As novas conformações familiares no Brasil da pós-modernidade

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23/01/2017 às 13:30
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– AS FAMÍLIAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 (A FAMÍLIA EUDEMONISTA)

–PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES FAMILIARES

O Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares compreende que a Carta Constitucional de 1988 elencou em seu bojo uma cláusula geral de inclusão a todas as conformações familiares existentes de fato no seio da sociedade. Permitindo que os fatos da vida colmatem a lei fria. Em consonância a esta corrente de pensamento é que o legislador constitucional editou o dispositivo 226 da constituição Cidadã: “ a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

 Destarte, o Estado pátrio entendeu por bem defenestrar o modelo familiar casamentário e patriarcal de outrora, para recepcionar todas as conformações familiares existentes de fato. Promovendo o cidadão antes marginalizado por não se encaixar no modelo imposto, a titular de direitos e garantias como seus concidadãos, e sujeito da proteção de sua dignidade humana como Direito basilar e inerente a todo e qualquer ser humano. Desta feita, não lhe furtando o direito fundamental a felicidade e satisfação afetiva.

Corroborando a esta tese, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), firmou este entendimento no seguinte julgado:

A Turma, ao prosseguir o julgamento, deu provimento ao recurso especial e estabeleceu ser impossível, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, conferir proteção jurídica a uniões estáveis paralelas. Segundo o Min. Relator, o art. 226 da CF/1988, ao enumerar as diversas formas de entidade familiar, traça um rol exemplificativo, adotando uma pluralidade meramente qualitativa, e não quantitativa, deixando a cargo do legislador ordinário a disciplina conceitual de cada instituto - a da união estável encontra-se nos arts. 1.723 e 1.727 do CC/2002. Nesse contexto, asseverou que o requisito da exclusividade de relacionamento sólido é condição de existência jurídica da união estável nos termos da parte final do § 1º do art. 1.723 do mesmo código. Consignou que o maior óbice ao reconhecimento desse instituto não é a existência de matrimônio, mas a concomitância de outra relação afetiva fática duradoura (convivência de fato) - até porque, havendo separação de fato, nem mesmo o casamento constituiria impedimento à caracterização da união estável -, daí a inviabilidade de declarar o referido paralelismo. Precedentes citados: REsp 789.293-RJ, DJ 20/3/2006, e REsp 1.157.273-RN, DJe 7/6/2010. REsp 912.926-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/2/2011.

–FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS

As uniões homoafetivas tal qual as heteroafetivas são merecedoras de guarida do Estado brasileiro haja vista que há seu bojo a união de vidas com o desiderato de compartilhar-se propósitos, patrimônio, cuidados e a felicidade. Portanto, não sendo justo que ao final do relacionamento não se seja merecedor de partilha de bens, de dever alimentar recíproco e no caso de óbito de um dos companheiros não haja direito a sucessão. Estes direitos devem ser garantidos aos companheiros homoafetivos, já que há uma união de vidas de fato e comunhão na edificação do patrimônio familiar. O liame que lhes une é o afeto e é este bastante à configuração de uma entidade familiar.

Discorrem com expertise, Farias e Rosenvald, com a técnica que lhes são peculiares:

Primus, embora a Lex Fundamentallis não tenha, expressamente, contemplado a união homoafetiva como relação familiar, uma visão unitária e sistêmica do ordenamento jurídico conduz, seguramente, a essa conclusão. Máxime quando considerados os princípios basilares constitucionais da dignidade humana (CF, art. 1º, III), da igualdade substancial (CF, art. 226), consagrando diferentes modelos de entidade familiar. Não se pense, todavia, que a família homoafetiva se confundiria com a família casamentaria – fundada no casamento, união formal entre pessoas de sexos diferentes – ou com a família convencional – fundada na união estável, como laço informal entre pessoas de sexos diferentes. Trata-se de modelo familiar autônomo, como a comunidade de irmãos (família anaparental), tios e sobrinhos e avós e netos. Todos eles merecedores de especial proteção do Estado.

Secundus, importa realçar que a família contemporânea tem o seu ponto de referência no afeto, evidenciado como um verdadeiro direito à liberdade de autodeterminação emocional, que se encontra garantido constitucionalmente.

Tertius, não proteger a entidade homossexual como um grupo familiar é negar a compreensão instrumentalizada da família, retirando proteção da pessoa humana e repristinando uma era já superada (definitivamente!) institucionalista, como se a proteção não fosse dedicada à pessoa, atentando contra a sua intransigível dignidade. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 64).

O Excelso STF (Supremo Tribunal Federal), por unanimidade, em controle de constitucionalidade, por consequência, com efeitos vinculante, reconheceu a constitucionalidade da entidade familiar formada por uniões homoafetivas, encerrando os acalorados debates nas mesas dos brasileiros, que se fazia e ainda faz pauta da hora às rodas sociais, dando-se início a uma era de mais respeito e civilidade, com um julgado histórico com relato da lavra do eminente Min. Carlos Ayres Britto no qual deitou a maestria que lhe é inerente como jurista da mais elevada estirpe que sempre fora. É o que segue:

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

(ADI 4277, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212)

Com idêntico sentir julgou o Egrégio STJ:

In casu, duas mulheres alegavam que mantinham relacionamento estável há três anos e requereram habilitação para o casamento junto a dois cartórios de registro civil, mas o pedido foi negado pelos respectivos titulares. Posteriormente ajuizaram pleito de habilitação para o casamento perante a vara de registros públicos e de ações especiais sob o argumento de que não haveria, no ordenamento jurídico pátrio, óbice para o casamento de pessoas do mesmo sexo. Foi-lhes negado o pedido nas instâncias ordinárias. O Min. Relator aduziu que, nos dias de hoje, diferentemente das constituições pretéritas, a concepção constitucional do casamento deve ser plural, porque plurais são as famílias; ademais, não é o casamento o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, qual seja, a proteção da pessoa humana em sua dignidade. Assim sendo, as famílias formadas por pessoas homoafetivas não são menos dignas de proteção do Estado se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. O que se deve levar em consideração é como aquele arranjo familiar deve ser levado em conta e, evidentemente, o vínculo que mais segurança jurídica confere às famílias é o casamento civil. Assim, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela CF/1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas e o afeto. Por consequência, o mesmo raciocínio utilizado tanto pelo STJ quanto pelo STF para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável deve ser utilizado para lhes proporcionar a via do casamento civil, ademais porque a CF determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º). Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso para afastar o óbice relativo à igualdade de sexos e determinou o prosseguimento do processo de habilitação do casamento, salvo se, por outro motivo, as recorrentes estiverem impedidas de contrair matrimônio. REsp 1.183.378-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 25/10/2011.

