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Títulos de crédito: boletos bancários

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10/11/2016 às 16:16
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5 BOLETOS E DUPLICATAS

5.1 Equiparação equivocada

Desde que foram criados, os boletos bancários sempre foram, erronemente, entendidos como sendo títulos de crédito pelos leigos e convenientemente aos oportunistas, que vêm atribuindo à esses avisos de cobrança formas e características das duplicatas.

As duplicatas estão definadas pela Lei nº 5.474/68,  por isso antes de qualquer coisa  é preciso fazer uma breve definição sobre as duplicatas, que é o objeto dessa errônea e absurda equiparação, fundada em argumentos dos mais variáveis.

Conforme ensinamento de Rubens Requião: “É um título de crédito formal, circulante por meio de endosso, constituindo um saque fundado sobre o crédito proveniente de contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, assimilado aos títulos cambiários por força de lei.” (REQUIÃO, 2006, p.561).

A questão é, como e porque empresários têm deixado de sacar duplicatas nas venda a prazo, sendo que trata-se de ser este o único título de crédito definido em lei para esse tipo de negociação. Tal prática tem a maciça participação dasinstituições financeiras aliadas à omissão dos cartórios. É flagrante esse meio abusivo de cobrança pelas vias dos cartórios de protestos e de títulos.

As duplicatas são disciplinadas pela Lei nº 5.474/68, que dispõe sobre sua, forma, característica, sua validade como título de crédito, além de lhe conferir habilidade para protesto e à execução nos casos de devolução, falta de aceite ou de pagamento por parte do devedor conforme enunciado do artigo 13 da lei. Assim, as duplicatas, como títulos de crédito que são, têm todo amparo legal no direito cambial.

O art.2º, caput, dessa lei informa  as condições para emissão de uma duplicata para efeito de circulação comercial, bem como as vedações à utilização de qualquer outra espécie de título de crédito que não seja a duplicata, que é o documento hábil, formal e destinado a esse tipo de operação.

Art. 2º- No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque ao comprador pela importância faturada ao comprador. (BRASIL, 1968).

O parágrafo 1º da Lei n° 5.474/68 dispõe acerca do corpo da duplicata e suas características: Denominação, data de emissão e número de ordem.

  • O número da fatura.
  • Data de vencimento ou condição a vista.
  • Nome e domicílio de vendedor e comprador.
  • A importância a pagar, em algarísmos e por extenso.
  • Praça de pagamento.
  • Cláusula a ordem.
  • Declaração de reconhecimento de exatidão e obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite cambial.
  • Assinatura do emitente.

O § 3º do art.2º da lei disciplina demais formalidades e condições para pagamento parcelado, que indicará o número seguido da letra do alfabeto correspondente em ordem cronológica.

As duplicatas são títulos genuinamente criados pelo direito cambial brasileiro, regulamentadas pela Lei n° 5.474/68, assim entendido, elas preenchem todos os requisitos necessários para caracterização dos títulos decrédito e em caso de mora, conferem ao credor o direito de se valer do protesto para reclamar a dívida no caso de inadimplemento.

Como seobserva, todas estas características atribuidas às duplicatas, advêm da teoria geral dos títulos de crédito e torna o negócio formal, trazendo mais segurança não só para devedor e comprador, como também para a sociedade.

Assim as duplicatas desempenham seu papel no direito cambial, fazendo circular o crédito por si só. Importante salientar que esse artigo disciplina e veda a utilização de qualquer outro documento formal que não seja a duplicata nas relações comerciais.

5.2 Duplicata Simulada

Na lição de Wille Duarte, duplicata virtual, “[...] é aquela que não tem por base uma operação de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços”. É também chamada “duplicata fria”. “ É fruto de uma atividade criminosa e muito comum nos dias atuais.” (COSTA, 2005, p-411).

Trata-se de uma duplicata sem lastro, sem qualquer nexo de causalidade ou fundamento legal que a anteceda, é a chamada “duplicata de nota fria”.O processo é simples, tudo é feito pela emissão dos chamados borderôs aos bancos que contêm todas informações do comprador, seja pessoa física ou jurídica e dando o respectivo valor á duplicata.

Vale lembrar que todos os formulários de preenchimento de dados desses clientes juntamente com os borderôs são fornecidos pelas própria instituições financeiras. Daí emitem-se os boletos com a advertência de que, se não for pago após determindado dia do vencimento, o mesmo vai a protesto. Chega a ser arrogante, tamanha coragem, em colocar tais dizeres num mero papel que nada provará em juizo.

