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Documentoscopia: elementos de segurança e desafios

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27/01/2017 às 13:30
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6 Lavagem química

 

A lavagem química (chemical erasure) é uma das técnicas de alteração documental por supressão em que se aplica uma substância ou mistura para remover registros de documentos, sejam eles gerados por instrumentos de escrita ou por dispositivos de impressão, sejam de fundo ou inscrições. Se a remoção do registro se dá por solubilização da tinta, a substância ou mistura corretora é chamada solvente. Enquanto na situação em que a subtração ocorre por reação química entre a tinta e o corretor, este é denominado reagente (SILVA; FEUERHARMEL, 2013).

Entram no rol dos documentos passíveis de lavagem química aqueles em que se encontrem elementos que precisam ser apagados para que o falsário, então, faça novos lançamentos. Destacam-se os cheques e contratos os quais se pretenda alterar seu valor econômico, atestados médicos que possam ter seu prazo dilatado, cédulas de dinheiro que tenham suas impressões de fundo lavadas para aproveitamento do suporte autêntico com elementos de segurança como a marca d’água, Certificados de Registro de Veículo (CRV) cujos dados do vendedor ou do comprador possam ser modificados conforme seja conveniente a quem pratica a fraude.

A lavagem pode se processar na totalidade do documento, isto é, quando se deseja lavar toda a superfície, ou com aplicação pontual do corretor em parte do documento. Pelo segundo procedimento, é comum a migração da tinta no entorno do traço que se quer remover, o que resulta em manchas que acusam a falsificação (SILVA; FEUERHARMEL, 2013). Na situação de imersão total do documento, nos chamados “banhos químicos” (DEL PICCHIA FILHO; DEL PICCHIA, 1976), não se observam borrões e, à vista disso, cabe ao perito documentoscópico buscar outras evidências de que houve fraude.

 

6.1 Composição das tintas de caneta

 

Nem sempre todos os componentes da tinta são removidos na lavagem. Ainda que a substância que lhe confere cor solubilize-se no solvente empregado, pode haver remanescentes passíveis de detecção por técnica adequada.

As tintas de caneta, apesar da grande variedade de formulações, nomenclatura e classificações, constituem-se por três elementos básicos: colorante, veículo e aditivos. Os colorantes são os responsáveis pela cor, por tornar os lançamentos gráficos visíveis. Dividem-se em corantes, quando solúveis no veículo, e pigmentos, caso contrário. Os pigmentos ficam apenas dispersos no veículo. Este, cuja composição determina características de fluidez e secagem da tinta, é responsável pela dissolução ou dispersão dos componentes desta e por manter sua homogeneidade. O veículo consiste de solventes, sua parte volátil, e resinas, que conferem viscosidade, aderência, durabilidade à tinta. Por fim, a presença dos aditivos na composição das tintas de caneta se justifica pelo ajuste de algumas características e pela otimização de desempenho. São exemplos desse último grupo os secantes, plastificantes, detergentes, reguladores de viscosidade, inibidores de corrosão, lubrificantes para a esfera da ponta da caneta esferográfica, entre outros (EZCURRA et al., 2010; THANASOULIAS; PARISIS; EVMIRIDIS, 2003).

 

6.2 Prevenção

 

Conforme anteriormente discutido na seção 3, dentre as formas de prevenção de fraudes inclui-se a incorporação de elementos de segurança aos documentos. O elemento de segurança determinado pela ABNT com o fim de evitar a lavagem química consiste na “presença de substâncias químicas incorporadas ao papel, que reagem de forma visível mediante a aplicação de agentes químicos específicos” (ABNT NBR 14983:2008). Os resultados da reação podem ser apenas manchas ou dizeres de “nulo”, “falso”, o que evidencia e acusa a fraude, que nem sequer chega a se consumar, dado que seria descoberta de imediato. É comum a presença dessa modalidade de elemento de segurança em cheques, cujo valor ou data se pretende alterar (DEL PICCHIA FILHO; DEL PICCHIA, 1976).

 


Conclusão

 

Não se teve o intento de exaurir a questão, até porque os exames realizados nas Seções de Documentoscopia dos Institutos de Criminalistica são numerosos e diversos. A finalidade do artigo é apresentar ao público integrante da comunidade jurídica informações breves referentes a essa modalidade pericial digna de admiração, também pela razão de que não se restringe a nenhum campo do saber, mas é multidisciplinar e encontra suporte em mais de uma ciência.

 


Referências

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FERREIRA, Luisa Pereira. Documentoscopia: elementos de segurança e desafios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4958, 27 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55328. Acesso em: 26 abr. 2024.

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