Capa da publicação A relativização da obrigação de alimentos e a dignidade da pessoa humana: não é caridade, e sim, Justiça
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A relativização da obrigação de alimentos e a dignidade da pessoa humana

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4 POSSÍVEIS CRITÉRIOS OBJETIVOS NORTEADORES DA APLICAÇÃO E EXTENSÃO DA NORMA.

Matéria polêmica e de constante discussão, a extensão e relativização da prestação de alimentos ainda precisa ser analisada e discutida pela comunidade jurídica. Reconhecendo a necessidade e o caráter abstrato dessa disciplina, postulamos aqui a ideia de que o desenvolvimento de alguns critérios de avaliação (parâmetros objetivos)poderia criar uma linha norteadora da jurisprudência nacional acerca desta matéria. O que reduziria a assimilaridade entre decisões prolatadas, garantindo consequentemente maior segurança jurídica ao assunto, o que nada mais é do que o papel assertivo da doutrina. Discute-se, aqui, 4 (quatro) parâmetros objetivos capazes de fornecer a mínima compatibilidade entre a autonomia econômica privada e os princípios éticos presentes no Estado:

  1. Completa incapacidade de cumprimento do dever alimentar do sujeitos descritos diretamente na legislação. Requisito precípuo e fundamental a análise em questão, uma vez alegada impossibilidade do cumprimento total ou parcial do compromisso, deve-se verificar e comprovar a real situação econômica dos responsáveis diretos pela prestação alimentícia, utilizando para isso qualquer banco de dados público que possa fornecer esse tipo de informação, além de uma análise social realizada por assistente social da comarca.
  2. Incapacidade do alimentando de prover o próprio sustento. O possível credor deve possuir característica que o impossibilite a busca de seu próprio sustento. Essa característica pode ser relacionada a diversos fatores: menoridade civil, deficiência física ou psíquica que comprometa qualquer tipo de atividade, estado de saúde comprometido, ou até mesmo não conclusão do mínimo acadêmico necessário a atividade profissional, este fator pode variar de acordo com a realidade econômica, social e cultural de cada região, devendo ser analisado e adequado pelo magistrado.
  3. Atual ameaça a dignidade do alimentando. A situação de vulnerabilidade do alimentando deve ser presente e sua dignidade deve estar ameaçada. Situação esta que pode ser comprovada através de um estudo social e exames médicos. São fatores que caracterizam esse estado: o abandono escolar, a má alimentação, a má medicação, a falta de cuidados médicos essenciais, entre outros.
  4. Moderação de valores e viabilidade patrimonial. Deve-se buscar a atribuição de um valor que forneça apenas o necessário existencial ao indivíduo, concedendo-o o mínimo a sua alimentação, higiene pessoal, habitação e estudo, mas atentando-se sempre a viabilidade patrimonial do alimentante. Isto é, o caráter excepcional da convocação de parentes não mencionados diretamente na norma, apesar subsidiada por nobres princípios constitucionais, exige redobrada proporcionalidade e atenção quando fixado o valor da pensão, objetivando o sustento do alimentando, mas evitando ao máximo a depreciação da qualidade de vida do devedor de alimentos. No processo mencionado da comarca de São Carlos o juiz atribuiu o valor em 10% do rendimento líquido do tio.

Convém considerar que muitas vezes o responsável imediato não poderá arcar com a prestação total, mas de certo que pode contribuir com alguma parcela, desde que esta não prejudique o mínimo necessário a seu sustento. Dessa forma, o alimentante ou o próprio alimentado poderá acionar os demais responsáveis, a fim de contribuírem com parte do valor, conforme positivado no artigo 1698 do CC:

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato: sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide (BRASIL, 2002).

Importante destacar que a obrigação alimentar não é solidária em sentido estrito, ou seja, não deve alcançar todos os sujeitos passíveis de serem acionados ao mesmo tempo. O que existe é o Direito privativo do réu de que, caso não suporte arcar com a prestação integral, chame os corresponsáveis a fim de integrar o polo passivo da demanda, e a prerrogativa do autor de requerer a intervenção dos demais responsáveis, a fim de assegurar seu direito. O chamamento e a intervenção só devem ocorrer, caso a obrigação primária e principal seja frustrada, ou quando se demonstrar insuficiente, conforme decisões já proferidas pelo STJ em 2005 e 2011:

ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AVÓS.“A turma deu provimento ao recurso especial a fim de deferir o chamamento ao processo dos avós maternos no feito em que os autores pleiteiam o pagamento de pensão alimentícia. In casu, o tribunal a quo fixou a responsabilidade principal e recíproca dos pais, mas determinou que a diferença fosse suportada pelos avós paternos. Nesse contexto, consignou-se que o art. 1.698 do CC/2002 passou a prever que, proposta a ação em desfavor de uma das pessoas obrigadas a prestar alimentos, as demais poderão ser chamadas a integrar a lide. Dessa forma, a obrigação subsidiária deve ser repartida conjuntamente entre os avós paternos e maternos, cuja responsabilidade, nesses casos, é complementar e sucessiva”. Precedentes citados: REsp 366.837-RJ, DJ 22/9/2003, e REsp 658.139-RS, DJ 13/3/2006. (STJ, REsp nº. 958.513/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 22/02/2011).

