Capa da publicação Você é um cidadão ou um subcidadão? Saiba o que a mídia está tentando nos dizer sobre isso
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O lado sub da cidadania a partir de uma leitura crítica da mídia

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4 A resignificação da cidadania no discurso midiático

Em pesquisa realizada com a mídia impressa e eletrônica, no período de 30 de agosto a 05 de dezembro de 2013, foram analisados os significados utilizados para a palavra cidadania e se a mídia trabalha também com o conceito de subcidadania, ou seja, palavras que explicassem o que a mídia apresenta por cidadania, a partir de matérias, artigos, reportagens, programas, enfim, o discurso midiático de forma geral atrelado ao conceito de cidadania.

Nos discursos midiáticos é comum encontrarmos o termo desejo de cidadania. Considerando que o desejo é uma expressão de falta, desejar cidadania é um reforço de discurso de que ela não existe pra todos.

A mídia como reorganizadora de sentidos passa a desempenhar um papel importante na construção daquilo que é ser cidadão, ou seja, o que a mídia entende e divulga como sendo cidadania é o que a sociedade compreenderá como sendo real.

A opção pela análise de discurso se pauta por sua característica de:

produzir enunciados teóricos, científicos, portanto lógicos acerca da realidade, a partir da sua observação subjetiva [...] ter ciência de alguma coisa significa, portanto, ser capaz de recortar no tempo e de separar no espaço a complexidade da realidade, tornando-a acessível por um discurso metódico. (TRIGO, 2011, p. 285)

Como categoria de método empírico, a análise de discurso pode ser descrita como:

Análise qualitativa, por vezes crítica, do discurso jornalístico, surja este como texto, imagens, sons, multimédia ou hipermédia. Englobaram-se nessa categoria metodológica, as análises semióticas e psicanalíticas do discurso jornalístico, a análise conversacional e a análise lingüística (títulos e notícias). (SOUZA, 2011, p. 314).

Na análise de discurso da mídia foram encontradas expressões de todos os sentidos, desde os mais comuns como a relação entre cidadania e solidariedade, até termos incompreensíveis como a referência de que “a pessoa deve ser dotada de cidadania”. Mas o que significa ser dotado de cidadania? Cidadania passa a ser algo nato ou de inspiração divina distribuída para algumas pessoas mais importantes do que outras menos favorecidas?

Com relação às rádios Interativa Goiânia, Rádio Difusora Goiânia, Rádio Cidadã FM de São Paulo, Rádio educativa de Iporá-Goiás, escolhidas aleatoriamente, os principais termos atrelados à palavra Cidadania foram encontrados nos nomes dos programas e em slogans de emissoras como Cidadania FM – “A rádio do povão”, Programa Cidadania – “a voz do povo” e “amizade com o cidadão.

A característica principal destas emissoras é a programação musical, onde prevalecem os ritmos mais populares de cada localidade e os programas direcionados ao público de poder econômico mais baixo, como donas-de-casa e empregadas domésticas. O mote são as notícias policiais, leitura de cartas, promoções e assistencialismo. Encontra-se também o termo cidadania relacionado a emissoras de rádio comunitárias onde os programas versam principalmente em campanhas de distribuição de alimentos e roupas, trabalhos comunitários, sustentabilidade, doações.

Em outro âmbito foram encontrados vinculados à palavra cidadania, termos relacionados à justiça ou ao direito, como no programa “Cidadania e Justiça”, lançado pela Associação de Magistrados Brasileiros e tema na programação da Rádio Nacional em setembro de 2013, “Ouvidoria e Cidadania”, na Rádio Inconfidência de Minas Gerais, programa “Cidadania, Direitos e Deveres”, da Rádio Andaiá da Bahia e o programa “Cidadania e Meio Ambiente” da Rádio Universitária 96 FM da Universidade Federal do Amapá, o que demonstra a abrangência da significação atribuída à palavra cidadania atualmente.  

Com relação à televisão, os principais termos atrelados à palavra Cidadania foram: educação, ecologia, universidade, doação, grátis, bairro, ação global, política, celebridade, direito, colunas sociais, serviços públicos, igualitário, coletivo, sustentabilidade, segurança ação, horta, plantação, meio ambiente, criança esperança, transporte, temas sociais, problemas sociais, saúde precária, lixo, esgoto, bairro. Chama atenção o fato do Programa Globo Cidadania ser transmitido às 6 horas da manhã, ou seja, um horário não privilegiado em termos de exposição televisiva.

