3 PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO
O processo administrativo previdenciário tem a sua regulamentação pela Lei nº 8.213/91, que também pode ser regulado por decreto positivado pelo Poder Executivo Federal, desse modo, muito procedimentos são estatuídos pelo Decreto nº 3.048/99 que regulamenta a Previdência Social, além da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 45 de 06 de agosto de 2010, denominada simplesmente IN nº 45/2010, que traz em seu arcabouço no art. 563 a definição de processo, vejamos:
Art. 563. Considera-se processo administrativo previdenciário o conjunto de atos administrativos praticados através dos Canais de Atendimento da Previdência Social, iniciado em razão de requerimento formulado pelo interessado, de ofício pela Administração ou por terceiro legitimado, e concluído com a decisão definitiva no âmbito administrativo.
Logo, considerando a relação processual existente entre o segurado e a administração pública na esfera do RGPS, tem-se a constatação que o INSS configura-se como uma das maiores instituições públicas do Brasil. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social e do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2013, os contribuintes somaram 52,7 milhões e deste percentual foram emitidos 28,3 milhões em benefícios, os números falam por si, conforme demonstrado no quadro 1:
Quadro 1 – Benefícios emitidos pelo RGPS
BENEFÍCIOS DO RGPS EM 2013 |
||||
Tipos de Benefícios |
Números |
% |
Valores em Reais |
% |
Aposentadoria por idade |
9,8 milhões |
35,0% |
R$ 115,70 bilhões |
26,0% |
Aposentadoria por tempo de contribuição |
5,5 milhões |
19,0% |
R$ 132,30 bilhões |
30,0% |
Aposentadoria por invalidez |
3,4 milhões |
12,0% |
R$ 50,40 bilhões |
11,0% |
Pensões por morte |
7,5 milhões |
26,0% |
R$ 107,30 bilhões |
24,0% |
Outros benefícios (auxílios, aposentadorias, salário-maternidade) |
2,1 milhões |
8,0% |
R$ 32,50 bilhões |
9,0% |
TOTAL |
28,3 milhões |
100% |
R$ 438,2 bilhões |
100,0% |
Fonte: Brasil (Boletim Estatístico da Previdência Social de dez/2015)
Por esses números verifica-se a grandiosidade de benefícios efetivamente pagos aos trabalhadores e, no tocante ao auxílio doença dos pedidos solicitados no ano de 2013 apenas 38% foram indeferidos. Isso representa que um aumento significante de auxílios concedidos, pois segundo Mauss e Triches (2014), nos anos de 2009/2010 esse percentual era de 49,3%.
Nesse quesito que o processo administrativo previdenciário emerge, pois busca a harmonização da atuação do Estado visando os interesses dos administrados, quer dizer o processo deixa o seu papel tradicional de resguardar o administrado em face da administração, assumindo também o papel de Estado Social, decorrente de uma atividade que se desenvolve por meio de procedimentos.
Nestes termos, o processo administrativo conforme Mauss e Triches (2014, p. 29), também pode ser assim conceituado: “todo o desenvolvimento dialético que se dá junto à Administração Pública, que tenha como fim uma manifestação do Estado quanto a determinado tópico com a participação do administrado”. Neste sentido, o processo administrativo pode ser dividido em diferentes áreas da Administração Pública, mas para efeitos deste estudo o previdenciário é o que contempla a pesquisa em tela, sobretudo àqueles que versam sobre o auxilio doença.
3.1 PROCESSOS INERENTES AO AUXÍLIO DOENÇA
Diversos doutrinadores que versam acerca do Direito Previdenciário brasileiro têm como tendência classificar o auxílio-doença em duas espécies: i) Auxílio-doença acidentário: originado de acidentes do trabalho e seus equivalentes, doença profissional e doença do trabalho; ii) Auxílio-doença ordinário ou previdenciário: relacionadas com as demais hipóteses, que tem sua gênese não-ocupacional.
Seja qual forem às espécies que se enquadrar o beneficiário é preciso obedecer a determinado procedimento. Frise-se que, de acordo com Kertzman (2008), esse benefício quando se trata de segurados especiais obedecem algumas regras próprias, no mais as demais regras para a sua concessão equivalem-se, inclusive os cálculos e os valores a serem pagos pela previdência Social. Em se tratando do auxilio doença o processo se divide em: administrativo e judicial.
3.1.1 Processo Administrativo
Via de regra, o processo administrativo deve ser iniciado por meio do requerimento formal do beneficiário, como bem disposto no CPC, art. 17 in verbis: “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. O interesse de agir diz respeito à necessidade de acionar a esfera judicial, visto que o Poder Judiciário não poderia ser acionado para toda e qualquer situação. Portanto, antes de ajuizar a processo judicial a parte precisa requerer o benefício, para que seja demonstrada a resistência da esfera administrativa.
A instauração do processo de auxilio doença deverá ser solicitada junto ao INSS pelo empregado ou seu representante legal, via telefone, pela internet ou até mesmo pela empresa, caso esteja empregado, é necessário do visto do empregador no requerimento.
Conforme preceituam Mauss e Triches (2014), o trabalhador incapacitado deve fazer um agendamento de perícia médica junto ao INSS. Para isso, necessita que este tenha em mãos o número do NIT ou PIS/PASEP e documentos de identificação, além do atestado médico que comprove a sua incapacidade. Assim, o segurado passa por avaliação médica do perito do INSS que avalia a veracidade dos documentos, ao atestar a incapacidade, fará jus ao benefício.
Contudo, em conformidade com a IN nº 45/2010, o art. 565, Parágrafo único prevê: “No caso de auxílio-doença, a Previdência Social deve processar de ofício o benefício, quando tiver ciência da incapacidade do segurado, mesmo que este não o tenha requerido”. Como bem preceitua Amado (2016), esse dispositivo busca a regulamentação do principio da verdade material, pois não é cabível apenas ao beneficiário comprovar que possui direito à prestação previdenciária, devendo, desse modo, o servidor responsável por presidir o processo administrativo agir de oficio a fim de analisar se o que está sendo pretendido merece ser acolhido.
O autor em tela complementa ainda que, se tratando de auxílio doença, deverá o segurado se sujeitar ao exame pericial a ser promovido por um médico habilitado para tal, devendo este ser servidor público e do quadro da Previdência Social. (AMADO, 2016). Ao conceder o benefício, o médico estipulará uma data limite para a cessação do benefício.
Todavia, ao aproximar o prazo de da expiração do benefício, o empregado pode agendar um pedido para a prorrogação do auxilio doença. Acontece que na maioria das vezes, o pedido de prorrogação é indeferido, positivando desta forma o objeto de litígio judicial. Assim, caso há restabelecimento do auxílio cessado de forma indevida, o requerente ingressa com ação visando o pedido de prorrogação negado.
O procedimento administrativo, ainda que não haja literaturas abrangentes nos livros, é muito praticada, visto que é possível constatar no cotidiano das organizações empresariais e também através de informações coletadas no serviço de telefone 135 e na própria Agência da Previdência Social.
3.1.2 Do Processo Judicial
Tendo por base a redação do art. 595 da IN nº 45/2010, caso o segurado ingresse com ação judicial para ter garantido o seu direito de auxilio doença o processo administrativo com o mesmo objeto seria inválido. Porém, com a revogação desse dispositivo pela Instrução Normativa INSS/PRES Nº 56/2011 o recurso administrativo terá o seu curso normal ainda que haja uma ação judicial em curso. (M AUSS; TRICHES, 2014).
