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O que Romeu e Julieta têm a ver com a previdência social?

Uma análise econômica da previdência social: verdades e mentiras

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10/09/2016 às 10:38
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O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise econômica da previdência social brasileira a fim de verificar sua sustentabilidade.

Extremamente polêmico é analisar a previdência social brasileira, ainda mais quanto falamos de equilíbrio financeiro e atuarial. Os autores não parecem chegar a um consenso, ora apontando uma desproporção na relação gasto versus receita, ora visualizando uma situação de equilíbrio. Sobre a primeira concepção, ver Fábio Giambiagi, in Reforma da Previdência, Rio: Campus, 2007, e, em sentido diverso, Denise Lobato Gentil, in A Falsa Crise do Sistema de Seguridade Social no Brasil, Tese (Doutorado em Economia) - UFRJ, 2007. Diante desta celeuma, o presente estudo tem como objetivo realizar uma análise econômica da previdência social brasileira a fim de verificar sua sustentabilidade. 

Análise Histórica - Os Modelos Bismarckiano e Beveridgiano

A previdência social origina-se das lutas por melhores condições de trabalho, as quais resultaram em diferentes sistemas protetivos, de acordo com as situações de cada país envolvido. Alguns limitaram a proteção ao necessário à sobrevivência, enquanto outros foram além, buscando programar substituição relacionada à remuneração. Tais variações colocam em destaque as diferentes estruturas dos sistemas de proteção. Basicamente, todos buscavam uma previdência social como garantia, ao menos, do mínimo vital, de modo viável financeiramente.[1]

Percebe-se em todos os modelos a implementação das ideias keynesianas de intervenção estatal na economia, as quais nortearam, especialmente, o New Deal norte-americano, o Plano Beveridge e as Cartas do Atlântico, que externaram a necessidade da ação estatal concreta como garantidora do bem-estar social.

No modelo bismarckiano, mais primitivo, a proteção não era universal, geralmente limitada aos trabalhadores, rigoroso financiamento por meio de contribuições sociais dos interessados (trabalhadores e empresas), além de restringir sua ação a determinadas necessidades sociais. O modelo beveridgiano tem concepção mais ampla, pois visa a universalidade de atendimento, atendendo a tudo e a todos, com financiamento por meio de impostos, arrecadados de toda a sociedade.

Conforme brilhantemente discorre Fábio Zambitte Ibrahim, no Pós-Guerra, surge uma tendência universalizadora do seguro social, com base nas premissas teóricas do Plano Beveridge. As maiores taxas de natalidade e crescimento econômico geraram a euforia protetora, com a consequente universalização da clientela, sem maiores distinções em razão das atividades econômicas. O financiamento distancia-se da técnica de capitalização, com a repartição simples, trazendo evidente enfraquecimento do aspecto atuarial do sistema protetivo.[2] No sistema beveridgiano, as prestações pagas pelo sistema são desvinculadas da real remuneração do trabalhador, ao contrário do sistema bismarckiano, no qual a prestação é relacionada à cotização.

Estes são, em apertada síntese, os pressupostos históricos que permitiram a formação teórica plena do Welfare State, que se iniciara com Bismarck e tem íntima ligação com a previdência social. Todavia, em razão do excessivo crescimento desordenado dos sistemas protetivos, é com perplexidade que o mundo assiste a um retorno aos modelos bismarckianos de seguro social, haja vista seu maior comprometimento com o equilíbrio financeiro e atuarial.

Ou seja, com a crise do Welfare State,[3] o que se constata, em âmbito mundial, é uma mescla dos sistemas bismarckiano e beveridgiano, com a adoção recíproca de características até então estranhas, como a securitização do esquema beveridgiano,[4] ou seja, a fixação de benefícios calculados também em relação às contribuições individuais. Tem-se o exemplo da Suécia, que migrou de um sistema original beveridgiano para um modelo híbrido, adotando um segundo pilar estatal compulsório, de repartição e relacionado às remunerações, reduzindo a importância do primeiro pilar, que se limita desde então à garantia do mínimo existencial.[5]

