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Cadeia de custódia em operações de busca e apreensão

04/04/2017 às 14:00
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É necessário formalizar e conceituar a cadeia de custódia no âmbito da busca e apreensão, visando padronizar os procedimentos na ação policial.

INTRODUÇÃO: CONCEITUANDO CADEIA DE CUSTÓDIA

A legislação brasileira não define forma especial ou precisa o que vem a ser a cadeia de custódia. A doutrina explorou o tema por diversos enfoques; enfatizou-se, na maioria deles, o caráter essencial da cadeia de custódia no âmbito de prova, após o exame pericial.

Saferstein ensina, de forma simplista, que a cadeia de custódia é “uma lista de todas as pessoas que estiveram em posse de um item de evidência”. Por esse conceito inicial, inferimos o caráter de organizacional de tal ferramenta, que visa enumerar a “cadeia” de pessoas que detiveram o objeto.

Já Melbye e Jimenez, ao definirem cadeia de custódia como “estatuto em que a evidência, como encontrada in situ, foi acompanhada desde a sua descoberta, existindo uma sucessão segura desta até a corte”, introduzem a ideia de conservação. Observe a diferença conceitual: aqui temos como enfoque a proteção da evidência; diante disso, a respectiva deve, desde o momento de sua coleta, pelos peritos, até a apresentação para o juiz, talvez já como elemento de prova, permanecer imaculada, sem quaisquer adulterações.

Como uma fusão entre os dois conceitos acima, Chasin (2009) define a cadeia de custódia como “um conjunto de procedimentos documentados que possibilitam o rastreamento de todas as operações realizadas em cada amostra desde as evidências defensáveis até a preservação da amostra.”. Ainda, a estudiosa divide a cadeia de custódia em fase externa, que seria o transporte da evidência do local da coleta até o laboratório, e a fase interna, ocorrida no laboratório até o descarte ou aproveitamento das amostras por parte dos magistrados.

As análises feitas pelos estudiosos nos demonstram o caráter essencial que a cadeia de custódia tem para a persecução penal (e cível). Através desta ferramenta, visa-se conservar as evidências desde a sua coleta. O que ocorre, por muitas vezes, é que tais evidências são frutos de operações de mandado de busca e apreensão (MBA). Desenvolvemos então, a partir desse espectro, e utilizando-se da literatura explorada até agora, o seguinte conceito de cadeia de custódia: sequência de proteção ou guarda dos elementos encontrados durante a execução de uma busca e apreensão, registrada sistematicamente.

Diante disso, utilizando este enfoque, a finalidade precípua da cadeia de custódia é de assegurar a idoneidade dos objetos e bens apreendidos, a fim de evitar qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação criminal e o respectivo processo judicial (BUSCA E APREENSÃO 1, SENASP).


CADEIA DE CUSTÓDIA NAS EXECUÇÕES DE MANDADOS DE BUSCA E APREENSÃO

A busca e apreensão é um instituto previsto no Código de Processo Civil e Penal (em seu CAPÍTULO XI). Marques (2003, p.373), trata a busca e apreensão como uma colheita acautelatória de provas, destinada a formar o corpo de delito, sendo que a supramencionada medida é de suma importância para a efetivação de providências tendentes a assegurar o êxito do inquérito policial.

Pitombo (2005, p. 102) distingue a busca da apreensão. Enquanto a primeira seria um meio de obtenção da prova, que objetiva encontrar pessoas ou coisas, a segunda seria uma medida cautelar probatória, ou seja, destina-se à garantia da prova (trata-se de ato fim em relação à busca, que é ato meio).

Independentemente da abordagem escolhida, a finalidade da busca e apreensão é de encontrar ou descobrir objetos que interessem à investigação, ou seja, elementos capazes de tornar certos fatos e circunstâncias conhecidos para que, nesta condição, sirvam de prova (BUSCA E APREENSÃO 1, SENASP).

Com tal conceito em mente, e considerando a fiscalização a qual a ação policial (exercida por agentes de polícia e autoridades policiais) sofre, muitas vezes levanta-se a suspeição sobre as condições de determinado objeto apreendido, ou sobre a própria certeza de ser aquele o material que de fato fora apreendido.

