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Renegociação de dívida deve facilitar a vida do devedor

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Em princípio, ficar inadimplente não é crime. A crise econômica causa inadimplementos. Os credores devem facilitar o pagamento e renegociação aos inadimplentes, mantendo conduta de boa-fé.

Antes da crise econômica — começou no final de 2014, e especialistas em gestão econômica afirmam que 2017 terá mais crise — conseguir crediário era superfácil. Os cartões de crédito eram oferecidos até por telefone, quem não fosse inadimplente, ou tivesse outro cartão de crédito com limite de crédito substancial, sempre era assediado pelas próprias operadoras de cartão ou agências bancárias. Essa facilidade de crédito gerou os chamados superendividados. Dizer que os superendividados são irresponsáveis é desmistificar as gravíssimas desigualdades sociais no Brasil.

Graças ao crediário, milhões de brasileiros puderam compra eletroeletrônicos e eletrodomésticos. Geladeira, fogão, micro-ondas, computadores, ar condicionado. Necessário dizer que a Antiga Classe Média, atualmente existe a Nova Classe Média, não possui, desde a década de 1980, capital suficiente para pagar à vista. O uso do cartão de crédito se tornou uma necessidade para se comprar alimentos, medicamentos etc. Os parcelamentos, mesmo com juros superiores aos demais países, dos produtos e serviços permitiram que a Antiga Classe Social mantivesse com alguma qualidade de vida. Na esteira do crédito fácil, a Nova Classe Média conseguiu ter alguma qualidade de vida. Alguma, pois ter eletroeletrônicos e eletrodomésticos sem saneamento básico e com os intermináveis confrontos entre facções rivais, facção e policiais, milicianos e facção, não há o que dizer sobre ter qualidade de vida. Além disso, muitas moradias se encontram em localidades perigosas que podem desabar quando há tempestades.


DO ÉDEN AO INFERNO

Inadimplência, o inferno começa. Não há lei específica sobre renegociação. Na maioria das vezes, a renegociação começa quando o consumidor fica inadimplente. As instituições de crédito, por omissão do Estado quanto à dignidade dos consumidores, usam os medos dos consumidores quando o assunto é Cadastro de Inadimplentes. Geralmente, são os cidadãos de baixa renda que procuram manter seus nomes limpos, pois dependem muitíssimo do crediário, principalmente os idosos, os quais sofrem desde as mudanças na Previdência pelo governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso. O princípio da boa-fé está acima do mero pacta sunt servanda.

A dignidade da pessoa humana e é basilar e deve estar também presente nas relações contratuais entre consumidor e consumidor. O que ocorre há muito tempo é a burocracia imposta pelas instituições de crédito aos inadimplentes. Como dito alhures, as negociações iniciam tão somente com a inadimplência do consumidor. Se o consumidor não tem como honrar com os pagamentos, geralmente entra em contato com a instituição bancária ou com a própria operadora do cartão de crédito. Acontece que o consumidor não consegue, na maioria das vezes, renegociação ou a melhor forma para quitar dívidas. Além disso, os juros abusivos representam gravíssima violação da dignidade dos consumidores. Ou seja, ainda impera, pela omissão do Estado, o pacta sunt servanda ao pé da letra. Seria aos moldes do Mercador de Veneza: não pagou, logo, um pedaço da carne. Isso é absurdamente inadmissível em qualquer Democracia moderna, pois a Democracia tem sua essência jurídica nos Direitos Humanos.

Se as instituições de crédito sabem dar crédito sem o menor controle, de verificar se o cliente tem realmente condições de ter aumento de crédito, elas mesmas estão criando uma insegurança para a economia nacional. A crise econômica que o Brasil atravessa é pelo visionário poder econômico do petróleo no pré-sal. As commodities do petróleo permitiram a União, aos Estados e aos Municípios investirem em várias áreas. Contudo, infelizmente, os crimes contra a Administração Pública causaram enormes estragos na economia nacional. A Petrobras balançou como prédio diante de um terremoto, mesmo assim, ainda conseguiu ficar de pé. Já os milhões de brasileiros que dependem dos serviços públicos, como saúde e educação, não ficaram de pé, mas de joelhos, outros literalmente deitados nas vias públicas. Quem sofre sempre pelas crises econômicas sempre são os cidadãos já próximos da fronteira da miséria. Estado e instituições de crédito, conjuntamente, causaram estragos na economia.

Na crise econômica de 2008, as instituições de crédito forneciam créditos como água. Não queriam saber se os empréstimos eram para pessoas com reais capacidades econômicas para quitarem os empréstimos. A Bolha Imobiliária representou o fracasso do Capitalismo, mais uma vez — a primeira foi em 1929. Como bem disse Zygmunt Bauman, o futuro foi hipotecado. Em síntese, as futuras gerações já nascerão endividadas. O pior é o aumento das desigualdades sociais.