A primeira análise da televisão foi feita a partir de desenhos animados, a fim de ser verificada a possível existência do conceito de cidadania em um discurso infantil. Os desenhos escolhidos foram Turma da Mônica e Doki, ou seja, um de produção nacional e outro de produção internacional. Para o estudo foram analisados 10 episódios de cada desenho.

"Turma da Mônica" já é conhecida pelos brasileiros há mais de cinquenta anos. Saiu dos gibis e foi para as telinhas em julho de 2010 transmitido na TV Globo. Doki é o mascote que está presente nos intervalos das atrações do canal fechado Discovery Kids, dando dicas para as crianças e fazendo-as participar de desafios. Doki também protagoniza As Aventuras de Doki, e com seus amigos de diferentes espécies viajam pelo mundo, se deparam com situações e solucionam os problemas que aparecem.

Nos dois desenhos percebe-se que o termo cidadania ou cidadão não foram mencionados pelos personagens, ou seja, a palavra não é dita, mas há constantemente exemplos de cidadania. Fazendo uma leitura crítica dos desenhos, há a demonstração da preocupação com o meio ambiente, principalmente no Doki. Os personagens da Turma da Mônica têm direito à moradia, à comida, à educação. Nos dois desenhos há a ideia de andar em turma, com seus amigos e de ajudar uns aos outros. Ainda que não seja possível analisar o uso da palavra cidadania, há sempre uma mensagem subliminar de seu significado nos desenhos.

Ainda na TV, foram analisadas duas revistas eletrônicas, ou seja, o programa Mais Você, veiculado na Rede Globo de televisão pela apresentadora Ana Maria Braga e o Hoje em Dia, veiculado pela Rede Record, pelos apresentadores, Chris Flores, Edu Guedes e Celso Zucatelli. Verifica-se que são programas femininos totalmente ligados à lógica do consumo. Esses programas são voltados para o público feminino como foco de entretenimento: culinária, decoração, bem estar, inclusão de ações de serviços e senso de comunidade. Nesses programas a cidadania é retratada como direito aos serviços básicos para o indivíduo (direito a um transporte público de qualidade, direitos do consumidor, segurança, educação, saúde, moradia) e também como o direito ao consumo.

Há uma ênfase na importância para o consumo de produtos que ajudarão a mulher moderna que também é dona de casa, trazendo maior agilidade nos serviços domésticos, proporcionando maior tempo para cuidar de tudo o que é imposto pela sociedade como beleza, trabalho, amor. A inclusão de merchandisings reforça esse conceito. A cidadania, portanto, assume duas leituras dentro desses programas, consumo e os direitos e deveres básicos do cidadão. Para isso existem matérias informativas como a explicação sobre o Microempreendedor Individual (MEI), por exemplo, e a explicação sobre o sistema tributário para que os brasileiros formalizem os seus negócios. Neste sentido, fica clara a relação da mulher e o trabalho. Para Temer, Tondato e Tuzzo (2012, p. 55), “o consumo ratifica a identidade cidadã da mulher”.

No tocante à culinária, o fato mais interessante é a ênfase em pratos típicos da mesa de classes sociais mais altas, ou pratos que são servidos em restaurantes não acessíveis às classes C, D ou E. Assim, ensinar a fazer em casa aquilo que não se pode ter acesso fora. Há momentos em que fica claro o restaurante que serve este ou aquele prato, para que a receita fique com mais glamour. Há uma celebrização da culinária. Sobre isso podemos fazer uma reflexão, ou seja, ensinar a culinária do rico para o pobre reforça o discurso hegemônico de que as coisas do rico merecem e devem ser copiadas, porque são melhores? Incoporar a culinária das classes mais altas na mesa dos menos favorecidos economicamente os torna mais cidadãos no sentido de que a busca pela cidadania perpassa pelos acessos?

Nesses programas, as matérias sobre viagens também merecem destaque, pois, em sua maioria, os lugares apresentados são acessíveis às classes sociais mais altas, sobretudo em viagens internacionais... mas qual seria exatamente o sentido dessas matérias? Informação? Acesso? Forma de pertencimento pela mídia tendo em vista que isso não é possível de forma presencial?

Também foi analisado o quadro “O bairro que eu tenho, o bairro que eu quero”, exibido no telejornal regional (Goiás) “Jornal Anhanguera” da TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo, em três versões diárias. Apesar da palavra cidadania não constar no título do programa, o termo é utilizado constantemente nas reportagens. O projeto se apresenta com a finalidade de dar oportunidade para moradores de bairros periféricos da capital goiana e do município de Aparecida de Goiânia (GO), de apontarem o que seus bairros tem de melhor e de pior a partir de uma urna cedida pelo TER (Tribunal Regional Eleitoral). A TV entrevista pessoas do bairro e também de órgãos governamentais responsáveis pelas soluções dos problemas e se coloca como uma interlocutora entre as pessoas e o governo.

