INTRODUÇÃO
Tida como necessidade ínsita à concepção de viver em grupo, a existência e aplicação de sanção por descumprimento a regras de conduta sempre esteve presente na história dos povos. Em conformidade com o viés histórico-político-cultural de cada época para fins de compreensão do justo, a originação dessa necessidade, advinda da preocupação de determinados segmentos sociais privilegiados em sofrer pela ausência de aplicação de sanção a quem lhes interessasse, teve seu embrião traduzido, única e inicialmente, na repressão desmedida de comportamentos estabelecidos como repudiáveis.[1]
Qualquer que seja o momento histórico, todas essas manifestações de poder são importantes a fim de possibilitar o desenvolvimento do corpo social,[2] haja vista que, reproduzindo o conhecido brocardo inscrito por Ulpiano, ubi societas ibi jus, sendo a recíproca verdadeira (ubi homo ibi societas).[3]
Nas manifestações contemporâneas de poder, o Estado, ao tomar para si o jus puniendi, depois de percorridas as regras da lei processual penal, exaurida a etapa da investigação preliminar, aplica a lei penal substantiva, com a finalidade de, posteriormente, a pena ser executada, devendo sempre, qualquer que seja a fase dessa operação, ter por base as exigências dispostas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.[4]
Com anteparo nisso, a preocupação e relevância deste trabalho centra-se na conformação da interpretação do Código de Processo Penal, Decreto-Lei n. 3.689 de 3 de outubro de 1941, com as normas fundamentais inscritas no texto constitucional de 1988. A legislação infraconstitucional, dissociada das regras e princípios adotados pelo regime constitucional vigente, pode não ser o suficiente para, aplicada a uma situação concreta, produzir resultados justos, fazendo limitar, por conseguinte, os direitos e garantias inerentes à pessoa do condenado.[5]
Ora, não há justificativa para, diante de uma constituição republicana, que inaugurou a redemocratização no Brasil, continuarmos aplicando puramente uma lei criada enquanto vigia o Estado Novo, sob a égide da Era Vargas, não se adequando com a perene necessidade de implementação irrestrita de um Direito Penal e Processo Penal democráticos. Assim sendo, devido ao manejo pelo Estado se dar mediante a utilização de instrumentos legislativos retrógrados, frágil ou nenhuma garantia advém ao lidar com valores fundamentais da pessoa humana.
A partir da mencionada constatação, a ciência processual começa a apresentar ares de necessária constitucionalização. Como exemplo mais concreto e atual, o Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105 de 16 de março de 2015, com início de vigência em 18 de março de 2016. É do texto do Novo Código de Processo Civil o dispositivo inaugural segundo o qual, nada obstante seus demais preceitos: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil [...]”.[6]
A Lei n. 13.105 de 2015 revogou o antigo Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 5.869 de 11 de janeiro de 1973, concebido ao tempo da ditadura militar vigorante por cerca de três décadas. Não havia mais razão para um Código de Processo Civil com aquele espírito e forma. Não há mais razão para um Código de Processo Penal com espírito e forma assemelhados.
Ainda com mais fundamento, o Direito Processual Penal, se ausente ação legislativa para alteração ou revogação do código, deve ser lido à luz das regras e princípios constitucionais, de modo a arrojar os mecanismos garantistas de proteção da pessoa humana.
Com e sem tais balizas para interpretação do art. 623 do Código de Processo Penal, dividem-se doutrina e jurisprudência quando o assunto é a legitimidade ou não do Ministério Público para a propositura da ação de revisão criminal em prol do réu, porquanto ser o dispositivo em apreço omisso neste sentido.
Destarte, o objetivo insculpido neste trabalho consiste na investigação das correntes doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais destoantes, com a pretensão de apontar, em que pese os refinados argumentos em sentido contrário, a orientação que se afigura como a mais observante ao papel reservado ao Ministério Público pela Carta Magna de 1988, para fins de tutela do condenado via ação de revisão criminal, ao buscar a correção de erro judiciário inquinador de sentença penal condenatória ou absolutória imprópria transitada em julgado.
Enfim, o norte é saber se é razoavelmente aceitável a limitação do exercício da revisio pelo Parquet, porquanto, de um lado, a ordem jurídica foi violada, os direitos individuais indisponíveis do condenado foram postos ao relento, havendo a necessidade de correção do erro judiciário. Em contraponto, posiciona-se uma instituição eminentemente técnica, cujo mote principal deve ser a promoção da justiça.
O trabalho está assim subdividido: o primeiro capítulo é destinado à análise da revisão criminal, a considerar seu surgimento, adentramento no Brasil, desenvolvimento e tratamento pela legislação brasileira; o capítulo segundo trata do Ministério Público no Brasil, com ênfase no prisma histórico-constitucional de sua evolução, constituindo este ponto chave central para a compreensão do trabalho; por fim, no capítulo terceiro a legitimidade ou não do Ministério Público no Brasil para o ajuizamento da ação de revisão criminal em favor do réu, momento em que, ao levarmos em conta a omissão do Código de Processo Penal relatada neste trabalho, retomamos a discussão histórica do tratamento dado pela legislação constitucional e infraconstitucional, além de serem expostas as correntes de pensamento admissória e proibitiva, os posicionamentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e de cortes ordinárias de justiça e a possibilidade de alteração legislativa em sentido positivo.
O método investigativo utilizado consistiu na leitura de livros e artigos doutrinários das áreas do Direito Processual Penal e Direito Constitucional, bem como das subáreas da Revisão Criminal e do Ministério Público, acessadas ementas e votos prolatados em casos julgados pelos tribunais brasileiros, por suas cortes ordinárias ou superiores, além de textos legislativos em tramitação no Congresso Nacional, destinados à alteração pontual do Código de Processo Penal na parte em que toca a este trabalho, ou à sua revogação total para substituição por um novo, de modo que as informações, primeiramente, foram sintetizadas em fichamentos e depois aqui aplicadas.
1 DA REVISÃO CRIMINAL
1.1 ETIMOLOGIA, CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA, OBJETIVO, JUDICIUM RESCINDENS E JUDICIUM RESCISSORIUM
Etimologicamente, a palavra revisão é originada do latim revisio, que significa rever, ver, ver de novo,[7] de modo que “A revisio em sentido jurídico lato constitui-se no exame ou estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou harmonia com o direito ou com a verdade”.[8]
O conceito e a natureza jurídica justificam-se a serem estudados em tópico comum, na proporção em que a formulação do primeiro varia conforme o entendimento do autor no que tange à segunda.[9]
Não obstante a orientação do formulador do conceito, certo é que “A falibilidade dos juízos humanos explica e justifica a idéia revisora dos julgados criminais”,[10] uma vez que “A atividade jurisdicional, por melhor que seja, está sujeita a equívocos, pois o juízo humano, por mais precauções que se tomem, é inseparável do erro”.[11]
Destarte, para Paulo Rangel:
Do ponto de vista jurídico, podemos conceituar Revisão Criminal como sendo uma ação autônoma de impugnação da coisa julgada material, de índole constitucional, que visa a reparação de um erro (iudicando ou in procedendo) judiciário consagrado em uma decisão judicial.[12]
Relativamente à natureza jurídica, destaca Norberto Avena que:
A revisão criminal é medida que tem por objetivo a desconstituição da decisão judicial condenatória transitada em julgado.
Assim como ocorre em relação ao habeas corpus, também não possui natureza recursal, apesar de se encontrar prevista no Código de Processo Penal como tal. Traduz-se, enfim, como uma verdadeira ação penal de conhecimento de caráter desconstitutivo, de uso exclusivo da defesa, não sujeita a prazos e que pode ser deduzida, inclusive, após a morte do réu. Ademais, o próprio Código refere-se à procedência da revisão (art. 626 do CPP), nomenclatura esta própria de ações, pois quando se trata de recurso fala-se em provimento.[13] (grifos do autor)
Não é demais citar Paulo Rangel, que também conclui possuir a revisão criminal natureza jurídica de ação, senão vejamos:
A revisão criminal, não obstante encontrar-se, topograficamente, no Livro III, Título II, Capítulo VII, do CPP, não tem a natureza de um recurso, pois este pressupõe decisão NÃO transitada em julgado e é interposto dentro da mesma relação jurídico processual. Porém, a revisão criminal somente pode ser proposta após o trânsito em julgado e instaura uma nova relação jurídico-processual.
Assim, a natureza jurídica da revisão criminal é de uma ação autônoma de impugnação regida pelo processo de conhecimento, constitutiva negativa, cuja pretensão é de liberdade.[14] (grifos do autor)
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, endossam possuir a revisão criminal natureza jurídica de ação.[15]
Consoante anteriormente assinalado, malgrado posicionamentos contrários de parte da doutrina, a revisão criminal possui natureza jurídica de ação, e não de recurso. Em razão desta assertiva, sua posição topográfica no Código de Processo Penal incorre em equívoco.
Examinados a origem da palavra, conceito e natureza jurídica, como qualquer outro instituto jurídico, a revisão criminal possui uma razão de ser, um objetivo que lhe é peculiar, de modo a se justificar o ingresso em juízo com este instrumento. Com suporte em Eugênio Pacelli de Oliveira, tal como ocorre com os recursos:
[...] o Estado deveria sempre se preocupar com a possibilidade de revisão dos atos judiciais, quando comprovado o equívoco ou mesmo a injustiça da decisão. Em matéria penal, quando em risco a liberdade individual, direito fundamental da pessoa, semelhante preocupação seria ainda mais justificada.[16]
Se, por um lado, a coisa julgada é, em si, “[...] a garantia que a sociedade tem de que os litígios não se eternizem e, uma vez instaurado o processo, se alcançará a possível segurança do direito com a paz e a tranquilidade social que todos almejam e, principalmente, a justiça da decisão”,[17] por outro, por intermédio da jurisdição prestada, o pronunciamento final laborado pelo Estado não pode firmar-se ao espelhar situações jurídicas definitivas injustas, que ostentem a pecha do erro judiciário. A liberdade do indivíduo, e, consequentemente, a dignidade que lhe é inerente, devem ser colocadas em posição de destaque no ordenamento jurídico.
Com efeito, “Na revisão aflora, claramente, a prevalência do princípio da verdade material, judicial ou processual (real) que busca atingir a verdade substancial necessária, em detrimento da verdade formal da coisa julgada”.[18] É por esta razão fundamental, para que possam liberdade e segurança jurídica conviver em harmonia, que disserta Paulo Rangel, ao final citando Giuseppe de Luca:
A revisão criminal é a certeza que todo indivíduo tem de que o Estado, ao exercer seu poder punitivo, condenando-o injustamente fará, se provocado for, a devida correção do erro judiciário.
A revisão estabelece um equilíbrio entre o poder punitivo do estado e o direito de liberdade do cidadão, pois[19] não é o princípio da coisa julgada, mas aquele bem diverso do favor rei que informa e condiciona o tratamento legislativo do instituto da revisão.[20] (grifos do autor)
Portanto, com o reforço de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes:
Dois valores, que podem ser antagônicos, são levados em consideração para resolver situações críticas: de um lado, o valor da segurança, representado pela coisa julgada; de outro, o valor justiça, defendido pelo sistema recursal. Porém, às vezes, o sistema recursal pode não ser suficiente para estabelecer a justiça material, e é por isso que surgem remédios como a revisão criminal e a rescisória cível.[21]
Então, por assim ser o ordenamento jurídico, com relação ao objetivo, observa Paulo Rangel que:
A revisão criminal é o instrumento colocado à disposição do indivíduo para que ele possa resgatar seu status dignitatis, ou seja, sua dignidade enquanto pessoa. Assim, vivendo em um Estado Democrático de Direito, o indivíduo somente poderá perder a sua liberdade se forem respeitados todos os procedimentos previstos em lei, sob pena de não lhe garantirmos um princípio constitucional fundamental: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, o objeto da revisão criminal é exatamente a dignidade do indivíduo que, se atacada por um erro judiciário, deve ser restabelecida.
