Capa da publicação A relativização da obrigação de alimentos e a dignidade da pessoa humana: não é caridade, e sim, Justiça
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A relativização da obrigação de alimentos e a dignidade da pessoa humana

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2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A compreensão e vinculação do princípio da dignidade da pessoa humana como valor determinante, próprio e precípuo da condição de ser humano, tem origem na teologia cristã da idade clássica. Comentando sobre essa origem nos âmagos do cristianismo, Ingo Wofgang Sarlet (2002, p.24) elucida que o pensamento cristão, baseando-se na fraternidade, e em resposta a valoração material e sanguínea da época, – onde a posição social e o nível de riqueza determinavam a presença ou não de dignidade – provocou uma mudança de mentalidade social, incentivando a valorização do conceito de igualdade entre todos os cidadãos, exemplo disso, reside na primeira referência ao termo “dignitas humana”, realizada pelo então Padre São Tomás de Aquino.

É válido recordar o contexto histórico absolutista da época, onde o poder estatal era exercido sem qualquer tipo de controle, tampouco era garantido a parcela não-nobre da sociedade qualquer esfera de direito. O homem era definido, avaliado e alocado, tendo como parâmetro, apenas seu sobrenome, raça, sexo e naturalidade. É justamente esse escopo histórico de abusos e desigualdades que fomentou e impulsionou a Revolução Francesa durante o século XVIII. Movimento que pôs fim ao regime absolutista francês, estabelecendo também, através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a libertação do ser humano de qualquer tutela abusiva absolutista, e garantindo direitos fundamentais à dignidade humana. Tais Direitos eram considerados inalienáveis, irredutíveis e indeduzíveis, estabelecendo o Homem como o fim de todas as normas e o povo como o único soberano diante do Estado.

Após a inserção promovida pela religião, coube à Filosofia incitar o estudo e propagação do conceito. A partir disso surgiu a concepção Kantiana, que vinculou a compreensão de dignidade como uma qualidade característica da própria concepção humana, sendo de natureza insubstituível e inalienável, repudiando qualquer consideração que reduzisse o ser humano a mero objeto, instrumento ou coisa. Kant delineia e caracteriza a distinção entre bens e coisas, que podem ter seu valor delimitado em moeda, e as que, contrariamente, possuem dignidade, as quais são impossíveis de estabelecer valoração, seja esta de qualquer tipo. Portanto, tudo que possui natureza digna, não permite valoração, tampouco substituição. Sobre a natureza imutável e comum do núcleo da dignidade de cada ser humano, e à luz do Artigo 1º da Declaração dos Direitos Humanos, a atual presidente do STF, Carmen Lúcia Antunes Rocha, declara:

Gente é tudo igual. Tudo igual. Mesmo tendo cada um a sua diferença. Gente não muda. Muda o invólucro. O miolo, igual. Gente quer ser feliz, tem medos, esperanças e esperas. Que cada qual vive a seu modo. Lida com as agonias de um jeito único, só seu. Mas o sofrimento é sofrido igual. A alegria, sente-se igual (ROCHA, 2004, p. 13).

Desde então, inúmeros conceitos foram construídos na tentativa de definir esse instituto, mas devido a sua abrangência e natureza subjetiva, ainda podemos encontrar vertentes diferenciadas de conceituação. Sobre essa evolução conceitual Rizzatto Nunes (2009, p.49) assevera que: “dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica”. Enriquecedor também é o conceito dado por Ingo Wolfgang Sarlet que define dignidade como:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET 2002, p.62).

Uma vez definido e exposto pela filosofia, e abraçado pela sociedade, principalmente após as duas guerras mundiais do século XX, o Direito se adapta a esse novo preceito, o positivando na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 1º no ano de 1948, in verbis:“Todos os seres humanos nascem livres eiguais em dignidade e direitos. São dotadosde razão e consciência e devem agir emrelaçãouns aos outros com espírito defraternidade” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).Após tal iniciativa, diversos estados acolheram e ampliaram esse novo princípio que serviu de fonte e guia de textos constitucionais de diversas Constituições, como a Norte Americana e a Alemã. Apesar de toda sua difusão normativa e adoção como princípio constitucional, a legislação isolada, não concede dignidade de fato, muito menos a constitui. Segundo o sentir da lição de Carmem Lúcia Antunes Rocha:

O sistema normativo de direito não constitui, pois, por óbvio, a Dignidade da Pessoa Humana.O que ele pode é tão-somente reconhecê-la como dado essencial da construção jurídico-normativa, princípio do ordenamento e matriz de toda organização social, protegendo o homem e criando garantias institucionais postas à disposição das pessoas a fim de que elas possam garantir a sua eficácia e o respeito à sua estatuição. A Dignidade é mais um dado jurídico que uma construção acabada no direito, porque firma e se afirma no sentimento de justiça que domina o pensamento e a busca de cada povo em sua busca de realizar as suas vocações e necessidades (ROCHA, 1999, p. 26)(grifo nosso).