Isto é de especial importância para que se possa entender o motivo de alguns países adotarem um sistema complementar de previdência compulsório - são, em verdade, Estados que adotavam o esquema beveridgiano de proteção social, mas acabaram por migrar, em parte, para o sistema bismarckiano (que seria o 2ª pilar), mantendo o 1ª pilar como valor mínimo assegurado a todos. Até mesmo o Reino Unido, berço da concepção beveridgiana de proteção social, fez tal mutação, sendo, todavia, dada maior ênfase ao sistema privado de previdência complementar.[6]

Países com antiga tradição de seguro social, como o Brasil, encontram, como era de se esperar, grande dificuldade em migrar para um sistema capitalizado e individual de previdência, especialmente devido ao encargo das gerações passadas. Aguardamos esperançosos o dia em que o Brasil irá aplicar ao menos algumas das teorias tão conhecidas pelo Banco Mundial. Infelizmente os diversos textos no BIRD não cabem neste curto texto, são diversas obras de variados autores, em geral defendendo uma participação mínima do Estado. Para uma ideia geral, ver Pension Reform (organizado por Robert Holzmann e Edward Palmer. Washington: The World Bank, 2006).

Pela experiência internacional, percebe-se que reformas bem-sucedidas em contenção de gastos não se originam a partir de cópias de modelos adotados alhures, mas sim dentro das possibilidades políticas existentes, de acordo com o consenso formado. Este consenso pode ser alcançado por meio de uma comissão de reforma, como feito nos EUA (1983), Alemanha (1992) e Suécia (1990), entre outros - permitindo-se o debate técnico e não meramente político da reforma.[7] Esta é uma das questões usualmente mal abordadas nos debates pátrios sobre previdência social, pois qualquer formação previdenciária duradoura carece de um consenso formado democraticamente, de modo a legitimá-lo.


Destinação exclusiva das Contribuições Previdenciárias

Como já se disse, nas contribuições sociais, espécie de contribuições especiais, podemos identificar uma subespécie que seriam as contribuições previdenciárias (art. 195, 1, "a" e I I, da C RFB/88), pois destinadas somente ao pagamento de benefícios do RGPS.

Cabe observar que a destinação ao RGPS é exclusiva, visto que a Constituição afirma ser vedada:

a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, 1, "a", e li para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 (art. 1 67, XI, da C RFB/88) .

 Sendo assim, tem-se entre as contribuições sociais uma espécie com destinação vinculada a um componente da seguridade social, no caso, a previdência social. As demais contribuições sociais (art. 195, 1, "b" e "c", I II, da C RFB/88) podem ser utilizadas em qualquer segmento da seguridade, inclusive na própria previdência social.

Concluindo, todas as contribuições sociais têm sua arrecadação ligada à seguridade social, porém somente as previdenciárias são vinculadas a um único segmento da seguridade, que é a previdência social.

Mesmo assim, o STF, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 2.556 e 2.568, ajuizadas respectivamente pela CNI e pelo PSL contra a Lei Complementar nº 110/01, a qual instituiu acréscimo de contribuição ao FGTS a título de contribuição social, entendeu liminarmente que tais exações enquadram-se no conceito de contribuições sociais gerais, as quais não são necessariamente vinculadas à seguridade social, devendo também atender ao Princípio da Anterioridade (art. 150, III, b, da CRFB/88).[8]

No entendimento exarado pela Suprema Corte, as contribuições sociais podem subdividir-se em gerais ou da seguridade social, sendo as últimas previstas no art. 195, incluindo as criadas a partir da competência residual da União (art. 195, § 4º, da CRFB/88). Já as gerais, instituídas a partir da previsão genérica do art. 149 da Constituição, podem ser utilizadas para custeio de qualquer ação estatal, desde que compatível com sua natureza social, conceito evidentemente indeterminado.

Como a delimitação deste conceito certamente é de complexa realização, o atual entendimento do Pretório Excelso acaba por dar verdadeira carta branca à União, possibilitando a criação de novas exações em qualquer situação, desde que algo próxima do social.

Hayek condena a palavra social como signo vazio de sentido nos tempos moderno (weasel word), os defensores do Welfare State advogam em nome de uma solidariedade compulsória, uma contradição em termos, afinal, para ser solidariedade ela tem que ser voluntária. Nas palavras do citado autor: “Somente quando somos responsáveis pelos nossos próprios interesses e livres para sacrificá-los é que nossa decisão possui valor moral”.