[...]
Portanto, a revisão criminal tem como objeto exatamente os direitos e garantias constitucionais, que, reunidos entre si, formam a dignidade da pessoa humana.[22]
Neste ínterim, Sérgio de Oliveira Médici, fulcrado na teoria do garantismo penal, assim pontifica:
Incontestavelmente, a possibilidade de rescindir sentença qualificada pela coisa julgada, mas fundada em erro, com a finalidade de restabelecer a verdadeira justiça, constitui importante elemento do sistema denominado garantismo penal, essencial no Estado Democrático de Direito.
No aparente conflito entre a segurança dos julgamentos findos e a busca da verdade real, desponta a revisão como instrumento que valoriza a justiça e assegura a dignidade da pessoa humana.[23] (grifos do autor)
Examinados tais pontos, o que pode ser entendido por judicium rescindens e judicium rescissorium? Didaticamente, Renato Brasileiro de Lima assim os diferencia:
[...]
a) juízo rescindente ou revidente: ocorre quando a decisão impugnada é desconstituída, funcionando como verdadeiro juízo de cassação;
b) juízo rescisório ou revisório: ocorre quando nova decisão é proferida em substituição àquela que foi rescindida, ou seja, há um juízo de reforma.
De acordo com o art. 626, caput, do CPP, julgado procedente o pedido revisional, é possível que o Tribunal altere a classificação do fato delituoso, absolva o acusado, modifique a pena ou anule o processo. Como se percebe, por meio da revisão criminal, o autor objetiva a desconstituição de sentença condenatória ou absolutória imprópria passada em julgado (juízo rescindente ou revidente), com sua consequente substituição por outra (juízo rescisório ou revisório), o que só não irá ocorrer quando o Tribunal anular a sentença (CPP, art. 626, caput, in fine), já que, nesse caso, o processo será devolvido à origem para que retome seu curso a partir da nulidade, salvo se já extinta a punibilidade.[24]
Pressupõe-se, assim, que determinado indivíduo pode vir a ser condenado irrazoadamente, injustiçado e vitimado que será por erro do Estado. E esta constatação é conducente à conclusão invariável de que o mesmo Estado, responsável pelo erro judiciário que lhe injustiçou e vitimou, não poderia furtar àquele mesmo jurisdicionado, ou, em última instância, à sociedade, instrumentos pré-concebidos para reversão de sua situação jurídica definitiva injusta.
É a revisão criminal, enquanto bandeira teórica e instrumental da credibilidade na realização da famigerada justiça, um dos mecanismos de consecução duma ordem jurídica (ideária, imaginária e programaticamente) justa, por constituir o último remédio face à definitividade de pronunciamentos jurisdicionais que poderiam firmar-se como errôneos.[25]
1.2 NOTÍCIA HISTÓRICA
1.2.1 Divergências quanto ao local de seu surgimento (direito primitivo ou romano), a formatação no direito canônico e seu renascimento no direito francês
O instituto jurídico-processual penal denominado revisão criminal, não diferente de grande parcela dos demais existentes no Direito em sua integralidade, sedimentou-se na história dos povos, ora conservando, ora inovando as características observadas hodiernamente.
Esteado em pesquisa desenvolvida por Sérgio de Oliveira Médici,[26] informa-nos Carlos Roberto Barros Ceroni que as primeiras manifestações de instrumentos assemelhados à revisão criminal ocorreram no direito primitivo, facilmente identificáveis por conterem os elementos do julgamento findo e erro judiciário, sem, todavia, apresentar a dita denominação. Neste diapasão, segundo o autor:
Na Índia, através das Leis de Manu, podia-se reformar uma decisão condenatória em caso de erro judiciário. Na Grécia antiga anulava-se uma sentença na hipótese da condenação ter por base um falso testemunho (falsa prova). O direito hebreu – por força da Lei de Moisés (lei escrita) e do Talmud (lei moral) – previa uma espécie de revisão de julgamento findo, com possibilidade de absolvição do condenado, em caso de alteração da legislação anterior (considerada falha), como também a possibilidade de novo julgamento se, no momento da execução da sentença, o réu apresentasse algum argumento em sua defesa (nova prova).[27]
Com o escopo de procedermos a reconstrução histórica correspondente ao surgimento da revisão criminal em sua forma rudimentar, para, mais a frente, desenharmos suas características inaugurais, adverte João Martins de Oliveira que:
Nos primórdios da organização da justiça criminal, o socorro aos injustiçados em sentenças errôneas era simples providência administrativa. Levava-se o fato ao conhecimento do soberano, a quem se suplicava a mercê de corrigir a decisão injusta. Nestes afastados tempos, o provimento revisional era “graça” do príncipe, que anulava a sentença injusta e ordenava outra fôsse proferida, com atenção aos novos elementos apresentados pelo condenado. Além de precária, pela sujeição a influências dos cortesãos; de incerta, por depender muito mais da benevolência do príncipe; e de morosa, à vista do acúmulo de atribuições do soberano, a interferência dêste nos serviços da justiça sòmente era justificada pela absorção de podêres ainda não perfeitamente distribuídos entre órgãos diversos, como aconteceu, posteriormente, na evolução da estrutura do Estado.
O aperfeiçoamento das organizações políticas e, conseqüentemente, a fixidade da autonomia do Poder Judiciário, impôs a abolição da medida administrativa e fêz surgir o remédio jurídico, que se faz necessário para combater a iniqüidade das decisões desacertadas. A legislação de quase todos os povos ainda conserva a interferência do Poder Executivo nos serviços da Justiça, através dos institutos da graça, do indulto e da anistia. Nos tempos em que a Justiça era exercida em nome do soberano, quando as leis impunham penas cruéis, e os métodos de apuração dos crimes eram rudimentares, explicável era que se entregasse o exercício da graça e de outros institutos ao Chefe do govêrno. Todavia, depois que o sôpro renovador das instituições trouxe para a justiça penal princípios da ciência social e humanizou as leis, formou-se a convicção de que as medidas de inexecução de sanções devem pertencer aos órgãos que têm a incumbência de estudar os casos de delitos.[28]
Mas, quando o assunto é proceder a uma investigação histórica do instituto em voga a partir do momento no qual passou, efetivamente, a apresentar contornos assemelhados aos da revisão atual, o direito romano é, para outros estudiosos, indicado como seu berço, uma vez que disciplinada de maneira mais avançada já ao tempo do Império.[29]
Assim é que, para Antonio Sydnei de Oliveira Junior:
[...] a provocatio ad populum (reclamação a uma assembléia popular) foi, em Roma, o ponto de partida para a revisão de certos julgados criminais, mormente em caso de pena capital ou de multa considerada muito grave. Com ela houve o primeiro impulso para a diminuição dos poderes dos magistrados, submetendo-se o condenado ao rejulgamento de sua causa por um Conselho do Povo Romano. Num outro momento da historiografia da Cidade Eterna, surgiu uma nova criação legislativa para o desfazimento da coisa julgada penal. Tratava-se da restitutio in integrum, pela qual aniquilavam-se todos os efeitos da anterior decisão condenatória. Em última instância, significava a volta ao estado anterior da causa já julgada, em decorrência da anulação dos efeitos da execução criminal.[30]
De mais a mais, observa Carlos Roberto Barros Ceroni que:
O direito romano (754 a.C. a 565 d.C.) previa alguns instrumentos que possibilitavam a reabertura de uma decisão condenatória injusta e definitiva, todavia o que mais se assemelha à revisão hodierna é a denominada restitutio in integrum (restituição por inteiro), de ampla aplicação no direito civil, mas que também, apesar da escassez de outras fontes literárias a respeito do processo penal romano, era um instrumento utilizado pelo condenado para obter a revogação da sentença de natureza penal (máxime nos dois últimos séculos da República), mesmo porque esta decisão não era, no sentido essencialmente jurídico, considerada irrevogável e podia, antes de sua execução, ser desconstituída a qualquer tempo pelo próprio magistrado ou pelo seu sucessor.[31]
Prossegue lecionando o aludido autor, para dizer que:
[...] considerando-se que a restitutio, ainda que singelamente, era também aplicada no âmbito do processo penal romano, podemos afirmar que ela é considerada o marco inicial patente da atual revisão, eis que tinha por principal objetivo, afastar a possibilidade de eternidade de eventuais lesões e injustiças cometidas pelas decisões dos tribunais romanos. Tinha por efeito anular a decisão atacada, colocando, assim, as coisas no seu devido lugar, conforme a situação anterior.
Há sérias dúvidas acerca da existência da restitutio in integrum em relação às sentenças absolutórias. Não se pode afirmar com certeza de que durante a vigência e aplicação do direito romano havia eventual e efetiva revisão pro societate. Induvidoso, porém, que a maioria dos pesquisadores descarta a possibilidade de existência de revisão de sentenças absolutórias, máxime em razão da característica essencialmente defensiva do instituto em apreço, em prol do condenado.[32] (grifos do autor)
Independentemente de como e onde tenha surgido, “[...] desde o seu nascedouro, a revisão foi criada para beneficiar o condenado, ou seja, como instrumento autêntico de defesa”,[33] não havendo divergência de que:
É de constatação meridiana que o instituto da revisio não se encontrava esboçado com os traços característicos, que o informa hodiernamente, mas era meramente rotulado como um espírito, que procurava afastar qualquer idéia de injustiça em relação àquele que foi injustamente condenado.[34]
Ultrapassado o primeiro ponto quanto ao seu surgimento, doutrina especializada aponta que a revisão concebida no direito romano influenciou, sobremodo, a revisão existente no direito canônico.[35]
Nesse sentido, são lições de Sérgio de Oliveira Médici:
A restitutio in integrum, como meio de revisão das sentenças firmes, proferidas em desrespeito à lei, foi introduzida no direito canônico no Ato VI das Signaturam Apostolicam e principalmente na Lei Gregoriana (§§ 1.057-1059), daí originando o cânone 1.905 do Código de 1917.
O recurso comum, previsto pela legislação canônica para modificar uma sentença, era a apelação. Havia, também, a querela nullitatis, espécie de recurso adequado nos casos de nulidade do processo. A restituição in integrum era considerada um meio extraordinário, pois propiciava a revisão da causa, após o trânsito em julgado da sentença. A concepção de coisa julgada, aliás, também originária do direito romano, foi acolhida pela legislação canônica.[36]
Ademais, o direito francês, além de se abeberar, em termos, das fontes romanas, inaugurou o chamado renascimento da revisão criminal. Com suporte em Florenço de Abreu,[37] que noticia a inexistência da revisão criminal no período medieval, no qual imperava os “juízos de Deus”, Carlos Roberto Barros Ceroni prossegue:
Somente a partir do século XVI é que surgiu naquele país, através das ordenanças de 1539 e 1667, as denominadas propositions d’erreur (proposições de erros), consideradas o embrião renascente da revisão criminal. Com a promulgação da Ordenança de 1670, passou-se a reconhecer em todos os julgamentos definitivos, a despeito das regras e penalidades bárbaras existentes, o direito dos réus inocentes obterem a revisão das sentenças injustas e a reintegração na posse de seus bens, reputação e nome. Esta revisão era permitida em caso de erro material sobre a pessoa do condenado e nas hipóteses de erro de direito e de fato. Ela podia ser interposta, inclusive, após a morte do sentenciado.[38] (grifos do autor)
É importante realçar o referido dado histórico, pois, como assinala o mestre italiano Vicenzo Manzini, citado por Heráclito Antônio Mossin, “Posto que não se possa negar que o instituto da revisão fosse conhecido na Itália antes da revolução francesa, é por outro indubitável que essa, na sua forma moderna, chegou entre nós importada da França”.[39]
Com João Martins de Oliveira, podemos aditar que:
Nos países latinos, mormente na Bélgica, a legislação acompanhou tôda a evolução que o instituto recebeu na França. Disto resultou que os países latinos-americanos, pela orientação do direito vigente nas antigas metrópoles, ganhou sistematização para o instituto bem assemelhada à francesa. Quase todos ficam colocados na classe a que Alimena deu o nome de moderna, porque afastam a interferência do poder executivo.[40]
Averbamos, por fim, com Sérgio de Oliveira Médici, que “O modelo francês de revisão dos julgados criminais findos influenciou as legislações de diversos países europeus, como Espanha, Bélgica, Itália, Suíça, Portugal, bem como de nações latino-americanas”.[41]
1.2.2 Adentramento no direito brasileiro
Tecidas as anotações sobre o surgimento da revisão criminal, impende analisar a forma pela qual se deu seu adentramento no direito brasileiro.