CIVIL. ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO COMPLEMENTAR E SUCESSIVA. LITISCONSÓRCIO. SOLIDARIEDADE. AUSÊNCIA. 1 - A obrigação alimentar não tem caráter de solidariedade, no sentido que "sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos." 2 - O demandado, no entanto, terá direito de chamar ao processo os corresponsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras. 3 - Neste contexto, à luz do novo Código Civil, frustrada a obrigação alimentar principal, de responsabilidade dos pais, a obrigação subsidiária deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante de sua divisibilidade e possibilidade de fracionamento. A necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado maior provisionamento tantos quantos coobrigados houver no pólo passivo da demanda. 4 - Recurso especial conhecido e provido.

(STJ - REsp: 658139 RS 2004/0063876-0, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 11/10/2005, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 13/03/2006 p. 326RBDF vol. 37 p. 90RSTJ vol. 201 p. 474)

Assim o valor atribuído poderá ser fracionado entre cada responsável, reduzindo o impacto sobre o patrimônio individual e proporcionando maior segurança ao alimentado, principal interessado e protegido dessa relação. Diante da mitigação da possibilidade de abuso e lesão ao patrimônio pessoal e maior clareza quanto a aplicação concreta, o caminho rumo a pacificação dessa matéria se torna mais próximo. Tendência já presente no judiciário brasileiro, que vem reconhecendo como lícita e possível a relativização do alcance da obrigação de alimentos.


CONCLUSÃO

Matéria em constante evolução e modificação, escrever sobre Direito de Família é sempre um grande desafio. O que não reduz em nenhum momento sua importância perante a justiça, sociedade e Estado. Mais do que preceitos reguladores das relações familiares, essa linha jurídica tem o dever de proteger a menor e mais importante célula social: a família. Mesmo diante do atual cenário evolutivo social, onde antigos conceitos e concepções se alteram a cada dia, ainda podemos tentar fornecer um norteamento ao jurista em geral. Talvez seja justamente por reconhecer esse novo estado de volatilidade social, que uma nova metodologia de interpretação constitucional, neoconstitucionalismo, tenha sido desenvolvida e tem sido implementada. A proposta de uma adaptação consciente, justa e segura a essa nova realidade no âmbito do Direito Familiar, mais particularmente quanto a prestação de Alimentos, é o legado desse trabalho.

No caso em questão o Direito tornou-se obsoleto e rígido, conduzindo o jurista a uma interpretação mais fria, positiva e lógica, da realidade social familiar brasileira. Dessa forma o caso concreto tendeu a se distanciar da tipificação total da norma. O legislador originário, em grande sabedoria, já conhecia e projetou essa realidade. Onde? Nos princípios constitucionais. São os princípios as ferramentas capazes de iluminar o entendimento, quando a relação de moldura entre norma e realidade apresenta falhas. Sua natureza, abstrata e natural, é o segredo da enorme capacidade de adaptação, afinal, esses institutos nada mais são do que preceitos naturais e éticos inseridos no âmago da normatividade. Tendo muitos deles origens na própria natureza do homem, como é o caso da dignidade humana, e outros na própria natureza do Estado, como o Devido Processo Legal e a Segurança Jurídica.

A prestação de alimentos, mais do que um dever moral familiar e uma obrigação natural de sustento, caracteriza-se como o único meio de sobrevivência e garantia de uma vida digna de um indivíduo fragilizado. Em nada se assemelha à caridade ou ao altruísmo, mas antes à justiça, à fraternidade e acima de tudo à valorização da vida, pois como bem comenta Mary Shelley, “O mundo precisa de justiça, não de caridade”.

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Referências

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SILVA, José Afonso. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Malheiros, 1998.


Notas

[1] Tradução livre do autor: “Nenhuma pessoa será detida para responder por crime capital ou hediondo, a menos que apresentada ou indiciada por um grande júri, com exceção dos casos levantados pelas forças terrestres ou navais, ou pela milícia, quando em serviço em tempo de guerra ou perigo público; não será sujeito pela mesma ofensa duas vezes a colocar em risco sua vida ou parte do corpo; tampouco será compelida em qualquer caso criminal a testemunhar contra si mesmo, ou privado de sua vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem será a propriedade privada tomada para uso público sem a devida compensação”.

[2] Tradução livre do autor: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde residirem. Nenhum Estado fará ou executará nenhuma lei que desabrigue os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negará a qualquer pessoa em sua jurisdição a proteção igual das leis.”

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Sobre os autores
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Renzo Magno Nogueira

Discente do SétimoPeríodo do Curso de Direito da Faculdade Multivix – Unidade Cachoeiro de Itapemirim. Monitor das Disciplinas de Teoria Geral do Processo Civil e Direito Civil I. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Tauã Lima Verdan ; NOGUEIRA, Renzo Magno. A relativização da obrigação de alimentos e a dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5588, 19 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54264. Acesso em: 23 nov. 2024.

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