8 (IN) SEGURANÇA JURÍDICA DO TRANSEXUAL
Depois de vencida a adequação do registro civil ao novo gênero, alguns temas deverão ser discutidos e revistos e um dos mais preocupantes são os reflexos que esta nova realidade acarretara no mundo jurídico, dentre eles, no direito trabalhista e previdenciário, at’e por estarem diretamente interligados.
A nova condição do individuo imporá a aplicação de normas que muitas vezes são mais benéficas se aplicada em função do gênero, em contrapartida se o benefício é latente, os agravos também o são. Nos casos onde a cirurgia de redesignação (SRS) for do tipo MtF as beneficias legais deverão, supostamente, serem aplicadas, entretanto, para o indivíduo submetido à SRS FtM, os benefícios, em tese, deixarão de existir. No sistema “ideal” na caberia duvidas, entretanto o Estado ainda não se atualizou para recepcionar este fenômeno social.
8.1 DIREITO DO TRABALHO
A legislação trabalhista concede ao indivíduo do sexo feminino tratamento diferenciado em algumas situações, seja pela fragilidade da sua estrutura física, seja pela própria condição do gênero. Alguns enfrentamentos serão necessários para que o Estado possa tutelar de forma eficaz os direitos deste grupo.
Em se tratando dos indivíduos submetidos à readequação jurídica de gênero espera-se que algumas características inerentes ao trabalho, devam ser adequadas a sua nova condição;
A CLT delimita o emprego da força em trabalhos que assim o exijam:
O Art. 390 da CLT limita o emprego da força física das mulheres na prestação dos serviços, tendo em vista suas peculiaridades físicas que as impedem de obter uma força maior para tal. O limite máximo é de 20 quilos para o trabalho contínuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional.
Neste caso, verificam-se duas situações: a aplicação do aumento de carga para o individuo que, juridicamente, passou a pertencer ao gênero masculino, imputando-lhe condição de trabalho mais gravosa; e àquele que passou a pertencer ao sexo feminino, as beneficias da lei. Contudo, provavelmente, ambos continuarão a ser submetidos ao trabalho, sem alteração do limite de peso, até que se promova o ajustamento pelas vias judiciais.
Em uma situação hipotética, uma empresa que tenha um colaborador nesta situação, conceder-lhe o benefício, se for o caso, pode ser relativamente fácil, no entanto, agravar-lhe a condição, possivelmente, culminaria em alguma ilegalidade.
8.2 No Direito previdenciário
Nesta seara pairam as questões mais controversas, no tocante as regras de aposentadoria instituídas pela Previdência Social.
A aposentadoria em que cada pessoa se enquadra ao longo da vida vai variar de acordo com seu sexo, idade, tempo de contribuição e a condição do trabalho que ela faz (se é de risco ou não). Essas características vão determinar quando a pessoa pode se aposentar e quanto irá receber.
8.2.1 Aposentadoria por Tempo de Contribuição
Ë o benefício concedido ao indivíduo que comprovar tempo de contribuição, 35 anos, se homem e 30 anos, se mulher.
Aqui se encontra a contraposição do benefício, onde o indivíduo em função de sua readequação terá seu tempo de contribuição reduzido ou agravado.
8.2.2 Aposentadoria por Idade
Para se aposentar por idade é preciso ter pelo menos 60 anos (mulheres) e 65 (homens). Em todos os casos, é obrigatório ter contribuído por 15 anos no mínimo com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
8.2.3 Aposentadoria Proporcional
Para se aposentar dessa forma, os homens precisam ter 53 anos e as mulheres, 48. Além disso, precisam de um tempo de contribuição específico. No mínimo 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher, e mais 40% do tempo que faltava para atingir o tempo mínimo da aposentadoria proporcional em 16 de dezembro de 1998. (UOL, 2015).
8.2.4 Aposentadoria por Tempo de Contribuição da Pessoa com Deficiência
A Aposentadoria por Tempo de Contribuição da Pessoa com Deficiência é devida ao cidadão que comprovar o tempo de contribuição necessário para este benefício, conforme o seu grau de deficiência. Deste período, no mínimo 180 meses devem ter sido trabalhados na condição de pessoa com deficiência.
Além de ser pessoa com deficiência no momento do pedido, é necessário comprovar as seguintes condições para ter direito a este benefício:
Grau de deficiência |
Tempo de Contribuição |
Carência |
Leve |
Homem: 33 anos Mulher: 28 anos |
180 meses trabalhados na condição de pessoa com deficiência |
Moderada |
Homem: 29 anos Mulher: 24 anos |
|
Grave |
Homem: 25 anos Mulher: 20 anos |
Fonte: MPS
Em quase todas as formas de aposentadoria, sendo na esfera publica ou privada a diferenciação do tempo e idade para concessão do benefício está pautada no gênero do individuo.