A mais perfeita definição que se dá aos autores de toda essa trama, também vem de Wille Duarte, “São uns irresponsáveis que não temem em prejudicar terceiros.” (COSTA, 2005, p.412).

Convém lembrar que todo o procedimento,se faz por via desse “Frankstein” do direito cambiário, que é o boleto bancário. A emissão de duplicata simulada configura crime contra o patrimônio, conforme disposto no art. 172 do Código Penal brasileiro abaixo:

Art.172. Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou serviço prestado.

Pena- detenção, de 2(dois) a 4(quatro) anos, e multa.

Essa prática criminosa atenta contra a União, Estados e Municípios. Daí vale dizer, perde a coletividade, quem ganha com essa farsa são justamente aqueles que deveriam  se pautar pela aplicabilidade da boa conduta no direito cambiário.

É inaceitável essa atitude por parte das instiutições financeiras e empresários, que agindo em conluio com alguns Tabeliães, cujomotivo se desconhece, acaba por fomentar essa prática.


6 A  COAÇÃO

O Superior Tribunal de justiça, em uma de suas decisões, considera o feito um exercício irregular do direito, que traz insegurança à sociedade, conforme teor da jurisprudência abaixo:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator):

O tribunal local, ao solucionar a questão, assim registrou, verbis (fls. 72/73):

Aceitar o protesto de boletos bancários e a conseqüenteexecução dos mesmos é ir contra as normas legais referentes aostítulos de crédito, o que geraria insegurança à sociedade, que aqualquer momento poderia se ver com seu crédito abalado emdecorrência do protesto lavrado mediante um título irregularmenteemitido.

Desta feita, não há possibilidade de substituição dasduplicatas por boletos bancários, ainda que acompanhados dosrespectivos instrumentos de protesto e dos comprovantes derecebimento das mercadorias, considerando que o protesto dosmesmos não passa de um ato de coação para pagamento da dívida,vejamos:

'O 'bloquete' ou 'boleto' bancário de cobrança, por serempapéis legalmente atípicos, não podem ser objeto deprotesto, constituindo-se tal prática em ato de coação parapagamento da dívida' (Apelação Cível n. 98.002762-4, de Blumenau, Rel. saudoso Des. Eder Graf).Esta Corte já se posicionou no sentido de que para aaceitação do boleto bancário como meio conducente ao protesto daduplicata mercantil são necessários certos requisitos e, caso inexistentes, não há se falar em protesto, tampouco em possibilidade de execução.A propósito:

'A aceitação do boleto bancário como meio conducente aoprotesto de duplicata mercantil por indicações do credor,sujeita-se à prova do preenchimento dos requisitosestabelecidos no § 3º do art.21 da Lei n. 9.492/97, quaissejam: que o título foi enviado ao sacado para aceite e queeste não procedeu à sua devolução no prazo legal' (Agravode Instrumento n. 99.016863-8, de Brusque, rel. Des.Silveira Lenzi).

Assim, nada obstante a possibilidade de protesto daduplicata por indicação, no caso em apreço não há qualquer indíciode prova de que o título tenha sido enviado à devedora para aceite, eesta o tenha retido.Ademais, segundo relato da própria apelante (fl. 49), asduplicatas é que foram protestadas, contradizendo-se, assim, com aalegação de que a sacada é que as reteve.Desta forma, inexistente prova de que o título tenha sidoretido pela apelada, não há que se falar em protesto lavrado por meiodas indicações constantes no boleto bancário.(RECURSO ESPECIAL Nº 623.340 - SC (2003/0231924-3) – Relator:Aldir Passarinho Junior  Data de Julgamento:24/08/2009  Data de Publicação 16/12/2009:).

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Como visto, o Superior Tribunal de Justiça, por meio dessa decisão, coloca uma espécie de “pá de cal” nesse assunto tão controverso. Esse entendimeno contempla um dos direitos constitucionais mais sagrados, que é o da segurança da sociedade.

São papéis legalmente atípicos e irregularmente protestados. Esse é o entendimento, segundo o enunciado acima.

A coação é um dos fins do protesto tirado com base em boletos bancários. A busca pelo adimplemento da obrigação por parte do credor chega ao inusitado através dessa prática truculenta e ilegal.

