INTRODUÇÃO: CONCEITUANDO CADEIA DE CUSTÓDIA
A legislação brasileira não define forma especial ou precisa o que vem a ser a cadeia de custódia. A doutrina explorou o tema por diversos enfoques; enfatizou-se, na maioria deles, o caráter essencial da cadeia de custódia no âmbito de prova, após o exame pericial.
Saferstein ensina, de forma simplista, que a cadeia de custódia é “uma lista de todas as pessoas que estiveram em posse de um item de evidência”. Por esse conceito inicial, inferimos o caráter de organizacional de tal ferramenta, que visa enumerar a “cadeia” de pessoas que detiveram o objeto.
Já Melbye e Jimenez, ao definirem cadeia de custódia como “estatuto em que a evidência, como encontrada in situ, foi acompanhada desde a sua descoberta, existindo uma sucessão segura desta até a corte”, introduzem a ideia de conservação. Observe a diferença conceitual: aqui temos como enfoque a proteção da evidência; diante disso, a respectiva deve, desde o momento de sua coleta, pelos peritos, até a apresentação para o juiz, talvez já como elemento de prova, permanecer imaculada, sem quaisquer adulterações.
Como uma fusão entre os dois conceitos acima, Chasin (2009) define a cadeia de custódia como “um conjunto de procedimentos documentados que possibilitam o rastreamento de todas as operações realizadas em cada amostra desde as evidências defensáveis até a preservação da amostra.”. Ainda, a estudiosa divide a cadeia de custódia em fase externa, que seria o transporte da evidência do local da coleta até o laboratório, e a fase interna, ocorrida no laboratório até o descarte ou aproveitamento das amostras por parte dos magistrados.
As análises feitas pelos estudiosos nos demonstram o caráter essencial que a cadeia de custódia tem para a persecução penal (e cível). Através desta ferramenta, visa-se conservar as evidências desde a sua coleta. O que ocorre, por muitas vezes, é que tais evidências são frutos de operações de mandado de busca e apreensão (MBA). Desenvolvemos então, a partir desse espectro, e utilizando-se da literatura explorada até agora, o seguinte conceito de cadeia de custódia: sequência de proteção ou guarda dos elementos encontrados durante a execução de uma busca e apreensão, registrada sistematicamente.
Diante disso, utilizando este enfoque, a finalidade precípua da cadeia de custódia é de assegurar a idoneidade dos objetos e bens apreendidos, a fim de evitar qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação criminal e o respectivo processo judicial (BUSCA E APREENSÃO 1, SENASP).
CADEIA DE CUSTÓDIA NAS EXECUÇÕES DE MANDADOS DE BUSCA E APREENSÃO
A busca e apreensão é um instituto previsto no Código de Processo Civil e Penal (em seu CAPÍTULO XI). Marques (2003, p.373), trata a busca e apreensão como uma colheita acautelatória de provas, destinada a formar o corpo de delito, sendo que a supramencionada medida é de suma importância para a efetivação de providências tendentes a assegurar o êxito do inquérito policial.
Pitombo (2005, p. 102) distingue a busca da apreensão. Enquanto a primeira seria um meio de obtenção da prova, que objetiva encontrar pessoas ou coisas, a segunda seria uma medida cautelar probatória, ou seja, destina-se à garantia da prova (trata-se de ato fim em relação à busca, que é ato meio).
Independentemente da abordagem escolhida, a finalidade da busca e apreensão é de encontrar ou descobrir objetos que interessem à investigação, ou seja, elementos capazes de tornar certos fatos e circunstâncias conhecidos para que, nesta condição, sirvam de prova (BUSCA E APREENSÃO 1, SENASP).
Com tal conceito em mente, e considerando a fiscalização a qual a ação policial (exercida por agentes de polícia e autoridades policiais) sofre, muitas vezes levanta-se a suspeição sobre as condições de determinado objeto apreendido, ou sobre a própria certeza de ser aquele o material que de fato fora apreendido.
Essa suspeição pode ser levantada por diversos atores agentes: advogados de defesa, assistente técnico (com nova característica prevista na Lei nº 11.690 de 2008) e perito assistente.
Faz-se necessário, então, estabelecer uma cadeia de custódia para execução do MBA, garantindo assim a credibilidade dos elementos colhidos nos cumprimentos de tais mandados. Essa sequência de proteção, cabe ressaltar, engloba o momento da realização da busca até a entrega formal do inquérito policial à justiça, devendo tudo ser registrado em documentos.
Considerando a problemática, o SENASP, por meio do Curso de BUSCA E APREENSÃO 1, estabeleceu 14 procedimentos a serem realizados durante o cumprimento dos mandados. Pressupomos a participação dos peritos criminais integrando a equipe, de forma a manter a integridade das evidências e provas resultantes.
- Procedimento 1: A busca deve ser efetuada num cômodo de cada vez (sem desmembrar a equipe para atuar simultaneamente em outros ambientes), visando o completo controle dos bens desde o exato momento em que forem encontrados. Vale lembrar que, salvo emergências, o tempo não é um problema durante a operação. Essa é uma tarefa que deve ser feita sem pressa e com muito critério.