O instituto jurídico que hoje denominamos, sem ressalvas, de revisão criminal, segundo magistério de Heráclito Antônio Mossin, passou a ser assim chamado em terras brasileiras a partir do regime republicano. Antes, à época do Império e na vigência das ordenações de Portugal, era conhecido por recurso de revista, chegando-se, todavia, ao registro do doutrinador português Manoel de Almeida e Souza de Lobão, que utilizava as duas expressões como sinônimas.[42]
Dada a fase histórica preliminar, “Na época em que o Brasil era colônia de Portugal, a legislação reinol incidia sobre nosso país permitindo a revisão dos processos findos, consoante as normas traçadas pelas Ordenações”.[43] Desta feita, “[...] na época das Ordenações predominavam três espécies de revistas: revista de justiça (revisio de iustitia), revista de graça (revisio ex speciale gratia principis) e revista de graça especialíssima [...]”.[44]
Acerca das espécies supramencionadas, sentencia, didaticamente, João Martins de Oliveira que:
Nos tempos coloniais, predominou no Brasil, pela legislação reinícola, a orientação traçada pelas Ordenações que permitiam revisão de processos, desde que houvesse licença do príncipe. Nas Ordenações Afonsinas, o instituto aparece e mantém-se nas Ordenações Manoelinas e Filipinas – revisio de iustitia e revisio ex speciale gratia principis. A Constituição de Portugal, em 1822, passou ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para conceder revistas criminais, e, após a independência, a Constituição do Império Brasileiro, art. 164, criou o recurso de revista que veio a ser regulado pela lei de18 de setembro de 1828 e decretos posteriores de 1830, 1833 e 1838. As Ordenações Filipinas, Livro 3, tit. 95, continham a disciplina da revista, mas estabeleciam no parágrafo 11: “E de sentenças dadas em casos de crimes não haverá petição de revista...” O remédio para atacar decisões injustas dependia então das rogações dirigidas ao soberano. A mencionada lei de 18 de setembro de 1828 admitiu a revista, quando no julgamento em última instância houvesse violação da lei e tanto podia ser interposta pelas partes como pelo Procurador da Coroa.[45]
No regime republicano, ensina-nos Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes que “Foi o Decreto 848, de 11.10.1890, que introduziu na legislação brasileira a revisão dos processos criminais findos em que houvesse sentença condenatória, com atribuição da competência ao Supremo Tribunal Federal”.[46]
A lição dos referidos mestres, além de ratificada, é complementada por João Martins de Oliveira, ao pontificar que:
A revisão entra no direito brasileiro, ao instaurar-se no país o regime republicano. O Ministro da Justiça Manuel Ferraz de Campos Sales expediu o decreto n.º 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a justiça federal e dispôs no art. 9: “compete ao Tribunal (Supremo Tribunal Federal): III – Proceder à revisão dos processos criminais em que houver proferido sentença condenatória definitiva, qualquer que tenha sido o juiz ou tribunal julgador. Em parágrafos dêste, encontram-se normas sôbre a revisão.[47]
Pois bem. Até então analisamos o adentramento da revisão criminal no Brasil. Passamos, em sequência, ao seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro.
1.3 O TRATAMENTO DADO PELO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E PELAS CONSTITUIÇÕES PASSADAS E ATUAL À REVISÃO CRIMINAL
O Código de Processo Penal cuidou da revisão criminal a partir do art. 621, no Livro III (Das Nulidades e dos Recursos em Geral), Título II (Dos Recursos em Geral), Capítulo VII (Da Revisão). Consta de sua disciplina: hipóteses de cabimento (art. 621); prazo para propositura (art. 622); legitimidade para ajuizamento (art. 623); efeitos (arts. 626 e 627); possibilidade de formulação de requerimento para eventual reconhecimento de direito a indenização (art. 630); e, nos demais dispositivos do capítulo VII, a forma pela qual a revisão criminal será processada.
Como examinado anteriormente, há divergência doutrinária no que se refere à natureza jurídica da revisão criminal, não a considerando parte da doutrina como recurso, mas como ação autônoma de impugnação, pelo que haveria, em razão disso, manifesto equívoco em sua posição topográfica no Código de Processo Penal. O mesmo não ocorreu com o Código de Processo Civil anterior e atual, nos quais, cada um a seu tempo, a matéria consistente no instrumento hábil à rescindibilidade da coisa julgada (ação rescisória) foi melhor subdividida em local topograficamente diverso da disciplina dos recursos.
Ao descortinar o prisma constitucional de previsão da revisão criminal em constituições pretéritas, pondera João Martins de Oliveira que:
Embora as Constituições, promulgadas posteriormente, não dêem ao instituto o relêvo que lhe emprestava a de 1891, o certo é que, através de normas que traçam a competência dos altos Tribunais, fazem referência à revisão. Assim é que a Constituição de 1934, no art. 76, ... 3.º – À Côrte Suprema compete... rever, em benefício dos condenados, nos casos e pela forma que a lei determinar, os processos findos em matéria criminal, inclusive os militares e os eleitorais, a requerimento do réu, do Ministério Público ou de qualquer pessoa. A Constituição de 1946 [...], estabelece, nos arts. 11, n.º IV e 103, n.º III, a competência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Federal de Recursos para “rever, em benefício dos condenados, as suas decisões criminais em processos findos”.[48]
Expostas as previsões constantes das constituições de 1891, 1934 e 1946, importa explanar, ainda, que:
A Constituição de 1937 não cogitou do instituto da revisão, no entanto, tirou do Supremo Tribunal Federal a competência privativa para o processo e julgamento das revisões. Foi durante a sua vigência que surgiu o atual Código de Processo Penal que adotou a revisio em benefício dos réus e conferiu competência a todos os tribunais do país para conhecê-la e julgá-la.
[...]
A Constituição oriunda do movimento revolucionário de 1964 não cogitou da revisão criminal.
A Carta Magna de 24.1.1967, voltou a mencionar o remédio (arts. 114, I, m, e 117, I, a), no que foi acompanhada pela Emenda Constitucional n. 1, de 17.10.1969 (arts. 119, I, m, e 122, I, a).[49]
Considerações mais apuradas merece a Constituição Federal de 1988, já que nela:
A revisão criminal, apesar de não estar prevista expressamente no art. 5º [...], está embutida no § 2º do referido dispositivo, porque decorrente do regime e dos princípios por ela adotados, como também daqueles oriundos da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 – Pacto de San José da Costa Rica (arts. 10 e 25.1) –, da qual o Brasil é signatário e, portanto, seus mandamentos foram elevados a nível constitucional. Assim, entre nós, a revisão possui natureza de ação constitucional e é reconhecida como um direito subjetivo individual do condenado.
Outrossim, a nossa atual Carta Magna, em diversos outros dispositivos, consagrou, implícita e obrigatoriamente, a adoção da revisão criminal em lei ordinária, a saber: a) os arts. 102, I, j; 105, I, e; e, 108, I, b, conferem competência aos tribunais federais para processar e julgar as revisões; b) o art. 5º, LV prevê o princípio da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes dentre os quais está, evidentemente, a revisão acolhida pelo Código de Processo Penal, ainda que impropriamente, como recurso; c) o art. 5º, LXXV prevê a indenização do condenado por erro judiciário, o qual, em matéria penal, é reconhecida justamente através do processo revisional (art. 630 do CPP).[50] (grifos do autor)
Com efeito, calha recordar com Paulo Rangel que:
A revisão criminal é a antítese da coisa julgada, pois, enquanto esta visa a evitar que a decisão que solucionou o caso penal seja reexaminada no mesmo processo, ou reaberta em outro processo entre as mesmas partes, aquela visa a exatamente rediscutir, reabrir a questão que, até então, estava solucionada; porém, em decorrência de um erro judiciário, necessário é que a sociedade reabra aquela discussão e estabeleça a verdade dos fatos.[51]
A partir do magistério registrado acima, com esteio em Renato Brasileiro de Lima, podemos afirmar que:
A revisão criminal assume contornos de garantia fundamental do indivíduo, na forma de remédio constitucional contra condenações injustas. Com efeito, a Constituição Federal refere-se expressamente à revisão ao cuidar da competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (art. 102, I, "j", e art. 105, I, "e", respectivamente). Implicitamente, também se refere a ela quando estabelece que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (CF, art. 5°, LXXV).
Essa previsão constitucional da revisão criminal apresenta-se necessária, porquanto a coisa julgada também conta com assento constitucional (CF, art. 5°, XXXVI). Ora, como a revisão visa à desconstituição da coisa julgada, caso não fosse dotada de previsão na própria Constituição, poder-se-ia dizer que a coisa julgada deveria prevalecer por se tratar de garantia expressamente prevista na Carta Magna.[52]
Com esta sorte, a ausência de previsão expressa no rol do art. 5º da Constituição Federal, por si só, não nos permite concluir pelo retrocesso da importância dada à revisão criminal. Muito ao contrário: sua força normativa decorre, primeiro, do sistema adotado pela Carta Magna de 1988, e, depois, de sua concreção histórica como instrumento jurídico destinado à correção de erros judiciários, por ser o último remédio em benefício do réu-condenado-vitimado.