Para requerer o beneficio via judicial, o processo não é complexo, aliás, é bastante simples, basta ingressar com petição simples perante o juizado especial federal, de posse dos documentos indispensáveis para o pleito, quais sejam: indeferimento de pedido do INSS e atestados, laudos e exames médicos. Os documentos elencados são imprescindíveis para demonstrar a resistência da autarquia em conceder o benefício, daí forma-se o polo passivo da ação.
Para que se proceda ao julgamento do feito, o magistrado solicita uma perícia médica com perito judicial que carece responder inquirições estabelecidas pelas partes e pelo juízo. Com o devido laudo médico pericial e as demais provas produzidas em juízo, o julgador terá condições de formular o seu convencimento e prolatar a sentença.
Contudo, na prática judicial previdenciária, segundo Amado (2016, p. 1005), “é forçoso reconhecer que ainda existem indeferimentos perpetrados pela autarquia previdenciária com mínima ou nenhuma fundamentação específica, com precária instrução probatória.” Igualmente, com a negativa em conceder o auxilio doença pelo INSS, conforme aponta Guimarães (2009, p. 2), é possível,
uma decisão provisória na Justiça Federal que garante o pagamento do benefício até o julgamento da ação. A decisão provisória, chamada tutela antecipada, deve ser solicitada pelo segurado ou por seu advogado junto com o protocolo do processo contra o INSS no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1)[10].
Importante ressaltar que a tutela antecipada somente será concedida se o segurado provar cabalmente por meio de laudos médicos e documentos que a doença acometida seja incapacitante para o desenvolvimento de suas atividades laborais. O magistrado concedendo a tutela antecipada caberá ao INSS conceder o benefício no prazo de 30 dias.
A tutela antecipada sendo concedida, o benefício e, por conseguinte o seu pagamento fica assegurado até o julgamento final da sentença ou pelo eventual recurso do INSS contestando a decisão provisória. Importante ressaltar que de acordo com Guimarães (2009), até que o recurso impetrado seja analisado, o pagamento não deverá ser cessado, o julgamento da ação pode se alastrar por dois a três anos. No tempo de análise do processo, a Justiça Federal igualmente solicita uma perícia médica para avaliar como se encontra o estado de saúde do segurado.
Ainda que a ação não lograr êxito, o segurado não terá que devolver os valores recebidos durante a vigência da decisão provisória, tendo em vista que os pagamentos foram feitos respaldados em uma ordem judicial. Discorrendo acerca do fato de existir grande demanda de ações previdenciárias para restabelecer e conceder o auxílio-doença, tem-se a posição de Costa (2011, p. 60):
Outro fator significativo, que conduz à discussão e ao ingresso de inúmeras demandas no sentido de pedir ou restabelecer este benefício, dá-se ao fato de a Previdência Social, especialmente nos seus postos menores, não contar com uma equipe de médicos, psicólogos e psiquiatras para atender os segurados adequadamente.
Entende-se, portanto que uma transformação nessa concepção, advindo de uma análise simplesmente mecânica e fisiológica dos segurados para uma percepção multidisciplinar, impediria inúmeras demandas e questionamentos sobre o litígio deste benefício. É, portanto, neste contexto que os princípios que regem o processo previdenciário precisam ser respeitados, conforme descritos a seguir.
PRINCÍPIOS GERAIS E PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO
Com o advento da Lei nº 9.784/99 do processo administrativo federal, de maneira mais trivial utilizou-se a palavra processo com o sendo representante da relação jurídica de direito público constituída entre a Administração e o administrado, ocasião em que os contornos jurídicos passaram por uma melhor definição designados a assegurar os direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins fundamentais da Administração.
Celso Antônio Bandeira de Mello disserta que:
Em decorrência do caráter funcional administrativo, a Administração deve buscar as finalidades legais através de um itinerário, de uma ordenação sequencial de atos, isto é, de um processo e um procedimento, a fim de que fique assegurado que a conclusão final administrativa, isto é, o ato derradeiro, resultou de uma trilha capaz de garantir que a finalidade legal foi, deveras, atendida e se possa controlar a ocorrência deste resultado. (MELLO, 2000, p. 420).
Daí porque é imprescindível a constituição de regras transparentes de atuação da Administração no curso do processo administrativo, seja quanto à forma, fixar prazos à prática dos atos, instrução adequada (colheita de provas), apresentarem os motivos do entendimento jurídico que levaram a pensar dessa maneira praticado na decisão e dos meios disponíveis recursais aos administrados, de maneira a assegurar o controle da legalidade da análise administrativa, seja pela própria Administração, seja pelos interessados.
Esse controle institucional ou social é que permite o aperfeiçoamento do serviço público prestado pelo órgão estatal. Os preceitos doutrinários, ao buscar diferenciar os termos “regras de direito” e “princípios”, invariavelmente chega à conclusão de que ambas estão positivadas como regras jurídicas, sendo o destino da primeira regulamentar uma determinada situação de fato que, quando ocorrida, será atribuída uma consequência jurídica.
Já o princípio, de acordo com Mendes; Coelho e Branco (2008), não obstante haver teor normativo, não está destinado a disciplinar um evento concreto de maneira direta e imediata, e sim, perante do forte teor axiológico e abstração, funciona como orientação para que o aplicador do direito, no momento da subsunção do fato à norma, utilizando-se dos métodos de hermenêutica, possa construir a norma jurídica que se deve aplicar no caso concreto.
Carvalho Filho (2004, p. 13), conceitua os princípios administrativos como “postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas”.
Marques Neto (2004), diz que no processo administrativo previdenciário é possível classificar os princípios em gerais e específicos. Princípios gerais são aqueles conhecidos por todos e bastante explorado na doutrina pátria, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal e art. 2º da Lei 9.784/99: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e interesse público.
Alguns princípios específicos aplicáveis à relação jurídica previdenciária podem ser extraídos da legislação, que segundo Zymler (2002), compreendem: a obrigatoriedade da concessão do benefício mais vantajoso; a primazia da verdade real; a oficialidade na atuação dos órgãos para a realização de requerimentos administrativos e produção de provas; e a presunção de veracidade dos dados constantes nos sistemas corporativos da Previdência Social.
O princípio da obrigatoriedade, da concessão do benefício mais vantajoso destina-se a oferecer ao beneficiário a situação jurídico-financeira mais favorável possível. No momento do julgamento administrativo, mesmo que o segurado ou dependente requeiram espécie de benefício diversa, ou mesmo sendo admissível mais de duas explicações no campo jurídico acerca do caso concreto, devem os servidores do INSS verificar as provas produzidas nos autos e, havendo a constatação do direito a benefício diferente do requerido e/ou mais benéfico economicamente, comunicar o interessado e, tendo aceitação deste, deve-se conceder o benefício.
Diferentemente do que ocorre no Judiciário, devem os órgãos públicos: atuar em busca de provas independentemente da provocação do interessado; formular requerimento administrativo em favor do interessado nos casos com previsão legal e; reconhecer de maneira automática o direito ao benefício quando os sistemas corporativos da Previdência Social indicar a presença dos requisitos legais para sua concessão. Os dados e informações constantes nos sistemas corporativos da Previdência Social, como todo ato administrativo, gozam da presunção de veracidade, presumindo-se verdadeiros enquanto não apresentadas outras provas que infirmem o seu valor probatório (STJ. EREsp 519988/CE ).
