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Desaposentação no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS): repercussão da decisão do Supremo Tribunal Federal que veda o instituto no âmbito do regime geral de previdência social (RGPS)

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20/01/2017 às 13:55
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Para os trabalhadores no regime geral da Previdência social, já se sabe que a desaposentação não mais é possível. E quanto aos servidores públicos vinculados ao RPPS?

Resumo: O Supremo Tribunal Federal (STF) conferiu repercussão geral à decisão que veda o instituto da desaposentação no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) por entender que o § 2º do Art. 18 da Lei nº 8.213/91 é constitucional e inexiste lei prevendo o referido instituto. No bojo dessa novel orientação, cabe saber se haverá repercussão da tese no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) diante da equivalência dos regimes pós-reforma, fato que se aborda no presente ensaio, aberto ao necessário debate.

Palavras-chave: Desaposentação; Regime de Previdência; servidor público, renúncia e aposentadoria.


(i) Contextualização do tema

Em 27 de outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) adotou a seguinte tese de repercussão geral:

No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por hora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991[1]”.

A mais alta Corte do Judiciário brasileiro, portanto, pôs fim ao instituto da desaposentação no RGPS, há muito consolidado pelo próprio Judiciário enquanto direito juridicamente possível em nosso arcabouço normativo.

Na verdade, é mais uma das teses em que o aceno inicial positivo do Poder Judiciário levou milhares de pessoas a erigir a desaposentação como tábua de salvação para os males decorrentes dos baixos benefícios previdenciários e do crescente custo de vida. E, agora? No campo do RGPS já se sabe que essa possibilidade não mais é possível, não obstante o necessário respeito às situações constituídas sob a égide da coisa julgada[2]. Mas, e quanto aos servidores públicos vinculados ao RPPS, como fica? Não mais será possível a desaposentação para esses servidores também? Como entender essa lógica a partir da fundamentação tardiamente acolhida pelo Excelso Pretório?

Este ensaio visa trazer luzes ao debate. Mas é bom que se diga, desde logo, que as luzes podem se apagar ao sabor da política eleita.


(ii) Histórico do instituto da desaposentação

Antes de adentrar no histórico é preciso saber o significado ou a definição que se confere à desaposentação.

Nesse passo, pode-se dizer que a desaposentação nada mais é do que o exercício do direito de renúncia a um benefício em manutenção com vistas ao usufruto de outro, mais vantajoso, mediante o cômputo do tempo de contribuição anterior e o atual, este último decorrente da mantença da relação previdenciária do segurado após a jubilação. Exemplificando: o segurado, ao implementar as condições para aposentadoria, tem a faculdade de exercer o direito à concessão do benefício e, ao fazê-lo, passa a receber os proventos correspondentes. Em regra, este segurado pode manter o vínculo trabalhista e continuar a contribuir para o regime previdenciário respectivo, materializando novo tempo de contribuição[3]. E sob o fundamento da dicotomia dos vínculos jurídicos (previdenciário e trabalhista), tem (ou tinha) o segurado a possibilidade de renúncia à aposentadoria e, por consequência, a faculdade de se aposentar com o cômputo das contribuições vertidas após a primeira jubilação com vistas a usufruto de benefício mais vantajoso, seja pelo RGPS, seja pelo RPPS.

Sob o escopo da definição, pode-se dizer que a desaposentação teve assento em razão da possibilidade de o segurado manter um vínculo trabalhista ainda que detentor da condição de aposentado, conservando, desta feita, a cotização obrigatória para com a Previdência Social[4]. E essa possibilidade se sedimentou a partir do momento em que o próprio STF consolidou a tese da dicotomia entre os regimes trabalhista e previdenciário por ocasião da procedência da ADIn n° 1.721-3/DF, julgada em sessão plenária de 11/10/2006, nos seguintes termos:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da "relevância e urgência" dessa espécie de ato normativo.

2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade. 3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente).

4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador. 5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.

6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego.

7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97. (STF, ADIn 1.721/DF, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 11/10/2006, DJ de 29/06/2007 – grifo nosso)

Na época, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já possuía jurisprudência no sentido de que a aposentadoria era um direito patrimonial disponível e, como tal, comportava renúncia por parte de seu beneficiário. Eis a tese acolhida em 2005 no RMS 17.874/MG, em que se cuidava de pedido formulado por servidora pública estadual aposentada:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ESTADUAL. APOSENTADORIA. RENÚNCIA. NOMEAÇÃO PARA OUTRO CARGO POR CONCURSO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.