Sua previsão em matéria constitucional apenas reconhece a dignidade como ente essencial ao universo jurídico, o que de certa forma limita seu significado. Logo, a dignidade não deve ser analisada apenas sob esse prisma, pois como bem define José Afonso da Silva (1998, p. 146) “ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa tal como a própria pessoa humana”. A sociedade e o Direito transformaram-na em um valor supremo de toda ordem jurídica democrática constitucional, fator observado quando a Constituição a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Não se busca, aqui, alocar esse instituto como algum tipo de fundamento, princípio fundamental ou princípio geral do direito. Defini-lo nesse sentido restringiria sua amplitude de significado e reduziria seu real valor. Desde a promulgação da Constituição de 1988, doutrinadores tentam enquadrar a dignidade humana como um princípio fundamental, o que de certa forma é incoerente, por que acaba limitando seu conceito, uma vez que princípios fundamentais se referem a estruturação do ordenamento constitucional, sendo mais limitado até mesmo que os princípios constitucionais gerais que permeiam qualquer norma legal.

O ponto chave deste raciocínio é o posicionamento fundamental e basilar da dignidade humana em relação à fundação do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Isso implica em dizer que esse valor está inserido diretamente na fundação da República, da Democracia e do Direito, se expandindo além da esfera jurídica, e irradiando sua influência na esfera política, social, cultural e econômica. A supremacia aqui defendida é una a todas as esferas estatais e sociais, sendo a base de fundação do Estado Brasileiro e a mãe de todos os princípios fundamentais. Sobre sua característica suprema e consignatária, José Afonso da Silva explica:

[...] o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir 'teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais (SILVA, 1998, p. 89-94).

Assim, de forma consequente, e objetivando a efetivação in concreto da dignidade da pessoa humana, a ordem econômica passa a ter como dever assegurar a todos os mínimos recursos necessários a subsistência e desenvolvimento, a educação, o aperfeiçoamento e preparo do cidadão, e a ordem pública, a segurança dos bens e a tranquilidade social, todos esses, instrumentos estatais de promoção e garantia à uma vida digna.


3 A POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DO ARTIGO 1697 DO CÓDIGO CIVIL

Uma vez discutidos os princípios aqui interessados, passamos à análise do caso concreto. Ocorre que, em recente decisão prolatada pelo magistrado da Comarca de São Carlos (SP), um tio foi condenado a prestar alimentos a um sobrinho, valendo-se da interpretação extensiva do art. 1697 do Código Civil de regência, cujo dispositivo, in verbis, segue transcrito: “Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais” (BRASIL, 2002).

No caso aqui relatado, ambos os ascendentes não possuíam capacidade de arcar com a obrigação, tampouco o alimentando possuía irmãos. Fato agravado quando considerada a evidente omissão de cuidado por parte do genitor, que já fora sancionado por medida inibitória de afastamento. Além disso, o sobrinho foi acometido pela síndrome de Asperger, impossibilitando o provimento de seu próprio sustento e sensibilizando ainda mais seu estado de vulnerabilidade social. Eis aqui um confronto claro de princípios e normas, afinal seria justo o parente de 3º ou 4º grau ter sua intimidade e patrimônio violados em face de algo que claramente não deu causa? Não obstante a isso, qual o destino do jovem abandonado por seu pai e acometido por deficiência?

O legislador relativizou o princípio da solidariedade entre parentes, em relação ao direito de alimentos, mas determinou que a responsabilidade seja transmitida apenas aos ascendentes, descendentes e irmãos, não mencionando no dispositivo em epígrafe, os demais colaterais, mesmo que esses estejam incluídos no rol de legitimados a direito de sucessão patrimonial. Em um primeiro momento, principalmente se analisado sob o viés do devido processo legal e da segurança jurídica, não é ofertado ao magistrado a possibilidade de flexibilização da norma, sob incidência de grave vício processual, que mina os demais entendimentos e decisões proferidas pela justiça brasileira e se afasta claramente do conteúdo normativo. Caso semelhante a esse já foi julgado em 2016, pela 3ª Turma do STJ que negou obrigação alimentar de sobrinho perante a tia, REsp 1510612/SP:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DÍVIDA. FALECIMENTO. PAGAMENTO. SOBRINHO. HERDEIROS. RESPONSABILIDADE. LIMITE. VALOR DA HERANÇA.

