5. Responsabilidade civil e dano moral;
O Código Civil em seu art. 927 dispõe sobre o principio informador da teoria da responsabilidade civil, o qual impõe a quem causa dano a outrem, o dever de repará-lo: ”Aquele que por ato ilícito - arts. 186 e 187 - causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” e, em seu art. 186, conceitua juridicamente o dano, expondo o que seria um evento danoso:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (Código Civil)
Verifica-se que a responsabilidade civil opera-se a partir do ato ilícito, o qual faz nascer a obrigação de indenizar, tal obrigação tem como finalidade tornar indemne o lesado, ou seja, com a referida indenização, colocar a vitima na situação que estaria sem a ocorrência do fato danoso. A necessidade fundamental no restabelecimento deste equilíbrio é procurar recolocar o prejudicado em seu statu quo ante. Caio Mário da Silva Pereira elucida com inteligência o conceito de responsabilidade civil (1990, p. 67 apud TJMG, Ap. 1.0686.06.172623-4/001):
“A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma, reparação e sujeito passivo compõem o binômio responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil”
O principio da restitutio in integrum impera neste campo, tal princípio significa que, tanto quanto possível, repõe-se a vitima à situação anterior à lesão, sendo feita através de uma indenização, fixada proporcionalmente ao dano. Adentra cada vez mais a responsabilidade civil no âmbito familiar, imputando aos próprios membros da família danos morais a serem ressarcidos, causando na sociedade e no próprio âmbito familiar, inquietações, equívocos e polemicas. A família não está imune à ocorrência de atos ilícitos, a responsabilidade civil pode ser encontrada tanto dentro como fora do âmbito familiar.
Importante se faz a exposição de duas premissas; a de que não há responsabilidade sem violação de dever jurídico preexistente, vez que a responsabilidade pressupõe o descumprimento de uma obrigação e a de que, para identificar-se o responsável, necessário se faz especificar o dever jurídico violado e quem o descumpriu, conforme leciona Cavalieri (2008).
A moral de um ser humano é um bem jurídico integrante dos direitos da personalidade, que possui valor distinto dos bens patrimoniais, e que não podem ser impunemente atingidos e no momento que este bem é lesado, ocorre-se o dano, gerando fatores advindos da dor causada pelo ofensor, devendo assim, serem ressarcidos de forma a proporcionar meios adequados para a recuperação do individuo lesado.
O conceito de dano moral sempre esteve ligado à diminuição, desvantagem, supressão, encontrando-se a pessoa humana no centro da esfera da responsabilidade civil por danos morais. Dano moral é aquele que não tem repercussão patrimonial, é o dano a que não correspondem às características do dano patrimonial, tendo em vista ser dano pessoal, subjetivo, que prejudica o ser humano em sua integridade psicológica - a qual pode levar muito tempo para ser sanada - em seu íntimo de forma ilícita ou antijurídica, causando prejuízos morais e psicológicos oriundos de lesões físicas ou puramente psíquicas.
É natural que o rompimento, a humilhação ou agressão gerem dor, sendo o dano moral, em regra, decorrente da culpa, caberá a indenização se àquela for grave, como explicita Sergio Cavalieri Filho ao definir dano moral, estabelecendo o seguinte (2008, p. 83-84):
“Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. [...] Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quanto tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém”.
Portanto, observa-se que o dano moral ocorre no plano da subjetividade, deriva de ações atentatórias à personalidade, interferindo na esfera dos valores enquanto ser social, ferindo desta forma o patrimônio ideal da vitima – o conjunto de tudo aquilo que não é suscetível de valor econômico – causando-lhe assim, sentimentos negativos, dores, desequilíbrio psicológico, transtornos pessoais, morais ou físicos.
No direito brasileiro a evolução dos danos extrapatrimoniais divide-se em dois momentos, como assevera Sergio Severo(1996, p.74): antes e após o advento da Constituição de 1988, que indiscutivelmente veio a reconhecer a ampla reparabilidade do dano moral. Os legisladores acertaram ao não ter estabelecido uma enumeração taxativa, de modo a atender mais amplamente aos casos concretos. Como afirma Caio Mário da Silva Pereira (2009):
“Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se principio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito. Obrigatório para o legislador e para o juiz”.
Existem autores que partem do conceito negativo, pelo qual dano moral seria aquele que não tem caráter patrimonial, portanto, todo dano não-material, já para os autores que preferem um conceito positivista, dano moral seria a dor, vexame, sofrimento, humilhação, desconforto, a dor da alma. A Constituição vigente nos permite conceituar dano moral por dois aspectos distintos; em sentido estrito, como violação do direito à dignidade – consagrada no inciso III do artigo primeiro da Constituição Federal – e, considerando a inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra e da imagem, como colários do direito à dignidade, foi que a Constituição inseriu a reparação do dano moral, em seu art.5º, incisos V e X, conforme tal decisão proferida pelo Judiciário:
“qualquer agressão à dignidade pessoal que lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável” (Ap. Cível 40.541, Rel. Des.Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719).