Daí porque, a fim de coroarmos este tópico, para reforçar o que antes examinado, Guilherme de Souza Nucci averbar que a revisão criminal “Tem alcance maior do que o previsto na legislação ordinária, adquirindo, igualmente, o contorno de garantia fundamental do indivíduo, na forma de remédio constitucional contra injustas condenações”.[53]
1.4 HIPÓTESES DE CABIMENTO, PRAZO PARA PROPOSITURA, REITERAÇÃO DO PEDIDO, COMPETÊNCIA E EFEITOS
A respeito dos pressupostos essenciais para o ajuizamento da ação de revisão criminal, sistematiza Sérgio de Oliveira Médici que:
No direito brasileiro, que jamais admitiu a revisão pro societate, três são os pressupostos essenciais do pedido revisional, todos expressamente indicados no art. 621 do Código de Processo Penal:
1.º - existência de sentença condenatória irrecorrível (coisa julgada de autoridade relativa) a ser revista;
2.º - configuração de erro no julgamento impugnado;
3.º - pedido formulado em favor do condenado.[54] (grifos do autor)
Os incisos do art. 621 do Código de Processo Penal estabelecem as hipóteses de cabimento da ação de revisão criminal. Com isso, “Só em casos excepcionais, taxativamente arrolados pelo legislador, prevê o ordenamento jurídico a possibilidade de desconstituir-se a coisa julgada por intermédio da ação de revisão criminal [...]”.[55]
Criticando os termos do caput do dispositivo supra, Sérgio de Oliveira Médici pontua que “A expressão processo findo, empregada pelo vigente Código de Processo Penal, é inadequada, pois pode sugerir tanto o que foi concluído por sentença, como também o que foi extinto (ou arquivado) sem julgamento de mérito”.[56] Na verdade, prossegue o autor, “Quando a lei alude a processo findo [...] está se referindo àquele julgado por decisão irrecorrível, isto é, em que se configurou a coisa julgada”.[57] Diferentemente, e acertadamente, na visão do mencionado autor, “As legislações processuais de Portugal e Espanha empregam a expressão decisão firme ou sentença de condenação firme para se referir ao julgamento com trânsito em julgado”.[58]
Objetivamente, são hipóteses legais de cabimento, nos moldes delineados pelo art. 621 do Código de Processo Penal:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.[59]
Não obstante a mencionada taxatividade:
Por força do estatuído no art. 626, caput, parte final, também são admitidas, como causa de pedir da revisão, as nulidades absolutas (insanáveis e de prejuízo presumido) e as nulidades relativas (não convalidadas, nos termos do art. 572, do CPP e que ocasionaram efetivo prejuízo ao condenado).[60] (grifos do autor)
Ademais, mesmo não havendo previsão legal expressa:
A doutrina é pacífica no sentido de também se admitir o ajuizamento da revisão criminal em face de sentença absolutória imprópria com trânsito em julgado. Afinal, tal decisão, conquanto classificada como absolutória, tem inegável carga condenatória, já que submete o acusado ao cumprimento de medida de segurança (CPP, art. 386, parágrafo único, III), verdadeira espécie de sanção penal.[61]
Há doutrina especializada que não concorda com a taxatividade do rol do art. 621.[62] Nos referimos a Antonio Sydnei de Oliveira Junior, para quem:
Longe dessa antiquada orientação restritiva do emprego da revisão criminal, somos forçados a seguir a trilha do liberalismo jurídico, sem deixarmos de ser legalista. Muitas vezes, interpretar certa disposição normativo-processual é ir além do que nela restou explicitado pelo legislador em seu estágio inicial de vigência. A bem dizer, a instituição de um elemento jurídico novo, no passado desconhecido do outrora autor da regra legal, por sua impossível e momentânea consideração, torna obsoleta a expressão legal dando ensejo ao indispensável uso da interpretação judicial, para a distensão de seu atual território de alcance. Em palavras mais claras: a fórmula normativo-processual, a partir de seu nascedouro, pela adição de fatores supervenientes a ela, deve ser ajustada, a fim de acobertar com seu manto o maior número de casos possíveis, afastando de si a precoce obsolecência.[63]
Uma das diferenças substanciais em relação à rescisória do processo civil é a questão afeta ao prazo para a propositura, o que implica em considerar o instituto da decadência. Enquanto o art. 975 do Código de Processo Civil fixa o prazo de 2 (dois) anos para o ajuizamento da ação rescisória, dispõe o art. 622 do Código de Processo Penal, que “A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após”,[64] não se sujeitando, pois, a prazo decadencial.
Salvo se fundado em novas provas, disciplina o parágrafo único do art. 622 do Código de Processo Penal ser inadmissível novo pedido de revisão criminal. Nas palavras de Heráclito Antônio Mossin:
[...] o que o texto legal sob consideração procura vedar e coibir é uma nova versão dos fatos embasada nas mesmas provas, com isto convertendo a reiteração da revisão ad infinitum.
Logo, somente será admissível a reprodução do pedido consubstanciado em idêntico suporte legal, quando estiver ele instruído com novas provas.
Por outro lado, nada impede que se reitere o pedido quando fundado em fulcro jurídico diverso do primeiro, ou seja, com outro fundamento jurídico.[65]
Os órgãos jurisdicionais competentes, na forma do art. 624 do Código de Processo Penal, para o processamento e julgamento da ação de revisão criminal, sendo certo que o procedimento observará o disposto no art. 625 do aludido estatuto, e ao regimento interno dos tribunais, estão previstos tanto na Constituição Federal como no diploma infraconstitucional antes mencionado. Assim é que:
Em linhas gerais o tribunal é competente para processar e julgar revisão criminal de seus próprios julgados e, também, de sentença de 1º grau contra a qual possui atribuição de julgar eventual recurso ordinário interposto. A competência para o processo e julgamento da revisão criminal é sempre de um órgão colegiado da jurisdição togada.
[...]
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não são competentes em relação aos julgados de outros tribunais. Isto significa que, quando se manifestam em recurso extraordinário ou recurso especial acerca da qualificação jurídica dos fatos, sem fazer, contudo, qualquer exame da prova, não se tornam competentes para conhecer e julgar recurso de revisão criminal de competência do tribunal de origem.[66]
Por serem segmentos especializados, a competência da Justiça Militar e Eleitoral são definidas em legislação própria, respectivamente, quanto aos tribunais superiores, no Código de Processo Penal Militar (art. 554 do Decreto-Lei n. 1.002/69) e Código Eleitoral (art. 364 da Lei n. 4.737/69).
São cristalinos os arts. 626 e 627 do Código de Processo Penal, ao disciplinarem os efeitos da revisão criminal:
Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.
Parágrafo único. De qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista.
Art. 627. A absolvição implicará o restabelecimento de todos os direitos perdidos em virtude da condenação, devendo o tribunal, se for caso, impor a medida de segurança cabível.[67]
Também, o art. 630 do Código de Processo Penal, à luz do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ao tratar do pleito pelo interessado perante o tribunal de justa indenização pelos prejuízos sofridos, traz espécie de efeito da revisão criminal decorrente de sua procedência. Com esta observação, registra Renato Brasileiro de Lima que:
Por essa indenização, que será liquidada no cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pelo Poder Judiciário da União, ou seja, pela Justiça Federal, pela Justiça Militar da União, pela Justiça Eleitoral ou pela Justiça Comum do Distrito Federal. Caso a condenação tenha sido proferida pela Justiça Estadual, aí compreendida a Justiça Militar Estadual, ao respectivo Estado caberá o dever de indenizar.[68]
Ao que interessa a este trabalho, finalizado o estudo de alguns aspectos gerais sobre a revisão criminal, passamos à abordagem sobre o Ministério Público.
2 DO MINISTÉRIO PÚBLICO
2.1 SURGIMENTO DA INSTITUIÇÃO, ADENTRAMENTO E DESENVOLVIMENTO INICIAL NO DIREITO BRASILEIRO
A doutrina não é uníssona ao afirmar, com precisão, o local e momento histórico de surgimento da instituição denominada Ministério Público. Neste sentido, explana Paulo Gustavo Gonet Branco:
As dificuldades que rondam o estudo do Ministério Público começam já com desafio de se indicar a sua precisa origem histórica, que é retrocedida, por vezes, ao Egito Antigo, onde se descobriram funcionários do rei, encarregados de, em nome do soberano, reprimir rebeldes e proteger os cidadãos pacíficos, dando curso a acusações e buscando a verdade. Indica-se, em outras ocasiões, o berço do Ministério Público em figuras da vida política da Grécia Antiga. Há os que situam as raízes do Ministério Público na Idade Média. Estes aludem ao "comum acusador" (Gemeiner Anklager), figura germânica que exercia a acusação, quando o particular não perseguia o seu ofensor. A doutrina converge, entretanto, em apontar, como origem mais provável do órgão, a Ordenança francesa de 25 de março de 1 3 02, de Felipe IV, o Belo. Ali, exigiu-se dos Procuradores do Rei que prestassem o mesmo juramento dos juízes, o que os impedia de patrocinar outras causas além das de interesse real. Aos poucos, esses Procuradores foram deixando de ser meros defensores dos interesses privados do monarca para se transformarem em agentes do poder público junto aos tribunais.[69]
Em síntese histórica, relativamente ao adentramento no Brasil, bem como no que tange ao albergue recebido pelos primeiros atos normativos editados, disserta Uadi Lammêgo Bulos que:
[...] foi o Alvará de 7 de março de 1609 que criou o Tribunal de Relação da Bahia, inaugurando as figuras do procurador dos feitos da Coroa e do promotor de justiça.
Em 1832, com o Código de Processo Criminal do Império, houve rápida referência ao nomem juris “promotor da ação penal”.
Nascia, assim, o Ministério Público brasileiro, regulamentado, depois, pelo Decreto n. 120, de 21 de janeiro de 1843, que prescrevia os critérios de nomeação dos promotores.
Com a Consolidação Ribas, de 1876, apareceu na segunda instância procurador da Coroa, que não tinha o status de chefe dos procuradores.
Mas foi durante a primeira república, por obra do Ministro da Justiça do Governo Provisório, Campos Salles – o precursor da independência do Ministério Público pátrio –, que foi editado o Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, o qual veiculou a reforma da Justiça brasileira, atribuindo à instituição ministerial contornos de grande importância para a época.
Nesse mesmo ano de 1890, também veio a lume o Decreto n. 1.030, que implementou, definitivamente, o Ministério Público no Brasil.[70]
Passamos, em sequência, ao exame de seu desenvolvimento constitucional e disciplina no direito brasileiro.
2.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
O estudo deste tópico é de extrema importância para a compreensão deste trabalho, haja vista que o Código de Processo Penal vigente, editado ao tempo da Era Vargas (Estado Novo), sob a égide da Carta de 1937, data do ano de 1941, período no qual, como analisado, não recebeu o Parquet a merecida importância.
Com efeito, Pedro Rui da Fontoura Porto[71] nos dá o panorama inicial da instituição ministerial em terras brasileiras, ao ditar que:
Sinteticamente, pode-se asseverar que há formas embrionárias da instituição no Brasil Colônia e no Brasil Império, mas naquele tempo não possuía uma organização autônoma, garantias ou independência dos seus membros, então nomeados pelo Executivo. Não se reconhecia o Ministério Público como uma instituição, havendo referência apenas aos “promotores públicos”, de forma que, não referidos na Constituição Imperial de 1824, o primeiro Decreto, que regula a atuação destes agentes, é o de n°. 120, de 21 de janeiro de 1843, onde se constata a ausência absoluta de garantias e de independência em relação ao Poder Executivo [...].[72]
A evolução constitucional do Ministério Público se deu a passos lentos, em conformidade, em especial, com a intercalação de períodos democráticos pelos quais o Brasil passou. Por oportuno, diga-se, isso escancara a preocupação dos governantes com os poderes que poderiam ser conferidos ao Ministério Público. Neste norte, realça Pedro Rui da Fontoura Porto:
O que se pode afirmar desde um panorama resumido da história institucional do Ministério Público brasileiro é que, em que pese os avanços e recuos de sua regulamentação constitucional, a instituição sempre manteve aquelas funções que, legal e socialmente, conquistara junto ao Poder Judiciário, firmando-se como uma necessidade da organização estrutural do Sistema de Justiça no Estado brasileiro, que ultrapassava sua condição legal momentânea, ditada ao sabor dos interesses políticos de cada fase histórica.[73]
A Carta Imperial de 1824 não cuidou da instituição; a Constituição de 1891 o mencionou somente para dizer que o Procurador-Geral da República seria escolhido pelo Presidente da República dentre os integrantes do Supremo Tribunal Federal (art. 58, § 2º); a de 1934, positivamente para a época, o concebeu como um dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais (arts. 95 a 98); pela Carta de 1937, na Era Vargas, recebeu previsão em artigos esparsos, por exemplo, a teor do art. 99, pelo qual o Procurador-Geral da República podia ser livremente escolhido e demitido, portanto, não lhe tendo sido dada muita importância naquele contexto jurídico, razão pela qual experimentou retrocesso;[74] o Ministério Público retomou sua importância na Constituição democrática de 1946, na qual ganhou título próprio (arts. 125 a 128), “[...] com preceitos de organização, ingresso por concurso público, garantias de estabilidade e inamovibilidade, escolha do Procurador-Geral, ao qual incumbiu a representação de inconstitucionalidade”.[75]
Façamos um paralelo entre a Carta de 1937 e a Constituição de 1946. A Carta de 1937, e, portanto, o contexto histórico então vivenciado, foram determinantes para a elaboração, tal como ainda hoje se apresenta, do Código de Processo Penal, que, como dito, data do ano de 1941. Em reforço, por ser inegável a diminuta importância dada pela Carta de 1937 ao Ministério Público em comparação com a Constituição de 1946, ressalta Pedro Rui da Fontoura Porto que:
Ainda no Governo do Presidente Getúlio Vargas, a Constituição outorgada de 1937, todavia, regrediu em relação ao texto anterior, omitindo o regramento anterior e, apenas vagamente, mencionando a livre escolha do procurador-geral da República pelo chefe da Nação, situando o Ministério Público como “agente do Poder Executivo”, função que viria a desempenhar com vigor no regime militar pós 1969. A expansão institucional que a carta anterior, em sua curta existência anunciava, acabou refluindo no Estado Novo.