Essa suspeição pode ser levantada por diversos atores agentes: advogados de defesa, assistente técnico (com nova característica prevista na Lei nº 11.690 de 2008) e perito assistente.

Faz-se necessário, então, estabelecer uma cadeia de custódia para execução do MBA, garantindo assim a credibilidade dos elementos colhidos nos cumprimentos de tais mandados. Essa sequência de proteção, cabe ressaltar, engloba o momento da realização da busca até a entrega formal do inquérito policial à justiça, devendo tudo ser registrado em documentos.

Considerando a problemática, o SENASP, por meio do Curso de BUSCA E APREENSÃO 1, estabeleceu 14 procedimentos a serem realizados durante o cumprimento dos mandados. Pressupomos a participação dos peritos criminais integrando a equipe, de forma a manter a integridade das evidências e provas resultantes.

- Procedimento 1: A busca deve ser efetuada num cômodo de cada vez (sem desmembrar a equipe para atuar simultaneamente em outros ambientes), visando o completo controle dos bens desde o exato momento em que forem encontrados. Vale lembrar que, salvo emergências, o tempo não é um problema durante a operação. Essa é uma tarefa que deve ser feita sem pressa e com muito critério.

- Procedimento 2: A autoridade policial que estiver coordenando a busca – de acordo com o planejamento prévio – deverá colocar somente alguns policiais (em número suficiente para tornar a busca eficiente, mas sem congestionar o ambiente examinado) nessa tarefa. Os demais ficarão vigiando os outros ambientes.

- Procedimento 3: No momento em que algum objeto for encontrado ou em que seja evidente a sua descoberta, os peritos criminais deverão coordenar os registros da busca, utilizando-se dos recursos e técnicas criminalísticas para o tratamento de vestígios em locais de crime. Além disso, a autoridade policial deverá chamar a atenção das testemunhas para observarem o local onde o objeto se encontra.

- Procedimento 4: Encontrado o objeto, primeiramente analisa-se as suas condições, visando conhecê-lo adequadamente, a fim de não comprometer qualquer informação ali contida e que possa ser alterada com o simples manuseio incorreto. Neste contexto pode haver inclusive alguma forma de camuflamento do objeto que seja importante registrar no exame.

- Procedimento 5: Fazer o registro do objeto no exato local onde foi encontrado, descrevendo tudo e valendo-se de fotografias e medições – a chamada amarração – para, só depois, começar a manuseá-lo.

- Procedimento 6: Caso seja imprescindível, os peritos criminais devem estar preparados para realizar alguns exames no próprio local, visando evitar eventuais perdas antes da sua movimentação e recolhimento. Isso para evitar a possível perda de alguma informação ao manusear o objeto.

- Procedimento 7: Antes do recolhimento do objeto, fazer a sua respectiva identificação, para constar do laudo pericial e do auto de apreensão.

- Procedimento 8: Colocar o objeto em embalagem adequada (malote, caixa, saco plástico, etc.) e lacrar a sua abertura, apondo a assinatura do perito criminal e/ou da autoridade policial. Quando tiver lacre próprio, relacionar no laudo e no auto de apreensão o respectivo número do lacre. Recomendamos ainda que o perito criminal ou o delegado de polícia acrescente um sinal/marca própria como garantia adicional, constando essa informação no laudo e no auto.

- Procedimento 9: Quando se tratar de material sensível ao manuseio e transporte, tomar os devidos cuidados para mantê-lo como foi encontrado.

- Procedimento 10: Transportar o objeto para o Instituto de Criminalística se for necessário algum exame pericial. Do contrário, levar diretamente para a delegacia de polícia onde estão sendo coordenadas as investigações. Em se tratando de valores ou qualquer outro material peculiar (substância entorpecente, por exemplo), a autoridade policial deverá providenciar a guarda em local seguro ou dar a destinação adequada. Exemplo: caso se trate de dinheiro, providenciar o seu depósito bancário, sob a custódia do Estado, ou colocar em um cofre seguro.

