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Títulos de crédito: boletos bancários

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10/11/2016 às 16:16
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7 A INTIMIDAÇÃO

Outro objetivo implícito no protesto de boletos bancários é a intimidação. Baseado no que foi dito a respeito da coação, esse mal, depois de feito, busca justamente isto, intimidar o devedor por meio desse instrumento de dívida, ou aviso de cobrança, que nada tem haver com duplicata.

A intimidação está no simples fato do devedor receber em mãos a intimação do protesto, em que por si só já provoca uma situação de desequilíbrio, haja visto que ao ser intimado pelo cartório, já corre o risco de perder ocrédito, ficando com o nome “manchado” na praça.

O devedor mal informado acredita ser esse um procedimento legítimo, em virtudedoseu inadimplemento. Os titulares, sejam eles credores, mandatários e cartórios, simplesmente protestam os boletos bancários, tendo como base apenas dados de cadastro dos clientes em seus borderôs. A duplicata talvez nem exista ou sequer tenha lastro com a nota fiscal e este é um dos principais indícios da farsa.

É imperioso deixar bem claro que a via do protesto é lícita ao credor, para que este, na forma da lei, tendo em mãos a duplicata, possa reclamar toda e qualquer obrigação não cumprida pelo devedor. Porém deve ser feito com base legal, isento de vícios e defeitos.

Não deverá ser utilizado por meios ilícitos, pelos quais lançam mão do boleto bancário. Vale dizer que somente se alcançam por vias do protesto, os títulos de crédito ou sentenças judiciais, jamais boletos bancários, como impõem os Bancos.

Não há nada de coerente nessa atitude do supostor credor em se valer de um instrumento informal, criado por meio de intrução nortmativa bancária, para requerer de maneira ilícita o que lhe é devido.

É um meio violento e desrespeitoso pelo qual se utilizam do protesto, que é um instituto pertencente à seara dos títulos de crédito. Ainda que os meios utilizados tenham um Banco como mandatário e um cartório de protestos, como fiel outorgante do procedimento, não lhe alcança nenhuma razão pelas vias dessa prática. É um procedimento ilícito e criminoso.


8 ANALOGIA AO DIREITO PENAL

Se tal procedimento alcançasse alguma norma no campo do direito penal, certamente os boletos protestados pelos credores, tidos por eles como prova de dívida, seriam uma espécie de “frutos da árvore envenenada”. Ou seja, a dívida ainda que existindo, os meios de prova pelos quais comprovaram sua existência, advindo desses boletos bancários, não seriam lícitos ou passíveis de cobrança por meio de protesto.

O instrumento de dívida pelo qual se valeram os credores, no caso os boletos bancários, na busca do adimplemento serão considerados ilícitos, não haverão de prosperar, pois, como já dito anteriormente, não são títulos de crédito. Embora a dívida seja líquida e exigível, esses boletos não alcançam a via do protesto.

Um dos grandes argumentos a favor da impossibilidade jurídica dessa modalidade ilícita de protesto, sem dúvida, é feito por essa oportuna analogia ao direito penal. Partindo-se da situação hipotética, tem-se o exemplo do réu, A, que ao ser levado a julgamento teve contra ele, provas de escuta telefônica e gravação de imagens não autorizadas pelo juiz, além de provas obtidas por meios fraudulentos.

Imagina-se então o mal que provocaria à justiça caso esse juiz acolhece essas provas ilícitas e fundamentado-se nelas, condenasse esse mesmo réu. Tal sentença se basearia na teoria do “fruto da árvore envenenada”. Essas provas, nesse caso, deveriam ser indeferidas de imediato, do contrário, a sociedade e o direito como um todo estariam totalmente corrompidos.

Acredita-se que o protesto de boletos bancários traz consigo esse princípio, que é implícitamente interiorizado por essa prática. Então, ainda que o débito exista e não tenha sido pago, não hão de prosperar em seus propósitos dolosos, aqueles que de uma certa forma, têm em mãos provas duvidosas e obtidas por meio de fraude. Assim devem ser entendidos, seja no protesto ou na execução, os boletos no direito cambial.