[...]
A Carta de 1946, que coincide com o fim do primeiro governo de Vargas e com a redemocratização do país, deu ao Ministério Público um status equiparável apenas ao da Constituição de 1988, disciplinando-o em título próprio, sem vinculação a qualquer dos poderes do Estado. Como costuma ocorrer nas Cartas democráticas, na regulamentação de 1946, o Ministério Público passou a contar com as garantias de estabilidade e inamovibilidade, fixando-se regras de ingresso na carreira por concurso de provas e títulos.[76]
Vale dizer, com João Cancio de Mello Junior:
Confirmando assertiva anterior, sobre a minimização do Ministério Público nos momentos históricos em que a democracia é colocada sob as sombras, a Constituição de 1937 referiu-se a ele de maneira superficial, num único dispositivo (art. 99) [...].
Além desse dispositivo, somente há previsão de competência do Supremo Tribunal Federal para julgar o Procurador-Geral da República (art. 100, I, b) e a referência à participação do Ministério Público no chamado quinto constitucional (art. 105).
Como se percebe, focalizando-se pela ótica da evolução institucional do Ministério Público, a Constituição de 1937 representou um flagrante retrocesso em relação à Constituição de 1934, sem falar que o único dispositivo que cuida da instituição (art. 99) está contido na seção que trata do Poder Judiciário, mais especificamente sob a epígrafe do Supremo Tribunal Federal.[77]
Após o golpe militar de 1964, editada a Carta de 1967, foram mantidas, no geral, as conquistas advindas com a Constituição de 1946, tendo sido, todavia, colocado em seção dentro do capítulo do Poder Judiciário (arts. 137 a 139); “Com a Emenda Constitucional n. 1/69, o Ministério Público passou a integrar o capítulo do Poder Executivo (arts. 94 a 96), com aumento de atribuições do chefe da instituição, que poderia ser nomeado e demitido livremente, pelo Presidente da República”;[78] com o advento da Emenda Constitucional n. 7/77, que conferiu nova redação ao art. 96, previu-se a existência de lei complementar, de iniciativa do Presidente, de modo a estabelecer normas gerais que seriam adotadas para a organização do Ministério Público Estadual, sendo que, nesse meio tempo, foram conferidos mais poderes ao Procurador-Geral da República.[79]
2.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SUAS ATRIBUIÇÕES NA ÁREA PENAL
O Ministério Público foi tratado na Constituição Federal de 1988 no Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo IV (Das Funções Essenciais à Justiça), Seção I (Do Ministério Público).
Percebe-se, simplesmente por sua estrutura, que a Constituição Federal destacou o Ministério Público dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, conferindo-lhe, pois, disciplina em posição topográfica distinta. Essa virada de ideologia, que culminou na observada positivação constitucional, deve-se à reabertura democrática.
Com efeito, registra Hugo Nigro Mazzilli[80] que:
Depois de um longo trabalho de acompanhamento dos trabalhos constituintes, foi total o sucesso. A Constituição de 1988 foi um marco fundamental na história do Ministério Público brasileiro, ao assegurar-lhe relevo que jamais texto constitucional algum nem de longe tinha conferido à instituição, mesmo no Direito comparado. Pela primeira vez, a Lei Maior disciplinou de forma harmônica e orgânica o Ministério Público nacional e suas principais atribuições, conferindo-lhe garantias de Poder de Estado. A independência e as autonomias da instituição deixaram de ser buscadas como meras vantagens corporativas, para serem alçadas, antes, a condições práticas para o livre exercício de suas funções no Estado Democrático de Direito.[81]
Neste diapasão, preleciona Natália Masson que:
A Constituição da República de 1988 dispensou ao Ministério Público tratamento especial, colocando-o a salvo dos demais Poderes e assegurando à instituição e aos seus membros autonomia e independência na busca da realização dos interesses da sociedade. Fortaleceu-o institucionalmente para oportunizar a efetivação dos elevados fins que caracterizam a destinação constitucional dessa importantíssima instituição da República, a quem compete defender a ordem jurídica, proteger o regime democrático e zelar pelos interesses sociais e individuais indisponíveis.
[...]
Em consonância com as lições doutrinárias majoritárias, temos que o Ministério Público não integra nenhum dos Poderes estatais, afinal, e especialmente em virtude da autonomia funcional e administrativa que lhe foi concedida pelo poder originário, ele não se insere com adequação em nenhuma dessas três esferas do poder estatal. Seria, pois, uma instituição independente e autônoma, uma tipologia especial de poder estatal que não se inclui na estrutura de nenhum dos Poderes tradicionais (Legislativo, Executivo e Judiciário).[82] (grifos da autora)
Dado o seu relevo no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, Uadi Lammêgo Bulos assevera que:
De todas as funções essenciais à Justiça a mais difícil é a do Ministério Público, principalmente no Brasil, onde a Constituição Federal alargou-lhe, sobremodo, a esfera de competência.
[...]
Certamente, a Carta de Outubro poderia ser apelidada de a Constituição do Ministério Público. Do ângulo constitucional positivo, nunca se viu tanta atenção ao Parquet como agora.
[...]
Pela primeira vez um texto constitucional brasileiro disciplinou, enfaticamente, a estrutura orgânico-funcional da instituição, as principais regras relativas ao seu funcionamento e atribuições. Acresça-se a isso o alargamento de seu campo funcional, que ocupou lugar destacado no panorama do Estado brasileiro.[83] (grifos do autor)
O Ministério Público, pois, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, é “[...] instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
A Constituição Federal enuncia expressamente os princípios institucionais do Ministério Público no art. 127, §1º: unidade, indivisibilidade e independência funcional.
Alexandre de Moraes identifica também o princípio do promotor natural. Ademais, segundo o autor:
Os princípios institucionais do Ministério Público devem ser analisados e interpretados em relação a cada um dos ramos do Parquet- MPU (com suas quatro previsões: MPF, MPT, MP/DF e MPM) e MPEs -, uma vez que inexiste hierarquia entre eles, mas tão somente distribuição constitucional de atribuições.[84]
A teor do art. 128, § 5º, I, da Constituição Federal, são garantias dos membros do Parquet, ipsis litteris:
a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;
c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;[85]
Os membros do Ministério Público podem exercer funções além das que estão arroladas no art. 129 da Constituição Federal,[86] visto que, nos dizeres de Alexandre de Moraes:
[...] o rol constitucional é exemplificativo, possibilitando ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.[87]
Especificamente, explica Uadi Lammêgo Bulos que:
Na área penal, deu-se-lhe o encargo privativo de interpor a ação penal pública; o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar; o poder de requisitar diligências investigatórias; a determinação de instaurar inquérito policial; o dever de indicar os fundamentos jurídicos das manifestações processuais.[88]
O Código de Processo Penal, nos incisos de seu art. 257, estabelece que incumbe ao Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública e fiscalizar[89] a execução da lei.[90]
Isto posto, salta aos olhos a modéstia do Código de Processo Penal quanto ao âmbito de disciplina ante a Constituição Federal, o que pode ser compreendido por ser aquele anterior a esta, que alargou as funções do Ministério Público.
3 DA (I)LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL EM FAVOR DO RÉU
Afinal, a ordem jurídica confere legitimidade ao Ministério Público para ajuizar a ação de revisão criminal em favor do réu? Crivada a indagação, o presente capítulo destina-se à análise da problemática objeto do trabalho.
Necessário frisar que no primeiro tópico abaixo não iremos adentrar propriamente ao problema, mas apenas traçar alguns de seus contornos. Assim, inicialmente, serão conceituadas a legitimidade ativa e passiva.
Ademais, também no tópico seguinte, visando emoldurar o que pode representar o erro judiciário na vida do injustamente condenado, não poderíamos deixar de trabalhar trecho da obra “As Misérias do Processo Penal”, de Francesco Carnelutti.
O objeto controvertido do trabalho, enfim, será versado em tópicos próprios, nos quais iremos incursionar, preambularmente, às correntes proibitiva e admissória, para, só depois, direcionarmos a defesa àquela linha de pensamento que reputamos como a mais observante ao papel reservado ao Ministério Público pela Carta Magna de 1988.
3.1 LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA E IDEIAS GERAIS SOBRE A REPERCUSSÃO DO ERRO JUDICIÁRIO
Pela regra legal, no art. 623 do Código de Processo Penal estão previstos os sujeitos que podem ajuizar a ação de revisão criminal em prol do condenado. Assim, na definição de Carlos Roberto Barros Ceroni:
A legitimidade ou legitimação é a capacidade de ser parte em um processo como autor ou como réu, em relação a um litígio e, por isso, fala-se em legitimidade ativa e passiva. Só os titulares dos interesses em conflito têm direito à prestação jurisdicional e ficam obrigados a subordinar-se, no caso, ao poder ou império estatal.[91]
No que tange à legitimidade ativa, prossegue o autor antes citado:
[...] está ligada àquele que invoca a tutela jurisdicional. Ela pode ser ordinária (quando requerida pelo próprio titular do interesse deduzido na pretensão) e extraordinária (quando pleiteada pelas demais pessoas, que não são titulares do direito aduzido na inicial). Assim, na revisão criminal, ex vi do art. 623 do Código de Processo Penal, o réu tem legitimação ordinária e os demais sujeitos ali enumerados têm legitimidade extraordinária.[92]
Para Renato Brasileiro de Lima, a legitimidade passiva:
[...] é do Estado ou da União, a depender da Justiça responsável pelo decreto condenatório: se a condenação tiver sido proferida pela Justiça Federal, pela Justiça Militar da União, pela Justiça Eleitoral ou pela Justiça Comum do Distrito Federal, a legitimação recairá sobre a União; caso a condenação tenha sido proferida pela Justiça Estadual, aí compreendida a Justiça Militar Estadual, o estado-membro ocupará o polo passivo. Afinal, como é possível que, do julgamento da revisão criminal, resulte a condenação do referido ente a uma indenização pelo erro judiciário, deve ser reconhecida sua legitimidade passiva.