MEIOS DE PROVAS ADMITIDAS PARA CONFIGURAR A QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL RURAL
A redução de cinco anos para a aposentadoria do trabalhador rural está devidamente positivada na CF/88 (art. 202, inciso I). Com a edição da Lei nº 8.213/91, apenas os trabalhadores rurais participantes nas categorias de segurado empregado, trabalhador eventual, trabalhador avulso e segurado especial tem a sua proteção pela diminuição de cinco anos na idade para a aposentadoria. Castro e Lazzari (2015), apontam que o pescador Artesanal também tem direito à aposentadoria por idade, ainda que não tenha recolhido contribuição previdenciária, visto que este se encontra equiparado ao trabalhador rural na condição de segurado especial.
O trabalhador rural que se encontra inserido como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), nas condições positivadas do art. 11, alínea “a”, inciso I, ou do inciso IV ou VII, da lei em comento, pode solicitar aposentadoria por idade (um salário mínimo), durante quinze anos, calculados do inicio vigente da Lei, de tal sorte que possa provar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período seguidamente precedente ao requerimento do benefício, em número de meses igual à carência do referido benefício. (Art. 143. Com redação da Lei nº 11.718, de 2008).
Ribeiro (2013), discorrendo sobre esse assunto instrui que, por o prazo de vigência do art. 143 findou-se em 01/01/2011, a prova simples da atividade rural em substituição da carência não é mais possível. Contudo, visando à compensação de eventuais prejuízos oriundos da informalidade, a Lei nº 11.718/08 fixou duas ocasiões nas quais as contribuições recolhidas terão validade para fins de carência (de 01/01/2011 a 31/12/2015) e em dobro (de 01/01/2016 a 31/12/2020), implica dizer que a permanência do vínculo empregatício se dá num primeiro instante por três e depois por dois meses a cada comprovação do recolhimento. Não se pode olvidar que, essa regra aplica-se somente ao segurado empregado.
Os direitos e pretensões jurídicas emanam de fatos aos quais o direito confere determinados efeitos. Para que esses efeitos sejam materializados, no foro judicial, é imperativo que se prove de forma apropriada os fatos que lhes dão sustentação, por isso que se faz necessário uma adequada teoria da prova.
Marques (2006, p. 10) leciona que: “prova, no âmbito do direito processual, é o meio utilizado para a demonstração, no processo, da veracidade dos fatos controvertidos”. Em se tratando da prova previdenciária, assim se manifesta Bachur e Aiello (2009, p. 395):
Para a comprovação do tempo de contribuição a ser contado, o contribuinte individual pode valer-se de documentos que comprovem o exercício de sua atividade, lembrando-se que os documentos do fato a se comprovar devem ser contemporâneos. A prova testemunhal pode ser ainda utilizada em conjunto com indícios de demais provas documentais, [...].
Haja vista que no meio rural, de acordo com Serau Jr. (2006), na maioria das vezes não existe uma organização contábil eficiente, assim, é justo que o trabalhador rural possa comprovar a sua condição por meio do depoimento pessoal, conforme a permissão legal utilize de sua experiência, além dos fatos evidentes dos quais comprove a sua pretensão.
Martinez (2009), ao tecer comentários sobre a prova testemunhal destaca que esta é uma maneira sui generis de provar junto ao INSS a filiação daqueles que exercem atividade rurícola. Equipara-se à alegação na esfera administrativa a fim de que, reclamada pelo interessado, impulsiona a autarquia federal, onde ela estará ou não convencida do fato alegado pelo titular. Destarte, o INSS emitirá documento comprovando ou não o exercício da atividade que filia o trabalhador ao RGPS.
No tocante aos meios comprobatórios do trabalhador rural em linhas gerais, são intermináveis os meios exaustivos e inicios razoáveis de prova, assim, para se ter uma visão melhor acerca dessas provas destaca-se o art. 106 da Lei nº. 8.213/91, com redação conferidas pela Lei nº 11.718/2008, in verbis:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).
Não se pode esquecer que os documentos estipulados no art. 106, não são taxativos, isto é, é meio de prova, porém pode ser apresentado em conjunto com mais documentos, bem como, através de prova testemunhal. No que se refere comprovar junto ao INSS, há exigência do mínimo de prova material, todavia, não há na doutrina e tampouco na jurisprudência uma definição exata do que vem ser esse mínimo. Logo, é necessário ter em mente que de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, vige a liberdade das provas, exceto se essas forem obtidas ilicitamente.
Para os rurícolas que ainda não cumpriram o período mínimo designado carência, apenas restará à percepção do beneficio assistencial, e se atender a todos os requisitos necessários. Essa foi uma alteração importante trazida pela Lei nº 11.718/08, por meio do art. 48 que acrescentou os parágrafos 3º e 4º, estendendo à concessão de aposentadoria por idade aos 65 anos para os homens e 60 anos para mulheres, àqueles trabalhadores rurais que não preencham ao requisito para a redução da idade em 05 (cinco) anos, porém satisfazem tal condição, se forem verificados períodos de contribuição incluindo outras categorias do segurado. O benefício obedecerá ao limite de um salário mínimo.
3.4 ESPÉCIES DE PROVA AO TRABALHADOR RURAL
Neste tópico, serão descritos os meios de prova empregada no processo administrativo previdenciário, quais seja: prova documental, testemunhal e pericial, além dos procedimentos que o INSS utiliza para o ônus probante, são elas: entrevista, pesquisa externa e justificação administrativa.
Prova documental, ao trabalhador rural existe uma regra diferenciada para a comprovação da atividade rurícola, mas deve-se ter por base o inicio de prova material, regida pela Lei nº 11.718/08 em seu art. 106 e incisos em que são considerados como prova plena, não necessitando comprovação testemunhal. Contudo, é bom lembrar que os documentos previstos no artigo em tela são exemplificativos, ou seja, podem ser admitidos outros documentos que comprovem a atividade rural.
Esse é o entendimento do STJ, “[...] à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo” (STJ. AgRg no REsp 700298/CE. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. DJ 17.10.2005, p. 341). Assim sendo, a prova material pode ser aquela tendo por base outros documentos comprobatórios que possam atestar a atividade rural.
A prova testemunhal é empregada no processo previdenciário como complemento ao valor probatório dos documentos. A prova testemunhal, por si só, não é satisfatória para comprovar o tempo de serviço, necessitando, portanto ser vinculada a provas documentais que afirmem a existência do exercício da atividade laboral ou a relação de dependência, como dispõe o artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e já consolidado pelo STJ pelo meio do verbete 149: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
Segundo o art. 228 do Código Civil, não podem ser admitidos como testemunhas: os menores de dezesseis anos; aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; o interessado no litígio; o amigo que tenha certa intimidade ou inimigo explícito das partes; os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, que componham até o terceiro grau de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade.
A prova pericial é empregada, via de regra, para constatar a incapacidade laboral do beneficiário e a sua condição de inválido do dependente, para os fins da prorrogação da qualidade quando maior de 21 anos de idade (incisos I e III, art. 16 da Lei nº 8.213/91), executada por perito médico do INSS. No benefício de amparo social ao deficiente da Lei nº 8.742/93 a análise médica é realizada à luz das condições sociais em que vive o interessado, com a emissão conjuntamente do laudo do perito médico e o assistente social do INSS.
