Cada vez mais, pessoas vão à Justiça para obter remédios. Os dados servem para dar uma ideia do tamanho do problema: somente de janeiro a maio deste ano, o Ministério da Saúde já gastou R$ 693,7 milhões, forçado por decisões judiciais. E a estimativa é que termine 2016 com um recorde: R$ 1,6 bilhão. Em 2015, havia sido R$ 1,2 bilhão. Em 2010, foram R$ 122,6 milhões. Números que são apenas uma parte de uma equação bem mais complexa. Porque há vidas em jogo.
De há muito, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que, reconhecendo um direito subjetivo á saúde, deve-se impor ao Estado o dever de prestar tratamento médico adequado. Cito decisões no Recurso Extraordinário 195.192 – 3, Relator Ministro Marco Aurélio, DJU de 31 de março de 2000, pág. 266; no AgRg 238.328-0, Relator Ministro Marco Aurélio, DJU de 18 de fevereiro de 2000.
O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgamentos, como no Recurso Especial 127.604 – RS, Relator Ministro Garcia Vieira, DJU de 16 de março de 1998, pág. 43, dentre outras decisões, impôs ao Estado o dever de prestar tratamento médico adequado, fornecer remédios e aparelhos médicos a quem deles precise.
No mesmo sentido, recentemente, tem-se decisão no RMS 24197/PR, Relator Ministro Luiz Fux, DJe de 24 de agosto de 2010, onde ainda foi abordada a questão da responsabilidade solidária dos entes públicos.
Da mesma forma, no julgamento do AgRg no Recurso Especial 1.028.835, Relator Ministro Luiz Fux, DJe de 15 de dezembro de 2008, foi realçado que o direito à saúde é assegurado a todos e é dever do Estado, e que, ainda, a União Federal, o Estado-Membro, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no polo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta contra qualquer um deles. Nesse sentido: Recurso Especial 878.080/SC, DJ de 20 de novembro de 2006, pág. 296 e Recurso Especial 656.979/RS, DJ de 7 de março de 2005.
Na ação civil pública ajuizada objetivando a que a Administração supra postos de saúde com remédios e instalações adequadas para a defesa da saúde da população, está em discussão o princípio da dignidade da pessoa humana, um princípio impositivo que norteia o estado democrático de direito.
Chamou-me atenção o fato de que há várias liminares (cognição superficial de aparência) concedidas pelo Poder Judiciário obrigando o Instituto de Química da USP de São Carlos a fornecer a pacientes de câncer uma droga que jamais teve sua eficácia atestada para humanos.
Cabe a pergunta: Mesmo que todos os pacientes que receberam o fármaco aleguem ter sido curados por ele, sua eficácia estará demonstrada?
Para isso, seria necessário proceder, por certo, por parte das autoridades envolvidas, a testes controlados.
Necessário ter-se, sob o ponto de vista científico, uma prova de que o medicamento funciona.
Parece-me, das noticias que me chegaram, que, com o devido respeito, as decisões judiciais focaram seus debates sobre direitos constitucionais à saúde, sem tratar de métodos científicos.
Para a USP a substância nunca foi testada e nem pode ser chamada de medicamento. Não haveria registro na ANVISA, o que significa que não cabe ao governo fornece-lo aos pacientes do SUS.
Afinal, o procedimento razoável que se tem é de que, comprovado com um grau suficientemente grande de eficácia (após realizada com milhares de indivíduos, é visto se a droga consegue, na prática, tratar a doença em questão), o medicamento pode obter licença para a produção e ser comercializado ou distribuído.
O que dizer com relação a pedidos, em juízo, para que se adquira medicamentos experimentais?
É justo conceder uma liminar a paciente que necessite de uma substância não testada? Parece-me que não.
Tudo isso coloca mais uma questão (ponto controvertido) com relação a controvérsia da judicialização dos problemas da saúde.
Isso se dá com a controvérsia com relação ao fornecimento da fosfoetanolamina.
Além da discussão com relação aos gastos para a Fazenda Pública com relação ao fornecimento gratuito dessas medicações deve-se ter em conta, de forma preocupante, a eficácia do fornecimento deles.
A distribuição da substância ganha impulso com uma decisão do Ministro Fachin, datada de 6 de outubro, a seu favor.
Certamente as discussões em juízo com relação a supostos remédios devem abordar, em cognição que supera a da mera aparência, e que deve ser exauriente, regras de pesquisa clínica e métodos científicos.
Várias soluções são aventadas.
Com anos de experiência estudando a judicialização, Asensi afirma que o número de ações envolvendo questões ligadas à saúde pode passar de um milhão por ano, levando-se em conta casos das redes pública e privada. Como o universo é vasto, não há dados precisos sobre o tema. Segundo ele, em levantamentos por amostragem, o perfil dos processos mostra um predomínio de iniciativas individuais, com foco na cura, no fornecimento de um tratamento ou de um medicamento com resultado imediato, o que infla a carga nos tribunais. As ações coletivas, principalmente as ligadas à prevenção, são raríssimas. Para o pesquisador, que também estudou casos emblemáticos de sucesso, o caminho para minimizar o problema está principalmente no diálogo entre os envolvidos:
— Quando há uma abertura de conversa entre o gestor e o Judiciário, a tendência é de chegarmos a resultados melhores. Cito um caso recente, de Lages (SC), onde havia uma demanda muito grande por fraldas geriátricas. O que foi feito: uma parceria entre a Justiça e a Secretaria de Saúde para a construção de uma fábrica comunitária do produto. Dessa maneira, o número de ações despencou.