1. Trata-se de ação de cobrança movida por sobrinho contra seus tios, objetivando a condenação dos réus ao reembolso do quanto despendido no tratamento médico de sua tia, além das despesas com remédios, internação, sepultamento e produtos destinados aos animais de estimação da falecida.

2. Nos termos do art. 1.697 do Código Civil, ao autor, sendo parente de terceiro grau na linha colateral, não cabia obrigação alimentar.

3. Ao pagar as despesas em decorrência de obrigação moral e com intenção de fazer o bem, o recorrente tornou-se credor dos recorridos, nos termos do artigo 305 do Código Civil. 3. Não tendo natureza alimentar o crédito do autor, limita-se a responsabilidade dos réus ao valor da herança - art.1.997 do Código Civil.

4. Recurso especial não provido.

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É fato que respeitáveis doutrinadores acreditam que a obrigação alimentar, à luz da interpretação estrita do artigo 1697 CC, atinge somente os colaterais de segundo grau, sejam estes irmãos germanos ou unilaterais, eximindo os demais colaterais como tios e sobrinhos (3º grau) e, primos e tios-avôs (4º grau). Acredita-se que uma vez que o legislador se omitiu, não mencionando expressamente a obrigação para os demais colaterais, seu “silêncio eloquente” significa a não autorização. O que vai de encontro ao viés legalista doutrinário, atendendo a princípios como o do devido processo legal, uma vez que qualquer dever só pode ser imposto ao indivíduo se expressado em lei.

Todavia, diante da atual realidade jurídica e sob a nova hermenêutica constitucional que permeia nosso ordenamento, o “neoconstitucionalismo”, tal posicionamento se torna equivocado, já que a prestação e alimentos tem vínculo direto com a manutenção da vida e dignidade do alimentando. Sob esse novo viés de interpretação constitucional desenvolvido ao longo do final do século XX e início do XXI, Bobbio (1989) percebe que não é possível definir o direito sendo a norma jurídica considerada e analisada isoladamente, pois uma definição satisfatória do mesmo só é possível se o ordenamento jurídico for interpretado como um todo, um único dispositivo, dota de princípios gerais norteadores e normas específicas.

Em feliz síntese, Coelho, Branco e Mendes (2008, p. 127) ensinam que esse novo constitucionalismo se caracteriza da seguinte forma: “a) mais Constituição do que leis; b) mais juízes do que legisladores; c) mais princípios do que regras; d) mais ponderação do que subsunção; e) mais concretização do que interpretação”. Em resumo, ressaltamos que, ao contrário da massificação e repetição de teorias e ideias, o jurista manipulador do Direito deve-se atentar ao núcleo principal desse novo viés constitucional: a busca e manutenção de uma Constituição viva e eficaz. Outro ponto interessante argumentado se encontra na falta de sintonia entre o Direito Sucessório e o Direito de Alimentos. Sob a égide daquele o legislador expande o direito hereditário até o 4º grau, vide arts. 1829 e 1839 do Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau (BRASIL, 2002)

O que destoa quando comparados com os artigos 1696 e 1697 do mesmo diploma, uma vez que os tios ou sobrinhos (parentes de 3º grau) não são mencionados, enquanto que, de forma contrária, em linha sucessória, até mesmo parentes de 4º grau podem ser considerados herdeiros legítimos. Diante dessa dicotomia Madaleno (2008, p. 674) critica aqueles que objetivam restringir os credores da obrigação de alimentos. Segundo o doutrinador “ambos os sistemas se interpenetram, de modo que, se houver direito de herança, ainda que de modo eventual, igualmente se deverá permitir que esse parente seja chamado à obrigação alimentar” (MADALENO, 2008, p. 674).

Outro ponto que fortalece o posicionamento de Madaleno é relembrado por Farias e Rosenvald (2008, p. 820): “a obrigação alimentar entre parentes, inclusive entre colaterais do quarto grau, baseia-se nas relações de solidariedade familiar – o que impõe o auxilio em momento de necessidade, sob pena de frustrar a própria fundamentação do parentesco”. Não obstante, é necessário lembrar o posicionamento diferenciado dos alimentos quando comparados as demais obrigações, uma vez que subsidiam a garantia de uma vida digna. Fator potencializado pela condição sensível do alimentando infantil e juvenil, que gozam de proteção especial constitucional.