A entrevista é um método interno lançado mão pelo INSS especialmente nos processos envolvendo benefícios rurais, consistente na oitiva do requerente, equivalente ao depoimento pessoal no processo judicial civil, tendo por finalidade a comprovação do exercício de atividade rural, possui um caráter complementar relacionado às provas documentais. Também se realiza a entrevista para a oitiva de vizinhos confrontantes do imóvel rural onde a atividade é exercida pelo segurado.
Justificação Administrativa (JA) é o procedimento administrativo realizado pela Previdência Social e destinado a suprir a falta de documento ou comprovação de fato do interesse do beneficiário ou da empresa, desde que a lei não exija documento público.
No processo da justificação administrativa em que se busca comprovar o tempo de serviço, dependência econômica, identidade ou o parentesco carece o procedimento da JA estar composto inicialmente de prova material, que permitam confirmar os testemunhos obtidos pela Previdência. O interessado poderá requerer que seja realizada a justificação administrativa incluindo três a seis testemunhas, com o intuito de comprovação do que o interessado almeja comprovar. (BARROS, 2010).
Pesquisa externa são os serviços externos, abrangendo deslocamento de servidor do INSS, que tem por objetivo esclarecer dúvidas, complementação de informações ou constatação de denúncias junto a organizações empresariais, instituições públicas, entes representativos de classe, cartórios, contribuintes e beneficiários, consagrada a averiguar os documentos apresentados pelo interessado, beneficiários ou contribuintes; realizar visitas indispensáveis a atuação das atividades de perícias médicas, habilitação e reabilitação profissional, além de serviço social.
A pesquisa externa tem valiosa participação nos benefícios requeridos por segurados especiais e aos outros trabalhadores rurais, para que se possa comprovar o efetivo trabalho rural. Na fase de instrução processual bastante relevante é a utilização de informações existentes na base de dados dos sistemas informatizados da Previdência Social, dentre os quais busca-se citar os mais importantes.
O Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) teve como origem remota o Decreto nº 97.936/89 que criou o Cadastro Nacional do Trabalhador (CNT) e representava um consórcio entre o Ministério da Previdência Social e Assistência Social (MPAS), Ministério do Trabalho e Caixa Econômica Federal, assumindo a denominação atual com a Lei nº 8.212/91. Consiste banco de dados com informações dos trabalhadores e empregadores, de onde se pode extrair, dentre outros, os dados pessoais, vínculos empregatícios, e todas as informações dos segurados especiais.
A partir da edição da Lei Complementar nº 128/2008, teve um vasto trabalho para fortalecer os sistemas corporativos na Previdência Social, com a ampliação das bases de dados que norteiam o sistema CNIS, com a importação de informações da Secretaria da Receita Federal do Brasil, Ministério da Pesca e Aqüicultura, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e outros órgãos federais, com a finalidade de permitir que a análise administrativa do INSS esteja lastreada com uma gama de informações que, ao serem conferidas com os documentos oferecidos no processo administrativo, induzam o INSS a emitir uma decisão mais rápida e melhor fundamentada, com dados objetivos e confiáveis. (BARROS, 2010).
Nessa linha de atuação, recentemente o INSS iniciou trabalhos direcionados para reconhecer de forma automática os direitos dos segurados no benefício de aposentadoria por idade (aposentadoria em 30 minutos), enviando cartas para as residências dos segurados que estão na iminência de atingir o requisito etário, representando considerável avanço na análise administrativa dos benefícios.
A intenção da política pública previdenciária é transformar o INSS em órgão gestor de informações, reconhecendo automaticamente o direito intrínseco dos segurados, a partir do momento em que estejam presentes as informações comprovadoras das condições imperativas à concessão do benefício ou, se insuficientes, desobrigar o segurado de ter que apresentar novamente documentos que já estão disponibilizados na base de dados da Previdência.
3.5 ALTA PROGRAMADA DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS
Desde os anos de 1980, o manual do perito médico do então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), determinava o procedimento que deveria ser adotado para a concessão do beneficio previdenciário, sobretudo fixando data estimada para a recuperação do segurado, em que se marcava nova perícia, obedecendo a um prazo de 60 (sessenta) a 90 (noventa) dias. Esse procedimento ocupava praticamente todo o tempo das pericias previdenciárias e considerando a grande demanda de benefícios em manutenção, o tempo para marcar a pericia se dilatava ainda mais.
Com o passar dos anos, segundo dados fornecidos pelo Anuário Estatístico da Previdência Social de 2006, esse problema foi só se agravando, pois os números de concessões devido a incapacidades só cresciam isso levou a Previdência Social a promover cerca de 5 milhões de pericias médicas entre os anos de 2004-2005. (BRASIL, 2007). Em decorrência disso procurou uma forma de solucionar a quantidade de perícias médicas. E ela foi encontrada, exatamente, ao administrar as perícias intermediárias dos benefícios já em manutenção.
Visando acomodar essa situação o já INSS, editou uma norma denominada Orientação Interna da Diretoria de Benefícios do INSS nº 130, de 13 de outubro de 2005, estabelecendo o sistema de Cobertura Previdenciária Estimada (COPES), também denominada Data Certa ou Alta Programada que, segundo Pereira e Gouveia (2016, p. 4): “são denominações dadas ao procedimento adotado pela perícia médica da Previdência Social para a concessão de benefícios, em que o tempo de afastamento do segurado é estabelecido desde o início”.
A alta programada encontra-se positivada no artigo 1º, do Decreto nº. 5.844, de 13 de julho de 2.006, que trouxe alterações no artigo 78, do Decreto nº. 3.048/99. A alta era impetrada na esfera administrativa não dependendo de nenhuma outra norma para sua regularização, apenas oriunda do COPES.
Vale lembrar que antes do Decreto supra o benefício auxílio doença não estipulava prazo e, era de competência da Previdência Social arcar com as despesas pelo tempo necessário que a incapacidade estivesse presente. Todavia, o segurado para ter direito ao benefício era obrigado realizar perícia médica de dois em dois meses, ocasião que os médicos peritos do INSS conferiam se subsistia ou não a incapacidade do segurado para exercer atividades laborais (CORREA, 2009).
Bonadiman (2013, p. 19), no mesmo entendimento, se manifesta da seguinte forma:
Num passado não muito distante (até agosto de 2005) o benefício auxílio-doença era concedido por prazo indeterminado, ou seja, o benefício seria devido enquanto perdurasse a incapacidade que lhe deu origem. Entretanto, o segurado deveria fazer perícia médica regularmente, a fim de que os médicos peritos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) apurassem a incapacidade ou não do segurado para o trabalho.
Com a edição do Decreto nº 5.844/06, o procedimento sofreu alteração em que atende aos princípios da Seguridade Social, implica dizer que, o auxílio-doença veio a ser concedido por tempo preestabelecido, em que, o médico perito predetermina a data de encerramento do benefício, fixando de forma prévia o tempo que o segurado necessita para se recuperar.
O Decreto em tela dispõe ainda que, a partir do momento em que é confirmado o diagnóstico de doença incapacitante que não permite o segurado exercer determinada atividade laboral concede-se o auxilio doença e, conforme a avaliação do médico estabelece-se o tempo que este precisa de recuperação, ao seu término o beneficio é suspenso automaticamente. Essa suspensão independe de avaliação das condições particulares do trabalhador, ou seja, sem uma correta análise do atual estado do segurado.
