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O delegado de polícia frente ao princípio da insignificância

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16/01/2017 às 11:05
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3. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COMO CAUSA EXCLUDENTE DA TIPICIDADE

3.1. INTRODUÇÃO

A doutrina afirma que a origem do princípio da insignificância (ou da criminalidade de bagatela) se encontra no Direito Civil, por conta do brocardo romano minimus non curat praetor. Entretanto, a introdução do referido princípio ao Direito Penal teria se dado por intermédio dos estudos de Claus Roxin, nos idos de 1970 (MASSON, 2013, p. 25).

Luiz Flávio Gomes (2009, p. 15), neste contexto, traz à baila o conceito de crime insignificante:

[...] infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância. Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita) da intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista, etc).

Rogério Sanches Cunha (2014, p. 71-2) relaciona as infrações bagatelares ao princípio da intervenção mínima, mais precisamente ao caráter fragmentário do Direito Penal. Segundo o doutrinador, o princípio da intervenção mínima revela que o Direito Penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, se fracassadas as demais esferas de controle – o que denota o caráter subsidiário deste ramo do Direito –, sendo observado, para sua aplicação, apenas os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado (caráter fragmentário do Direito Penal).

Arremata Francisco de Assis Toledo (1994, p. 133):

[...] segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai aonde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.

Nesta senda, o crime de bagatela surge quando a ofensa perpetrada não é capaz de atingir materialmente e de forma relevante e intolerável o bem jurídico protegido.

3.2. A RELAÇÃO ENTRE TIPICIDADE MATERIAL E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Como visto em tópico anterior, a concepção de tipicidade tem evoluído ao longo do tempo. Em um primeiro momento, entendia-se a tipicidade como mera subsunção da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal, o que se denominava tipicidade formal (GRECO, 2009, p. 65).

Ocorre, entretanto, que conforme uma perspectiva mais atualizada, a tipicidade penal deve ser compreendida como a soma do seu aspecto formal aliado à tipicidade conglobante, conforme ensinamento de Rogério Sanches Cunha (2014, p. 72).

Conforme Greco (2009, p. 65), para que esteja presente a tipicidade conglobante, necessário se faz verificar dois aspectos fundamentais: “a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico”. Ressalta que a análise do princípio da insignificância reside na última vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material. E explica:

Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio -, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor.

Prossegue o doutrinador, asseverando que se a lesão sofrida pelo bem jurídico foi irrelevante, em falta estaria a tipicidade material, excluindo-se, consequentemente, a tipicidade conglobante e, também, a tipicidade penal.

Em resumo: “se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico; e, como consequência lógica, se não o fato típico, não haverá o crime” (MASSON, 2009, p. 66).

3.3. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

A jurisprudência brasileira tem admitido, em larga escala, a aplicação do princípio da insignificância. Para tanto, em entendimento já pacificado no Supremo Tribunal Federal (vide HC 109.363/MG, j. 11/10/2011 e HC 92.961/SP, j. 11/12/2007) e no Superior Tribunal de Justiça (vide HC 205.730/RS, j. 23/08/2011 e RHC 24.326/MG, j. 17/03/2009), para o reconhecimento do princípio estudado, alguns requisitos de ordem objetiva devem estar presentes, a saber: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica causada (MASSON, 2013, p. 25).

Paulo Queiroz (2008, p. 53) considera tais requisitos tautológicos, conforme explanação abaixo:

Sim, porque se mínima é a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e a ação não perigosa, em consequência, mínima ou nenhuma é a reprovação, e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma ideia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo.

Em algumas decisões, entretanto, nota-se a exigência de que estejam presentes certos requisitos subjetivos para o reconhecimento do crime de bagatela. É a orientação, por exemplo, do Superior Tribunal de Justiça, no HC 60.949/PE, julgado em 20/11/2007:

Há que se conjugar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, como também, as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar subjetivamente se houve relevante lesão.

Ressalte-se que, para a Suprema Corte, nos mesmos moldes do entendimento adotado neste trabalho, o princípio da insignificância tem o condão de descaracterizar a tipicidade penal, em seu plano material, estando intimamente relacionado com os princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, como se viu no HC 92.463/RS, julgado em 16/10/2007, de relatoria do Ministro Celso de Mello, in verbis:

O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada- apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

Tal compreensão tem possibilitado a concessão de habeas corpus de ofício pelo Poder Judiciário, quando reconhecido o crime de bagatela (STF: HC 97.836/RS, j. 19/05/2009). Além disso, o Supremo admite a incidência do princípio da insignificância até mesmo após o trânsito em julgado da condenação, como se decidiu no HC 95.570/SC, j. 01/06/2010.