De fato a intimidação imposta por essa prática faz com que, por carência de fiscalização e cumprimento do que instrui a lei, os detentores, mandante e mandatário, na maioria das vezes, pasam por desapercebido nessa prática criminosa.

Tanto as provas produzidas pelo credor, quanto aos meios que se valeu para produzi-las, são notoriamente rejeitados pela lei e boa doutrina. A fraude e o abuso do exercício de direito configuram meios violentos de cobrança vedados pelo ordenamento jurídico brasileiro.


9 DOS DANOS MORAIS

O tema em tela abre precedentes para ação civil reparatória de danos morais, pois, além de atentar contra o devedor e contra a lei, preenche todos os requisitos de que necessita para se legitimar.

Ainda que os autores dessa prática, em sua defesa, se apoiem em enunciados de uma minoria doutrinária que, por razões desconhecidas, tenham o entendimento legal acerca do fato, a justiça dará por encerrado o processo condenando-os à reparação civil no caso de danos morais.

Antes de adentrar no conceito é preciso esclarecer que o dano moral, nesse caso, é oriundo de um ato ilícito praticado pelo credor e pelo Banco mandatário, associado à inobservância da lei, praticada pelo Tabelião. Uma vez provado o dano, serão có-responsáveis pelo fato, integrando o polo passivo da lide.

O ato ilícito observa-se na íntegra abaixo, conforme os artigos 186 e 187 do Código Civil brasileiro de 2002.

Art.186- Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187- Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (BRASIL, 2002).

É claro e visível que, o protesto de boleto bancário, é um ato ilícito ocasionado pela negligência e má fé de quem o indica. Ainda que tenha o credor razão em querer receber o que lhe é de direito. Porém os meios utilizados execedem os limites da lei, conforme os ditâmes de ambos os artigos.

Ao proceder o protesto, o credor extrapola os limites, em virtude da norma transgredida por meio da fraude e coação. Ele utiliza-se de vias, cuja lei não outorga e esse procedimento causa dano de difícil ou impossível reparação. Uma vez com o nome no protesto, o devedor, conforme o dito popular, entra numa espécie de “inferno astral”, ganha a fama de “mal pagador”, “caloteiro”, isso é inevitável.

A partir daí, já não consegue angariar empréstimo bancário nem para sí ou para empresa, em virtude de seu nome figurar nos registros de proteção ao crédito como SERASA, SPC e tantos outros que apesar de sua importância, muitas vezes também cometem falhas.

É impossível para o devedor com o nome ali inserido, de maneira ilícita, conseguir crédito na praça. A fama de mal pagador, inevitavelmente, se espalha como muita facilidade e a uma velocidade surpreendente em função do mundo globalizado. Os meios de comunicação como a internet também facilitam esse processo de difamação. É um caos para a empresa e a sua sobrevivência se encontra comprometida.

9.1 Conceito

Dano moral é aquele que é ocasionado pela prática do ato ilícito, desprestigiando a vítima perante aos mercados e às sociedades, no que diz respeito à sua boa imagem e fama. Enfim afeta a sua boa fé e honra. Na lição de Silvio S.Venosa,

[...] dano moral é o prejuizo que afeta o ânimo psíquico, moral e inteletual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Deve-se entender que estes efeitos serão levandos em conta em relação ao homem médio. O bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. (VENOSA, 2005, 47).

Então o dano deve ser entendido como o suficiente para abalar as estruturas de uma pessoa normal, razoável. Deve-se reparar de modo a atenderà dois pricípios basilares do direito, que são o da proporcionalidade e o da razoabilidade.

9.1.2 A reparação civil

A Reparação deve ter como objetivo, dentro da ação, não só reparar o dano, mas de uma maneira idônea, inibir tal prática que é tão comum hoje em dia, que são os protestos irregulares, que corremao arrepio da lei. A reparação busca a moralização, a ética e o respeito às normas.