Em apertada síntese, confere-se às uniões homoafetivas efeitos existências e patrimoniais análogos à uma união estável. Esta foi uma opção do Tribunal Excelso, perante a omissão legislativa, aplicar mediante analogia o regramento pertinente à união estável para as uniões homoafetivas, garantindo-lhes proteção jurídica e reconhecendo-as com entidade familiar legitimada pelo Estado pátrio.

–FAMÍLIAS NATURAIS BIPARENTAIS E MONOPARENTAIS

As famílias naturais biparentais são as famílias convencionais, já amplamente desde os primórdios políticos recepcionada pelo Estado, são as famílias constituídas por pai e mãe (genitores) e os filhos, os pais possuindo relação afetiva na forma de casamento ou união estável. É a família heterossexual convencional, mais aceita pela sociedade, pelas religiões e pelas bancadas parlamentares religiosas.

Malgrado, a Carta política de 1988 também recepcionou a família monoparental expressamente em seu art. 226, parágrafo 4º fez alusão à comunidade formada pelos ascendentes e descendentes, encartando esta espécie familiar no rol das relações do Direito das Famílias. Portanto, configura uma família monoparental a convivência de uma pessoa sozinha (solteiro, descasado ou viúvo) que vivem com sua prole sem parceiro afetivo.

Conforme discorre com maestria, Farias e Rosenvald:

Alguns fatores podem determinar a formação de uma família monoparental, como o divórcio, a dissolução de união estável, a maternidade ou paternidade sem casamento ou união estável, a viuvez, a adoção por pessoa solteira, a fertilização medicamente assistida e mesmo o celibato. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 75).

A comprovação da família monoparental faz-se de forma bastante singela, basta a juntada das certidões de nascimento que atestam o vínculo familiar entre os parentes.

Insta salientar, que no bojo do rol de conformações de famílias monoparentais está-se inserida a família homoafetiva, já que no caso em tela, a família monoparental pode ser formada por pessoas do mesmo sexo. Rompendo-se, tão logo, de uma vez, com o modelo familiar que fora imposto até então.

Segundo o melhor entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira, a monoparentalidade advém da “ liberdade dos sujeitos de escolherem sua relação amorosa” o que é corolário do princípio constitucional da autonomia privada.

O Egrégio STJ entendeu sobre este tema da seguinte forma:

PET no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 841.927 - SP (2016/0005300-8)

RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA

REQUERENTE : FRANCISCO CARLOS PAIVA MONTEIRO

ADVOGADOS  : ANA CLAUDIA GOFFI FLAQUER SCARTEZZINI E OUTRO(S)

ANA MARIA GOFFI FLAQUER SCARTEZZINI

REQUERIDO : FAZENDA NACIONAL

REQUERIDO : SGMO INVESTIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA. - ME

ADVOGADO  : ALEXANDRE AUGUSTO SILVEIRA GALVÃO MORAES E OUTRO(S)

INTERES. : FRIAR INDUSTRIA E COMERCIO DE REFRIGERACAO LTDA - MASSA FALIDA

INTERES. : PAULO ROBERTO DE PAIVA MONTEIRO

INTERES. : LUIZ FERNANDO DE PAIVA MONTEIRO

INTERES. : CESAR AUGUSTO DE PAIVA MONTEIRO

INTERES. : REGINA CELIA DE PAIVA MONTEIRO ANDRADE

DECISÃO

Trata-se de agravo interposto por FRANCISCO CARLOS DE PAIVA MONTEIRO

contra decisão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, que nãoadmitiu recurso especial fundado na alínea a do permissivo constitucional, e que desafia acórdão assim ementado (e-STJ fls.401/410):

AGRAVO DE INSTRUMENTO - PENHORABILIDADE - BEM DE FAMÍLIA - ÚNICO

IMÓVEL LOCADO - NÃO COMPROVADA SUBSISTÊNCIA DO PROPRIETARIO -

RECURSO PROVIDO.

1. Concernente à alegação de bem de família, sua proteção, conforme artigo lº da Lei nº 8.009/90, exige que o imóvel seja de propriedade da entidade familiar, tenha destinação residencial e que seja utilizado como moradia pela família.

2. A expressão "bem de família" não exige a constituição rígida da família, formada pelos pais e filhos, necessariamente, até porque, no hodierno ordenamento jurídico pátrio, admite-se, inclusive, a constituição de famílias monoparentais.

3. A mens legis da Lei nº 8.009/80 abrange mais que a hipótese de “casal" ou "entidade familiar", abarcando também a eventualidade de uma única pessoa, residindo no imóvel almejado, posto que pretende a norma em discussão a proteção da moradia, cujo direito se encontra constitucionalmente previsto (art. 6º, CF).

4. Em sentido semelhante, editou-se a Súmula 364 do SuperiorTribunal de Justiça: "O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas".

5. Desnecessária a comprovação da "unidade familiar".

6. Irrelevante a existência de outros imóveis de propriedade da

família e mesmo o valor desses imóveis; a proteção incide sobre o imóvel que comprovadamente é residência da família, não se estendendo a proteção sobre os demais imóveis. Todavia, é de rigor a comprovação desse uso familiar.

7. O fato do imóvel indicado como bem de família estar alugado não obsta o reconhecimento da impenhorabilidade, como se depreende da Súmula 486, da Superior Corte: "Único imóvel residencial alugado a terceiros é impenhorável, desde que a renda obtida com o aluguel seja para subsistência do proprietário."