A aposentadoria é direito patrimonial disponível, sujeita à renúncia, possibilitando à recorrente a contagem do respectivo tempo de serviço e o exercício em outro cargo público para o qual prestou concurso público. Precedentes.  (STJ, RMS nº 17.874/MG, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 21/2/2005 – grifo nosso)

Nessa assentada foram citados precedentes do STJ acerca da tese da disponibilidade patrimonial dos benefícios previdenciários, tais como os decorrentes do Resp. 370.957/SC (Dj de 15/4/2002) e do Resp. 497.683/PE (DJ de 26/3/2003). E, a questão, naquela época, não parecia suscitar dúvidas quanto à liquidez do direito posto, conforme se pode constatar no MS 7.711/DF, por meio do qual o Ministro Paulo Gallotti concedeu segurança a um servidor, detentor do cargo de Advogado da União, que “objetivava o cancelamento de sua aposentadoria no INSS e a consequente expedição de certidão comprobatória do respectivo tempo de contribuição”[5].

Vale observar que embora as situações acima indicadas versassem sobre a viabilidade da contagem recíproca de tempo de serviço/contribuição entre regimes previdenciários diversos, o que se tinha, efetivamente, era o debate acerca da possibilidade de renúncia à aposentadoria concedida pelo INSS (RGPS) e consequente utilização do respectivo tempo para consolidar novo benefício, seja para ter efeito em sede do próprio RGPS, seja para fazer face às aposentadorias do RPPS, a configurar, desde então, o que se convencionou chamar de desaposentação. E esse foi o pano de fundo de toda a discussão judicial que obteve tema favorável no STJ sob o escopo do Art. 543-C do CPC (recurso repetitivo), onde a figura da desaposentação foi efetivamente consolidada em âmbito judicial. Importante conferir:

EMENTA

    [...]

3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. Precedentes do STJ.

[...]

(REsp 1334488 SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, Julgado em 08/05/2013, DJE 14/05/2013 – Tema 563 – grifo nosso)

A consolidação do entendimento no âmbito do STJ espelhou, basicamente, a jurisprudência dos tribunais regionais federais que, de igual sorte, há muito já vinham firmando interpretação em igual sentido. Eis algumas decisões para certificação:

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE DESAPOSENTAÇÃO.

- O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, garantia fundamental do cidadão, resolve a questão da lide. Somente a lei poderia vedar a renúncia a benefício previdenciário. O segurado aposentou-se em 04.03.1985 e, tanto o Decreto 89.312/84 como a Lei nº 8.213/91 não contêm proibição de renúncia. Afastada, em consequência, a invocação do artigo 58, § 2º, do Decreto 2172/97.

 - Os direitos sociais e o sistema previdenciário brasileiro, com sede constitucional, existem em razão de seus destinatários. Os limites de sua disponibilidade são balizados pela sua própria natureza. Trata-se de proteção patrimonial ao trabalhador. Quando se cuida de interesse material, em regra, cabe ao titular do direito correspondente sopesar as vantagens ou desvantagens. Assim, quanto aos direitos com substrato patrimonial, constitui exceção sua irrenunciabilidade, que sempre é prevista expressamente pelo legislador.

- Os efeitos da renúncia são ex nunc, ou seja, dão-se da manifestação formal para extinguir a relação jurídico-administrativa-previdenciária a aposentadoria. Nada vicia a concessão do benefício, que gerou consequências legítimas, as quais não se apagam com o ato de renúncia.

 - O impetrante tem direito à certidão de tempo de serviço. O órgão previdenciário computou o tempo para a concessão do benefício. A vedação de que um tempo de serviço não pode ser contado quando já tiver sido para aposentadoria de outro deve ser interpretada, à vista da cumulatividade de aposentadorias concomitantes e não sucessivas. A compensação financeira eventual dos regimes (art. 202, § 2º, C.F.) dar-se-á na forma da Lei n.º 9796/99, segundo o artigo 4º, inciso III, §§ 2º, 3º e 4º. - Remessa oficial e apelação não providas. (TRF 3ª Região, AMS 00007763319994036105, AMS - APELAÇÃO CÍVEL – 198863, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRET, DJU DATA:03/09/2002)

ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DE RENÚNCIA À APOSENTADORIA. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO.