A partir da análise de reportagens, foi destacado que a palavra cidadania, na composição das matérias do projeto da TV Anhanguera, está atrelada à busca da execução de serviços públicos que não estão sendo realizados em uma determinada região. O termo cidadania é usado em referência a esses serviços, mas de maneira generalizada. Desde o sentido do campo da educação até o de segurança, saúde e entretenimento, a palavra é readequada como um conceito geral.

Já de forma indireta, a televisão procura passar a noção de cidadania quando, por meio do jornalismo, os moradores da região onde o projeto é desenvolvido conseguem uma resposta do poder público sobre suas reivindicações. Deve-se destacar que nas reportagens do projeto “O bairro que eu tenho, o bairro que eu quero” com freqüência a palavra cidadão/cidadania é substituída pelo cargo social que o indivíduo ocupa, como por exemplo, o pedreiro, a dona de casa, o motorista. A palavra cidadão, de acordo com as matérias analisadas, também tornou-se sinônimo de “gente simples e batalhadora”, “a comunidade”, citações nas reportagens que acabam por fazer referência às classes de menor poder aquisitivo.

No geral, o quadro dá ênfase a uma busca por direitos e ao buscar os seus direitos cada pessoa busca ser cidadã. O discurso da mídia é um reforço de que a busca por direitos e a defesa de direitos é um exercício de cidadania.

Ainda no que diz respeito à televisão, também foram analisadas as chamadas propagandas do governo, veiculadas em repetidoras do Estado de Goiás - TV Anhanguera (Globo), TV Brasil Central (Cultura de São Paulo), TV Record de Goiás e TV Serra Dourada (SBT) - onde ações de cidadania foram dispostas como atendimento ao público “Vapt-Vupt”, manutenção de estradas (transporte), construção de salas de aula (educação), reformas hospitalares e aquisição de equipamentos (saúde), treinamento de pessoal (valorização do “capital humano”), enfim, noções de cidadania sobre realização de benesses promovidas pelo Estado, com uma conotação claramente política-ideológica, não no sentido de uma prestação de contas da aplicação dos impostos, tributos e taxas aos contribuintes consumidores/cidadãos!

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Com relação à Internet, os principais termos atrelados à palavra Cidadania foram questões legislativas, bônus, solidariedade, consumo consciente, opinião, liberdade, minorias, povo, democracia, participação popular, movimento dos sem mídia, igualdade, oportunidade, deficiência para cumprimento da lei das cotas, voto, poder público, direito à informação, corrupção, a ação popular, interesse público, eventos sociais para idosos, mercado de trabalho, direito a documentos pessoais, descontos, ética, cultura, contato entre sociedades distintas, novas ideias, acesso à todos.

Na internet as pessoas não são tratadas como cidadãs, mas sim, tratadas pelo trabalho que desenvolvem na sociedade, ou seja, na grande maioria das matérias jornalísticas existentes na mídia, as pessoas são destacadas como: médico, advogado, motorista, estudante, ciclista, vendedor. A função social é utilizada como significante de cada indivíduo e, subliminarmente há um reforço do trabalho com a cidadania. Estar empregado é ser cidadão. A palavra cidadania é tida como sinônimo de coletivo e de povo. Para se designar aquele que merece destaque na sociedade são usados os termos indivíduo (um) ou sujeito (um).

A pesquisa na internet em busca dos termos cidadania e cidadão demonstrou o uso diferente por parte de sites noticiosos e outros institucionais. Sites institucionais como o do Senado Federal há partes destinadas exclusivamente aos cidadãos, como se houvesse outro público. Mas o que nos interessa nesta pesquisa é como os veículos de comunicação se utilizam daquelas palavras. Desta forma, escolhemos os portais noticiosos UOL e Último Segundo para verificar a presença das expressões descritas.

Durante a busca de uma semana o que pudemos perceber é que raramente as palavras podem ser encontradas. O termo cidadão só foi localizado quando relacionado a nacionalidade, o exemplo é a matéria “Almodóvar é nomeado como cidadão honorário europeu do cinema mundial”. Em matérias como “Famílias de área invadida no Rio serão despejadas”, não há qualquer menção a cidadania ou cidadão, mesmo tendo a temática relacionada aos direitos garantidos pela constituição aos cidadãos.

