo o primeiro o direito ideal que imperava antes do pecado original, enquanto que aquele seria o resultante do pecado original, que se adaptava à natureza humana. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino são importantes representates desses ideias do jusnaturalismo em sua fase religiosa.

Superada essa fase, inaugura-se um novo patamar de pensamento, com Grotius, tendo por base, diferentemente de seus antecessores, a razão humana.

Será no denominado jusnaturalismo abstrato, que tem por principal estudioso John Locke, que a explicação para tudo se dá por meio da razão humana, ou seja, no próprio homem. Assim, tudo que for objetivo será desconsiderado, pois a realidade social, a História e a razão humana se tornam uma divindade absoluta. Para ele, a lei natural se confunde com a lei da razão, porquanto é uma regra eterna para todos, sendo evidente e inteligível para todas as criaturas racionais. O homem seria capaz, então, de elaborar suas normas de conduta, mediante a instituição de direitos e deveres, que deveriam ser seguidos estritamente pela coletividade.

Portanto, as leis naturais estão sempre de acordo com a justiça, enquanto que nem sempre as civis estarão de acordo com ela, já que podem ser feitas por legisladores oposicionistas aos interesses sociais. Consideram que a lei natural que se impõe ao gênero humano é uma lei de obrigação, que só pode ser imputada a seres morais, dotados de razão. Assim, só o homem pode ser sujeito de direito; o imperativo da lei natural é, portanto, que a obrigação seja mantida pelos homens. Esta obrigação pode ser traduzida na observância do princípio de sociabilidade, todos os sistemas humanos de direito e as obrigações daí decorrentes devem estar assentes na ideia de que o homem é um ser social. A fonte do direito natural é a natureza humana, a ordem natural das coisas. A sua compreensão é alcançada pela conjugação da experiência e da razão; não emana de uma revelação. É uma ordem condicionada pela dimensão social do homem. O seu papel é o de preservar as condições sociais necessárias para que o homem se constitua, viabilize-se de acordo com suas potências construtivas. Esse direito não é normativo, mas apenas reúne princípios fundamentais sem qualquer compromisso ou vinculação com determinada ordem política.

O positivismo jurídico, por seu turno, refutava arduamente os ideais naturalistas, pois defendiam toda e qualquer codificação possível do direito, para trazer, nesse sentido, a segurança jurídica, que, de acordo com eles, não possuía com o jusnaturalismo. Ao contrário desta corrente, que admitia a existência das duas teorias, embora estabelecesse a superposição do direito natural, aquela negava completamente a existência de um direito baseado na lei natural.

Dessa maneira, o direito positivo surgiu da crítica profunda às ideias naturalistas, por meio de precursores como Nikolau Maquiavel, Francis Bacon e Thomas Hobbes, originando-se o historicismo de Savigny, que estabelecia a necessidade de uma análise profunda da história humana, para a partir daí se estabelecer um direito. Afirmava que o homem é mutável e difere de acordo com a raça, o clima, o período histórico, etc. Assim, negava a racionalidade própria do jusnaturalismo, defendendo uma não-razão, que seria o impulso, as paixões, os sentimentos do homem. Eles são pessimistas, na medida em que não acreditam na progressão do homem, bem como são saudosistas, pois elevavam a um patamar superior o passado.

Contudo, foi com a escola exegética, na França, e Bentham, na Inglaterra, que o direito positivo alcançou seus principais fundamentos e pressupostos, influenciado por codificações como a justiniana e a napoleônica. Defendiam um direito posto, direto, objetivo, codificado e fundamentavam pela autoridade do legislador, que deveria ter sua vontade seguida pelos destinatários da norma e pelo julgador, que por conta da separação dos poderes do Estado, seria autônomo e imparcial à relação conflituosa.

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A teoria de Hans Kelsen primou pela pureza do direito, ou seja, este deveria ser autônomo em relação a todas as outras ciências (sociologia, filosofia, criminologia, etc.), bem como se deveria eliminar quaisquer influências da moral e da emoção no ordenamento jurídico. Refutava, ainda, a ideia de justiça ligada ao direito, pois este deve ser visto tal como é, e não como deveria ser. O justo, em seu pensamento, é o posto, a norma positivada.

