“Política” é profissão?

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Após oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Lula, ao discursar em sua defesa, disse em alto e bom som que a “profissão mais honesta é a do político.” Afinal, "política" é profissão?

Dias atrás, após oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mais um dos seus discursos acalorados, utilizou uma frase que não soou bem aos ouvidos de muitos (inclusive, dos meus). E não digo aqui sobre a infeliz colocação do ex-presidente de que os funcionários públicos concursados seriam “analfabetos políticos” (cuja defesa deixo a cargo do próprio funcionalismo público), mas sim, no que tange, ao meu ver, sobre a equivocada alegação de que a “profissão mais honesta é a do político.”

Deixando de lado a questão da honestidade dos nossos políticos (assunto que certamente demandaria um extenso artigo), ficaremos adstritos ao tentar responder (se é que conseguiremos) a seguinte indagação: “político” é profissão? Claro, como advogado que sou, obvio que a primeira resposta será, DEPENDE!

Sob o ponto de vista legal, não, político não é profissão. Para tanto, basta observar o disposto no artigo 39, parágrafo 4º, da Constituição Federal,:“§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.”

Ou seja, da simples leitura do dispositivo acima, já se extrai que os agentes políticos (do presidente da república aos vereadores), não possuem qualquer “vínculo de natureza profissional com o estado”, conforme voto do ministro-relator Marco Aurélio, nos Autos do Recurso Extraordinário nº 650.898, ainda pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Tanto não possuem qualquer vínculo de natureza profissional, que sequer poderão ser enquadrados na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, que trata das “sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”. Reza o artigo Art. 2° da mencionada Lei, que: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

O próprio Ministério do Trabalho e Emprego divulga em seu site [1]  uma “Listagem das Profissões Regulamentadas”, que vai de administrador à zootecnista (são mais de 60 profissões) e no extenso rol também não se encontra nada parecido com “política” ou “agente político”.

Também pudera. Ao contrário do que expôs o ex-presidente, o “político” ou agente político, se honesto ou não, nada mais é do que o “encargo passageiro de quem se comprometeu a servir ao próximo, a representar a vontade popular, a colaborar para os destinos do país”[2], em outras palavras, a política “não é profissão, não é classe trabalhadora e sua remuneração não se encaixa nos moldes capitalistas de geração de renda.”

Outra prova de que o agende público, no caso, a autoridade máxima do país (presidente) não é profissão, repousa na simples leitura do artigo 40, inciso VIII, da Constituição Federal. Competirá, ao Congresso Nacional, “fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República”.

Grosso modo, tem-se por subsídio, a retribuição pelo exercício público, estabelecido por lei específica, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, à exceção das parcelas indenizatórias e por o salário (ou vencimento) aquilo que recebe o empregado de empresa privada ou o funcionário público.

A própria Ordem dos Advogados do Brasil, sobre o assunto, já se posicionou no sentido de que não seria razoável, sob o ponto de vista conceitual, principiológico e constitucional, que o exercício de um mandato temporário fosse confundido com o exercício de cargo público. “O mandato é um instrumento transitório de representação, não sendo admissível a profissionalização da função de parlamentar.”[4]

Se a legislação, melhor doutrina e jurisprudência, não contemplam a “política” como profissão, por qual razão esse advogado utilizou no segundo parágrafo do artigo, a palavra “depende”.

Pois bem, a utilização da política como profissão, depende única e exclusivamente dos propósitos do próprio agente político. O que se pretende com a política? Representar a sociedade ou simplesmente a mera ascensão social e/ou financeira?  No caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de maneira apartidária, e é bom que isso que fique claro, entendo que embora a carreira política tenha sim nascido com o primeiro propósito, qual seja, àquele legal, ético e moral de simplesmente representar os interesses da sociedade, acabou sendo drasticamente desvirtuada quando o exercício do mandato tornou-se seu único “ganha pão”.

Até onde se sabe o ex-presidente, sem formação acadêmica para exercício de profissões triviais (engenheiro, advogado, professor, etc, etc, etc), também não era nenhum reconhecido homem de negócios. O próprio Instituto Lula, que hodiernamente é bastante divulgado pelos noticiários, foi criado somente em 2011 após o segundo mandato, para cuidar do acervo histórico e do intercâmbio internacional das experiências políticas do ex-presidente.