Ao receber a intimação de protesto, o devedor já se encontra em uma situação de hipossuficência dentro do negócio jurídico e, consequentemente, já com o seu crédito abalado, em virtude dessa prática corriqueira. É um mal que, mediante a sua prática inescrupulosa, prossegue cada vez mais às escuras, sob o manto da ausência de fiscalização e punição exemplar, aos que ainda insistem nessa transgreção da lei, que nada tem haver com os princípios fundamentais do direito, como o da boa fé objetiva. Essa fraude só contribui para o enfraquecimento de nossas leis disciplinares dos títulos de crédito.

Na prática tem-se de um lado, o credor, o banco e o cartório de protestos. Este último infelizmente, por razões não condizentes com a sua verdadeira função, deixa de ater aos requisitos necessários para efetuar o protesto. Enfim, agem em conjunto nessa irregularidade.

Do outro lado, o devedor que muitas vezes, diante de tal situação, se vê acuado acreditando que esse procedimento seja normal, em se tratando de uma dívida não paga. Mal sabe ele que apesar de estar em mora, não é por essa via que o credor, por intermédio um banco, deveria optar pela busca de uma possível solução problema. Uma vez sentindo o temor de ter seu crédito abalado em função do protesto, o devedor se vê impossibilitado diante de tal situação.

O código civil brasileiro, no seu artigo 151, no capítulo IV, dispõe sobre a coação dentro dos negócios jurídicos tendo-a como um defeito;

Art.151- A coação, para viciar a declaração de vontade, há de ser tal que inculta ao paciente fundado temor iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. (BRASIL, 2002).

Claro que trata-se de um ato que antecede o negócio. A citação do referido artigo é apenas uma menção do termo em si para que possa, juridicamente, explanar sobre o tema em tela. O que pretende-se ao capturar esse artigo, é justamente mostrar que o devedor realmente se vê envolvido pelo temor de ter seu bom nome, ou de sua empresa, registrado nos orgãos que prestam serviços de informações como SERASA, SPC e outros, cuja existência tem como fim, elaborar bancos de dados referentes às pessoas físicas e jurídicas que se encontram inadimplentes no mercado.

Dentre outras consequências, acarretadas por essa prática ilícita, convém elucidar a violação ao direito de imagem, o bom nome e a honra. Esse é um outro grande problema oriundo do protesto de boletos bancários, fere explicitamente o texto constitucional em seu artigo 5º, X, CRFB/88;

Art. 5º, X, CRFB/88- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988).

Pode-se observar nesse artigo constitucional que trata-se de direto subjetivo direcionado aos cidadãos. No caso de pessoa jurídica, uma vez abalada sua imagem, fica difícil dissociá-la à dos sócios, uma vez que estes, como representantes, acabam por consequência, afetados por esse mal.

A honra e a imagem das pessoas uma vez “arranhadas”, dificilmente ou muitas vezes não se revitalizam. É como uma espécie de carimbo que o cidadão leva na face em virtude de um mal ilicitamente provocado.

Daí vem a questão. Esse artigo se estende às sociedades que se encontram em tal situação? Sob o ponto de vista jurídico, não. Mas a pessoa titular da empresa e os sócios, por exemplo. Estes com certeza, sim.

O protesto traz consigo uma série de problemas, uma delas é a falta de crédito. A pessoa, seja ela física ou jurídica, terá pela frente sérios problemas de crédito e ao iniciar qualquer negócio jurídico, sejam eles financiamentos, empréstimos ouaté mesmo compras a prazo, terá a decepção de ter seu nome inserido em orgãos como SPC ou SERASA. A fama de “mal pagador” agrega ainda dizeres pejorativos, como o de “caloteiro” por exemplo.É preciso expor essa situação para que se possa vivenciar a gravidade da situação.

Então, a coação traz consigo toda essa rede de mal estar imposta ao devedor, que por sua vez, já se encontra prejudicado.Inaceitável essa prática do exercício irregular do direito,que em nada acrescenta nas relações de negócio, pois,o crédito é fundamental para se fazer circular os títulos de crédito e movimentar a economia.Jamais haveria de se prosperar tanta irregularidade no direito cambial e em função disso, inúmeros são os casos em que o protesto de boletos continuam a ocasionar danos.

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Sobre o autor
Marlon Sampaio Ferreira

ADVOGADO, Contabilista, Empresário. Consultor Varejo. Processualista com atuação nas áreas Cíveis com predominância em direito societário, ambiental (crimes ambientais), empresarial, previdenciário, Contratos, Inventários/arrolamentos/partilhas, testamentos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Marlon Sampaio. Títulos de crédito: boletos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4880, 10 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53644. Acesso em: 19 dez. 2024.

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