Ressalta-se, também, a importância que o legislador concedeu a esse direito, sendo a única conduta civil punível com restrição de liberdade no ordenamento brasileiro, uma vez que a prisão do depositário infiel foi considerada ilícita (Súmula Vinculante 25 do STF). Medida que busca pura e simplesmente a preservação da garantia do atendimento das necessidades básicas do alimentando. Mesmo diante do posicionamento contrário da maioria doutrinária, acreditamos que a extensão da responsabilidade alimentar aos demais parentes colaterais, é uma consequência inegável do nosso ordenamento jurídico, desde que, como discutido anteriormente, a hermenêutica utilizada esteja sob a luz neoconstitucional.

Logo, estamos diante de um direito fundamental que deve ser priorizado e protegido pelo Estado, se tornando ainda mais latente e sensível quando envolve crianças, adolescentes ou deficientes físicos, todos estes protegidos de forma especial pela legislação pátria, aqueles pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD) e estes pela Convenção de Nova York (Dec. 6949/09), que em seu artigo 23.5 incita:

5 – Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade (BRASIL, 2009). 

 Indubitavelmente, os cuidados alternativos mencionados no texto legal, se traduzem também em alimentos, mesmo que estes tenham que ser fornecidos pela “família mediata”, quando a família em 1º grau não possuir condições de arcar com a obrigação.O limiar entre o abuso de poder estatal e a garantia de uma vida digna, quando relacionado a esta problemática, é uma linha muito tênue. Por isso é necessária extrema cautela durante a análise do caso concreto, algo feito com maestria pelo magistrado sentenciante de São Carlos, que diante da total ausência de amparo familiar em 1º e 2º grau, estado de saúde do interessado e circunstâncias específicas do caso, ampliou o grau de incidência do artigo 1697 do Código Civil.

A nosso ver, a decisão possui não só boa retórica e argumentação, mas também se encontra baseada em sólidos princípios constitucionais, que mesmo diante de uma possível restrição ao campo de liberdade patrimonial de particulares, fornecem fiel orientação para a sentença. Apesar disso, ressaltamos que se presentes pequenos deslizes quanto à interpretação e ponderação do caso concreto, a sentença proferida pode oferecer sérios riscos à segurança jurídica e ao patrimônio de terceiros, podendo até mesmo comprometer a dignidade desses indivíduos.

Valendo-se novamente do raciocínio de Reale(1994, p. 87), mesmo que a um primeiro momento essa afirmação soe equívoca, concordamos com o posicionamento de que “uma segurança ideal, seria uma razão de insegurança, uma vez que é natural ao homem o impulso a mudança e a perfectibilidade, o que é chamado por Camus de ‘espírito de revolta’”. Assim, a afirmação de que a extensão da obrigação de alimentos em relação aos tios, prolatada pelo magistrado da comarca de são Carlos, mesmo que considerada por alguns autores como um atentado a segurança jurídica (completar mais), a nosso ver, representa um caso concreto da manifestação do espírito de revolta humano mencionado por Reale, que exige uma resposta estatal célere, afinal é justo privar o alimentando de condições mínimas existenciais como a alimentação e a saúde, em nome da segurança patrimonial de seus tios? Ora, uma vez comprovada a capacidade financeira de arcar com esse mínimo necessário, sem depreciar a qualidade de vida da família, que razão de fato poderia negá-la?

O ponto sensível dessa discussão se encontra no embate/choque principiológico entre a dignidade do credor, a segurança patrimonial do réu, e a segurança jurídica relacionada a legislação e jurisprudência envolvidas. Nesse diapasão relembramos o caráter fundamental do princípio da dignidade humana já mencionado neste trabalho. Princípio norteador de toda a legislação constitucional em vigência, o mesmo pode ser considerado superior a todos os outros princípios presentes no arcabouço jurídico brasileiro, condição explicada pela sua natureza, caráter basilar transcendente e até mesmo pelo seu posicionamento como princípio originário de inúmeros outros ideais jurídicos.

Dessa forma, considerar o simples prejuízo patrimonial, mesmo que ínfimo, como justificativa suficiente à negativa de prestação de alimentos denegriria o princípio da solidariedade entre parentes, maculando a Constituição Federal, e sua própria razão de ser, o que denota um sério retrocesso jurídico, guardando semelhança com práticas estatais que remontam ao regime absolutista da idade média.

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Sobre os autores
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Renzo Magno Nogueira

Discente do SétimoPeríodo do Curso de Direito da Faculdade Multivix – Unidade Cachoeiro de Itapemirim. Monitor das Disciplinas de Teoria Geral do Processo Civil e Direito Civil I. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Tauã Lima Verdan ; NOGUEIRA, Renzo Magno. A relativização da obrigação de alimentos e a dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5588, 19 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54264. Acesso em: 7 out. 2024.

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