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Oportuno os comentários da jornalista Andrea Gouvêa Vieira, que também já foi vereadora da cidade do Rio de Janeiro, ao tratar a política como sendo uma “fábrica de regras direcionadas a garantir mandatos sucessivos, como consequência do pânico de perder uma eleição. Afinal, como pagar as contas depois de tanto tempo longe da profissão? Essas regras produzem, então, jovens eleitos porque integram dinastias políticas, sem nenhuma experiência fora da atividade parlamentar. Ou pessoas de origem humilde que veem na política a possibilidade de ascensão social. Difícil, então, abrir mão dos privilégios que os mandatos concedem, extensivos a parentes e amigos. Isto também acaba induzindo o advogado, o médico, o engenheiro, o comerciante, os autônomos, e todos os outros profissionais, a abandonar bancas, clínicas, lojas e clientes. E, claro, existem os que não podem abrir mão de um mandato simplesmente porque o objetivo único é torná-lo um profícuo e eterno ganha-pão.”[5]

No mesmo sentido, a lição de Antônio Inácio Andrioli[6]: “O que verificamos, no entanto, é que a representação parlamentar vem seguindo cada vez mais a lógica da política como mera profissão. Diante da perda de perspectiva revolucionária por parte de muitos partidos de esquerda no mundo, o que resta a muitos parlamentares é a sua adequação à estrutura parlamentar vigente, onde o objetivo é permanecer na atividade de representação política para evitar que outros o façam. Mais do que isso: a questão está para além de mera disputa política, pois o que ocorre é que os antigos líderes, oriundos muitas vezes do próprio mundo do trabalho, burocratizaram-se e, hoje, lutam desesperadamente pela sua manutenção nos espaços estatais, pelo simples motivo de que eles não têm mais profissão no mundo da produção. É assim que sua profissão (da qual eles passam inteiramente a depender) tornou-se a política.”

O renomado professor Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado aos 18/03/2015 , traz um levantamento assustador, ao menos para a democracia, ao delinear que “dentre os 47 políticos citados (na decisão de Teori Zavascki, ministro do STF) temos o seguinte: 1 deles começou sua carreira na década de 1960 (Benedito de Lira), 5 deles na década de 1970 (Simão Sessim, Edison Lobão, Renan Calheiros, Fernando Collor, Pedro Corrêa), 11 deles na década de 1980 (José Olimpio Silveira Moraes, Vilson Covati, Valdir Raupp, Roberto Balestra, Aníbal Gomes, João Felipe de Souza Leão, João Sandes Jr., José Otávio Germano, Nelson Meurer, José Mentor, Romero Jucá), 17 deles na década de 1990 (Roseana Sarney, José Linhares, Mário Negromente, Humberto Sérgio Costa Lima, Pedro Henry, Arthur Lira, Luiz Carlos Heinze, Carlos Magno, Dilceu Sperafico, Lindbergh Farias, Afonso Hamm, Luiz Fernando Ramos Faria, Renato Molling, Roberto Pereira Brito, Ciro Nogueira, João Pizzolatti, Cândido Vacarezza, Agnaldo Velloso), 12 deles na década de 2000 (João Argôlo Filho, Eduardo Cunha, Jerônimo Goergen, Vander Loubet, Roberto Teixeira, Antônio Anastasia, Aline Corrêa, Eduardo Henriqueda Fonte Albuquerque e Silva, Gladson Cameli, Lázaro Botelho, Waldir Maranhão) e apenas um na década de 2010 (Gleisi Hoffman).”
 
Naturalmente que em razão dessa extensa “carreira” política, a maioria esmagadora dos políticos acima citados não exercem quaisquer outras atividades renumeradas, vivendo única e exclusivamente da função de agentes políticos, eleitos pelo povo, em outras palavras, não será incorreto dizer que já são verdadeiros “políticos profissionais”.

Assim, se o ex-presidente Lula realmente abandonou qualquer outra profissão para a ocupação exclusiva de cargos eletivos e se não tinha outra fonte de renda (lícitas, claro) para manutenção de si e de sua família, óbvio que ele mesmo se enquadrou na categoria do “político profissional”, cujo combate ferrenho já está sendo travado por vários movimentos sociais, com o total apoio deste causídico.

[1]  http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/regulamentacao.jsf#p

[2] http://www.conjur.com.br/2012-out-09/atividade-vereador-nao-profissao-nao-remunerada 

[3] http://oeconomes.blogspot.com.br/2011/05/para-estudiosos-politica-nao-deve-ser.html

[4] http://www.oab.org.br/noticia/27950/artigo-politica-nao-e-profissao

[5] http://oglobo.globo.com/opiniao/politica-nao-profissao-20076034#ixzz4Knfk3xt3

[6] Bolsista do EED e doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück – Alemanha

[7] http://www.espacoacademico.com.br/040/40andrioli.htm

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Sobre o autor
Luis Eduardo Pantolfi de Souza

Advogado, especialista em Direito Contratual pela EPD/SP. Atuação nas áreas do Direito Empresarial Cível (com ênfase em recuperação de crédito judicial e extrajudicial), Família e Trabalhista.

Informações sobre o texto

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