Verifica-se, portanto que o dano moral não necessariamente vincula-se a alguma reação psíquica da vitima, posto que pode haver ofensa à dignidade, sem dor, vexame e sofrimento, da mesma forma, poderá haver dor, sofrimento e vexame, sem violação ao principio da dignidade. A citada reação psíquica só pode ser considerada dano moral, quando tiver como causa uma agressão à sua dignidade.
Entretanto, vale lembrar que, além da dignidade, os direitos da personalidade englobam diversos outros aspectos da pessoa humana, incluindo-se também os chamados novos direitos da personalidade, tais como; a imagem, a reputação, o bom nome, sentimentos, relações afetivas, aspirações, etc. Portanto, verifica-se que em sentido amplo, o dano moral engloba esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, envolvendo todas as ofensas à pessoa humana, tanto na dimensão individual, como social, mesmo que não haja lesão a sua dignidade.
Não existem critérios objetivos para se configurar ou não o dano moral, cumprindo o juiz assim tomar as regras da cautela, do bom senso pratico, da ponderação, da lógica do razoável, devendo, para evitar excessos, somente considerar como dano moral o sofrimento ou dor possuidor de certa gravidade, seguindo a trilha da concepção ético-juridica que permeia a sociedade. Elucidativa é a lição de Antunes Varela (p. 633):
"A gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado"
Para que se configure o direito à indenização, indispensáveis são os elementos que decorrem da responsabilidade civil, necessária se faz a ocorrência dos seguintes requisitos: lesão a um bem jurídico moral ou patrimonial, pertencente a uma pessoa, pois não há dano sem ofendido e não há reparação sem que tenha havido dano a um interesse tutelado juridicamente; efetividade ou certeza do dano, o dano deve ser certo, quanto à sua existência; nexo causal, indispensável a relação de causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva e o dano; subsistência do dano no momento da reclamação, se já houve reparação satisfatória do dano, não há razão para ser feita novamente; ausência de causas de excludentes de responsabilidade, consoante o art. 393 do Código Civil, inexiste a obrigação de indenizar o dano diante da ocorrência de excludentes de responsabilidade civil – caso fortuito e força maior, por ex. – e, por fim, a legitimidade para pleitear a indenização, a qual pertence às pessoas que suportam os reflexos negativos de fatos danosos, portanto, além do próprio ofendido, seus herdeiros, seu cônjuge ou companheira e os membros de sua família a ele ligados afetivamente.
Especificamente, em relação aos danos morais entre cônjuges, o sistema legal brasileiro não dispõe de regra prevendo expressamente à sua reparação, devendo, para que este pedido seja possível, ser usada a analogia, os conceitos e informações a respeito da reparação por danos morais através da regra geral prevista no art. 186 do Código Civil, sendo o pedido possível tendo em vista a amplitude do texto constitucional, o qual, corretamente, não enumerou taxativamente as possibilidades de dano moral, pois como já dizia Clóvis Beviláqua (1929 p.26):
“A fonte imediata do direito é a Lei. Esta, porém, por mais que se alarguem as suas generalizações, por mais que se espiritualize, jamais poderá compreender a infinita variedade dos fenômenos sociais que emergem da elaboração constante da vida e vêm pedir garantias do direito”.
Importante que seja dito, diante ao expressivo aumento no numero de ações por danos morais, que a indenização por dano moral não deve ser banalizada, não se deve desvirtuar o instituto do dano moral com ações infundadas e sem qualquer essência jurídica, devendo-se evitar que se invoque o aparato judicial ao menor desconforto ou dissabor, com ações descabidas que atravanquem a Justiça, que já é tão lenta.
Os nossos mais renomados tribunais corroboram o entendimento defendido neste trabalho, nesse sentido:
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ADULTÉRIO OU TRAIÇÃO. POSSIBILIDADE
O que se busca com a indenização dos danos morais não é apenas a valoração, em moeda, da angustia ou da dor sentida pelo cônjuge traído, mas proporcionar-lhe uma situação positiva e, em contrapartida, frear os atos ilícitos do infrator, desestimulando-o a reincidir em tal prática. Apelação conhecida, mas improvida. (TJ/GO – 1ª C. Cív., Ap. Cív. nº 56957-0/188, Rel. Des. Vitor Barboza Lenza, DJ 23.05.2001)
"Indenização. Dano moral. Separação judicial. Injúrias praticadas pelo cônjuge. Aplicação do art. 1.547 e seu parágrafo único do Código Civil. O dano moral, decorrente dos motivos que ocasionaram a separação judicial é indenizável" (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, EI 500360169, Rel. Des. José Barison, 1° Grupo de Câmaras Cíveis, 05/05/1989)
5.1 Danos extrapatrimoniais:
Com o avanço do Direito, começaram a surgir preocupações relativas à pessoa humana – portanto elementos dotados de imaterialidade - pois se verificou a possibilidade de ocorrência de danos a algumas esferas da pessoa humana, acarretando a necessidade de serem tuteladas.