8. No caso concreto, verifica-se que o imóvel penhorado encontra- se locado desde 22/8/2012, conforme contrato de locação (fls. 249/254) e que é o único residencial de titularidade do agravado, segundo certidões do 1º (fl. 246) e 2º Oficial de Registro de Imóveis (fl. 247), não obstante existam outros imóveis, em princípio, não edificados.

9. Conforme alegado pela agravante, frágil a comprovação de que o executado reside em imóvel alugado, no Município de São Paulo, diante da "declaração de moradia" (fl. 248), não autenticada, sem qualificação de sua signatária, sem a juntada do respectivo contrato de locação, bem como diante da ausência de comprovantes de consumo ordinário de serviços públicos, como água, esgoto, energia elétrica, etc.

10. Recurso provido.

No especial obstaculizado, o recorrente apontou violação art. 131 do Código de Processo Civil (e-STJ fls. 412/422).

Depois de contrarrazoado (e-STJ fls. 437/448), o apelo nobre recebeu juízo negativo de admissibilidade pelo Tribunal de origem, pela aplicação da Súmula 7 do STJ (e-STJ fls. 463/465).

No presente agravo (e-STJ fls. 467/481), o recorrente alega, em

resumo, que não se pretende o reexame de prova, mas a aplicação ao caso da Súmula 486 do STJ, segundo a qual é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.

Contraminuta às e-STJ fls. 483/484.

Na petição e-STJ fls. 493/498, o recorrente pede desistência do

agravo, uma vez que, na Execução n. 1301325-46.1996.4.03.6108, o Juízo de origem reconheceu que o redirecionamento da execução fiscal para o patrimônio dos sócios não possui embasamento jurídico, porque não se demonstrou a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, nem o abuso de personalidade jurídica, tendo determinado o levantamento de penhoras e a anulação das arrematações.

Passo a decidir.

Conforme noticiou o agravante, este AREsp perdeu o objeto, pela superveniente anulação da arrematação do imóvel (bem de família), de modo a autorizar o acolhimento do pedido de desistência.

Diante do exposto, HOMOLOGO o pedido de desistência, nos termos do art. 34, IX, do RISTJ.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 14 de março de 2016.

MINISTRO GURGEL DE FARIA

Relator

(Ministro GURGEL DE FARIA, 28/03/2016)

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Portanto, além de reconhecer a família monoparental, o STJ ainda a garante a impenhorabilidade do bem de família monoparental, ou seja, o bem imóvel que serve de moradia ou aluguel afim de garantir a subsistência da família monoparental é gravado de impenhorabilidade pelo Estado, não pode ser penhorado para solver dívida da família ou de um dos membros da família monoparental.

–FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS OU RECOMPOSTAS

                          As famílias reconstituídas ou recompostas são as originárias de relações afetivas anteriores, quando uma família se vincula a outra, como no caso de um pai que tem filhos de um primeiro casamento se separa e se casa novamente com outra mulher que era mãe solteira de dois filhos, então cada qual trouxe filhos e relações jurídicas anteriores a uma nova família que será reconstituída, recomposta.

                          Muito bem, versam sobre o tema, Farias e Rosenvald:

As famílias reconstituídas (ou, como preferem os argentinos, famílias emsambladas, stepfamily, em vernáculo inglês ou, ainda na linguagem francesa, famille recomposée) são entidades familiares decorrentes de uma recomposição afetiva, nas quais, pelo menos, um dos interessados traz filhos ou mesmo situações jurídicas decorrentes de um relacionamento anterior. É o clássico exemplo das famílias nas quais um dos participantes é padrasto ou madrasta de filho anteriormente nascido. É também o exemplo da entidade familiar em que um dos participantes presta alimentos ao ex-cônjuge ou ao ex-companheiro. (FARIAS E ROSENVALD, 2008 apud ALVES, 2010, p. 78).

                          Como assevera Waldyr Grisard Filho, as famílias recompostas têm característica ambiguidade, por ter “ uma estrutura complexa, conformada por uma multiplicidade de vínculos e nexos, na qual alguns de seus membros pertencem a sistemas familiares originados em uniões precedentes”.

                             Com vistas a dar garantias constitucionais às famílias recompostas o ordenamento jurídico pátrio previu e sacramentou consequências jurídicas a estas. Por exemplo: o reconhecimento do vínculo de parentesco entre um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro parceiro (CC, art. 1.595); impedimento matrimonial entre o padrasto ou madrasta e a enteada ou enteado, mesmo após rompido o vínculo afetivo (CC, art. 1.521); o art. 12 da lei nº 8.112/90, garante o direito à pensão aos filhos ou enteados de servidores públicos federais até os 21 anos de idade. Ademais, o estatuto da Criança e do Adolescente nos seus parágrafos 2º e 4º do art. 42, prevê a possibilidade de adoção unilateral do enteado pelo padrasto ou madrasta, sendo uma consagração legislativa da família recomposta, conforme assevera com clareza a melhor jurisprudência do Egrégio STJ:

Direito civil. Família. Criança e adolescente. Adoção. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico. Legítimo interesse. Famílias recompostas. Melhor interesse da criança. - O procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de pessoa dotada de legítimo interesse, que se caracteriza por uma estreita relação entre o interesse pessoal do sujeito ativo e o bem-estar da criança. - O pedido de adoção, formulado neste processo, funda-se no art. 41, § 1º, do ECA (correspondente ao art. 1.626, parágrafo único, do CC/02), em que um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro, o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico, arvorado na convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social, ou seja, à socioafetividade, que representa, conforme ensina Tânia da Silva Pereira, um convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança, sem a concorrência do vínculo biológico (Direito da criança e do adolescente, uma proposta interdisciplinar, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 735). - O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança, em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar com a mulher e a adotanda, atualmente composta também por filha comum do casal. Desse arranjo familiar, sobressai o cuidado inerente aos cônjuges, em reciprocidade e em relação aos filhos, seja a prole comum, seja ela oriunda de relacionamentos anteriores de cada consorte, considerando a família como espaço para dar e receber cuidados. - Sob essa perspectiva, o cuidado, na lição de Leonardo Boff, representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento com o outro; entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo de ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano. Sem cuidado ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo por destruir o que estiver à sua volta. Por isso o cuidado deve ser entendido na linha da essência humana (apud Pereira, Tânia da Silva. Op. cit. p. 58). - Com fundamento na paternidade responsável, o poder familiar é instituído no interesse dos filhos e da família, não em proveito dos genitores e com base nessa premissa deve ser analisada sua permanência ou destituição. Citando Laurent, o poder do pai e da mãe não é outra coisa senão proteção e direção (Principes de Droit Civil Français, 4/350), segundo as balizas do direito de cuidado a envolver a criança e o adolescente. - Sob a tônica do legítimo interesse amparado na socioafetividade, ao padrasto é conferida legitimidade ativa e interesse de agir para postular a destituição do poder familiar do pai biológico da criança. Entretanto, todas as circunstâncias deverão ser analisadas detidamente no curso do processo, com a necessária instrução probatória e amplo contraditório, determinando-se, outrossim, a realização de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional, segundo estabelece o art. 162, § 1º, do Estatuto protetivo, sem descurar que as hipóteses autorizadoras das destituição do poder familar que devem estar sobejamente comprovadas são aquelas contempladas no art. 1.638 do CC/02 c.c. art. 24 do ECA, em numerus clausus. Isto é, tão somente diante da inequívoca comprovação de uma das causas de destituição do poder familiar, em que efetivamente seja demonstrado o risco social e pessoal a que esteja sujeita a criança ou de ameaça de lesão aos seus direitos, é que o genitor poderá ter extirpado o poder familiar, em caráter preparatório à adoção, a qual tem a capacidade de cortar quaisquer vínculos existentes entre a criança e a família paterna. - O direito fundamental da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio da sua família, preconizado no art. 19 do ECA, engloba a convivência familiar ampla, para que o menor alcance em sua plenitude um desenvolvimento sadio e completo. Atento a isso é que o Juiz deverá colher os elementos para decidir consoante o melhor interesse da criança. - Diante dos complexos e intrincados arranjos familiares que se delineiam no universo jurídico  ampliados pelo entrecruzar de interesses, direitos e deveres dos diversos componentes de famílias redimensionadas, deve o Juiz pautar-se, em todos os casos e circunstâncias, no princípio do melhor interesse da criança, exigindo dos pais biológicos e socioafetivos coerência de atitudes, a fim de promover maior harmonia familiar e consequente segurança às crianças introduzidas nessas inusitadas tessituras. - Por tudo isso consideradas as peculiaridades do processo, é que deve ser concedido ao padrasto legitimado ativamente e detentor de interesse de agir  o direito de postular em juízo a destituição do poder familiar pressuposto lógico da medida principal de adoção por ele requerida em face do pai biológico, em procedimento contraditório, consonante o que prevê o art. 169 do ECA. - Nada há para reformar no acórdão recorrido, porquanto a regra inserta no art. 155 do ECA foi devidamente observada, ao contemplar o padrasto como detentor de legítimo interesse para o pleito destituitório, em procedimento contraditório. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1106637 SP 2008/0260892-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 01/06/2010,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2010)

Destarte, como visto no julgado retro, o padrasto ou madrasta tem legitimidade ativa, para quando comprovado o melhor interesse da criança pedir a destituição do poder familiar do pai ou mãe biológico e pedir consequentemente a adoção unilateral do menor, em processo contraditório, faz-se mister ressaltar.

–FAMÍLIAS EXTENSAS OU AMPLIADAS

Conceitua com expertise o que é Família extensa ou ampliada, Farias e Rosenvald:

Já a família extensa ou ampliada é aquela que, perpassando a comunidade de pais e filhos ou a unidade do casal, é formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e apresenta vinculo de afinidade ou afetividade. Essa família extensa pode se transmudar, posteriormente, em família substituta, a depender da situação verificada. Aqui vale o exemplo da família formada por padrasto e madrasta e enteado e por avós que criam os netos.

É, enfim, a grande família, tradicionalmente composta por pessoas agregadas, entrelaçadas por um vínculo afetivo. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 85).

O Estatuto da Criança e do Adolescente estatui em eu art. 28, parágrafos 3º e 4º, que a família ampliada terá preferência, excepcionando-se algumas exceções (por exemplo irmãos), para colocação infanto-juvenil em família substituta. Haja vista, que na recolocação do infante em família substituta, deve-se favorecer o grau de parentesco e a relação de afetividade e afinidade. Com esta conduta, busca-se contemplar o melhor interesse do menor, inserindo-o na família em que será melhor adaptado.

Corrobora esta tese o seguinte julgado do Egrégio STJ:

DIREITO CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR QUE SE ENCONTRA NA "POSSE DE FATO" DE TERCEIROS.

MANUTENÇÃO DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA AMPLIADA.

1. Ação cautelar de busca e apreensão de menor, distribuída em 01/09/2010, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 10/10/2011.

2. Discute-se a busca e apreensão do menor, determinada para que a criança permaneça sob os cuidados da tia materna, enquanto pendente ação de guarda ajuizada por terceiros que detinham a sua "posse de fato".

3. Quando se discute a guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados; é a criança, como sujeito - e não objeto - de direitos, que deve ter assegurada a garantia de ser cuidada pelos pais ou, quando esses não oferecem condições para tanto, por parentes próximos, com os quais conviva e mantenha vínculos de afinidade e afetividade.

4. Em regra, apenas na impossibilidade de manutenção da criança no seio de sua família, natural ou ampliada, é que será cogitada a colocação em família substituta, ou, em última análise, em programa de acolhimento institucional.

5. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 1356981/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2013, DJe 08/11/2013)

Destarte, neste julgado o egrégio STJ sacramenta e legitima a família extensa ou ampliada e lhe confere efeitos jurídicos. Referendando seu caráter de afeto e afinidade e gerando vínculo jurídico para efeito de substituição familiar reciprocamente entre seus membros.