De qualquer forma, pode-se resumir a questão da destinação das contribuições sociais da seguinte forma: em regra, todas devem ser destinadas, exclusivamente para a seguridade social, mas de acordo com o STF, esta reserva de recursos existe somente para as contribuições sociais da seguridade social, previstas no art. 195 da Constituição, sendo que as novas exações, criadas a partir do art. 149 da Constituição, podem ser utilizadas em qualquer segmento social, ainda que fora dos limites da seguridade.

Importante lembrar também que as contribuições previdenciárias ficam de fora da desvinculação de receitas da União - DRU, a qual permite a utilização de 20% da receita das contribuições sociais em outras ações. A exceção, ainda que criada por emenda constitucional, não tem o condão de excluir a aplicabilidade do art. 167, XI, da Constituição.


A previdência social brasileira e o esquema de pirâmide

A Doutora Denise Gentil propõe com base na análise do fluxo de caixa do INSS que parte dos recursos da Seguridade Social foram desvinculados para além dos 20% permitido pela DRU (Desvinculação das Receitas da União). Em seu entendimento há um superávit sendo fundamental para a sustentabilidade do sistema previdenciário o crescimento econômico.[9]

Olha-se só para o tamanho do bolo e para o número de fatias, mas se esquece do número de convidados. Não é assim que se dá uma festa e muito menos se faz políticas públicas.

Ainda que se assuma que há uma desvinculação para além do limite imposto, a questão é que o INSS gastava com aposentadoria e pensões 2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada a nova Constituição. Vinte anos depois já gastava quase 8% do PIB. A velocidade do crescimento da população de idosos no Brasil deve acelerar bastante nos próximos anos, agravando muito o problema.[10]

Segundo o IBGE, existem atualmente quase 12 milhões de idosos no país, pessoas com 65 anos ou mais. Em 2030, esse número deve chegar a quase 25 milhões de pessoas, mais que o dobro.[11]

O problema óbvio desse esquema de pirâmide (Esquema Ponzi) é que ele cresce em progressão geométrica — ou seja, se são necessárias, em tese, seis pessoas para se pagar a quantia acertada para uma pessoa, serão necessárias trinta e seis pessoas para se pagar a quantia acertada para o grupo de seis, e assim por diante.

No sistema previdenciário, um grupo original de aposentados passou a receber uma aposentadoria sem haver pago qualquer quantia[12] à custa do grupo de trabalhadores ativos da época; e esses trabalhadores ativos da época, ao se aposentarem, esperam que os trabalhadores ativos posteriores paguem suas aposentadorias; e esse último grupo te de ser muito grande para poder suportar esse pagamento.

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Ora, sem que haja uma progressão geométrica no número de trabalhadores entre uma geração e outra, esse sistema invariavelmente quebrará.  E efetivamente não há como esse sistema não quebrar, por dois motivos: (i) a geração seguinte em regra não cresce suficientemente e (ii) mesmo que crescesse, essa geração precisaria ocupar empregos em uma taxa próxima dos 100%, e a economia de um país pode não crescer o suficiente para absorver toda a mão-de-obra disponível.

Ainda sobre a questão da geração de empregos, o IPEA[13] afirma que, de acordo com os estudos do IBGE, a população brasileira chegará ao seu pico populacional em 2030, com cerca de 206 milhões de habitantes.  A partir dessa data, o país tenderá a possuir uma população estável de cerca de 200 milhões de pessoas, e a sociedade envelhecerá como um todo.  De acordo com essas projeções, em 2030 estima-se que haverá 1,1 trabalhadores economicamente ativos para cada aposentado. 

Ou seja, praticamente haverá um trabalhador por aposentado.  Isso significa, de fato, que uma pessoa terá de trabalhar por duas, o que inviabiliza qualquer sistema previdenciário, concebido originalmente para funcionar em um sistema de dois trabalhadores por aposentado.

Cabe ressaltar que algumas vozes[14] argumentam que o desvio de recursos é motivado pelo lobby de grandes corporações do setor financeiro que lucram com os juros da dívida pública e que é urgente uma auditoria.