Surgiram assim os “novos danos”, conhecidos como danos não patrimoniais, imateriais ou extrapatrimoniais, que subdividem-se em cinco; o dano existencial, o dano biológico, dano psíquico, o dano estético e o dano à privacidade. São entendidos como danos que lesionam interesses que não possuem natureza ou expressão econômica imediata, podendo vir a acarretar danos a pessoas singulares ou coletivas, inclusive as que possuem personalidade jurídica. O dano extrapatrimonial é gênero, enquanto o dano moral é espécie.
O dano existencial ocasiona uma alteração total ou parcial, prejudicial e involuntária no cotidiano da pessoa, podendo ter cunho temporário ou permanente.
Já o dano biológico constitui-se na lesão na pessoa vitimada, este dano via de regra será visível, como por exemplo, uma ferida ou fratura. Difere do dano à saúde, tendo em vista este tratar-se das conseqüências que a lesão pode gerar ao lesado, portanto, geralmente, invisível.
Existe um caráter patológico no dano psíquico, sendo resultante de transtornos mentais; como deterioração, transtorno, distúrbio ou disfunção, que vem a ocorrer quando há lesão à estrutura psíquica do lesado, se manifestando danosamente na saúde do individuo, afetando diversas esferas da pessoa – afetiva, intelectual, etc. - podendo ocasionar conseqüências extrapatrimoniais ou patrimoniais, ou até ambas. Insta salientar que tal lesão pode estar vinculada ou não a alguma agressão física.
Teresa Ancona Lopez conceitua de forma bastante clara o que seria o dano estético:
"Qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem, portanto, a uma dor moral".
Por fim, o dano à privacidade, que possui intima ligação com o principio fundamental da dignidade da pessoa humana, ao princípio da liberdade e com mais intensidaade aos direitos da personalidade.
5.1.1 Reparação e quantificação:
Antes da promulgação na Constituição Federal, pairavam duvidas quanto à possibilidade de ressarcimento do dano moral, duvidas estas que foram esclarecidas com o art. 5°, inciso X da mesma e, posteriormente, no ano de 2002, no art. 186.
A finalidade da indenização é a de impingir àquele que causou o dano a não praticar novamente atos lesivos à outrem e a de confortar o cônjuge ofendido. A indenização pelo dano moral realiza-se através de uma compensação pelo abalo da paz interior do ofendido e não de uma reparação/ressarcimento, pois não ocorre a eliminação do prejuízo e de suas conseqüências como na reparação, mas sim ocorre o agravamento do patrimônio do ofensor, proporcionando ao ofendido certo estado de ânimo satisfativo.
Quanto ao valor da indenização, prevê o Código Civil em seu art. 944, caput o seguinte:
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”
Através do supracitado artigo verifica-se que o real valor relativo à indenização deve ser analisado a partir da apuração do resultado, da extensão da lesão, a problemática reside no caráter da referida soma compensatória, que é bastante subjetivo. Por isso, o julgador, em sua posição de eqüidistância e imparcialidade, deve atentar-se aos critérios e os fatos, a realidade observada nos autos, baseando-se nas provas da instrução para poder assim haver uma equivalência entre o dano sofrido pelo ofendido e a culpa do ofensor. Por vezes, a verificação e perquirição da conduta lesiva há de ser objetiva, sendo suficiente para que seja decretada a sentença condenatória, a verificação da falta, sua intensidade e a causalidade desta com o dano sofrido pelo ofendido. Devendo, em ambas as situações o quantum arbitrado pelo juízo, respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observando-se ainda a posição econômica e política das partes, as conseqüências do fato danoso e a gravidade e reprovabilidade da conduta, para que assim não haja locupletamento indevido, tendo em vista que a verdadeira intenção é o justo equilíbrio entre reparação e punição, assim, gerando as conseqüências esperadas, quais sejam; compensatória, reparando o dano sofrido pelo ofendido, e punitiva, desestimulando o ofensor de cometer novos atos, consoante o posicionamento de Caio Mário da Silva Pereira:
"A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva." (Responsabilidade Civil, 2.ª ed., Rio de Janeiro : Forense, 1990, n. 45, p. 67).
Insta salientar que a finalidade da indenização em pecúnia não é o pagamento da dor sofrida pelo ofendido, mas sim a oportunidade de recompor a saúde psíquica, emocional e, algumas vezes, física do mesmo.
A alegação pelo ofensor, de ocorrência de perdão tácito por parte do ofendido (inércia ou permanência do mesmo no ambiente doméstico por período razoável) se comprovada, atenua bastante o alegado pelo ofendido.