–FAMÍLIAS SUBSTITUTAS E O DIREITO DE GUARDA E VISITA PARA OS AVÓS

Farias e Rosenvald expressam o entendimento de família substituta no seguinte excerto:

Em terceiro prisma, a família substituta, nos termos da norma estatutária, é constituída através da guarda, da tutela ou adoção. A família substituta cumpre a relevante tarefa de “suprir o desamparo e abandono, ou pelo menos parte dele, das crianças e adolescentes que não tiveram o amparo dos pais biológicos. Assim, podemos dizer que o ECA, além de ser um texto normativo, constitui-se também em uma esperança de preenchimento e resposta às várias formas de abandono social e psíquico de milhares de crianças”, como bem pontua RODRIGO DA CUNHA PEREIRA. Seria, pois, a hipótese de uma criança abandonada e que é dotada por uma pessoa ou por um casal estranho ao eu núcleo familiar natural ou ampliado. (FARIAS E ROSELVALD, 2015, p. 86).

O estatuto da Criança e Adolescente determina que para colocação de um menor em família substituta, ele deve ser ouvido por uma equipe multidisciplinar, sempre que o seu desenvolvimento e grau de compreensão recomendarem. Deve-se aferir o depoimento e sentimento do infante, com bastante cuidado, cautela e sensibilidade para se detectar possível ocorrência de Síndrome de Alienação Parental – SAP, que também recebe a denominação de implantação de falsas memórias, que é regulamentada pela Lei nº 12.318/10.

 Isto ocorre, com pesar, cotidianamente, pois visitando-se o repositório processual e jurisprudencial dos tribunais pátrios confere-se vultosa quantidade de casos em que o pai-guardião macula e difama a imagem e honra do outro genitor perante os filhos com o desiderato de prejudicar ou até mesmo se vingar de eventual insucesso conjugal, alienando a parentalidade do outro. Este ato é abusivo, e configura um ato ilícito objetivo (não depende de culpa para se caracterizar), conforme disposição expressa do art. 187 do código civil de 2002, e culmina em efeitos jurídicos, tais como a possibilidade de perda ou inversão da guarda, a modificação do regime de visitas ou na determinação de visitas assistidas por equipe multiprofissional, dentre outras medidas cabíveis elencadas no art. 6º da Lei 12.318/10. Destarte, dever-se-á sempre ter o devido cuidado ao colher-se o depoimento infanto-juvenil de modo a não dar efeitos jurídicos à falsas memórias que podem ter sido lhe incutidas.

Sobre famílias substitutas o Egrégio STJ assim já julgou:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER.

MENOR. FAMÍLIA SUBSTITUTA. CASO PECULIAR. MIGRAÇÃO DA MÃE PARA O SUL DO BRASIL EM BUSCA DE MELHORES CONDIÇÕES. MAUS-TRATOS E SITUAÇÃO DE RISCO. CONFIRMAÇÃO. PRETENSÃO DE ATRIBUIÇÃO DA GUARDA À AVÓ MATERNA.

 INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO COM A FAMÍLIA ESTENDIDA (AVÓS, TIOS E PRIMOS). ADOÇÃO CONCLUÍDA. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR.

ESTABILIDADE NA CRIAÇÃO E FORMAÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

 Na hipótese em que a genitora deixa a casa dos pais e migra para o sul do país em busca de melhores condições, optando por levar consigo filha menor, cumpre-lhe proteger a criança e dela cuidar, garantindo-lhe sustento, guarda, companhia e educação em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes (Constituição Federal e Estatuto da Criança e Adolescente).

 Se não há controvérsia sobre o fato de a menor ter sido vítima de negligência e de maus-tratos e encontrar-se em situação de risco, destitui-se o pátrio poder.

 Estando a criança em situação de risco e não subsistindo nenhum vínculo afetivo entre ela e a família de origem, prevalece o interesse da menor, que deve ser inserida em família substituta, sobretudo quando há notícia de que o processo de adoção já foi concluído.

 Recurso especial desprovido.

(REsp 1422929/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 12/08/2014)

DIREITO CIVIL. ADOÇÃO. 1. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. VIOLAÇÃO DO ART.

45 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NÃO OCORRÊNCIA.

AQUIESCÊNCIA DEMONSTRADA POR TERMO ASSINADO PELA MÃE BIOLÓGICA CORROBORADO PELAS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. 2. LONGO CONVÍVIO DA ADOTANDA COM A FAMÍLIA SUBSTITUTA. MELHOR INTERESSE DA MENOR. 3.

RECURSO IMPROVIDO.

1. São nobres os propósitos do art. 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente diante dos noticiados casos de venda e tráfico de crianças. De fato, o consentimento dos pais biológicos do adotando encerra segurança jurídica ao procedimento legal de adoção.

Sucede, entretanto, que o desate de controvérsias como a presente reclama a definição, diante do quadro fático apresentado, de qual solução atenderá o melhor interesse da criança, real destinatária das leis e da atuação do Poder Judiciário.

2. Na espécie, o conteúdo da declaração prestada pela mãe biológica da adotanda, apesar de não autenticada ou ratificada em audiência, elucida o consentimento e a intenção de entregar a infante aos cuidados dos recorridos. Os depoimentos das testemunhas, igualmente, esclarecem que a genitora da menor não possuía condições para criá-la. O relatório social atesta a regularidade da situação de fato, bem como o carinho e amor dispensados pelos adotantes à criança. Além disso, a mãe biológica da infante foi pessoalmente citada e deixou de comparecer em juízo ou de questionar o termo de anuência por ela assinado. Assim, sobejamente demonstrado o vínculo afetivo criado entre a criança e os recorridos, sendo todas as circunstâncias favoráveis à manutenção da menor na companhia da família que a acolheu, a interpretação literal da norma violaria, acima de tudo, a doutrina da proteção integral e, como tal, encontrar-se-ia na contramão da melhor dogmática processual.

Precedentes.