BOA-FÉ É DESBUROCRATIZAR

O consumidor conseguiu renegociar sua dívida. As parcelas são justas e cabem no orçamento do inadimplente. O que vem ocorrendo, em muitos casos, é a falta de facilidade ao inadimplente. Seria muito fácil ao inadimplente receber um carnê constando todas as parcelas para pagar. Atualmente, contas podem ser pagas nas Casas Lotéricas. Nada disso. O inadimplente tem que receber comunicado, por e-mail que o boleto referente ao parcelamento do mês está disponível no site da instituição para emissão deste boleto. Em outras hipóteses, que o boleto do mês vigente será enviado pelos Correios.

É notório que a burocracia na administração pública é grotesco, desumano. Em muitos casos, os Correios não sabem sobre o paradeiro da correspondência. As greves são legítimas, mas sobrecarregam os cidadãos que querem pagar suas contas e dívidas. O inadimplente, então, tem que ficar a cada mês preocupado se o boleto chega ou não em sua residência. Alguns poderão argumentar que se o boleto está disponível no site da instituição é só imprimir.

Quantos inadimplentes têm computador ou conexão com a Internet? Quantos têm impressora? Quantos podem recarregas os cartuchos das impressoras? Estão inadimplentes, a lógica é que estão sem muito capital disponível para despesas. Essa é a questão, não onerar ainda mais o inadimplente com preocupações sobre envio de boleto. Acessar internet gera custo, e muitos inadimplentes cancelam seus contratos, por exemplo. Como o inadimplente irá imprimir boleto? Dirigindo-se a uma Lan House? Isso tem gastos. O correto é enviar carnê com todas as parcelas para o inadimplente. Isso demonstra que a instituição de crédito quer colaborar com o inadimplente, não transtorná-lo. Para se resolver essa questão, somente os parlamentares para criarem lei exigindo entre de carnê com todas as parcelas a serem pagas pelo inadimplente.

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Alguns leitores podem dizer que há mais gastos para as instituições. Ora, os lucros obtidos pelas instituições de crédito são os maiores do Planeta. Não há justificativa para não se enviar carnê. Outros podem argumentar que o envio de papel causa desmatamento. Para que servem o replantio, a reciclagem de papel? Reciclagem gera emprego. Posso justificar o não envio de carnê, mas a tranquilidade do inadimplente para pagar sua dívida, sem ter que se preocupar com o envio e entrega do boleto, é fundamento da República, a dignidade humana.

Tranquilidade também está inserida na dignidade humana. Sem tranquilidade a vida humana se torna insustentável. Tranquilidade é diminuição de fatores estressantes. Saúde é dignidade humana. Diante de tantos estresses no Brasil, mais um estresse é insuportavelmente desumano. Portanto, o país é prejudicado por estresses de ordem burocrática seja ela da iniciativa privada ou pública. Estresse causa inúmeras doenças, e doenças sobrecarregam o Sistema Único de Saúde [SUS].


O QUE O CONSUMIDOR DEVE FAZER?

Em renegociações de dívida, guarde qualquer prova seja cópia de e-mail, de gravação telefônica. O consumidor tem o direito de renegociar sua dívida e ter a renegociação mais vantajosa para si, sempre respeitando a boa-fé entre as partes. Juros abusivos sempre são contestados pela justiça. Perguntas feitas objetivamente pelo consumidor e respostas evasivas ou repetitivas, sem resolver o problema do consumidor — como exposto neste artigo sobre burocracia —, devem ser guardadas.

O consumidor que tem boa-fé sempre estará protegido pelo Estado, assim se espera. As burocracias das instituições apenas servem para diminuir a dignidade do consumidor. Desburocratizar serviços é respeitar a dignidade humana. O Estado não pode permitir que o Mercado aja de duas formas: facilitar aquisição de crédito e dificultar soluções para os clientes inadimplentes. Isso é má-fé.

Má-fé não é somente lograr êxito pela omissão de informação importante ao consumidor, muito menos a chamada “venda casada”. A má-fé é sorrateira, e as dificuldades aos inadimplentes representam violação da dignidade humana. Ora, se o quitandeiro, do tempo de nossos bisavós, facilitava o pagamento dos clientes inadimplentes, inadmissível as empresas contemporâneas de grande porte criarem burocracias que só aborrecem o inadimplente. Parece que o inadimplente assumiu esta condição conscientemente, ou seja, quis ficar inadimplente. Na relação entre fornecedor e consumidor, este sempre será hipossuficiente.


REFERÊNCIA:

TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor: direito material e processual / Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves.– 3. Ed. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Renegociação de dívida deve facilitar a vida do devedor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4885, 15 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53595. Acesso em: 15 nov. 2024.

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