O problema é bem maior e devemos deixar o misticismo de lado. Em “O ajuste inevitável,”[15] Mansueto Almeida Jr., Marcos Lisboa e Samuel Pessôa tentam quantificar, pela primeira vez, o aumento do gasto público já contratado para os próximos 15 anos. Até 2030 o gasto anual do Estado brasileiro terá subido 300 bilhões de reais, um aumento de 20 bilhões de reais por ano. Para neutralizar este aumento de despesas, será preciso criar um imposto equivalente a uma nova CPMF a cada mandato presidencial de quatro anos (entre 2015 e 2030). Para ficar claro: não se trata de renovar a CPMF a cada quatro anos, e sim de cobrar uma nova CPMF em cima da anterior, sucessivamente, a cada novo governo.

Este aumento de 300 bilhões é a soma apenas dos aumentos nos gastos com previdência, educação e saúde já contratados por conta da legislação vigente.

Em outras palavras, se a cultura de “taxar e gastar” não for mudada, daqui a 15 anos o Estado brasileiro estará demandando da sociedade 500 bilhões de reais a mais — por ano — para honrar com suas obrigações.

Por todo o exposto, o atual sistema brasileiro não é sustentável por mais que se promova o crescimento econômico, a uma pelos riscos de ciclos econômicos que colocam em cheque a aceleração do crescimento, a duas porque com o consequente envelhecimento da população e diminuição da população ativa se torna inevitável à falência.


A Teoria da Janela Quebrada                                

No entendimento da Doutora os recursos da Previdência são muito mais que uma transferência de renda vez que retornam ao mercado por meio de gastos incrementando assim a economia.

Na verdade, esta falácia é bem antiga, e já tinha sido refutada por Bastiat em seu exemplo da janela quebrada. Algum vândalo joga uma pedra que estilhaça a janela de uma loja. Em seguida, algumas pessoas tentam consolar o dono da loja alegando que, ao menos, ele estará gerando emprego ao consertar a janela. Afinal, se janelas nunca fossem quebradas, de que iriam viver os reparadores de janelas?

Esta linha de raciocínio ignora aquilo que não se vê de imediato. Sim, o conserto da janela iria propiciar um ganho para o vidraceiro. Mas o que seria feito desse dinheiro gasto caso a janela não tivesse sido quebrada? Eis a pergunta que nem todos fazem, porém crucial para o entendimento da economia. Trata-se do custo de oportunidade.

Existem várias alternativas de uso que o dono da loja poderia dar ao dinheiro. Ele poderia investi-lo para aumentar a produção, poderia poupá-lo ou poderia gastar com qualquer outra coisa. Supondo que ele gastasse a mesma quantia na compra de um terno, o alfaiate teria sido beneficiado, mas agora que o dinheiro foi usado para consertar a janela, esse terno deixou de ser vendido.

Isso é aquilo que não se vê, ao menos de imediato. O alfaiate do exemplo é ignorado, é o homem esquecido na análise superficial da coisa. Parece ridículo de tão óbvio este caso, mas o leitor mais leigo ficaria chocado com os demais casos, que são apenas variações dessa mesma falácia.

O grande economista Milton Friedman, da Escola Econômica de Chicago, em grande ensaio[16], prova que o sistema previdenciário redistribui dinheiro dos pobres para os ricos.  De fato, pessoas das camadas mais pobres da sociedade tendem, na média, a viver menos que os mais ricos, pois em regra vivem em condições mais insalubres e têm menos acesso a medicamentos, serviços de saúde e alimentos.  Como visto, pobres e ricos proporcionalmente pagam a mesma coisa, mas como o dinheiro pago não retorna diretamente para o pagador, e sim vai para o sistema, só retornando caso o pagador envelheça ou tenha algum tipo de sinistro, em média pessoas mais ricas tendem a se beneficiar da previdência por mais tempo que pessoas pobres.

Além disso, servidores públicos, que já recebem — em virtude de sindicatos e grupos de pressão — salários mais altos por menos trabalho, recebem aposentadoria muito superior à do setor privado contribuindo muito menos para o sistema.

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Sobre o autor
Diego Regazi

Cursa MBA em Gestão Tributária na FIPECAFI – FEA/USP e é Pós-graduado respectivamente em Direito do Trabalho e Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REGAZI, Diego. O que Romeu e Julieta têm a ver com a previdência social?: Uma análise econômica da previdência social: verdades e mentiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4819, 10 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51053. Acesso em: 22 nov. 2024.

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