Masson (2014, p. 26) destaca que inexiste, na jurisprudência, valor máximo para parametrizar a aplicação do princípio da bagatela. Levando isso em conta, o Superior Tribunal de Justiça não admitiu o princípio da insignificância na tentativa de furto de um cartucho de tinta para impressora, avaliado em R$ 27,50, haja vista ter o delito sido praticado no interior de penitenciária onde o agente cumpria pena por crime anterior, o que revela o alto grau de reprovação da conduta (HC 163.435/DF, j. 28/09/2010).

O princípio da insignificância pode ter aplicação a qualquer espécie de delito com ele compatível e não somente em relação aos crimes contra o patrimônio (MASSON, 2013, p. 27).

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal admitiu a incidência do princípio a crime de responsabilidade do Decreto-lei nº 201/67 cometido por ex-prefeito (HC nº 104286, 2ª Turma, DJe 20/05/2011). Ainda, o mesmo tribunal aplicou o princípio ao crime de peculato-furto, cometido por carcereiro que se apropriara de farol de milha de motocicleta apreendida (HC nº 112.388, 2ª Turma, DJe 14/09/2012).

Em sentido diverso, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça não aplica o princípio da bagatela aos crimes contra Administração Pública, mesmo que o valor da lesão seja ínfimo, sob o argumento de que “a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa (REsp 1275835, Quinta Turma, DJe 01/02/2013).

O Supremo Tribunal Federal também entende incidir o princípio da insignificância no delito de descaminho, como se vê na decisão abaixo, referente ao HC 100942 da Primeira Turma, publicada em 08/09/2011:

1. O princípio da insignificância incide quando o tributo iludido pelo delito de descaminho for de valor inferior a R$ 10.000,00, presentes o princípio da lesividade, da fragmentariedade, da intervenção mínima e ante o disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02, que dispensa a União de executar os créditos fiscais em valor inferior a esse patamar.

O teto de R$ 10.000,00 também é utilizado como parâmetro pelo Superior Tribunal de Justiça, que aceita a aplicação da insignificância nos crimes de apropriação indébita previdenciária, quando o valor suprimido não ultrapassa o citado limite (REsp 121486, Sexta Turma, DJe 22/02/2012). De outro lado, a Suprema Corte rechaçou a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de apropriação indébita previdenciária, tendo em conta o valor supraindividual do bem jurídico tutelado, independentemente do valor das contribuições desviadas (HC 100938/SC, Primeira Turma, j. 22/06/2010).

Em relação aos crimes cometidos com emprego de violência ou grave ameaça, Masson (2013, p. 29) alerta que o princípio em tela não se aplica, “pois os reflexos daí resultantes não podem ser considerados insignificantes, ainda que a coisa subtraída apresente ínfimo valor econômico”. Neste sentido, já decidiu o STJ, no HC 60.185/MG (Quinta Turma, j. 03/04/2007).

No que se refere aos crimes previstos na Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas, a Suprema Corte sempre se posicionou desfavoravelmente à incidência do princípio em estudo, como já decidido no HC 91759/MG, julgado em 09/10/2007. O Superior Tribunal de Justiça também tem posição contrária a aplicação do princípio nos crimes da Lei de Drogas, tendo já publicado que a sua incidência, em especial em relação ao crime de porte de drogas para uso próprio, “seria equivalente a liberar o porte de pequenas quantidades de droga contra legem” (STJ: HC 130677/MG, j. 04/02/2010).

Destaca, entretanto, Masson (2013, p. 30) que o STF, em situação isolada, já admitiu a aplicação da bagatela ao crime de porte de drogas para uso próprio, quando do julgamento do HC 110475/SC, datado de 14/02/2012.

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Também não é possível a incidência do princípio da bagatela nos crimes militares, “sob pena de afronta à autoridade e à hierarquia”, conforme decidido pelo Pretório Excelso no HC 108512/BA, julgado em 04/10/2011.