No caso da pessoa submetida ao procedimento SRC MtF ou FtM, uma nova classificação, no contexto do gênero, lhe é atribuída. Social e legalmente passa a assumir e vivenciar sua nova identidade e espera que o Estado assim a considere, previsivelmente, isto não ocorre, tendo que arrancar do judiciário, cada direito, que é próprio á cada cidadão, mas não estendido a esse grupo social.
A transexual Christine Timbrell obteve na justiça inglesa o direito de se aposentar como mulher, enquadrando-se na norma previdenciária britânica. .inicialmente o pedido foi negado com base em uma lei que estabelece que os transexuais casados só tenham a mudança de gênero reconhecida oficialmente se tiverem o casamento dissolvido ou anulado. Em análise o magistrado disse que a lei britânica não é capaz de lidar de maneira adequada com casos como o de Timbrell, ao estabelecer friamente que as pessoas que são "uma vez homens, são sempre homens". E que "a incapacidade da lei de lidar com pessoas que mudam de sexo representa uma discriminação, e por isso o Estado não tem o direito de negar a Timbrell o pedido de aposentadoria aos 60 de idade”. Christine terá direito aos pagamentos retroativos relativos aos últimos oito anos. (CONSULTOR JURÍDICO, 2010)
Seria esperado que as demandas começassem a acorrer por aqui, na cidade de Caicó – RN o professor de 60 anos que se submeteu a SRS há três anos, apesar de não ter o ajuste do registro civil e, portanto, legalmente homem, pretende requerer judicialmente o direito de se aposentar, porque vai completar a idade mínima exigida para que mulheres tenham o benefício. Argumenta, ainda que “Se o meu pedido for de aposentadoria for indeferido, será uma violação aos meus direitos humanos. Nasci homem, reconheço, mas depois de 57 vivendo assim, fui transformado em mulher pela habilidade de um cirurgião, e estou plenamente realizada”. (PIRES, 2010)
9 DISCUSSÃO E RESULTADO
Na mesma linha de pensamento da Ministra Nancy Andrighi, o Estado disponibiliza ao transexual todo tratamento psicoterapêutico e após anos de tratamento e recuperação, o individuo não encontrar o mesmo amparo para legalizar o reconhecimento de sua legitima identidade, tendo que buscar no judiciário o desfecho de seu tratamento
As palavras de Souza (2013) resumem bem o que tem ocorrido com o transexual:
A ausência de regulamentação no ordenamento pátrio impede que o Estado proporcione ao transexual, o efetivo direito a cidadania e seu livre exercício. Esse direito vem sendo assegurado pelo judiciário, que por omissão do legislativo, através do seu ativismo judicial, regulando esse novo fenômeno social.
Apesar das inúmeras decisões favoráveis dos Tribunais, o legislativo se mantém inerte, a questão poderia ser resolvida com a alteração da Lei de Registro Público, permitindo a alteração de nome e sexo, nos casos dos transexuais. Atualmente tramitam na Câmara dos Deputados inúmeros projetos, mas sem qualquer resultado satisfatório.
Vencido o entrave do Registro Civil, seria natural que os demais direitos estivessem assegurados, ocorre que as implicações jurídicas criadas por decisões judiciais que se pautam em direitos imediatos, não são possíveis de serem sanadas em uma sentença. Se houvesse regulamentação legislativa, seria possível antecipar os inúmeros questionamentos, quanto aos direitos inerentes a esse novo fenômeno social. Para Uadi Lammêgo Bulos (1997) o dinamismo dos fatos sociais conduz a mudanças na realidade normativa do ordenamento jurídico.
Deste modo, a peleja em busca dos direitos continua. Outra demanda que com certeza assolará o judiciário, será o ajustamento das regras previdenciárias em função da readequação de gênero do contribuinte.
O professor da PUC-SP Wagner Balera, (2015), em entrevista ao Portal da Band afirmou que as normas previdenciárias pátria deveriam garantir ao transexual o direito de acesso a benefícios corelatos a identidade assumida após a mudança de gênero, mas é omissa e não cumpre seu dever, o benefício deve ser concedido conforme o gênero do solicitante no momento do pedido. Falta precedente e determinação na legislação previdenciária que garanta, sem necessidade de judicialização, o acesso de um transexual ao benefício que lhe seria de direito com o gênero que passou a ter.
O individuo contribuinte da Previdência que faz a readequação para o gênero feminino, deveria ter o direito ao benefício contabilizado compatível ao seu sexo atual, no entanto a concessão pela Previdência seria negada o que forçaria a busca pela tutela jurisdicional, o que por sua vez levaria um enorme tempo. A falta de precedente deflagraria na ausência de garantia do direito que pode por sua vez ser prejudicado. A regulamentação é a única saída para assegurar o benefício e impedir as distintas soluções oriundas do judiciário.
Se por um lado a concessão do benefício ao indivíduo, submetido à SRC MtF, deve ser reconhecida, ainda que pela via judicial, como se dará o procedimento para o assegurado submetido à SRC FtM ,que por analogia deverá ter seu benefício agravado? A concessão deverá ser judicializada, e o agravo, será de ofício?