Em linhas gerais, esse instituto segundo Oliveira (2009, p. 3), se mostra dessa forma:
Na prática, a alta programada dá-se da seguinte forma: o trabalhador passa por uma perícia na qual o médico confronta o código da enfermidade ou lesão diagnosticada com o tempo estimado de permanência em gozo do benefício apresentado pelo programa de computador utilizado pela autarquia e que se baseia em estudos estatísticos de diagnóstico, tratamento e tempo de recuperação de milhares de benefícios concedidos, sendo lançado no sistema informatizado do INSS a data de alta do segurado e o consequente encerramento do benefício.
Então, na data previamente marcada um software já programado informa que determinado segurado, constando como doente já se encontra apto a ser concedida sua alta. Isso é surreal, visto que um sistema não é médico nem tampouco um perito, assim pode-se dizer esse é um fator abusivo no campo jurídico, além de cada ser humano é dotado de peculiaridades, desse modo, um computador não pode diagnosticar ou mesmo ter habilidades de presunção que um paciente esteja recuperado.
Em relação à alta médica programada, assim se pronuncia Kertzman (2008, p. 28):
É a chamada alta programada, duramente criticada por grande parte da doutrina previdenciária. Com esta sistemática, os benefícios de auxílio doença são cessados após o prazo estabelecido, independentemente de nova perícia-médica que aponte a recuperação para a capacidade para o trabalho. Se o segurado não estiver apto para o trabalho, pode solicitar prorrogação do seu benefício.
Neste viés, pode-se dizer que conforme comprovam os fatos, o que realmente motiva a adoção desse procedimento não é à doença em si apresentada desse modo como fator originário do benefício auxílio doença, mas em especial, o desejo arbitrário de se atingir a diminuição de custos envolvidos com a manutenção do beneficio ora mencionado.
A Lei 8.213/91, em seu art. 62, resta claro em estabelecer que o benefício somente será suspenso na medida em que o segurado passar por uma avalição e for constatado a sua aptidão para desempenhar outra atividade laboral que lhe garanta a sua subsistência ou, caso sendo considerado irrecuperável, seja concedia a sua aposentadoria por invalidez.
Neste sentido, a alta programada vai à contramão do artigo em tela, visto que este não permite verificar a real capacidade de retorno ao trabalho. Mesmo porque a ciência médica não é exata, assim como nenhuma ciência é, logo, inexiste a possibilidade de o médico prever seguramente o prazo em que a patologia comprometedora da capacidade laboral do segurado estará curada, ou a data exata em que esta pessoa se encontrará apto a retornar às suas atividades habituais.
3.5.1 Incompatibilidade da alta programada com o ordenamento jurídico brasileiro e sua inconstitucionalidade
A partir do momento em que o assegurado esteja incapacitado para a atividade laboral, e a autarquia previdenciária obriga-o a reassumir seu trabalho a fim de labor para assegurar sua subsistência e de sua família, com a cessação do pagamento do benefício, está se afrontando a Carta Magna de 1988, que em seu arcabouço já no seu artigo 1º dispõe acerca dos fundamentos que conduzem a República Federativa do Brasil, com ênfase ao princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos sociais, ou seja: "a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição", dispostos de forma taxativa no artigo 6º da lei em comento.
Em que pese à seguridade social e a sua definição o artigo 194 da CF/88, dispõe que: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A alta programada, também afronta o art. 170, caput, pois torna-se impraticável haver conciliação do referido instrumento com o princípio basilar da ordem econômica, qual seja, a valorização do trabalho.
Ademais, evidencia dessa forma, que o trabalhador lesionado ou com enfermidade no exercício de suas atividades laborais extrapola a finalidade da norma de garantir a todos a existência digna, em conformidade com a essência de uma justiça social concreta.
Nunes (2010), cita também o art. 196 da CF/88, que versa sobre o dever do Estado para assegurar a todo cidadão uma vida digna, inclusive a não permanência do trabalhador incapaz em atividades laborais, pois naturalmente há o desgaste físico e psicológico, ascendendo o que prevê a promoção, proteção e recuperação da saúde do indivíduo e, especialmente, da finalidade da própria seguridade social.
Neste sentido, cabe ao Estado criar uma rede de proteção que tenha a capacidade em atender as aspirações e necessidades de todos na área social, conservando um padrão mínimo de vida, pois ao versar acerca da Seguridade Social na Carta Magna, fica clarividente que o constituinte adotou o Estado de bem-estar social[11], de tal sorte este encontra-se conectado ao juízo de colaboração, ação sólida do ideal de solidariedade, ao passo que conforme enfatiza Ibrahim (2011), em se tratando de justiça social entende-se a finalidade do desenvolvimento nacional, diretriz axiológica para o operador e aplicador das normas de proteção. Não se pode olvidar ainda que os objetivos da Seguridade Social estão positivados no artigo 194, § único, da CF/88.
Neste raciocínio, o INSS ao constituir um prognóstico que permite o trabalhador voltar a sua atividade laboral sem que este se encontre efetivamente habilitado, não está cumprindo com o seu dever de propiciar ao segurado os mecanismos imprescindíveis de manutenção até que seja recuperado integralmente para o trabalho ou, habilitado para desempenhar outra atividade para a qual possa reunir condições ou aposentação por invalidez. Neste viés, a Lei nº. 8.213/9, em seu artigo 1º, dispõe:
Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.
A lei em comento, estabelece ainda em seu artigo 62, que o segurado gozando de auxílio-doença, sem condições de se recuperar plenamente para exercer suas atividades laborais, de passar por um processo reabilitador profissional, a fim de que possa exercer outra atividade. Logo, não poderá cessar o benefício até que o trabalhador reúna de fato condições para desempenhar uma nova atividade laboral que possa assegurar a sua mantença ou, constando a Irrecuperabilidade, seja este aposentado por invalidez. Neste caso, é indispensável à realização da perícia.
Importante ressaltar que caso haja a necessidade de o segurado se deslocar da sua cidade para a realização de perícia, os custos correrão por conta do INSS, conforme estabelece o Decreto 3.048/99, em seu artigo 171, in verbis:
Art. 171 Quando o segurado ou dependente deslocar-se por determinação do Instituto Nacional do Seguro Social para submeterse a exame médico-pericial ou a processo de reabilitação profissional em localidade diversa da de sua residência, deverá a instituição custear o seu transporte e pagar-lhe diária no valor de R$ 24,57 (vinte e quatro reais e cinquenta e sete centavos), ou promover sua hospedagem mediante contratação de serviços de hotéis, pensões ou similares.
Sendo a perícia obrigatória, sob pena de suspender o benefício (art. 101, Lei nº 8.213/91) como visto alhures, é justo que o INSS garanta as despesas do segurado para ter acesso a ela, sem prejuízo de cessar o benefício. Em relação à cessação, Pereira e Gouveia (2016, p. 10), destacam que:
A lei autoriza a cessação do auxílio-doença em três casos: cessação da incapacidade, reabilitação para outra atividade ou concessão de aposentadoria por invalidez. Em todas elas, é imprescindível a realização de um exame médico pericial para atestar sua ocorrência, por decorrência lógica e por imposição legal.
Sendo assim, pode-se dizer que, seja qual for o procedimento com tendências de eliminar tal perícia, estabelecendo a cessação automatizada do auxilio doença com data previamente determinada, coloca em xeque e contrapõe à lógica protetiva previdenciária.