Essa atitude contrapõe o positivismo jurídico ao jusnaturalismo, que sustenta que deve fazer parte do estudo do direito real também a sua valoração com base no direito ideal, pelo que na definição do direito se deve introduzir uma qualificação, que discrimine o direito tal qual é segundo um critério estabelecido do ponto de vista do direito tal qual deve ser.

Para se entender essa distinção entre o positivismo e o jusnaturalismo deve-se analisar a questão da validade do direito e do valor do direito, entendida a primeira como fazendo parte do ordenamento jurídico real e existindo dentro de uma sociedade, enquanto a segunda indica a qualidade de tal norma, onde se verifica que a mesma está conforme ao direito ideal.

A tendência atual, no entanto, a que temos assistido, é menos radical, tendo inclusive a dicotomia acima exposta perdido muito do seu sentido, tendo em vista que há um processo de unificação, ou, pelo menos, aproximação, entre as teorias.

Isso tem ocorrido por via da normatização de princípios e ideias inerentes ao pensamento do direito natural. São princípios muitas vezes bastante abstratos, de ordem transcendental, que estão intimamente ligados à moral e estado de espírito do indivíduo, fugindo daquela visão primária do direito positivo de que o direito devia ser estritamente direto e objetivo. A essa corrente mais flexível tem se dado o nome de pós-positivismo.

Exemplo claro em nossa Carta Magna é o princípio da dignidade da pessoa humana, que transcende qualquer valor objetivamente auferido, e pode ser aplicado de diversas maneiras (seja na elaboração, interpretação ou aplicação das normas jurídicas) e em casos múltiplos.

A racionalidade penal, em nossa Constituição, tem seguido essa tendência, mediante a sistematização de princípios de ordem pública, que visam a organizar e a tornar o Sistema Penal mais lógico e, basicamente, menos interveniente no convívio social e mais protetor do acusado contra arbitrariedades do poder público.

Ademais, sobre as várias teorias e autores que se debruçaram sobre a racionalidade penal ao longo do tempo, em busca de um sistema penal lógico e que seja hábil a resolver questões jurídico-penais complexas, o alemão Bernd Schünemann[1] assevera que:

“Los trabajos concretos sobre cuestiones jurídico-penales dogmáticas y sistemáticas que se han compilado em esta obra coinciden en el punto de partida: buscar la solución de las cuestiones materiales y sistemáticas em un principio de razonamiento orientado a fines y valores, esto es – formulado de otro modo -, pretender evitar precipitadas construcciones conceptualistas, con la consiguiente atrofia de los aspectos normativos. Por tanto, se entiendem como pruebas a título de ensayo de un razonamiento jurídico-penal orientado a fines. Su dedicatión, por completo polémica, al esquema de ROXIN en Política criminal y sistema del Derecho penal, que ha de entenderse como el desencadenante inicial, así como a la radical reconducción de la culpabilidad a la prevención practicada por JACKOBS, debe dejar claro que la base científica vinculante del razionamiento no consiste em concretas hipótesis materiales que pudieran plasmarse em doctrinas ortodoxas. Más bien el elemento aglutinante viene dado por el planteamiento explícitamente normativo y por el rechazo de las construcciones y deduciones puramente conceptualistas, que no estén fundadas normativamente o lo estén em medida insuficiente.”


3. Direito Penal Mínimo

A ideia de direito penal mínimo está intimamente ligada à Teoria do Garantismo, elaborada por Luigi Ferrajoli, em sua obra Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, que descorre brilhantemente sobre como a mínima intervenção estatal possível, que está na base da sua teoria, traz racionalidade ao sistema penal.

O direito penal mínimo, então, é o modelo ideal a ser adotado pelos Estados Democráticos de Direito, visto que possibilita maiores limites e condicionamentos ao poder punitivo estatal, tornando a sua intervenção subsidiária e excepcional.