De igual modo, inadmissível a aplicação do postulado em estudo no tocante ao crime de tráfico internacional de armas, por se tratar de crime de perigo abstrato e atentatório à segurança pública (STF: HC 97777/MS, j. 26/10/2010).  Ainda, incabível o princípio ao crime de moeda falsa, uma vez que “esse tipo penal tem como pressuposto (...) a proteção de um bem intangível, que corresponde à credibilidade do sistema financeiro, sem prejuízo da confiança que a população deposita em sua moeda” (MASSON, 2013, p. 32).

Ressalte-se que o cabimento do postulado da bagatela deve ser analisado no caso concreto, e não abstratamente, devendo ser levadas em conta as especificidades da situação fática (MASSON, 2013, p. 31). Neste sentido, a Suprema Corte decidiu, no HC 109183/RS, de 12/06/2012:

(...) o princípio da insignificância não haveria de ter como parâmetro tão só o valor do bem, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato e o reflexo da conduta do agente no âmbito da sociedade, para decidir sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela.

Deste modo, as condições pessoais da vítima, a extensão do dano e o valor sentimental do bem tendem a influenciar a avaliação do cabimento do princípio em estudo (MASSON, 2013, p. 32).

Com base nestes critérios, o Pretório Excelso afastou a alegação de incidência do princípio da insignificância em relação a furto ocorrido contra vítima analfabeta e de idosa, que teve seu dinheiro subtraído do bolso de sua calça, em via pública, em plena luz do dia, “por existir interesse estatal na repressão de condutas desse quilate” (STF: REsp 835553/RS, j. 20/03/2007).

No habeas corpus nº 96003/MS, julgado em 02/06/2009, a Suprema Corte deixou de reconhecer a bagatela no furto de uma bicicleta que, embora de valor ínfimo, havia sido subtraída de pessoa de poucas posses, que a utilizava para se deslocar ao seu trabalho, o que demonstraria “a relevância do bem para seu proprietário e a repercussão extensiva da conduta em seu patrimônio”.

De maneira semelhante, entendeu o Pretório Excelso pela inaplicabilidade do princípio da insignificância em subtração de um “Disco de Ouro” de consagrado músico brasileiro, levando-se em conta a infungibilidade da res e o seu valor sentimental (STF: HC 107615/MG, j. 06/09/2011).

Em relação ao criminoso reincidente, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu o cabimento do princípio da insignificância, “por se tratar de causa de exclusão da tipicidade, que em nada se relaciona com a dosimetria da pena” (MASSON, 2013, p. 33), como se viu no HC 96929/MS, julgado em 08/04/2008:

O ora paciente subtraiu um boné avaliado em R$ 50,00, o qual foi devolvido à vítima. Porém, diante da comprovação de seus maus antecedentes e de sua reincidência, foi condenado, por furto simples, à pena de um e seis meses de reclusão. Diante disso, é certo não se lhe aplicar a benesse do furto privilegiado. Contudo, o delito pode ser considerado como de reduzido potencial ofensivo, a merecer a incidência do princípio da insignificância, que não pode ser obstado por sua reincidência ou maus antecedentes, visto que apenas jungido ao bem jurídico tutelado e ao tipo do injusto. Com este entendimento, que prevaleceu em razão do empate na votação, a Turma, ao prosseguir o julgamento, concedeu a ordem de habeas corpus.

O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou no mesmo sentido (STF: HC 104468/MS, j. 26/10/2010). Masson releva, no entanto, que essa linha de reflexão não é pacífica, havendo decisões em sentido contrário em ambas as cortes superiores (STF: HC 100367/MS, j. 09/08/2011 e STJ: HC 195178/MS, j. 07/06/2011).

Nesse mesmo diapasão, o Tribunal da Cidadania (STJ) entendeu ser a habitualidade criminosa circunstância impeditiva para a incidência da insignificância. Neste sentido, o HC 150236/DF, julgado em 06/12/2011, noticiado no Informativo 489 daquela Corte:

Asseverou-se não ser possível reconhecer como reduzido o grau de reprovabilidade na conduta do agente que, de forma reiterada e habitual, comete vários delitos. Ponderou-se que, de fato, a lei seria inócua se tolerada a reiteração do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma. Concluiu-se, ademais, que, qualquer entendimento contrário seria um verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente tendo em conta aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida.

Partindo para a análise da seara dos interesses metaindividuais, o Superior Tribunal de Justiça não admitiu o reconhecimento da bagatela em ato de improbidade administrativa – que não possui natureza penal (STJ: REsp 892818/RS, j. 11/11/2008). Isto porque a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8429/1992) visa resguardar a moralidade administrativa, de modo que não comporta relativização a ponto de permitir “só um pouco” de ofensa (MASSON, 2013, p. 35).