Há quem entenda que a Fazenda Pública (União, Distrito Federal ou estado-membro) não deve ser citada para se defender no âmbito da revisão criminal, já que o Ministério Público ocuparia o polo passivo na revisão criminal, representando o interesse penal do Estado e o interesse civil da Fazenda Pública. A nosso juízo, tal interpretação é incompatível com a Constituição Federal, já que é vedada ao Parquet a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (CF, art. 129, IX). Na verdade, o Ministério Público não é citado para contestar a demanda, atuando, na verdade, como fiscal da lei, prevendo o CPP a abertura de vista dos autos para que possa se manifestar (CPP, art. 625, § 5°).[93]
Antes da exposição das duas correntes de pensamento existentes na doutrina e jurisprudência, que colocam em evidência a controvérsia objeto deste trabalho, de rigor compartilharmos, como preocupação primordial, do pensamento de Francesco Carnelutti, em relação à tarefa sem igual do julgador e dos demais atores do processo penal. No dizer do mestre italiano:
Tanto mais grave é a deficiência [do sistema de justiça criminal], que agora se pôs às claras, enquanto o imputado não é culpado que a declaração de sua inocência é o único modo para reparar o dano que injustamente lhe ocasionou. Verdadeiramente, se não cometeu o delito, significa que não deve ser absolvido nem sequer deveria ser acusado. Não terá existido malícia por parte de quem suspeitou dele; terá sido um daqueles erros aos quais, infelizmente, nós, homens, estamos irreparavelmente sujeitos; a culpa será das circunstâncias que enganaram a polícia, o Ministério Público, o juiz instrutor; mas, em suma, existiu um erro; a sentença de absolvição por não ter cometido o fato ou por inexistência do delito contém não somente a declaração da inocência do imputado, mas, ao mesmo tempo, a confissão do erro cometido por aqueles que o arrastaram ao processo. Por pouco que se reflexione, aparece claro que os erros judiciários, ainda de grande importância, são muito mais numerosos como se crê. Todas as sentenças de absolvição, excluída a absolvição por insuficiência de provas, implicam a existência de um erro judicial.[94]
Demais disso, ainda com palavras mais incisivas a respeito da pecha do erro judiciário, prossegue o renomado processualista:
As pessoas, quando ouvem falar de erro judicial, pensam no pobre padeiro, isto é, no erro descoberto depois da condenação, durante a expiação e inclusive quando o condenado terminou de cumprir a pena. Estes são, certamente, os casos mais dolorosos; mas formam parte de uma séria incomparavelmente mais numerosa. Com as estatísticas nas mãos, e posto que todas as providências de absolvição se resolvem na comprovação de um erro judicial, viriam à luz que fariam estremecer. As pessoas, quando o juiz absolve, especialmente nos processos célebres, elogiam a justiça; e têm razão, porque é sempre uma fortuna e um mérito dar-se conta do erro, mas, entretanto, o erro ocasionou seus danos, e que danos! Estes danos quem os repara? Não se deve confundir, certamente, a culpa com o erro profissional; isto quer dizer que os equívocos, que não se devem atribuir à imperícia, à negligência, à imprudência, senão, pelo contrário, à insuperável limitação do homem, não dão lugar à irresponsabilidade de quem as comete; mas é precisamente esta irresponsabilidade a que assinala outro aspecto em demérito do processo penal. É um fato que este terrível instrumento, imperfeito e imperfectível, expõe um pobre homem a ser levado ante o juiz, investigado, não poucas vezes arrastado, separado da família e dos negócios, prejudicado para não dizer arruinado ante a opinião pública, para depois nem sequer ouvir desculpas de quem, ainda que sem culpa, perturbou e em ocasiões destroçou sua vida [...]. Menos mal quando o erro é reconhecido relativamente rápido, antes do debate, com a absolvição por parte do juiz instrutor ou, pelo menos, ao final do debate de primeiro grau; mas não são raros os casos nos quais, depois de uma primeira condenação, a absolvição chega mais tarde, ao final de uma via crucis, que não é raro que dure alguns anos: aquele diplomático italiano, que foi acusado de ter matado a sua mulher na Tailândia, passou quatorze anos em prisão preventiva antes que, com a absolvição pronunciada, há tempos, pela Corte de apelação de Bolonha, reconheceu-se sua inocência.[95]
Fixadas as premissas gerais do capítulo derradeiro do trabalho, guiados pelas luzes de Francesco Carnelutti, eis o drama do processo penal. A revisão criminal afigura-se, pois, como o último remédio colocado à disposição do condenado para reversão de sua situação jurídica definitiva injusta.
3.2 POSIÇÃO PROIBITIVA
O art. 623 do Código de Processo Penal, ao tratar dos legitimados ativos para requerer a revisão criminal, não traz em seu bojo o Parquet. Desta feita, prevê o aludido dispositivo que “A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão”.[96]
Anteparando-se no dispositivo legal antes transcrito, parte da doutrina nacional inclina-se em não considerar o Ministério Público detentor de legitimidade para tal mister.
Com esta perspectiva, assim disserta Guilherme de Souza Nucci:
Não nos afigura razoável, como entendem alguns (Médici, Revisão criminal, p. 155; Ada, Magalhães e Scarance, Recursos no processo penal, p. 311), que o Ministério Público possa constituir parte ativa nessa modalidade de ação. A lei não o autoriza a agir, diferentemente do que ocorre no processo, quando atua como parte, podendo recorrer, inclusive, em favor do acusado. Finda a relação processual, transitada em julgado a sentença, não há mais cabimento em se admitir ação proposta por representante do Ministério Público. Perdeu o interesse, visto inexistir direito de punir do Estado nessa ação. Pudesse ele “recorrer” (como sustentam alguns, somente porque a revisão está prevista no contexto dos recursos no Código de Processo Penal), então deveria também ser ouvido, quando a ação de revisão criminal fosse proposta pelo próprio condenado, o que não ocorre. Colhe-se o parecer do Procurador Geral de Justiça, mas não se busca a contestação ao pedido, feita pelo promotor. Logo, inexiste razão para que este ingresse com ação desse porte. Aliás, para quem concebe que, no pólo passivo está o Ministério Público, como admitir a mesma instituição ingressando com a ação? Estaria ela nos dois pólos ao mesmo tempo, o que não nos afigura razoável.[97] (grifos do autor)
O citado doutrinador alicerça suas ilações fulcrando-se, dentre outros fundamentos, em julgado lavrado pelo então Tribunal de Alçada de Minas Gerais:
O promotor de justiça não possui legitimidade para requerer revisão criminal, direito personalíssimo das pessoas elencadas pelo art. 623 do CPP, limitada a sua atuação ao âmbito da primeira instância, na forma da Lei Orgânica do Ministério Público (TAMG, incorporado pelo TJMG, Revisão 123.166-3, Ibiraci, Grupo de Câmaras, rel. Schalcher Ventura, 12.02.1992, v.u., RT 694/375).[98]
Desenvolvendo linha de raciocínio assemelhada, para Aury Lopes Junior:
Sobre a possibilidade de o Ministério Público interpor a revisão criminal, para além da polêmica doutrinária e jurisprudencial existente, pensamos ser uma patologia processual. Não se discute aqui os nobres motivos que podem motivar um promotor ou procurador a ingressar com a revisão criminal, senão que, desde uma compreensão da estrutura dialética do processo (actum trium personarum) e do que seja um sistema acusatório, é uma distorção total. Não vislumbramos como possa uma parte artificialmente criada para ser o contraditor natural do sujeito passivo (recordemos sempre do absurdo de falar-se de uma parte-imparcial no processo penal), ter legitimidade para a ação de revisão criminal, a favor do réu, para desconstituir uma sentença penal condenatória que somente se produziu porque houve uma acusação (levada a cabo pelo mesmo Ministério Público, uno e indivisível). Não é necessário maior esforço para ver a manifesta ilegitimidade do Ministério Público. Ainda que se argumente em torno da miserável condição econômica do réu, nada justifica. O que deve ser feito é fortalecer-se a defensoria pública. Aqui está o ponto nevrálgico da questão: para tutela do réu, deve-se fortalecer o seu lugar de fala, potencializar a sua condição de obtenção de tutela jurisdicional e não sacrificar o sistema acusatório e a própria estrutura dialética do processo, legitimando que o acusador o defenda...[99]
Consoante visto, os referidos autores não admitem o ajuizamento da ação de revisão criminal pelo Ministério Público em favor do réu, invocando, em síntese, a ausência de previsão legal expressa no ordenamento jurídico.
Afora outros posicionamentos doutrinários em sentido convergente,[100] óbice também poderia ser denotado a partir do julgamento prolatado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, que destacamos a seguir:
REVISÃO CRIMINAL - LEGITIMIDADE. O Estado-acusador, ou seja, o Ministério Público, não tem legitimidade para formalizar a revisão criminal, pouco importando haver emprestado ao pedido o rótulo de habeas corpus, presente o fato de a sentença já ter transitado em julgado há mais de quatro anos da impetração e a circunstância de haver-se argüido a competência da Justiça Federal, e não da Justiça Estadual, sendo requerente o Procurador da República.[101]
Máxime gizar que, após a discussão do aludido caso pelo Supremo, aquela corte de justiça não mais revisitou a temática.[102]
A seguir, a corrente de pensamento que admite o ajuizamento.
3.3 POSIÇÃO ADMISSÓRIA
A partir da simples leitura do caso julgado pela mais alta corte do País, o Supremo Tribunal Federal, bem como do art. 623 do Código de Processo Penal, e dos posicionamentos doutrinários antes selecionados, dissociada de outras fontes jurídicas combativas, reputar-se-ia a existência de óbice intransponível à pretensão Ministerial, não fossem elementos outros neste tópico ventilados.
Face ao julgamento levado a cabo pelo Supremo Tribunal Federal, é crescente alguns tribunais estaduais, e, também, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, se depararem e enfrentarem a temática, concluindo em sentido oposto, qual seja, pela legitimidade do Parquet para a propositura da ação de revisão criminal em favor do réu.[103] Para ilustrar, selecionamos os seguintes julgados:
REVISÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 226, II, DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DA REDAÇÃO DADA AO DISPOSITIVO PELA LEI Nº 11.106/05 A FATOS OCORRIDOS ANTES DE SUA VIGÊNCIA. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. IRRETROATIVIDADE. REVISÃO CRIMINAL PROCEDENTE. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. 1. A legitimidade do Ministério Público para propor revisão criminal em favor dos condenados decorre do art. 127, caput, da Constituição da República, que lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Precedente do TJPI. [...].[104]
REVISÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - NULIDADE - INEXISTÊNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO - O Ministério Público é parte legítima para propor revisão criminal, posto que, conforme a Constituição da República, deve funcionar como defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. [...].[105]
Do ponto de vista doutrinário, dando amparo aos diversos julgados selecionados,[106] lecionam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, destacando a peculiaridade da possibilidade de impetração de habeas corpus[107] e interposição de recurso pelo Ministério Público em favor do réu:
Na ausência de previsão expressa da lei, grande parte da doutrina entende não estar o Ministério Público legitimado à ação de revisão. Mas há posições mais abertas (Tourinho Filho), no sentido de que o posicionamento do Ministério Público no processo penal brasileiro – como parte parcial que é, mas também como órgão de justiça e fiscal da lei, investido freqüentemente de poderes defensivos – também o legitima à ação em favor do réu. Por outro lado, a omissão da lei explica-se pelo fato de o Código rotular a revisão entre os recursos, tendo o Ministério Público ampla legitimidade para recorrer (art. 577).
O problema seria também de interesse processual do parquet à ação de revisão em favor do réu, mas, como já se admite seu interesse no recurso para beneficiar a defesa e no habeas corpus, não há por que negar o mesmo interesse em obter uma sentença justa pela via revisional.[108]
De se averbar, ademais, o ensinamento de Eugênio Pacelli de Oliveira:
[...] não vemos razão alguma para não se admitir a legitimidade do próprio Ministério Público para a ação de revisão. Dizer que falta previsão no Código de Processo Penal não resolve a questão, porquanto, conforme já tivemos oportunidade de salientar tantas vezes, a Constituição da República promoveu verdadeira revolução copérnica no processo penal brasileiro, sobretudo em relação às garantias individuais e ao papel do Ministério Público, órgão inteiramente imparcial em relação às questões penais. É nesse sentido decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG – Revisão Criminal- Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Rel. Desª Jane Silva, julgado em 13.11.2006). Por isso, e como compete ao MP zelar pela defesa da ordem jurídica (art. 127, CF), tem ele atribuição para impedir a privação da liberdade de quem esteja injustamente dela privado, seja por meio de habeas corpus, seja pela via da revisão criminal.[109] (grifos do autor)
Tal qual Eugênio Pacelli de Oliveira, Paulo Rangel, que retira o suporte da legitimidade diretamente da Constituição Federal de 1988. São suas palavras:
[...] não há a menor dúvida que, por força da Constituição, tem o Ministério Publico legitimidade para requerer a revisão criminal em favor do restabelecimento da ordem jurídica violada com um erro judiciário, pois a legitimidade não é em favor do condenado, mas, sim, a favor da reintegração do ordenamento jurídico agredido com o erro judiciário. A entrega ao condenado do seu status dignitatis é consequência do agir ministerial. A legitimidade do Ministério Público deflui da interpretação sistemática do Código de Processo Penal, que, no seu art. 257 c/c 385 c/c 577 c/c 654, autoriza o Ministério Público a agir na defesa da liberdade, bem como da Lei Orgânica Nacional do Ministério Publico - Lei nº 8.625/93 - em seu art. 32, I, legitima os promotores de justiça a ingressarem com habeas corpus perante os tribunais e seria um contra sensu sustentarmos que não legitima para ingressar com a revisão criminal. Pois, onde existe a mesma razão fundamental há de aplicar-se a mesma regra de direito, ou seja: a razão é a garantia da liberdade do indivíduo, sua dignidade enquanto pessoa, e tanto o habeas corpus quanto a revisão criminal são instrumentos postos pela ordem jurídica para tal garantia.