Ele possui um elevado grau de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo.

Tem por base, ainda, o ideal de racionalidade e certeza. A primeira, no que diz respeito à previsibilidade na atuação do jus puniendi estatal e por meio da utilização de argumentos cognitivos, ensejando-se, dessa maneira, a certeza ao cidadão de que não será surpreendido, pois sabe exatamente o que não se deve fazer.

Para discorremos sobre a ideia de certeza, ainda, mister se faz contrapor o direito penal mínimo ao direito penal máximo. Neste, o sistema está voltado para o ideal preponderante de que nenhum criminoso pode ficar impune, ainda que inocentes sejam condenados – in dubio contra rerum -, ou seja, traz uma certeza pública acerca das ofensas ocasionadas pelo delito: do cometimento de um crime; é certa uma condenação, ainda que não do verdadeiro criminoso.

O direito penal mínimo, por seu turno, prefere que um culpado fique impune a um inocente condenado – máxima do in dubio pro reo, que está presente quase na totalidade dos Estados Democráticos, por se tratar de sua ideia inerente – e prima pela máxima tutela das liberdades individuais.

O garantismo penal / direito penal mínimo, persegue, então, uma certeza racional – mas relativa, na medida dos limites intrínsecos ao conceito de verdade processual.

Sobre o tema, Ferrajoli[2] salienta que:

“A certeza perseguida pelo direito penal está em que nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido. A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune. Os dois tipos de certeza e os custos ligados às incertezas correlativas refletem interesses e opiniões políticas contrapostas: por um lado, a máxima tutela da certeza pública acerca das ofensas ocasionadas pelas penas arbitrárias. Podemos dissipar, assim, o equívoco de uma 'certeza' ou 'verdade' mística que seria perseguida pelo garantismo cognitivista. A certeza, ainda que não absoluta, a que aspira um sistema penal do tipo garantista não é no sentido de que resultem exatamente comprovados e punidos todos os fatos previstos pela lei como delitos, mas que sejam punidos somente aqueles nos quais se tenha comprovado a culpabilidade por sua comissão. Em todo o caso, ambas as 'certezas' são subjetivas e relativas, afetando 'verdades' igualmente opinativas e prováveis. Sua diferença está apenas nos critérios opostos de sua obtenção.”

Como mais uma forma de mínima intervenção punitiva do Estado, Ferrajoli traçou alguns pressupostos para que a pena pudesse se fazer presente, quais sejam: delito, lei, necessidade, ofensa, ação, culpabilidade, juízo, acusação, prova e defesa, dando especial atenção a esses dois últimos requisitos.

Decorre, ainda, desse conceito, o princípio da insignificância, que embora não esteja positivado em nenhum código no direito brasileiro, tem aplicação pacífica pelos juízes e Tribunais, com especial atuação da doutrina, que foi a principal responsável pela inserção desse princípio de forma ampla no direito pátrio.

De acordo com o referido princípio, o direito penal deve se ater aos delitos com lesividade à sociedade, desprezando os crimes de mínimo potencial ofensivo, que decorre pela necessidade de atuação mínima do poder estatal.

Ao se aplicar tal princípio, a materialidade do crime deixa de existir, eliminando-se o próprio tipo penal (levando em consideração a Teoria do Crime tripartite).

Vejamos jurisprudência[3] minuciosamente explicativa acerca do assunto, do Supremo Tribunal Federal:

"Princípio da insignificância. Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal. Consequente descaracterização da tipicidade penal em seu aspecto material. Delito de furto simples, em sua modalidade tentada. Res furtiva no valor (ínfimo) de R$ 20,00 (equivalente a 5,26% do salário mínimo atualmente em vigor). Doutrina. Considerações em torno da jurisprudência do STF. Pedido deferido. O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O postulado da insignificância e a função do direito penal: de minimis, non curat praetor. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social." (.)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Matheus. A racionalidade penal na Constituição Federal e o limite ao poder punitivo do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4767, 20 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50761. Acesso em: 28 mar. 2024.

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