Deve ser aplicada de modo que, não cause enriquecimento àquele devedor que teve seu bem jurídico constitucional abalado, e nem ao menos cause ao praticante dessa irregularidade, diga-se, um empobrecimento, que venha a ser desproporcional à sua capacidade de pagamento.

É muito importante atender nesses casos, aos dois princípios citados anteriormente, o da razoabilidade e o da proporcionalidade. Do contrário, a justiça ficaria em segundo plano, ocasionando à sociedade, um enorme desconforto e insegurança e isso seria uma afronta aos valores morais de toda uma coletividade.

Há uma imperativa necessidade, de se avaliar, caso a caso, para se evitar que pessoas físicas ou jurídicas venham a se valer da justiça de modo protelatório, ou seja, quese aventurem em demandas judiciais apenas para satisfazerem um implícito desejo de causarem a terceiros, o desconforto de terem que prestar contas à justiça. Desconforto esse,desnecessário na composição da lide. Pode-se dizer que seria uma espécie de utilização da justiça para se “vingarem” de seus desafetos.

O dano moral deve capturar aspectos diversos em sua amplitude. Por se tratar de um patrimônio imaterial, o juiz lançará mão de toda sua sabedoria e experiência de vida para que não cometa injustiça.

Ainda reportando-se ao campo das responsábilidades civis, convém destacar que, ca, não há que se falar em abalo psíquico, por não se tratar de um ser humano, o que é lógico.

A empresa sofrerá um abalo de ordem financeira. Moral, será nas pessoas que a compõem. Isso não a exclue da tutela da lei, que a protege na reparação do dano. No caso em síntese a pessoa jurídica pode e deve recorrer nesses casos, pois, o dano afeta a sua honra objetiva, o seu bom nome. A jurisprudência é pacífica com relação à teoria da indenizabilidade do dano da pessoa jurídica.

Diante dos fatos, a questão do protesto tirado com base em meros boletos bancários, vai muito mais além do que se possa imaginar. Essa prática põe de lado todo um processo de criação e elaboração de um título de crédito. Imagina-se todos os trâmites legais ao qual foi submetido por estar disposto em lei. Então como pode esse documento, criado por instituição bancária, desmaterializar um título de crédito que passou por todo um processo burocrático do legislativo para ser elaborado, parafinalmente estar disposto em uma lei específica.

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É sabido por todos que uma lei ao ser criada, começa por um projeto a ser estudado e aprovado, passando ainda por uma votação em plenário pelos congressistas. No caso em tela, essa mesma lei que aprova a disposição legal do título, deveria fazer valer todo o esforço e análise disprendido em sua elaboração.

Não se pode imaginar como essa farsa criada pelos Bancos tenha a mesma equivalência e importância que uma duplicata.

Como visto, é quase impossível falar de boletos bancários sem que se faça menção às duplicatas. Devido à errônea e absurda equiparação promovida por Bancos, empresários e cartórios de títulos, que protestam indiscrimadamente os boletos bancários, pouco se importando com o prejuizo que venham a ocasionar a terceiros.

Trata-se de uma menção quase que automática, devido à prática do protesto irregular que é tirado com base nessas meras fichas de compensação. Ficou muito cômodo para os Bancos e Financeiras, uma vez que, o legislador, aprovado em sufrágio universal, fez todo o trabalho mediante pesquisa de mercado visando a segurança da sociedade nas relações de crédito e operações comerciais.

Então, com a duplicata já elaborada e tipificada,as instituições financeiras, só tiveram que criar um modelo parecido, dando à ele todo o peso e prerrogativa de uma duplicata, incluindo apenas um código de barras, para facilitar a leitura eletrônica de sua compensação.