Até porque é sabido por todos da possibilidade de o Ministério Público interpor recurso em favor do acusado (entenda-se em favor do restabelecimento da ordem jurídica violada - cf. item 13.9.2.2. letra e, supra). Ora, se pode recorrer em seu favor porque não propor revisão criminal também na sua defesa? Não há razão lógica para tal proibição, a não ser a lógica do absurdo, muito adotada por alguns autores.
Assim, há legitimidade para o Ministério Público propor a revisão criminal, porém o operador do direito deve olhar tal legitimidade pela Constituição e não pelos olhos pequenos da lei ordinária. Aliás, tem sido comum, nos dias de hoje, a interpretação “pequena” da lei ordinária, sem uma visão sistemática dos postulados constitucionais. A principiologia básica da ordem jurídica está na Constituição e dela vamos extrair os princípios necessários para compreendermos a lei ordinária, e não o contrário. Um verdadeiro Estado Democrático de Direito somente poderá ser construído se o seu alicerce for formado pelos princípios constitucionais. Do contrário, haverá Estado de Direito, mas não democrático e muito menos constitucional. Há que se fazer uma interpretação do art. 623 do CPP conforme a Constituição.[110] (grifos do autor)
Finalizada a exposição, restam claras as duas correntes de pensamento existentes na doutrina e jurisprudência nacional, cada qual com seus argumentos. Em sequência, seguimos à defesa da corrente admissória.
3.4 DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL EM FAVOR DO RÉU
Ao inaugurar a defesa da posição admissória, imprescindível trazer à baila o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o Ministério Público se revela não simplesmente como órgão de pura acusação, que só atua contra o réu, ao revés das circunstâncias, mas, sobretudo, como instituição promotora de justiça, no sentido literal do termo:
RESP - PROCESSUAL PENAL - MINISTÉRIO PÚBLICO - RECURSO EM FAVOR DO RÉU - LEGITIMIDADE - O MINISTÉRIO PÚBLICO, COMO INSTITUIÇÃO, NÃO É ACUSADOR, NO SENTIDO VULGAR DO TERMO. TECNICAMENTE, POR IMPERATIVO CONSTITUCIONAL, FAZ A IMPUTAÇÃO, PARA AVERIGUAR, PRESENTES O CONTRADITÓRIO E A DEFESA PLENA, O FATO, COM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS. JURIDICAMENTE, NÃO ESTÁ JAMAIS CONTRA O RÉU. AO CONTRÁRIO, CONFLUEM INTERESSES, A FIM DE EVITAR O ERRO JUDICIÁRIO. BUSCA A VERDADE REAL, A DECISÃO JUSTA. EM CONSEQUÊNCIA, EVIDENCIA-SE A LEGITIMIDADE PARA RECORRER EM FAVOR DO RÉU.[111]
Na linha do acórdão acima adesivado, observa José Afonso da Silva que “O Ministério Público vem ocupando lugar cada vez mais destacado na organização do Estado, dado o alargamento de suas funções de proteção de direitos indisponíveis e de interesses coletivos”.[112] Em complemento, Fernando da Costa Tourinho Filho preleciona que:
Desarrazoada é, pois, a opinião daqueles que entendem que a função do Ministério Público é acusar sempre, embora não convencido da responsabilidade do réu. “Su misión no es hallar una cabeza culpable, sino que la ley sea aplicada moderada y rectamente” (Riquelme, Instituciones, cit., p. 261). Com efeito. Não tendo o Estado maior interesse na acusação que na defesa, devendo o Ministério Público observar os deveres de lealdade e objetividade em relação com a verdade e a Justiça, sua atuação deve desenvolver-se com a máxima equanimidade.[113]
Com efeito, ainda quanto às reais finalidades do Parquet, para Pontes de Miranda:
Trata-se de ofício particularmente ativo, a que não se pode emprestar, sem grave deformação semântica, o significado de órgão coordenador de atividades governamentais. Só coopera. ¿Que é que o Ministério Público coordenaria? Ele não ordena, nem, tampouco, coordena. Ele promove, postula, pede, impetra, litiga. Nenhum ato dele é de ordenação, ou de coordenação. É de promoção. A atividade, a que se possa aludir, é sua, e consiste em promover. O velho termo Promotor era expressivo. A atividade ou é positiva ou negativa (= de defesa).
Certo, é essencial ao ofício do Ministério Público promover; e esse promover é tão essencial à vida das sociedades contemporâneas, e cada vez o será mais intimamente, que constitui atividade obrigatória.[114] (grifos do autor)
Por já ter existido controvérsia acerca da possibilidade de interposição de recurso por parte do Ministério Público em benefício do réu, aproveitando-nos de suas lições, assim escreveu Afrânio Silva Jardim:
Se parte é quem pede ou em face de quem se pede a tutela jurisdicional diante de uma determinada pretensão, não temos dúvida em afirmar que o Ministério Público é parte autora na ação pública. Nosso conceito de parte é menos amplo do que o de sujeito da relação processual, o que abrange também os terceiros. Nesse sentido, veja-se Leo Rosemberg, in “Tratado de Derecho Procesual Civil”, Buenos Aires, 1955, E.J.E.A., trad. da edição alemã de 1951, por Angela Romera Vera, pág. 211.
Entretanto, no processo penal, o Ministério Público desempenha duas funções que se complementam: exercita o direito de ação e busca um resultado justo. O Ministério Público manifesta a pretensão punitiva na ação condenatória e pugna pela correta aplicação da lei aos fatos provados, isto tanto na ação condenatória como em várias espécies de ações penais não condenatórias.[115]
Mais adiante, prossegue o festejado professor:
Por outro lado, embora parte do processo penal, o Ministério Público desempenha função ainda mais nobre: pugna pela correta aplicação das leis aos casos concretos . Ao Estado não interessa executar uma sentença penal condenatória injusta. Isto está bem claro em diversos dispositivos legais, deles se podendo extrair os princípios democráticos que inspiram o nosso sistema processual.
Realmente, em síntese lapidar, o nosso Código de Processo Penal, deixa consagrado, em seu art. 257, que ao Ministério Público compete promover e fiscalizar a execução. Coerente com tal postulado, foi outorgada legitimação ativa ao Parquet para propor a ação de habeas corpus (art. 654), bem como opinar livremente pela absolvição do réu (art. 385). Não seria lógico que o Ministério Público pudesse postular a absolvição do acusado no primeiro grau de jurisdição e não o pudesse fazer no segundo grau, através de seu recurso.
[...]
[...] malgrado tenha formulado uma imputação, o Ministério Público deve buscar a verdade dos fatos e a correta subsunção deles à norma jurídica aplicável. O escopo da atividade jurisdicional do Estado é a tutela do ordenamento jurídico, conforme leciona Calamandrei, nas suas “Instituciones de Derecho Procesal Civil”, E.J.E.A., 1973, vol. 1.º, pág. 176. Assiste integral razão ao mestre italiano quando assevera que “el Estado defiende com la jurisdición sua autoridad de legislador”. (ob. cit. pág. 175). Não é por outro motivo, que o art. 1.º da citada Lei Complementar n. 40, de 1981, organiza o Ministério Público como instituição permanente e essencial à atividade jurisdicional, como fiscal da ordem jurídica.
A pretensão punitiva, destarte, está manifestada na denúncia de forma provisória, embora não possa ser retirada da apreciação judicial em face do princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Instaurado o processo, a pretensão punitiva funciona como uma mera proposta, vez que tudo agora há de girar em torno da verdade real, princípio reitor do processo penal moderno.
O Ministério Público utiliza-se do método dialético para chegar à verdade, mormente na fase postulatória. Ao final, contudo, deve pronunciar-se imparcialmente sobre o pedido formulado na peça inaugural, postulando a efetiva realização da justiça e utilizando-se dos meios processuais disponíveis para alcançá-lo. O recurso é um destes meios.[116]
Por evidente, o Órgão Ministerial assume posição de destaque no contexto do Estado Democrático de Direito em voga. Deve, sobretudo, promover a justiça, seja pela via recursal, seja pela via revisional.[117]
Prescindindo de maior esforço hermenêutico, pela sistemática do Código de Processo Penal, portanto, do ponto de vista da intenção do legislador, o Parquet é parte legítima para ajuizar a ação de revisão criminal em benefício do condenado.
Dito isso, valendo-nos da posição encampada, dentre outros, por Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes,[118] a revisão criminal possui a mesma natureza jurídica que a do habeas corpus, para o qual o Ministério Público é legitimado.[119] Outrossim, embora se trate de ação autônoma de impugnação, por restar topograficamente contida na parte dos recursos, a legitimidade advém do art. 577 do Código de Processo Penal.[120] A partir destas premissas, qual a razão de não estar ele legitimado?
Caso não acolhida a tese da legitimidade genérica advinda da sistemática do Código de Processo Penal, impende verticalizar ao problema sob outra ótica, haja vista a diminuta importância dada ao Ministério Público pela Carta de 1937, vigente nos idos de 1941, ano da elaboração do Estatuto Processual Penal.[121]
Pois bem. A proteção da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, é o autêntico e soberano baluarte do moderno Estado Democrático de Direito. Demais disso, a dignidade da pessoa humana assoma-se ao objetivo fundamental da busca incessante pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I).
Para a consecução do aludido fim, surgem as instituições concebidas pelo Estado, dentre as quais o Ministério Público, este com incumbência singular no contexto assinalado, nos termos resguardados pelo art. 127 da Constituição Federal. Neste toar, afirma Gregório Assagra de Almeida que:
Na condição de uma das grandes diretrizes do pós-positivismo, o neoconstitucionalismo aponta a constituição como Norma Fundamental, superando a visão de mera Carta Política. A Constituição deixa de ser mero capítulo da Política, mas, sim, esta é que passa a ser um instrumento de realização daquela para a proteção e a implementação dos Direitos Fundamentais.
A Constituição Federal brasileira de 1988 está inserida no que é denominado neoconstitucionalismo. Nela foi consagrado um novo perfil do Ministério Público brasileiro, atrelado à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput).
Com isso, no Brasil, o Ministério Público tornou-se uma das grandes instituições constitucionais de promoção social, de forma que sua atuação funcional está atrelada aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos expressamente no art. 3º da CF/88, tais como a criação de uma sociedade justa, livre e solidária; a erradicação da pobreza, a diminuição das desigualdades sociais etc.[122]
A revisão criminal, com esta perspectiva, adquire especial importância como instrumento de garantia do indivíduo perante situações jurídicas findas injustas laboradas pelo Estado, a comprometerem a liberdade do jurisdicionado, ante a violação da ordem jurídica decorrente do erro judiciário.
Isto posto, não ignoramos que o atual Código de Processo Penal, Decreto-Lei n. 3.689, datado dos idos de 3 de outubro de 1941, que está em vigor desde 1º de janeiro de 1942, de há muito se encontra ultrapassado.[123]
Ora, não há razões para continuar a ser aplicado puramente um Código de Processo Penal, cuja exposição de motivos do então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Francisco Campos, assim expressa:
De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha‑se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinquem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico‑penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal‑avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal‑compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal.