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- Procedimento 11: Quando o objeto chegar na Criminalística, o lacre somente poderá ser rompido pelo perito criminal que examinará o referido objeto, ficando sob a sua responsabilidade até o final dos exames e entrega do laudo pericial. Durante o período do exame, nos momentos em que não estiver sob a sua guarda visual direta, é preciso que a Instituição tenha formas operacionais de guarda desse objeto, a fim de manter a sua idoneidade. Todas essas informações deverão constar no laudo pericial.

- Procedimento 12: Se o objeto foi diretamente para a Delegacia ou para lugar predeterminado em função das suas peculiaridades, a autoridade policial deverá tomar todas as providências para mantê-lo lacrado. Somente quando necessário o objeto poderá ser aberto, o que, para tanto, deve ser formalmente registrado. Após, voltar a lacrar novamente. Também nesse caso, essas movimentações devem constar de algum documento formal inserido no Inquérito, inclusive listando o nome de quem abriu e quem manuseou tal objeto até o lacre seguinte.

- Procedimento 13: Quando o objeto chegar na Delegacia, procedente do Instituto de Criminalística, juntamente com o laudo pericial, somente poderá ser aberto na estrita necessidade de algum exame. Não é preciso abrir para conferir o conteúdo, já que, estando lacrado, a responsabilidade é do perito criminal até o momento em que for aberto, mesmo que isso ocorra já no âmbito da Justiça. É bom lembrar que o rompimento do lacre sem motivo justificado levanta suspeitas a priori sobre a idoneidade do objeto, além de transferir a responsabilidade da guarda para quem o abriu.

- Procedimento 14: No encaminhamento do Inquérito Policial ao Judiciário, ao relacionar os materiais apreendidos, deverão ser registrados todos os procedimentos adotados para a manutenção da cadeia de custódia e, ao final, informado que tais lacres só podem ser abertos por autoridade devidamente habilitada para tal nos autos do processo.


CONCLUSÃO

A preocupação com as evidências colhidas ao longo persecução penal é necessária, haja vista serem objetos constantes de contestação e suspeição.

A busca e apreensão é um instituto descrito nos Códigos de Processo Civil e Penal e que resultam, justamente na produção de evidências e provas.

Diante disso, o presente artigo intentou estabelecer procedimentos para uma cadeia de custódia no cumprimento de MBAs, o que resultaria na maior possibilidade de evidências isentas de quaisquer vícios.

Tal objetivo resta importante para guiar os agentes de segurança durante tais operações de busca e apreensão, além de salvaguardar o princípio da verdade real, um dos pilares do Direito Processual Penal.


BIBLIOGRAFIA

CHASIN, Alice Aparecida da Matta. Parâmetros de confiança analítica e irrefutabilidade do laudo pericial em toxicologia Forense. Revista Brasileira de Toxicologia, v. 14, n. 1, p. 40-46, 2001

CURSO DE BUSCA E APREENSÃO 1, SENASP, 2014

BRASIL. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm> Acesso em 21 fev. 2017.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Millennium, 2003.

MELBYE, Jerry, JIMENEZ, Susan B. Chain of Custody from the Field to the Courtroom. In: HAGLUND, Willian D. ; SORG, Marcella Harnish. Forensic Taphonomy: The Postmortem Fate of Human Remains. Washington, DC: CRC Press, 1997.

PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da Busca e da Apreensão no Processo Penal. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

SAFERSTEIN, Richard. Criminalistics: introduction to forensic science, 8ed. Upper Saddle River. Prentice Hall, 2004. 

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Sobre o autor
Thiago Velozo Trufini

Formado em Física pela Universiade de Brasília (UnB). Mestre em Física também pela Universidade de Brasília. Pós Graduado (especialização) na área de ensino, pelo IBE. Atualmente Agente de Polícia do DF e com alguns cursos na área de Direito Penal e Segurança Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRUFINI, Thiago Velozo. Cadeia de custódia em operações de busca e apreensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5025, 4 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56049. Acesso em: 29 mar. 2024.

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