Destarte, a finalidade precípua do procedimento administrativo que deveria ser a habilitação do segurado para a concepção do auxílio-doença passou a ser à imposição de barreiras para se obter o benefício, tendo em vista que a intenção deste instituto ultimamente é tão somente manter o benificiário o menor tempo possível afastado, desonerando os cofres previdenciários e arranjando para que o trabalhador regresse ao mercado de trabalho, mesmo que este não esteja apto para tanto.
3.6 A INCONSTITUCIONALIDADE DA ALTA PROGRAMADA
Considerando que o benefício auxílio doença tem a sua concessão por meio da Lei n.º 9.784/99, ou seja, trata-se de um processo administrativo, deverá também ter a sua suspenção através de processo administrativo, levando em conta, desse modo, o contraditório e a ampla defesa, visto que para receber o benefício é imperativo que o segurado passe pela perícia médica realizada pelo INSS, assim, é indispensável também que ao cessar adote-se o mesmo procedimento.
Destarte, suspender ou cancelar esse benefício desconsiderando o processo administrativo, sem, contudo prover a realização de nova perícia, não tem validade e nem sustentação jurídica, a jurisprudência não deixa dúvidas a esse respeito, como pode ser constatado no julgado do Tribunal Regional Federal (TRF), da 1ª e 4ª Região.
133530493 – PREVIDENCIÁRIO – AUXÍLIO-DOENÇA – SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SEM REALIZAÇÃO DE PERÍCIA PELA AUTARQUIA – IMPOSSIBILIDADE – SEGURANÇA CONCEDIDA
– 1- Para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença o segurado deve ser submetido à perícia médica para comprovação da invalidez para o trabalho. Da mesma forma, para que seja suspenso o benefício concedido, o segurado deve ser submetido à nova perícia médica, não podendo a autarquia previdenciária suspender aleatoriamente o benefício em cumprimento ao denominado sistema de "alta programada". 2- Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF 1ª R. – RN 2007.36.00.009883-0/MT – 1ª T – Rel. Antônio Sávio de Oliveira Chaves – DJe 19.11.2008 – p. 64).
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTA PROGRAMADA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. ILEGALIDADE. É incompatível com a lei previdenciária a adoção, em casos semelhantes ao ora analisado, do procedimento da “alta programada”, tendo em vista que fere direito subjetivo do segurado de ver sua capacidade laborativa aferida através do meio idôneo a tal fim, que é a perícia médica. (TRF da 4ª Região, AC n. 2006.70.00.010597-5, Turma Suplementar, Rel. Des. Luciane Amaral Correa Minch, j. 28.02.2007, DJ 19/04/2007).
A suspensão sem a devida realização de perícia, não pode prevalecer, visto que esta se encontra com vício, pois verifica-se um caráter de arbitrariedade e abusividade, bem como afronta os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. Nessa mesma toada, vale transcrever o voto do Relator do TRF 1ª Região, MAS/DF:
PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO/CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. 1. Cuida-se de processo recebido em regime de PAJ - PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DE JULGAMENTO (Portaria nº 17/CNJ, de 17 SET 2015), [...] A mera suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não autoriza a sua suspensão ou cancelamento, prévia e unilateralmente, pela autarquia previdenciária, sem que seja assegurado ao beneficiário o direito de defesa, sob pena de violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. [...];
5. O impetrante somente foi cientificado da suspensão dos pagamentos do benefício, sem nenhuma prova de que a suspensão do benefício se deu com observância aos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, em flagrante afronta ao art. 5º, LV, da Constituição Federal/88. 6. Comprovada a irregularidade na suspensão ou cancelamento do benefício do autor, o restabelecimento do benefício é medida que se impõe. 7. Apelação e remessa oficial não providas. Sentença confirmada. (TRF-1 - AMS: 00116103820074013400 0011610-38.2007.4.01.3400, Relator: JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO, Data de Julgamento: 21/10/2015, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 13/11/2015 e-DJF1 P. 148).
Verifica-se que, havendo a suspensão do benefício sem atentar ao devido contraditório e ampla defesa, deve ser reestabelecido de imediato o pagamento sem prejuízos ao segurado. Ainda que, a Administração Pública possua o direito de tornar mais eficaz seus serviços com economia dos recursos financeiros, o segurado tem o direito de assegurar que seu benefício tenha a sua continuidade até a sua total reabilitação, e o Estado tem o dever e a obrigação de assegurar à população o devido processo legal.
Mediante o elencado, Correa (2009), aduz que, essa política da alta médica programada garante imensa economia ao INSS, pois grande parte dos beneficiários, ou seja, àqueles que se mostram hipossuficientes, quer seja em poder econômico ou como conhecedor de seus direitos, não se utilizam o judiciário e, portanto não contestam a ilegalidade, assim, a Administração Pública ardilosamente, emprega o artifício ilegal para obter vantagens ilícitas, suprimir direitos e explorar os cidadãos hipossuficientes, lembrando que essas medidas vão de encontro aos fins precípuos da própria previdência e seguridade social, constitucionalmente estabelecido.
Logo, essa “dita” economia se reveste notadamente de um aspecto opressor imposta do Estado, aos menos favorecidos que, em linhas gerais tanto necessitam desse benefício, em vários casos, para sua mantença e sobrevivência. A alta programada, neste sentido fere categoricamente diversos diplomas legais já citados, visto que, é direito do segurado ter sua capacidade verificada por meio de uma nova perícia médica, a fim de constatar se essa reabilitação foi parcial, total, ou se a incapacidade persiste.
Aqui se faz importante também, descrever em parte o Voto da Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, in verbis:
Como se percebe da leitura dos dispositivos acima (no voto, são os arts. 60 e 62 da Lei 8.213/91), é incompatível com a lei previdenciária a adoção, em casos desse jaez, do procedimento de ''alta programada'', tendo em vista que fere o direito subjetivo do segurado de ver sua capacidade laborativa aferida através do meio idôneo a tal fim, que é a perícia médica. De fato, revela-se incabível que o Instituto preveja com antecedência, por meio de mero prognóstico, que em determinada data o segurado esteja apto ao retorno ao trabalho, sem avaliar efetivamente o estado de saúde em que se encontra, tendo em vista que tal prognóstico pode não corresponder à evolução da doença, o que não é difícil de acontecer em casos mais complexos, como é o versado nos autos. (TRF 4ª Região, MS 2006.70.00.010597-5/PR).
Nesse confronto de interesses, assuntos de ordem simplesmente financeira não podem abolir a prioridade da dignidade da pessoa humana, princípio básico do Estado Democrático de Direito e pilar de todo o ordenamento jurídico em vigor, pois assim o fazendo estará agindo de forma arbitrária.
Sob esse mesmo entendimento, conforme realça Martins (2003), a dignidade da pessoa humana trata-se de uma qualidade intrínseca da pessoa humana, existindo pela simples essência de "ser" humana, a pessoa já faz jus ao respeito, qualquer que seja sua origem, raça, sexo, idade, estado civil e condição social ou econômica.