3. Com efeito, no confronto das formalidades legais com os vínculos de afeto criados entre os adotantes e a infante, os últimos devem sempre prevalecer. Diante dessas considerações, declarar a nulidade do processo de adoção, notadamente diante dos elementos de prova coletados durante a instrução do feito - termo de anuência apresentado pela mãe biológica, depoimentos das testemunhas, relatório social e situação de fato estabelecida há aproximadamente 13 (treze) anos -, postergando sem justificativa a regularização da situação da infante, não condiz com os objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1423640/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 13/11/2014)

Já se tratando da outra temática deste tópico, o direito de guarda e visita aos avós, faz-se mister referir-se o artigo 1.589, parágrafo único do Código Civil de 2002, pois trata da possibilidade de visitação avoenga, em favor do melhor interesse do infante.

De outra margem, a jurisprudência superior vem admitindo a possibilidade excepcional de reconhecer-se a guarda do menor aos avós, mesmo que consensualmente. O STJ entende que conceder a guarda do neto para o avô quando não se tratar, apenas, de conferir ao menor melhores condições econômicas, mas sim, referir à regularização de um robusto laço afetivo e carinho recíproco entre avô e neto, precipuamente com a anuência dos pais.

Reverbera neste mesmo sentido os seguintes julgamentos do Egrégio STJ:

RECURSO ESPECIAL - DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - PEDIDO DE GUARDA FORMULADO POR AVÔ - CONSENTIMENTO MATERNO - PAI FALECIDO - DEFERIMENTO DA MEDIDA - POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADO O MAIOR INTERESSE DO MENOR - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. In casu, deve-se considerar que não se está diante daquilo que se convencionou chamar de "guarda previdenciária", é dizer, daquela que tem como finalidade tão-somente angariar efeitos previdenciários.

2. A finalidade meramente "previdenciária" não pode ser o objetivo da pretendida modificação de guarda. Ao revés, a outorga de direitos previdenciários em razão da colocação do petiz sob a guarda de outrem é apenas uma de suas implicações.

3. Como sói acontecer em processos desta natureza, vale dizer, onde se controvertem direitos da criança e do adolescente, o princípio do maior interesse é, de fato, o vetor interpretativo a orientar a decisão do magistrado.

4. Para fins de fixação de tese jurídica, deve-se admitir, de forma excepcional (artigo 31, § 1º, primeira parte c/c § 2º, do ECA) o deferimento da guarda de menor aos seus avós que o mantêm e, nesta medida, desfrutam de melhores condições de promover-lhe a necessária assistência material e efetiva, mormente quando comprovado forte laço de carinho, como ocorreu na espécie.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1186086/RO, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 14/02/2011)

Direito da criança e do adolescente. Pedido de guarda formulado pela avó. Consentimento dos pais. Melhor interesse da criança.

- Sob a tônica da prevalência dos interesses da pessoa em condição peculiar de desenvolvimento deve-se observar a existência da excepcionalidade a autorizar o deferimento da guarda para atender situação peculiar, fora dos casos de tutela e adoção, na previsão do art. 33, § 2º, do ECA.

- A avó busca resguardar situação fática já existente, por exercer a posse de fato da criança desde o nascimento, com o consentimento dos próprios pais, no intuito de preservar o bem estar da criança, o que se coaduna com o disposto no art. 33, § 1º, do ECA.

- Dar-se preferência a alguém pertencente ao grupo familiar – na hipótese a avó – para que seja preservada a identidade da criança bem como seu vínculo com os pais biológicos, significa resguardar ainda mais o interesse do menor, que poderá ser acompanhado de perto pelos genitores e ter a continuidade do afeto e a proximidade da avó materna, sua guardiã desde tenra idade, que sempre lhe destinou todos os cuidados, atenção, carinhos e provê sua assistência moral, educacional e material.

- O deferimento da guarda não é definitivo, tampouco faz cessar o poder familiar, o que permite aos pais, futuramente, quando alcançarem estabilidade financeira, reverter a situação se assim entenderem, na conformidade do art. 35 do ECA.

- Se as partes concordam com a procedência do pedido de guarda, não será o Poder Judiciário que deixará a marca da beligerância nessa relação pacífica, quando deve apenas assegurar que o melhor interesse da criança seja o resultado da prestação jurisdicional.

- Se restou amplamente demonstrado que os interesses da criança estarão melhor preservados com o exercício da guarda pela avó, a procedência do pedido de guarda é medida que se impõe.

Recurso especial provido.

(REsp 993.458/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 23/10/2008)

Destarte, para que se possa conceder a guarda de um menor para os avós, impõe-se que não haja um objetivo de benefício patrimonial, econômico tão somente, como a intenção de garantir-lhe determinado benefício previdenciário, o que seria ilegal e lesivo a coletividade. Todavia, exige-se para a concessão de tal status jurídico que haja um enlace afetivo importante entre avós e neto preexistente e que haja faticamente benefícios de ordem patrimonial e pessoal para o menor.

–FAMÍLIAS PARALELAS OU SIMULTÂNEAS

A preclara doutrinadora Maria Berenice Dias conceitua as famílias paralelas ou simultâneas no seguinte trecho:

A determinação legal que impõe o dever de fidelidade no casamento, e o dever de lealdade na união estável, não consegue sobrepor-se a uma realidade histórica, fruto de uma sociedade patriarcal e muito machista. Mesmo sendo casados ou tendo uma companheira, homens partem em busca de novas emoções sem abrir mão dos vínculos familiares que já possuem. Dispõem de habilidade para se desdobrar em dois relacionamentos simultâneos: dividem-se entre duas casas, mantêm duas mulheres e têm filhos com ambas. É o que se chama de famílias paralelas. Quer se trate de um casamento e uma união estável, quer duas ou até mais uniões estáveis.