-Inexiste lei que obste a renúncia à aposentadoria. Instrução Normativa não pode regulamentar o que não se encontra previsto em lei.

 - No caso, a matéria referente ao cancelamento da aposentadoria do impetrante deve se pautar pelo princípio da razoabilidade.

- Verifica-se a inexistência de lei que vede a desaposentação e a inocorrência de prejuízo para o Estado ou para o particular, com a renúncia ao benefício, bem como a presença de fortes motivos pessoais para o reconhecimento do pedido de cancelamento da aposentadoria, eis que o INSS a concedeu de forma provisória, o que implicará fortes prejuízos ao segurado, se não for confirmada a final. (TRF 2ª Região, AMS 200251015076400, AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 48664, Relator Desembargador Federal FERNANDO MARQUES, DJU de 04/08/2003)

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Isso não quer dizer que a matéria não comportou teses dissonantes. Comportou sim. E muitas. Vale a transcrição de uma das decisões que sintetiza os pontos da controvérsia, oriunda do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. DESAPOSENTAÇÃO. NÃO CABIMENTO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. RECURSO PROVIDO.

 - Reanalisando os posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários e melhor refletindo a respeito do instituto da desaposentação, passo a alinhar-me ao entendimento de que é cristalino o caráter irrenunciável e irreversível do ato de concessão do benefício de aposentadoria no âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, evidenciando seus efeitos ofensivos à ordem constitucional vigente.

 - À luz dos artigos 11, §3º e 18, § 2º, da Lei 8.213/91 e 3º, I, 40, 194 e 195 da CRFB, verifica-se que o instituto da desaposentação possui vedação legal expressa que se compatibiliza com o caráter solidário do sistema previdenciário, não sendo, portanto, permitida a utilização das contribuições dos trabalhadores em gozo de aposentadoria para a obtenção de nova aposentadoria ou elevação da já auferida, sob pena de subversão para um sistema individualista/patrimonialista que não se compatibiliza com os fundamentos da Seguridade Social. Assim, o aposentado que retorna à atividade somente faz jus ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado (artigo 18, §2º, da Lei 8.213/91).

- A aposentadoria é considerada um ato jurídico perfeito, cuja proteção mereceu respaldo constitucional (artigo 5º, XXXVI, da CRFB), sendo uma garantia ao direito fundamental da segurança jurídica. Ato jurídico perfeito é aquele já concretizado segundo a lei vigente ao tempo em que se aperfeiçoou, pois já satisfez todos os requisitos para gerar a plenitude dos seus efeitos e a aposentadoria, como tal, deve ser respeitada pelos envolvidos na relação jurídica, estando ainda imune às alterações legislativas em virtude do já consagrado princípio tempus regit actum. Por derradeiro, não há que se falar em modificação unilateral, diga-se, renúncia unilateral a este ato jurídico, dependendo a desaposentação necessariamente de requerimento e concordância da Administração Pública (órgão pagador e gestor do benefício), sob o pálio da lei.

 - A aposentadoria é também considerada um ato administrativo, cujo desfazimento volitivo se dá por meio da anulação ou revogação, cujos pressupostos lhes são próprios e inaplicáveis à desaposentação (aplicável, por exemplo, nas hipóteses de erro ou fraude na concessão do benefício). E como qualquer outro ato administrativo, é regido pelo princípio da legalidade (artigo 37, caput, da CRFB), que conduz toda a conduta dos agentes da Administração Pública, no sentido de que qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei, sendo que não há lei permitindo a concessão da desaposentação.

 - Sob qualquer ótica, a renúncia ao benefício da aposentadoria não é juridicamente aceitável. A uma, sob pena de afrontar o princípio da segurança jurídica, consistente no respeito ao ato jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI, da CRFB) e ao princípio da legalidade (artigo 37, caput, da CRFB c/c artigo 18, §3º, da Lei 8.213/91). Isso sem falar no princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput, da CRFB), uma vez que a desaposentação confere tratamento mais benéfico ao segurado que se aposenta com proventos proporcionais e continua trabalhando para, posteriormente, obter nova aposentadoria em melhores condições, em detrimento daquele que continuou trabalhando até possuir um período contributivo maior para se aposentar com proventos integrais.