Acerca da dignidade da pessoa humana, Gomes e Santos (2016, p. 12), enfatizam que:
A dignidade se relaciona-se, ainda, aos direitos sociais materialmente fundamentais, ou seja, direitos essenciais para que o ser humano seja capaz de usufruir de direitos como liberdade e igualdade. Esses direitos essenciais variam no tempo e no espaço, são extraídos da própria CRFB/88. Hoje, sem dúvida, incluem-se nesse rol os direitos sociais. Mais especificamente, a preocupação do Estado com a dignidade humana alcançou o campo do direito previdenciário, como se constata naqueles casos em que há atuação estatal em face da necessidade de garantir a subsistência de um indivíduo quando ele já não detém capacidade de prover o seu sustento e de sua família, encontrando-se em risco social.
Desse modo, é obrigação e dever do Estado assegurar que a dignidade da pessoa humana seja preservada, sob condição de romper o elo com o próprio pacto social proposto na Carta Magna, pois estabelece o texto constitucional que o direito à proteção social se constitui um direito humano de extrema importância.
Neste sentido, Oliveira (2009), evidencia que, o Estado que sacrifica o fundamento da dignidade da pessoa humana, torna-se retrógado diante de uma imperativa conquista social, sólida ao sistema protetivo em face do risco social ao não permitir ao trabalhador efetivamente incapacitado para o trabalho e com condições mínimas de sobrevivência, colocando em xeque a sua existência (vida, corpo e saúde) e, por conseguinte, desmoralizando-o na sua condição de pessoa humana.
Segundo Bonadiman (2013), ao adotar a alta programada a autarquia busca aperfeiçoar o sistema previdenciário, uma vez que regula conceder o benefício provisório nos postos de atendimento do INSS, deixando os processos de concessão do auxilio doença mais rigorosos, prevenindo as possíveis fraudes para se obter tal benefício, além de racionalizar as perícias, de tal sorte que o segurado não será submetido a elas de maneira desnecessária.
Todavia, Nunes (2002, p. 9), argumenta de forma categórica que:
Inegável passe a Previdência Social por uma situação de crise, atribuída a fatores administrativos (sonegação, fraudes na concessão de benefícios e má aplicação dos recursos arrecadados); conjunturais (aumento da economia informal, desemprego, comportamento dos salários, dentre outros); e estruturais (envelhecimento populacional em razão do aumento da expectativa de vida, queda da taxa de natalidade etc.). Por sua importância econômica e social, assegurar a sustentabilidade, viabilidade e aperfeiçoamento do sistema previdenciário através de alterações e reformas, trata-se de necessidade emergencial, como forma de evitar o colapso da rede protetiva.
Apesar disso, embora essas medidas tenham por escopo reverter o nefasto horizonte de incertezas oriundas de uma Previdência Social que segundo especialistas encontra-se falida, é fato que medidas como essas não podem ser adotadas em detrimento do direito dos beneficiários, da forma que vêm incidindo na prática.
No bem da verdade, não é incomum, conforme leciona Correa (2009), que a Administração Pública, especialmente o INSS, lance mão de meios arbitrários e ilegais. Assim sendo, esse ente público, embora tenha ciência da ilegalidade da medida e que não se sustenta no judiciário pátrio, ainda assim promove à conduta, em sua visão leva-se em consideração que um número irrisório de trabalhadores vai acionar os meios judiciais, de tal sorte que inúmeros beneficiários aceitarão de forma passiva a ilegalidade, usando um jargão popular “vai que cola”, oferecendo assim uma economia considerável ao INSS pela abertura da arbitrariedade e ilegalidade.
Nesse sentido, assim leciona Oliveira (2009, p. 5):
O problema antes restrito à seara previdenciária assume agora contornos de comprometimento da saúde pública, isso porque a cessação do benefício em decorrência do transcurso do prazo de recuperação e tratamento estimado sem que o segurado esteja efetivamente apto ao retorno à sua atividade laboral acarreta, invariavelmente, o exercício do trabalho de forma a agravar sua enfermidade ou lesão, piorando seu estado de saúde.
É cediço que, muitas das vezes, o próprio empregador recusa que o trabalhador retorne as suas atividades laborais, tendo por base o laudo médico fornecido pelo médico assistente da empresa, a partir do momento que este aponta a incapacidade do trabalhador para assumir o trabalho sugerindo a continuidade do afastamento, nesses casos, o segurado embora não receba seus proventos pela empresa, tampouco receberá do INSS.
Assim, não se pode admitir que o auxílio-doença ao segurado seja indevido, pois na medida em que o trabalhador perde sua força laborativa, até o presente em que ele se mostre incapacitado para fazer valer sua função esta será amplamente devido, logo a alta programado fere também o que dispõe o artigo 60 da Lei 8.213/1991, que fixa que o benefício é contado da data que se iniciou a incapacidade, até onde ele permanecer incapaz.
Nesse mesmo raciocínio, há entendimento jurisprudencial, como citado abaixo:
O auxílio-doença é devido ao segurado desde a perda de sua força de trabalho até o momento em que ele permanecer incapacitado para exercer sua função. A alta médica programada afronta o disposto no artigo 60 da Lei 8.213/1991. O artigo estabelece que o auxílio-doença ao segurado passe a contar da data do início da incapacidade enquanto ele permanecer incapaz. A segurada recebeu o auxílio doença após realização de perícia, a partir de laudo que atestou sua incapacidade para trabalhar. Porém, no mesmo laudo foi preestabelecida data para o fim do benefício. Parece-me curiosa a situação colocada nestes, vale dizer, como é possível alguém constatar que uma pessoa está incapacitada para o trabalho, e no mesmo ato antever data específica na qual o doente estará habilitado a trabalhar? Tenho que essa forma de agir não pode prevalecer sob pena de afronta aos arts. 1º inciso III, 6º, 194 e 201, inciso I, todos da Constituição Federal. (2.ª Vara Federal de Bauru – Feito n.º 2006.61.08.003405-9).
Ao promover a suspensão do auxílio doença, na verdade está se impondo uma medida que viola a dignidade humana e os seus efeitos são nebulosos aos trabalhadores, sobretudo, àqueles da área rural que sobrevive da agricultura de subsistência. Igualmente, o procedimento que impõe a alta médica pré-estabelecida esconde de forma desleal a realidade fático social e exterioriza, claramente, os instrumentos utilizados por entes, como é o caso do INSS.
A alta programada, portando é indiscutivelmente ilegal e inconstitucional, pois além dos efeitos horripilantes aos trabalhadores força-os a retornar as suas atividades laborais, embora não esteja totalmente reestabelecido, afinal, eles precisam manter a própria subsistência e de suas famílias. Diante a ilegalidade indubitada do Decreto Lei nº 3.048/99, que instituiu a alta programada como visto alhures, o Poder Judiciário vem concedendo diversas medidas liminares estabelecendo a suspensão de tal procedimento, descrever-se-á alguns julgados dos Egrégios Tribunais Brasileiros, in verbis:
“Processo 2006.61.03.00.2070-3 1ª Vara São José dos Campos Autores: Sindicatos Químicos e Condutores + MPF Liminar concedida para suspender a alta programada em todo território nacional. Decisão suspensa por força da determinação da Presidente do TRF 3ª Região (Processo SL 2006.03.00.052706-3)”.
“Processo 200661080006921 – Vara Federal de Bauru-SP Isso posto, defiro, em parte, a liminar, e determino à autoridade impetrada que somente decida pela manutenção ou cessação do benefício do impetrante após a realização de perícia médica, ficando proibida a cessação com base em perícia realizada em data diversa da em que analisada a manutenção do benefício”.