Todos os vínculos atendem aos requisitos legais de ostensividade, publicidade e notoriedade. Inclusive, no mais das vezes, os filhos se conhecem e as mulheres sabem uma da existência da outra. No fim um arranjo que satisfaz a todos. A esposa tem um marido que ostenta socialmente. A companheira nada exige e se conforma em não compartilhar com o companheiro todos os momentos, mas o acolhe com afeto sempre que ele tem disponibilidade. (Dias, 2015, p. 137)

Então as famílias paralelas ou simultâneas, também historicamente alcunhadas por concubinárias eram relegadas a segunda categoria, como família espúria ou ilegítima, atirando o companheiro da segunda família à informalidade, não possuindo, até então direitos alimentares e de partilha ou sucessão, ficando relegado à própria sorte e sem direito de nutrir-se do patrimônio que contribuiu para a edificação com esforços comuns. E os filhos eram alçados a própria desventura, pois eram considerados ilegítimos, espúrios e até mesmo “bastardos”, classificação parental das mais desonrosas à época, completamente infamante. Então a missão dos Tribunais pátrios hodiernamente, inseridos na nova proposta das famílias plurais e eudemonista é fazer a inclusão destas conformações familiares marginalizadas e dar-lhes constitucionalidade, recepcionamento estatal e como consequência reconhecer-lhes eficácia jurídica. Retirando estes indivíduos do “limbo” das famílias “profanas” e de seres de “segunda categoria”.

Conforme este novo pensar julgou o Egrégio STJ:

Direito civil. Família. Paralelismo de uniões afetivas. Recurso especial. Ações de reconhecimento de uniões estáveis concomitantes.

Casamento válido dissolvido. Peculiaridades.

- Sob a tônica dos arts. 1.723 e 1.724 do CC/02, para a configuração da união estável como entidade familiar, devem estar presentes, na relação afetiva, os seguintes requisitos: (i) dualidade de sexos;

(ii) publicidade; (iii) continuidade; (iv) durabilidade; (v) objetivo de constituição de família; (vi) ausência de impedimentos para o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial; (vii) observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como de guarda, sustento e educação dos filhos.

- A análise dos requisitos ínsitos à união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatisfamiliar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre outros.

- A despeito do reconhecimento ? na dicção do acórdão recorrido ? da ?união estável? entre o falecido e sua ex-mulher, em concomitância com união estável preexistente, por ele mantida com a recorrente, certo é que já havia se operado ? entre os ex-cônjuges ? a dissolução do casamento válido pelo divórcio, nos termos do art.

1.571, § 1º, do CC/02, rompendo-se, em definitivo, os laços matrimoniais outrora existentes entre ambos. A continuidade da relação, sob a roupagem de união estável, não se enquadra nos moldes da norma civil vigente ? art. 1.724 do CC/02 ?, porquanto esse relacionamento encontra obstáculo intransponível no dever de lealdade a ser observado entre os companheiros.

- O dever de lealdade ?implica franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher, necessariamente monogâmica, constitutiva de família, além de um dever jurídico, a fidelidade é requisito natural? (Veloso, Zeno apud Ponzoni, Laura de Toledo. Famílias simultâneas: união estável e concubinato. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=461. Acesso em abril de 2010).

- Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade ? que integra o conceito de lealdade ? para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade.

- As uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses.

- Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade.

- Emprestar aos novos arranjos familiares, de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável, implicaria julgar contra o que dispõe a lei; isso porque o art. 1.727 do CC/02 regulou, em sua esfera de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente.

Recurso especial provido.

(REsp 1157273/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 07/06/2010)

 Destarte, não se pode legitimar a irresponsabilidade do indivíduo que prática o concubinato não dando efeitos jurídicos e patrimoniais às suas relações simultâneas, seria um prêmio a ele. Nada obstante, deve-se sim, fazer a inclusão social das famílias simultâneas dando-lhes direitos e deveres patrimoniais recíprocos. E sempre preservando o Direito Fundamental à dignidade humana de seus membros.

–FAMÍLIA POLIAFETIVA

Uma das conformações familiares mais polêmicas hodiernamente e que mais causam acirradas discussões de cunho ético, filosófico, ideológico e religioso são as chamadas famílias poliafetivas, também chamadas de plúrimas ou poliamor. È pauta da hora, tema comezinho as rodas de debates em solo pátrio. Desperta o interesse de todas as partes.

O Estado brasileiro começou a reconhecer a legalidade destas uniões poliafetivas, faz-se mister ressaltar que sempre existiram de fato em solo pátrio, mas que nunca foram autorizadas ou regulamentadas pelo Estado, portando sendo até então, clandestinas e seus membros marginalizados.

Nada obstante, num marco histórico a partir do ano de 2012 alguns cartórios brasileiros começaram a registrar uniões poliafetivas. O que causou debates e manifestações acaloradas, tanto favoráveis quanto contra.

 Conforme noticiado pelo portal eletrônico Rota Jurídica em 19 de outubro de 2015:

Há pouco mais de uma semana, o Brasil registrou sua primeira união estável entre três mulheres. O local escolhido para a formalização foi o 15.º Ofício de Notas do Rio, localizado na Barra da Tijuca, zona oeste. De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), este é o segundo trio que declara oficialmente uma relação. O primeiro caso aconteceu em Tupã, no interior de São Paulo, em 2012. Na ocasião, um homem e duas mulheres procuraram um cartório para registrar a relação. As informações são do Estadão.

Com medo de serem hostilizadas, as três mulheres preferiram não dar entrevista. De acordo com a tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, que celebrou a união, o fundamento jurídico para a formalização desse tipo de união é o mesmo estabelecido na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2011, ao reconhecer legalmente os casais homossexuais.

“Não existe uma lei específica para esse trio, tampouco existe para o casal homoafetivo. Isso foi uma construção a partir da decisão do STF, que discriminou todo o fundamento e os princípios que reconheceram a união homoafetiva como digna de proteção jurídica. E qual foi essa base? O princípio da dignidade humana e de que o conceito de família é plural e aberto. Além disso, no civil, o que não está vedado, está permitido”, explicou a tabeliã.

Disponível em: ˂Http://www.rotajuridica.com.br/rio-de-janeiro-registra-primeira-uniao-estavel-realizada-entre-tres-mulheres/)                                       ˃  Acesso em: 02 ago. 2016.