No que concerne aos crimes ambientais, ambas as cortes superiores já reconheceram a incidência da insignificância, em especial, em relação ao crime de pesca proibida (STF: HC 112563, DJe 10/12/2012 e STJ: HC 178208, DJe 01/07/2013).

A despeito de o Pretório Excelso já ter admitido, de forma excepcional, a aplicação da insignificância para o crime de rádio comunitária clandestina, previsto no art. 183 da Lei 9472/97 (HC 104530/RS, j. 28/09/2010), as posições mais recentes, tanto do Supremo, quanto do STJ, são no sentido de inadmitir a incidência do postulado (STF: HC 111518, DJe 26/03/2013 e STJ: AgRg no AResp 108176/BA, DJe 09/10/2012). Segundo o Tribunal da Cidadania, na decisão mencionada, a instalação de estação clandestina já é, “por si só, suficiente a comprometer a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações, o que basta à movimentação do sistema repressivo penal”.

Sublinhe-se que a Suprema Corte também aceita a utilização do princípio da insignificância nos atos infracionais, isto é, crimes e contravenções penais cometidas por crianças ou adolescentes, nos termos do art. 103 da Lei 8069/1990. Tal entendimento já foi decidido no HC 112400/RS, julgado em 22/05/2012, por exemplo.

Analisando essas decisões judiciais, Greco (2009, p. 2009), em acertada conclusão, assevera:

Alguns poderão dizer que é muito subjetivo o critério para que se possa concluir se o bem atacado é insignificante ou não. E realmente o é. Teremos, outrossim, de lidar ainda com o conceito de razoabilidade para podermos chegar à conclusão de que aquele bem não mereceu a proteção do Direito Penal, pois que inexpressivo.

E arremata, em posição acompanhada por este trabalho:

Concluindo, entendemos que a aplicação do princípio da insignificância não poderá ocorrer em toda e qualquer infração penal. Contudo, existem aquelas em que a radicalização no sentido de não se aplicar o princípio em estudo nos conduzirá a conclusões absurdas, punindo-se, por intermédio do ramo mais violento do ordenamento jurídico, condutas que não deviam merecer a atenção do Direito Penal em virtude da sua inexpressividade, razão pela qual são reconhecidas como de bagatela.

Deste modo, a incidência ou não do princípio da insignificância deve ser avaliada casuisticamente, utilizando, o operador do Direito, das balizas estabelecidas pela jurisprudência e pela doutrina, analisadas no presente tópico, sempre com escora no conceito de razoabilidade.

3.4. A INSIGNIFICÂNCIA IMPRÓPRIA

A doutrina tem trazido à baila o que se denomina princípio da insignificância imprópria, ou ainda, infração bagatelar imprópria.  Apresentando as diferenciações, explica Sannini Neto (2014, p. 48) que, enquanto na infração bagatelar própria, o fato é irrelevante desde sua origem e exclui a tipicidade material; na infração bagatelar imprópria, “o fato nasce relevante, ou seja, há crime, mas ao longo do processo, a aplicação de uma pena se mostra totalmente desnecessária”.

Alice Bianchini, Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes (2007, p. 305), aprofundado esta definição, asseveram:

Infração bagatelar imprópria é a que nasce relevante para o Direito penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois se veria que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena conjugado com o da irrelevância penal do fato).

Pode-se exemplificar a incidência da insignificância imprópria com a hipótese do homicídio culposo, cujas consequências da infração atingem o agente de forma grave, nos termos do art. 121, §5º, do Código Penal, o que possibilita ao julgador a concessão do chamado “perdão judicial”. Aqui, vê-se claramente que o fato tem relevância para o Direito, verificando-se, no curso do processo, a desnecessidade de aplicação da pena ao agente, vez que as próprias consequências do ocorrido já lhe são penosas.

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Sobre o autor
Rafael Faria Domingos

É Delegado de Polícia no Estado de São Paulo. Especialista em Direito Penal e Processo Penal com Capacitação para Docência no Ensino Professor. Professor do Centro Universitário UNIFAFIBE (Bebedouro/SP) e do Centro Universitário UNIFEB (Barretos/SP), onde ministra a disciplina de Direito Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGOS, Rafael Faria. O delegado de polícia frente ao princípio da insignificância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4947, 16 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55049. Acesso em: 23 abr. 2024.

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