O vocábulo cidadão aparece como o sujeito detentor de direitos em falas diretas de fontes oficiais como em “Para os partidos de oposição, decisão do STF é ‘nefasta’; petistas afirmam que Constituição foi cumprida”.

Diante da necessidade cada vez maior de ampliar as vagas para um contingente sempre crescente de pessoas que buscam a educação para se qualificar e como meio para conquistar a cidadania, buscou-se analisar as novas tecnologias disponíveis à educação, que tem se firmado no Brasil.

Na pesquisa foi possível observar que, apesar da internet parecer ser a tecnologia a ser considerada neste âmbito de estudo, o que é produzido para esse veículo são aulas, em grande parte de cursos jurídicos destinados a concursos públicos, e que, portanto, consideram o termo cidadania apenas no aspecto do direito político e da nacionalidade.

Por outro lado, é possível encontrar na rede, vários programas de televisão com temas relacionados à educação e à cidadania. Entre eles, “Educação para Diversidade e Cidadania”, da TV UFG, “Educação e Cidadania News”, da Record News e os dois programas que foram tema dessa pesquisa de campo: “Telecurso” exibido nas TVs educativas e destinado à conclusão do curso de ensino médio, e “Caminhos para Cidadania no Brasil”, produzido pela Univesp.

No “Telecurso”, o termo cidadania foi tratado de forma habitual, dentro do senso comum, relacionado à necessidade de se pensar na coletividade e destacando-se que ser cidadão não é somente ter e exercitar os direitos, mas também cumprir os deveres. Aspecto relevante a ser considerado é o uso da palavra “apolítico”, como aquele que se nega ao envolvimento com a política, no caso, com as eleições, em lugar da correta palavra “apartidário”, ou seja, aquele que não tem ou não toma partido. Merece destaque porque considerando o conceito grego clássico de “política” e seu vínculo com o significado de mesma origem de cidadania, podemos questionar se estaríamos falando de um ser apolítico como um subcidadão por se negar ao envolvimento político.

O outro ponto de análise é o Programa “Caminhos da Cidadania no Brasil”, que trouxe importante posição histórica ao lembrar que o período das revoluções, especificamente a Revolução Francesa, por conseguinte, a Declaração de Direitos do Homem e dos Cidadãos, passam a associar a cidadania a um direito. Acentua-se também que a Revolução Industrial foi fundamental para consolidar a significação contemporânea de cidadania, quando se coloca como determinante a questão econômica que, por conseguinte levará à questão do consumo. 

Ainda no tocante à internet, foram realizadas dez entrevistas com consumidoras escolhidas aleatoriamente a partir de uma abordagem espontânea nas filas dos caixas do supermercado “LEVE” em Goiânia, por tratar-se de um perfil de supermercado para classes mais populares e estar localizado no Setor Leste Universitário, com concentração de residências para pessoas da classe C, buscando identificar o impacto midiático da internet sobre a mulher desta classe econômica e o perfil de consumo dessas mulheres nas modalidades presencial e virtual.

Duas perguntas balizaram a pesquisa: Essas mulheres fazem compras pela Internet? Se consumir é parte integrante da construção da cidadania na sociedade contemporânea, essas mulheres pertencentes à classe C ascendente se julgam cidadãs porque podem consumir tanto nas modalidades presencial quanto nas compras eletrônicas?

No geral as mulheres respondentes da pesquisa não fazem compras pela Internet, sobretudo porque são temerosas com relação à segurança do sistema, mas usam a internet para obter informações sobre produtos, lançamentos, moda, fazendo comparação de preços e promoções. A internet para esse grupo possui a função de vitrine para a forma de consumo das classes mais altas e elas acabam comprando produtos similares, com preços maios baixos, adquiridos em um supermercado popular, mas comparado com o apresentado pela celebridade da internet. 

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Sobre os autores
Marcelo dos Santos Cordeiro

Sociólogo, advogado, professor universitário (titular) junto à IES Faculdade de Tecnologia GAP das disciplinas Comportamento do Consumidor e Fundamentos de Marketing (graduação) dos cursos de Gestão Comercial e Gestão Financeira e em outras disciplinas específicas nas pós-graduações da referida IES. http://lattes.cnpq.br/6994071382772931 [colar na barra de endereço do navegador e dar um "Enter"]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Marcelo Santos ; TUZZO, Simone Antoniaci. O lado sub da cidadania a partir de uma leitura crítica da mídia . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4972, 10 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55607. Acesso em: 21 nov. 2024.

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