Com vistas a dirimir a controvérsia inaugurada na sociedade devido aos conflitantes entendimentos acerca da legalidade ou não do reconhecimento das uniões poliafetivas. A corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, instaurou um Pedido de Providências, pedindo que se suspenda a lavratura de novos registros de uniões poliafetivas até que a corregedoria nacional de justiça regulamente a matéria. Para que não haja desentendimentos, é imperioso que se colacione aqui a notícia em referência publicada no portal eletrônico do CNJ na data de 04/05/2016 às 10h12:

As escrituras públicas de relacionamentos entre mais de duas pessoas, as chamadas uniões poliafetivas, estão sendo estudadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, que recebeu representação da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Liminarmente, a entidade pediu a proibição de lavraturas de escrituras públicas de reconhecimento de uniões poliafetivas pelos cartórios de todo o país. No mérito, pede a regulamentação da matéria.

Para analisar o caso, a corregedora nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, instaurou um Pedido de Providências. Ela negou a liminar, mas sugeriu aos cartórios que aguardem a conclusão deste estudo para lavrar novas escrituras declaratórias de uniões poliafetivas.

“Essa é apenas uma sugestão aos tabelionatos, como medida de prudência, até que se discuta com profundidade esse tema tão complexo que extrapola os interesses das pessoas envolvidas na relação afetiva”, ponderou a ministra Nancy Andrighi. Ela esclareceu que não é uma proibição.

A representação foi feita à Corregedoria com base em notícias divulgadas na imprensa sobre a lavratura de escrituras públicas de uniões entre um homem e duas mulheres em um caso, e entre três homens e duas mulheres em outro. Para a ADFAS, essas uniões são inconstitucionais.

A corregedora explicou que as uniões poliafetivas adentram em áreas do Direito, inclusive de terceiros, que precisam ser profundamente debatidas, como repercussão no Direito Sucessório, Previdenciário e de Família – em especial na questão do pátrio poder, entre outros.

A intenção da corregedora é promover audiências públicas no Conselho Nacional de Justiça para ouvir a sociedade e entidades ligadas ao tema. As discussões vão possibilitar o estudo aprofundado da questão para que a Corregedoria analise a possibilidade de regulamentar o registro civil das uniões poliafetivas.

Nancy Andrighi já solicitou a manifestação das Corregedorias Gerais dos tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo sobre os fatos apontados na representação. Também foi solicitado às Corregedorias de todos os tribunais estaduais do país que informem suas serventias sobre a existência do presente processo e a sugestão da Corregedoria Nacional.

Disponível em: ˂http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82221-corregedoria-analisa-regulamentacao-do-registro-de-unioes-poliafetivas˃  Acesso em: 02 ago. 2016.

Destarte, incontroversamente o entendimento a que se perfilha esta pesquisa, desembocando todo o pensamento jus filosófico aqui esposado, é de que o art. 226 da Carta Magna, refere-se expressamente apenas sobre as famílias casamentarias, as oriundas de união estável e monoparental, nada obstante deve-se interpretá-lo como cláusula geral de inclusão, pois doutra forma estar-se-ia a excluir todas as outras conformações familiares existentes de fato e direito, assim reconhecendo-se todas as conformações familiares que possuem como liame o afeto e a comunhão de vidas e propósitos. Até porque se assim não fosse existir-se-ia apenas três conformações familiares, as três retro citadas e todas as outras estariam relegadas à clandestinidade e marginalização. Deve-se ter sempre em mente que os princípios constitucionais fundamentais são basilares ao indivíduo e ao sistema e devem ser aplicados horizontalmente às relações privadas usando-se sempre a técnica de ponderação de valores quando dois deles estiverem em conflito. Portanto, os princípios fundamentais da dignidade humana e da autonomia privada que mais são aplicáveis ao caso em tela devem se sobrepujar ao famigerado princípio da monogamia invocado pelos opositores da família eudemonista que não é princípio fundamental, portanto não é absoluto e quiçá ainda seja princípio, há sérias dúvidas doutrinárias sobre isto e tão logo não possui prevalência aos princípios da dignidade humana e autonomia privada. Destarte, a família poliafetiva deve ser reconhecida pelo Estado pátrio como medida de inclusão social.

A título ilustrativo colaciona-se o seguinte excerto a cerca deste tema lavrado com maestria pela eminente doutrinadora Maria Berenice Dias, que muito bem arremata:

Eventual rejeição de ordem moral ou religiosa à dupla conjugalidade não pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificável de um ou de mais de um frente aos outros partícipes da união. Negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessório. Pelo jeito, nenhum de seus integrantes poderia receber alimentos, herdar, ter participação sobre os bens adquiridos em comum. Nem seria sequer possível invocar o direito societário com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante a prova da participação efetiva na constituição do acervo patrimonial.

Claro que justificativas não faltam a quem quer negar efeitos jurídicos à escritura levada a efeito. A alegação primeira é afronta ao princípio da monogamia, desrespeito ao dever de fidelidade -com certeza, rejeição que decorre muito mais do medo das próprias fantasias. O fato é que descabe realizar um juízo prévio e geral de reprovabilidade frente a formações conjugais plurais e muito menos subtrair qualquer sequela à manifestação de vontade firmada livremente pelos seus integrantes.

Há que se reconhecer como transparente e honesta a instrumentalização levada a efeito, que traz a livre manifestação de vontade de todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três. Lealdade não lhes faltou ao formalizarem o desejo de ver partilhado, de forma igualitária, direitos e deveres mútuos, aos moldes da união estável, a evidenciar a postura ética dos firmatários. Nada afeta a validade da escritura. Tivessem eles firmado dois ou três instrumentos declaratórios de uniões dúplices, a justiça não poderia eleger um dos relacionamentos como válido e negar a existência das demais manifestações. Não se poderia falar em adultério para reconhecer, por exemplo, a anulabilidade das doações promovidas pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice ( CC 550) ou a revogabilidade das transferências de bens feitas ao concubino (CC 1.642 V).

Não havendo prejuízo a ninguém, de todo descabido negar o direito de as pessoas viverem com quem desejarem. (Dias, 2015, p. 139)

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Sobre o autor
Guilherme Augusto Camelo

Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ) / ATAME, Bacharel em Direito pela PUC-GO, Advogado sob a inscrição 35507 OAB/GO

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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