As nulidades processuais, reduzidas ao mínimo, deixam de ser o que têm sido até agora, isto é, um meandro técnico por onde se escoa a substância do processo e se perdem o tempo e a gravidade da justiça. É coibido o êxito das fraudes, subterfúgios e alicantinas. É restringida a aplicação do in dubio pro reo.[124] (grifos na obra)
Repisamos, na esteira do magistério de Antonio Sidney de Oliveira Junior, já transcrito,[125] que o Código de Processo Penal vigente está mais que ultrapassado. Prosseguimos com o citado autor, para averbar que:
Ao ser editado, nos idos de 1941, o Código de Processo Penal, o legislador daquele tempo não poderia imaginar que em 1988, ainda vigorante sua envelhecida obra, uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita pela vontade do povo, com pompas cidadãs, reestabeleceria o Estado Democrático de Direito, assegurando a todos o valor supremo Justiça. Inevitavelmente, a par disso, uma nova decifração impõe-se para com primazia bem delimitar, no cotidiano presente, os reais fins a serem colimados pelas já adoentadas regras relativas à revisão criminal. Exigível que se lhes restabeleça a saúde, revigorando-as com o aclaramento e a flexibilidade jurídicas, a partir da significativa evolução do direito hoje constitucionalizado.[126]
Nesta ordem de raciocínio, irrepreensível é a lição de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, in verbis:
O Código de Processo Penal vigente (Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941), vindo a lume em pleno Estado Novo, em que a intervenção do Estado na esfera privada foi dramaticamente ampliada, demonstrando o traço político que o marcou, não estava, como não poderia estar, livre das influências políticas da época, constitucionalizadas pela Carta de 1937.
[...]
Aí está a nota essencial do Estado Novo e do Código: a primazia do interesse do Estado sobre o interesse do cidadão. Como se não fosse o Estado o meio para a consecução do bem comum, qual seja, a concretização do bem-estar e das potencialidades do cidadão.
[...]
[...] o País de hoje não é o mesmo que aquele de 1941; a Constituição não é aquela de 1937; não vivemos, ao menos no momento, sob o influxo de golpes de Estado, mas com eleições diretas em todos os níveis, para as quais até os analfabetos e os menores entre 16 e 21 anos concorrem, formando um volume de eleitores jamais alcançado na história política do Brasil.
Por influência da Constituição, muitas foram as reformas feitas no Código de Processo Penal nos últimos anos, mas ainda se pode dizer que resistem concepções e práticas autoritárias, não vencidas por mas de duas décadas de vigência da Carta.[127]
Com esta sorte, em abono à corrente admissória, podemos afirmar com Américo Bedê Freire Junior:
Impende lembrar que todos os dispositivos legais devem ter como suporte de validade e de interpretação a Constituição Federal, deveras ela é o início, o meio e o fim da ordem jurídica (pós) moderna.
Não se pode buscar a definição da legitimidade ou não do Ministério Público a partir de um único artigo feito à época do Estado-Novo.
O perfil constitucional do Ministério Público garante a sua legitimidade para a propositura de revisão criminal.
Lembremos que ficou no passado a imagem do promotor de justiça como acusador oficial. O Promotor é cônscio de sua missão na proteção da sociedade combatendo a criminalidade, todavia o faz respeitando os direitos humanos, o princípio da intervenção mínima do direito penal, a tipicidade, culpabilidade e proporcionalidade/individualização da pena, ou seja não se acusa por acusar, mas o faz na medida da necessidade para a sociedade.
Destaca-se que o Ministério Público atua sempre visando a proteção à materialização da justiça, afinal pode indiscutivelmente requerer o arquivamento do inquérito policial ou, ainda, pedir a absolvição do réu. Que razão excepcional justificaria o bloqueio à revisão criminal?
Não se deve argumentar que o Ministério Público pode impetrar habeas corpus a favor do réu e, portanto, é despicienda a legitimidade para a ação de revisão criminal. Tal justificativa não convence, até porque o réu pode também utilizar o remédio constitucional do habeas corpus e geralmente não o faz, em virtude de que, neste caso, o habeas corpus não é o remédio mais eficaz.
Sempre que estiver presente uma das restritas hipóteses de cabimento de utilização da ação impugnativa contra a res judicata penal, o Ministério Público tem o dever de propor a revisão criminal.
Frise-se que o sucesso da atuação do parquet não é medido pelo número de anos impostos na condenação criminal, mas sim pela realização de justiça. Se esta não foi alcançada, como se verifica pelo cabimento da revisão criminal, tem que existir mecanismos para que o Ministério Público continue a lutar para que ela seja atingida, sendo então inexorável o reconhecimento da legitimidade para a propositura de revisão criminal.[128]
A militar ao lado dos mencionados posicionamentos jurisprudenciais contemporâneos,[129] e juntamente da parcela convergente da doutrina, é necessária a sinalização para a premente alteração legislativa que se avizinha.
Por oportuno, convém lançar mão das palavras de Gustavo Britta Scandelari, registradas em trabalho publicado sobre o tema, ao tratar da Constitucionalização do Processo Penal:
A constitucionalização do processo penal é indispensável. Cada vez mais endereçado pelos especialistas, esse assunto é de discussão obrigatória quando se pleiteia a promulgação de um Código que simbolize um processo penal verdadeiramente democrático. Aliás, se for considerado que, dos 78 (setenta e oito) incisos do art. 5º da Constituição, 40 (quarenta) dizem respeito à ciência criminal e, desses, a maioria é estritamente de natureza processual, boa parte do atual código sequer foi recepcionado pela Carta Política de 1988, principalmente quando se tem presente que seus princípios orbitam em torno da dignidade da pessoa humana, cânone sem correspondência no código.
Em resumo, a constitucionalização de dado ramo do direito diz, primeiro, com a identificação de seus princípios constitucionais de regência e, segundo, com o trabalho de vinculação, o mais possível, das regras desse ramo com o conteúdo material de tais princípios. A doutrina recomenda, na empreitada, o reestudo do Direito Constitucional, o que é de todo bastante prudente, haja vista que ele resulta da fusão das duas matérias. A recordação de que, em suas origens, o processo penal foi pensado justamente como modo de limitação do poder público em prol da defesa do homem, é sempre um fundamento (Beccaria).
Em geral o início da transmudação de uma lei arbitrária em uma lei humana independe de reforma legislativa, pois parte do povo e do Judiciário. Entretanto, a mudança nunca estará consumada enquanto a lei da nação não a assumir publicamente. E essa mudança passa necessariamente pela adoção de uma maneira específica de se pensar e entender a lei. É tudo parte da mesma linha evolutiva.[130] (grifos do autor)
Sem mais delongas, tendo em mira a necessidade de alteração desse Código de Processo Penal retrógrado, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 4.622/09,[131] que visa modificar o art. 623, para incluir o Ministério Público dentre os legitimados ativos.
Demais disso, na premência motivada pelo viés ideário de que o atual Código de Processo Penal deve ser todo revogado e substituído por um novo, adequando-se à ordem constitucional vigente, não passa despercebido o Projeto de Lei do Senado n. 156, de 2009,[132] que objetiva instituir o Novo Código de Processo Penal. Atualmente, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, sob as vestes do Projeto de Lei (PL) 8045/10.[133] Destacamos excerto da exposição de motivos do Anteprojeto:
No âmbito das ações de impugnação, deu-se cabimento ao habeas corpus apenas nos casos de prisão e de iminência de prisão ilegais, tendo em vista a possibilidade de interposição de agravo contra a decisão de recebimento da denúncia. Introduziu-se o mandado de segurança, em regulação específica, ampliando-se, ainda, a legitimidade na ação de revisão criminal.[134]
Reforçando a urgência na substituição do Código de Processo Penal,[135] em interessante abordagem, colhe-se do sítio eletrônico do Professor Juarez Tavares:
Apesar da qualidade das inovações introduzidas no CPP pelas reformas de 2008, a legislação processual penal brasileira está ainda longe do adequado ao nosso atual ordenamento constitucional. Aury Lopes Júnior bem delineia o problema, ao tecer suas críticas ao caminho escolhido para atualizar o CPP, considerando que as recentes reformas "infelizmente, são todas pontuais no arcaico Código de Processo Penal, virado que está em verdadeira colcha de retalhos. E o problema já começa aqui: a insuficiência de reformas pontuais, essencialmente minimalistas, ilógicas e geradoras de inúmeras lacunas e dicotomias internas. Ademais, possuem um gravíssimo vício de origem: a ausência de um princípio unificador que impede a consistência e coerência sistêmica". Com efeito, a necessidade da edição de um novo CPP, que rompa de forma definitiva com as raízes autoritárias do atual diploma, é opinião efetivamente unânime entre os juristas. Em resposta a essa demanda, o Senado instituiu uma Comissão para a elaboração de um anteprojeto de novo CPP. Encerrados os trabalhos, em 22/04/2009, o anteprojeto foi entregue ao Presidente do Senado.[136]
Também com este intuito, ressaltando a irrecusável Constitucionalização do Processo Penal, pontua Gustavo Britta Scandelari:
Está claro que o Projeto de Lei do Senado nº 156 de 2009 busca exatamente a constitucionalização do processo penal. E, agora, não se trata mais da tão propalada e até hoje imprescindível releitura do código à luz da constituição, mas de um novo código, compatível com a Constituição.[137] (grifos do autor)
Visto isso, o art. 623 do Código de Processo Penal está em descompasso com a Constituição Federal. Ademais, a posição do Supremo Tribunal Federal (RHC: 80796) data do ano de 2001, de modo que a composição da corte está renovada,[138] tornando palpável a possibilidade de mudança da jurisprudência, bem como não possui caráter vinculante para as cortes inferiores.
CONCLUSÃO
Pela regra legal omissiva contida no art. 623 do Código de Processo Penal, o Ministério Público não está legitimado a ajuizar a ação de revisão criminal em benefício do réu. Em razão da flagrada omissão, podem ser identificadas duas correntes doutrinárias a respeito do tema: uma a admitir e outra a negar. Nos termos do dispositivo supramencionado, o Supremo Tribunal Federal ratificou a ilegitimidade no ano de 2001. Após a prolação do acórdão pelo STF, vários tribunais estaduais, e o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, entendem de forma diversa.
Se o Parquet pode impetrar habeas corpus e recorrer em benefício do réu, pode ajuizar a revisional. No pleito revisional, em jogo está a liberdade e o status dignitatis do injustamente condenado. Violada a ordem jurídica pelo erro judiciário, direitos fundamentais são colocados ao relento. Com esta perspectiva, embora a omissão do CPP, o Ministério Público, extraindo a legitimidade do art. 127 da Constituição Federal, está autorizado pela ordem jurídica à revisio. Não se justifica, pois, a interpretação pura e simples do CPP, dissociada do texto constitucional.
O CPP não conferiu a devida importância ao Parquet, tanto que os textos constitucionais de 1891 e 1934 foram mais ousados que a Carta de 1937, vigente ao tempo de sua elaboração, em 1941, época da Era Vargas. A legitimidade, a ser conferida ao Ministério Público, não necessita aguardar por alteração legislativa ou revogação e substituição por um Novo CPP. Melhor seria a modificação legislativa, mas é prescindível, porquanto desamparados valores fundamentais que podem ser protegidos pela revisão criminal, da qual pode se valer o Ministério Público, haja vista a compatibilidade com a natureza de suas funções.
O entendimento do STF, que data de 2001, não constitui óbice à pretensão revisional. A composição da corte, ante vários julgados em sentido contrário das cortes ordinárias de justiça, pode fazer prevalecer o entendimento pela possibilidade. A composição está renovada. Remanescem os ministros Marco Aurélio (Relator do RHC: 80796) e Celso de Mello (ausente quando do julgamento). Mesmo que o STF não altere seu posicionamento, o julgado citado não é vinculante, portanto, não é de observância obrigatória pelos órgãos jurisdicionais inferiores.
Assim, legitimado está o Ministério Público para o ajuizamento da ação de revisão criminal em benefício do condenado.
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