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA COM CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE TRABALHADOR RURAL E PERÍODO DE CARÊNCIA. INCAPACIDADE LABORATIVA DEMONSTRADA. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. JUNTADA DO LAUDO. CUSTAS PROCESSUAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111/STJ. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.960/09. ADINS 4357 E 4425. PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. O benefício previdenciário do auxílio-doença alcança tão-somente aqueles segurados que estão em situação de incapacidade temporária para o trabalho com quadro clínico de característica reversível.
2. Relativamente à qualidade de segurada e à carência, observa-se que a autarquia-ré não apresentou, em sede de Apelação, qualquer impugnação a respeito, motivo pelo qual desnecessária se mostra a análise dos aludidos requisitos, até mesmo porque o próprio INSS já reconheceu a condição de segurada especial da requerente.
[...] omissis
9. Apelação do INSS provida e remessa oficial parcialmente provida para estabelecer o termo inicial do benefício como sendo a data da juntada do laudo e isentar a autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais. (TRF-5 - APELREEX: 00048951320144059999 AL, Relator: Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, Data de Julgamento: 16/12/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 18/12/2014).
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE LABORAL. 1. A incapacidade laboral da parte autora, de forma parcial e temporária, foi comprovada pela perícia médica realizada (fls. 91/93). A qualidade de segurado especial, por sua vez, restou demonstrada pelo INFBEN (fl. 61), indicando a concessão de auxílio-doença rural no período de 01/06/2011 a 17/09/2012. 2. Em relação à qualidade de segurado especial da parte autora, deve ser registrado que alguns documentos públicos constituem prova plena dessa condição, tornando assim desnecessária a produção da prova testemunhal. Assim, por exemplo, a existência de anotações na CTPS em relação a vínculos rurícolas, registros no CNIS e documentos comprobatórios da concessão de benefício anterior (auxílio doença, por exemplo) demonstram cabalmente a vinculação ao RGPS. 3. A cessação do pagamento do benefício previdenciário de auxílio-doença através do simples procedimento de "alta programada" viola o art. 62 da Lei 8.213/91, ainda que a data da cessação do benefício tenha sido definida pelo Juiz. A perícia médica é condição indispensável à cessação do benefício de auxílio-doença, pois, somente ela poderá atestar se o segurado possui condição de retornar às suas atividades ou não. 4. O auxílio-doença será mantido até que a parte autora restabeleça a sua capacidade laborativa, após a submissão a exame médico-pericial na via administrativa, que conclua pela inexistência de incapacidade. 5. Remessa oficial e apelação da parte autora parcialmente providas. (AC 0055743-87.2014.4.01.9199 / RO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL WALDEMAR CLAUDIO DE CARVALHO (CONV.), SEGUNDA TURMA, e-DJF1 de 26/04/2016).
Ressalta-se, desse modo, que o ato administrativo do INSS que institui a Alta Programada é ilegal e inconstitucional, pois é incongruente com a Lei 8.213/91, bem como à Constituição Federal que estabelece as garantias à vida, à saúde e a incolumidade física e mental de todos e em particular a classe trabalhadora. Logo, a norma interna do INSS referente à alta programada através não reúne fundamentos concretos que possam inibir um direito do trabalhador.
Entretanto, no tocante ao assunto em tela, o Presidente da República do Brasil, Michel Temer, editou a Medida Provisória 739 de 07 de julho de 2016, quando ainda era Presidente Interino, como ressalta Nery (2016), a Medida em tela tem o intuito permitir a redução de pelo menos R$ 6 bilhões por ano, utilizando medidas administrativas, a cobertura remunerada do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez para àqueles que não estão incapacitados para as atividades laborais.
A MP 739/2016 trouxe à baila a judicialização[12] da Previdência, que se trata de uma questão de difícil solução, necessitando desta forma mais estudos. É imperativo que se identifique a existência de nichos que podem ser preenchidos legalmente pelo Judiciário ou quando há invasão de competência da Presidência e do Congresso, instituições legitimadas para aprovação das normas que regulam a máquina previdenciária. Em um Estado Democrático de Direito os poderes constituídos operam harmonicamente cada um dentro da sua competência.
Acerca desse assunto outro não é o entendimento de Meneghetti[13] (2006, p. 13), que assim se manifesta:
O Judiciário tradicionalmente não é a fonte normativa da obrigação. Somente o Legislativo pode validamente criar a lei nova, fonte de direito novo. Nem quando o Judiciário decreta a inconstitucionalidade da lei estaria alterando a ordem jurídica, porque aí, sendo editada a lei contrariamente à Constituição, já nasce viciada.
Neste sentido, a alteração dos dispositivos da Lei nº 8.213/91, não respeita os requisitos básicos do art. 62 da CF/88, pode-se dizer que essa medida representa um retrocesso nas conquistas dos trabalhadores no tocante ao fundamento social.
Nesta toada, é válido dizer que os direitos previdenciários são, indubitavelmente, direitos fundamentais sociais, encontram-se respaldados na CF/88, além de Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Serau Jr. (2016, p. 51), aduz:
Lamenta-se, pois, a tímida jurisprudência do STF a respeito do conceito de retrocesso social, matéria que acreditamos que poderá ser melhor lapidada em nosso Excelso Pretório, com mais frequentes decisões sobre inconstitucionalidade por retrocesso social.
Destacando ainda Serau Jr. (2016), essa matéria deveria ser mais trabalhada quando da sua conversão em lei, em que os diversos segmentos sociais interessados no assunto fossem ouvidos. Enfim, as principais alterações da Medida em relação à Lei da previdência foram:
Art. 27. [...]
Parágrafo único.
No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com os períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25.” (NR)
Art. 43. [...]
§ 4º O segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101. (NR)
Art. 60. [...]
[...]
§ 8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício.
§ 9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8º, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação junto ao INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62.
§ 10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento, para avaliação das condições que ensejaram a sua concessão e a sua manutenção, observado o disposto no art. 101. (NR)
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional.
Parágrafo único. O benefício será mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, for aposentado por invalidez. (NR)
Vejamos, a medida provisória é um mecanismo legal constante no sistema constitucional brasileiro por meio da atual Carta Magna/1988 que, em seu artigo 62, permite ao Presidente da República lançar mão, a partir do momento em que se encontra perante situações excepcionais, apresentadas de extrema relevância e urgência, não tendo condições de serem solucionadas por outros mecanismos jurídicos. Tem força de lei, porém sob a ótica formal não é lei, visto que não sobrevém do Poder Legislativo, este apenas apreciará após a sua edição, cabendo-lhe convertê-la em lei ou rejeitá-la.
E como pode ser analisado, não existe nenhuma matéria excepcional ou urgente versada na MP 739/16, isso prova por si só a sua inconstitucionalidade. Todavia, analisando um passado recente, em que também inconstitucionais as MP’s 664 e 665[14], tiveram a sua conversão em lei em 17 de junho de 2015 pela então Presidente Dilma Roussef, leva a crer que isso também vai ocorrer com a MP 739.
Neste viés, vale ressaltar que nenhum decreto apresenta poder satisfatório para abolir ou bloquear o exercício de um direito fundamental, assim o que se pode dizer imperativamente é que o Decreto da Alta Programada não possui eficácia aceitável para impedir o pagamento do auxílio-doença por um segurado que não esteja totalmente recuperado.