Os cartórios de títulos também foram contemplados, uma vez de posse dos boletos bancários indicados ao protesto como se fossem duplicatas, os Tabeliães só tiveram que outorgar essa trapassa cambial, ou, conforme o dito popular, “fazer vista grossa”, ou até mesmo, “fazer de conta” que o protesto é legítimo. No final, o objetivo é um só; dar um “incremento” nas suas receitas, passando então a tirar vantagem dessa mentira.

9.1.3  A  Ação Civil

Após ter seu nome e crédito abalado em função do protesto indevido, ao devedor de boa fé, nada mais resta senão acionar na justiça, os causadores do dano.

A ação civil por reparação por danos morais deve atender à dois princípios básicos, que são os da razoabilidade e proporcionalidade.

Além de ter que se provar o dano, deverá o comprador, exibir documentos que comprovem o nexo de causalidade, para que se possa dar prosseguimento à demanda, do contrário, o juiz indeferirá o pedido por motivo de carência de ação, como acontece em qualquer tipo de processo.

Não basta apenas ajuizar a ação, é necessário que o devedor tenha comprovadamente sofrido o dano, o que já é claramente demonstrado pela certidão de protesto. Nesses casos em geral, o devedor, juntamente com o pedido, deve requer também a liminar de cancelamento do protesto, cujo alcance depende do crivo do contraditório, ou seja, é oferecido aos integrantes do polo passivo a oportunidade de apresentarem as duplicatas protestadas como meio de prova, bem como o comprovente do aceite, como visto anteriormente. Em geral, jamais conseguem tal feito, pois, o que têm em mãos são meros avisos de cobrança, ou seja, os “os monstrinhos” do direito cambiário.

Há aqueles mais audaciosos que justificam a legalidade do protesto dos boletos, apresentando documentos que indicam que fora devolvida a duplicata por falta de aceite. Essa prática é a mais comum na relação entre banco e cartório de protesto de títulos, haja visto que a duplicata, sequer nem existe.

Sob o argumento de que indicara o protesto de boletos tirados com base nos dados contidos nas duplicatas, os bancos até que conseguem, em alguns casos, protelar o andamento do processo, em juizo de primeiro grau.

Ocorre que o recurso enviado à uma estância superior, certamente será esmiuçado, além dos procedimentos utilizados na fraude, aí que se descobrem os casos de duplicata simulada ou de duplicata virtual. A respeito dessa última, há uma minoria doutrinária que, o motivo se desconhece, têm o entendimento favorável à duvidosa aplicabilidade, como dito anteriormente.

Tal entendimento não faz sentido, uma vez exigido do título em um de seus requisitos, a cartularidade, a duplicata virtual cai por terra, deixa de ser um documento formal. O motivo é óbvio, o meio pelo qual foi sacada é um procedimento irregular e não aceito pela boa doutrina do direito cambiário.

Tudo é feito pelas vias da internet, em nada adianta sacar uma duplicata, se essa não for enviada ao comprador na sua forma original, para que ele dê o aceite. Esse procedimento acerca da duplicata virtual descaracteriza sua aplicabilidade e ao fim jurídico a que ela propõe, trazendo uma enorme insegurança à sociedade. No caso da duplicata simulada, dispensa-se comentários, pois, como dito anteriormente, a simulação na emissão de títulos de crédito, configura crime conforme art.172 do código penal. A jurisprudência é unânime na condenação dos fraudadores, ainda que tenham algum entendimento favorável, diante de suas alegações fundadas em enunciados que nada têm haver com a boa aplicabilidade do direito, nada mais restará aos que abusaram do seu exercício de direito, senão ressarcir as perdas e danos ocasionados por essa prática intimidativa ao devedor.

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Sobre o autor
Marlon Sampaio Ferreira

ADVOGADO, Contabilista, Empresário. Consultor Varejo. Processualista com atuação nas áreas Cíveis com predominância em direito societário, ambiental (crimes ambientais), empresarial, previdenciário, Contratos, Inventários/arrolamentos/partilhas, testamentos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Marlon Sampaio. Títulos de crédito: boletos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4880, 10 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53644. Acesso em: 10 mai. 2024.

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