Carnelutti e os abusos cometidos pelas divas togadas

07/11/2016 às 07:32
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Os abusos midiáticos cometidos no Brasil se tornaram evidentes e já comprometem a validade das sentenças proferidas por juízes suspeitos de colusão com a imprensa.

Publicado em 1957, As Misérias do Processo Penal, de Francesco Carnelutti, é leitura quase obrigatória nas Faculdades de Direito. Curto e denso, o livro discute quase todos os aspectos importantes do cotidiano forense. Dentre as questões debatidas por Carnelutti, uma se tornou crucial na atualidade: a exposição midiática do juiz.

Desde que o PT ganhou a primeira eleição, a imprensa ficou obsedada por todos os julgamentos que de uma maneira ou de outra poderiam afetar negativamente os governos petistas. Os telejornalitas e editores de jornais e revistas criaram o ambiente onde as estrelas judiciais do anti-petismo se destacaram.

O primeiro grande herói de toga da mídia a atacar ferozmente o PT em público foi Gilmar Mendes. Ele ganhou máxima exposição na mídia quando passou a criticar a Operação Satiagraha. Numa ocasião, o então presidente do STF chegou a chamar Lula às falas por causa de um suposto grampo cujo áudio nunca foi encontrado. Pouco tempo depois, o palanque midiático seria ocupado Joaquim Barbosa durante o julgamento do Mensalão do PT (o Mensalão do PSDB Joaquim Barbosa preferiu não julgar). Na atualidade o herói togado da imprensa é Sérgio Moro, juiz de primeira instância que usa e abusa da exposição na mídia como se a Lava Jato fosse uma telenovela em que ele é o roteirista, o diretor e o principal protagonista.

A Lei Orgânica da Magistratura prescreve que o Juiz deve levar uma vida recatada. É evidente que esta norma caiu em desuso, pois ninguém do CNJ sequer cogita punir a falta de recato do juiz que resolveu perseguir Lula de uma forma tão evidente que passou a ser criticado dentro e fora do país.

Moro não só usa e é usado pela mídia. Ele defende publicamente a utilização da imprensa para reforçar seu poder jurisdicional. É evidente, portanto, que ele não aprendeu ou rejeitou as lições de Carnelutti. Na obra citada no início diz o eminente jurista italiano:

“A toga, sem dúvida, convida ao recolhimento. Infelizmente hoje sempre mais, sob este aspecto, a função judiciária está ameaçada pelos opostos perigos da indiferença ou do clamor: indiferença pelos processos pequenos, clamor pelos processos célebres. Naqueles a toga parece um instrumento inútil; nestes se assemelha, lamentavelmente, a uma veste teatral. A publicidade do processo penal, a qual corresponde não somente à idéia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça, mas ainda, e mais profundamente, o seu valor educativo, está, infelizmente, degenerada em um motivo de desordem. Não tanto o público que enche os tribunais ao inverossímil, mas a invasão da imprensa, que precede e persegue o processo com imprudente indiscrição e não de raro descaramento, aos quais ninguém ousa reagir, tem destruído qualquer possibilidade de juntar-se com aqueles aos quais incumbe o tremendo dever de acusar, de defender, de julgar. As togas dos magistrados e dos advogados, assim, se perdem na multidão. Sempre mais raros são os juízes que têm a severidade para reprimir esta desordem.” (As Misérias do Processo Penal, Francesco Carnelutti, Edijur, 3a. edição, Leme-SP, 2015, p. 16-17)

A exposição midiática de Sérgio Moro já se virou contra ele. Isto ocorreu quando um advogado demonstrou que ele havia cadastrado nos autos uma longa sentença minutos depois que a defesa completa do réu havia sido anexada aos autos. Irritado, o juiz paranaense criticou o advogado no Facebook dando azo à uma maior exposição de sua conduta duvidosa. Afinal, pode ser considerada nula a sentença produzida antes da defesa completa e sem que esta tenha sido ponderada pelo magistrado.

Lula desafiou abertamente Sérgio Moro e o CNJ ao denunciar formalmente na ONU perseguição que está sofrendo. O caso proposto pelo advogado de Lula não foi sumariamente rejeitado. Apesar disto, a mídia (sempre pronta a dar espaço para os ataques midiáticos de Sérgio Moro) não se interessou pelo desenrolar do processo de Lula na ONU, demonstrando assim uma evidente parcialidade.

A mídia já condenou Lula. Sérgio Moro só precisa encontrar o fundamento para colocá-lo na prisão. E mesmo o juiz paranaense condene Lula sem qualquer fundamentação plausível os jornalistas irão legitimar a sentença. Afinal, a sentença deles já foi dada e eles não ousariam desautorizar uma condenação que já proferiram.

Esta transferência do poder de julgar do Judiciário para a Imprensa é completamente irregular. No limite ela pode invalidar toda e qualquer decisão judicial produzida sob suspeita de colusão entre o juiz e a imprensa ou coação praticada por jornalistas. Causa estranhamento os juízes não ficarem preocupados com o fato de eles estarem se tornando revisores de texto das empresas de comunicação.

Há alguns dias um ex-presidente do STF disse que os juízes não devem ter vergonha de pedir aumento salarial. Não sei o que dizer sobre esta questão. Todavia, me parece escandaloso os juízes não terem vergonha de receber salários nababescos para reproduzir em sentenças oficiais condenações que são redigidas nos jornais e telejornais por leigos que usurparam o poder atribuído a eles pela Constituição Federal.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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