- A duas, porque se extrai a natureza alimentar da aposentadoria, que lhe confere o caráter de irrenunciável. Assim como a pensão alimentícia, no âmbito do direito civil, é possível a renúncia às prestações mensais, mas não ao benefício em si, que é intocável, intangível. A aposentadoria não é um direito patrimonial e, portanto, disponível, possuindo, outrossim, um caráter institucional, isto é, os direitos e obrigações não decorrem de ato de vontade, porém da lei.

– E a três porque a pretensão de desaposentação não é livre e desembaraçada, gerando ônus a pessoa jurídica de direito público diretamente envolvida na constituição do ato, no caso, ao INSS, sendo claro que o desfazimento da aposentadoria repercute em ônus no sistema previdenciário, uma vez que o mesmo período e salários-de-contribuição seriam somados duas vezes, com o objetivo de majorar a renda mensal da nova aposentadoria, o que repercute diretamente no equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (artigo 201, caput, da CRFB).

- Ainda que se pretenda devolver os valores recebidos a título da aposentadoria que se pretende renunciar a desaposentação, mesmo assim, esbarra em obstáculos de ordem legal e constitucional.

- Mutatis mutandis, no que se refere à desaposentação, aplicam-se os mesmos fundamentos citados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 416827 - que concluiu a respeito da impossibilidade de aplicação da Lei nº 9.032/95 em benefícios de pensão por morte concedidos em momento anterior à sua vigência. Assim, ainda que o segurado pretenda renunciar à aposentadoria anterior para fins de obter outra mais benéfica, ainda que se trate de benefício de caráter alimentar, deve prevalecer o respeito ao ato jurídico perfeito (artigo 5, XXXVI, da CRFB) e ao princípio tempus regit actum e a preservação do equilíbrio financeiro e atuarial.

- A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do AgRg no RESP 1.298.511/RS, adotou o entendimento de que o prazo decadencial previsto no artigo 103 da Lei 8.213/91 se aplica às demandas em que se pleiteia a desaposentação, (2ª Turma, AgRg no REsp 1305914 / SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 27/08/2012). A conclusão a que se chega é a de que não é possível a renúncia à aposentadoria, uma vez que é ínsito do ato de renúncia - ato de liberalidade - o seu exercício a qualquer momento. Caso fosse admissível a renúncia ao benefício de aposentadoria, igualmente seria possível a renúncia ao prazo decadencial fixado na lei, o que é terminantemente vedado pelo artigo 201 do Código Civil. - Ressalva de entendimento anterior. - Recurso provido.” (TRF 2ª Região, EIAC 200951020027693, 1ª Seção Especializada, Rel. Des. Fed. MESSOD AZULAY NETO, DJe de 08/01/2013 – grifo nosso)

 À guisa desse roteiro jurisprudencial, o importante é constatar que essa diversidade de interpretação não foi capaz de contaminar ou de esmorecer a tese judicial eleita pelo órgão de cúpula do Judiciário, competente para dispor acerca da interpretação final das normas infraconstitucionais – o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[6]. Nesse passo, pode-se dizer que a desaposentação existiu forte na jurisprudência pátria e se materializou disseminada pela certeza do direito posto.

Em ambiente administrativo, o INSS, enquanto entidade gestora do RGPS, não concedia a desaposentação. Era preciso ingressar com pedido em juízo[7], surgindo daí todo o arcabouço judicial acima alinhado. No campo do RPPS, a desaposentação sempre foi uma realidade fático-jurídica, agasalhada sem quaisquer embaraços para consolidação do direito de seus segurados – servidores públicos em sentido amplo.

Em análise histórica poderia se dizer que a desaposentação no RPPS serviu de inspiração para se consolidar a postura judicial adotada em sede do RGPS pelos tribunais pátrios. Vale conferir.

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Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Desaposentação no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS): repercussão da decisão do Supremo Tribunal Federal que veda o instituto no âmbito do regime geral de previdência social (RGPS). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4951, 20 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55282. Acesso em: 2 nov. 2024.

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