- Procedimento 2: A autoridade policial que estiver coordenando a busca – de acordo com o planejamento prévio – deverá colocar somente alguns policiais (em número suficiente para tornar a busca eficiente, mas sem congestionar o ambiente examinado) nessa tarefa. Os demais ficarão vigiando os outros ambientes.
- Procedimento 3: No momento em que algum objeto for encontrado ou em que seja evidente a sua descoberta, os peritos criminais deverão coordenar os registros da busca, utilizando-se dos recursos e técnicas criminalísticas para o tratamento de vestígios em locais de crime. Além disso, a autoridade policial deverá chamar a atenção das testemunhas para observarem o local onde o objeto se encontra.
- Procedimento 4: Encontrado o objeto, primeiramente analisa-se as suas condições, visando conhecê-lo adequadamente, a fim de não comprometer qualquer informação ali contida e que possa ser alterada com o simples manuseio incorreto. Neste contexto pode haver inclusive alguma forma de camuflamento do objeto que seja importante registrar no exame.
- Procedimento 5: Fazer o registro do objeto no exato local onde foi encontrado, descrevendo tudo e valendo-se de fotografias e medições – a chamada amarração – para, só depois, começar a manuseá-lo.
- Procedimento 6: Caso seja imprescindível, os peritos criminais devem estar preparados para realizar alguns exames no próprio local, visando evitar eventuais perdas antes da sua movimentação e recolhimento. Isso para evitar a possível perda de alguma informação ao manusear o objeto.
- Procedimento 7: Antes do recolhimento do objeto, fazer a sua respectiva identificação, para constar do laudo pericial e do auto de apreensão.
- Procedimento 8: Colocar o objeto em embalagem adequada (malote, caixa, saco plástico, etc.) e lacrar a sua abertura, apondo a assinatura do perito criminal e/ou da autoridade policial. Quando tiver lacre próprio, relacionar no laudo e no auto de apreensão o respectivo número do lacre. Recomendamos ainda que o perito criminal ou o delegado de polícia acrescente um sinal/marca própria como garantia adicional, constando essa informação no laudo e no auto.
- Procedimento 9: Quando se tratar de material sensível ao manuseio e transporte, tomar os devidos cuidados para mantê-lo como foi encontrado.
- Procedimento 10: Transportar o objeto para o Instituto de Criminalística se for necessário algum exame pericial. Do contrário, levar diretamente para a delegacia de polícia onde estão sendo coordenadas as investigações. Em se tratando de valores ou qualquer outro material peculiar (substância entorpecente, por exemplo), a autoridade policial deverá providenciar a guarda em local seguro ou dar a destinação adequada. Exemplo: caso se trate de dinheiro, providenciar o seu depósito bancário, sob a custódia do Estado, ou colocar em um cofre seguro.
- Procedimento 11: Quando o objeto chegar na Criminalística, o lacre somente poderá ser rompido pelo perito criminal que examinará o referido objeto, ficando sob a sua responsabilidade até o final dos exames e entrega do laudo pericial. Durante o período do exame, nos momentos em que não estiver sob a sua guarda visual direta, é preciso que a Instituição tenha formas operacionais de guarda desse objeto, a fim de manter a sua idoneidade. Todas essas informações deverão constar no laudo pericial.
- Procedimento 12: Se o objeto foi diretamente para a Delegacia ou para lugar predeterminado em função das suas peculiaridades, a autoridade policial deverá tomar todas as providências para mantê-lo lacrado. Somente quando necessário o objeto poderá ser aberto, o que, para tanto, deve ser formalmente registrado. Após, voltar a lacrar novamente. Também nesse caso, essas movimentações devem constar de algum documento formal inserido no Inquérito, inclusive listando o nome de quem abriu e quem manuseou tal objeto até o lacre seguinte.
- Procedimento 13: Quando o objeto chegar na Delegacia, procedente do Instituto de Criminalística, juntamente com o laudo pericial, somente poderá ser aberto na estrita necessidade de algum exame. Não é preciso abrir para conferir o conteúdo, já que, estando lacrado, a responsabilidade é do perito criminal até o momento em que for aberto, mesmo que isso ocorra já no âmbito da Justiça. É bom lembrar que o rompimento do lacre sem motivo justificado levanta suspeitas a priori sobre a idoneidade do objeto, além de transferir a responsabilidade da guarda para quem o abriu.
- Procedimento 14: No encaminhamento do Inquérito Policial ao Judiciário, ao relacionar os materiais apreendidos, deverão ser registrados todos os procedimentos adotados para a manutenção da cadeia de custódia e, ao final, informado que tais lacres só podem ser abertos por autoridade devidamente habilitada para tal nos autos do processo.
CONCLUSÃO
A preocupação com as evidências colhidas ao longo persecução penal é necessária, haja vista serem objetos constantes de contestação e suspeição.
A busca e apreensão é um instituto descrito nos Códigos de Processo Civil e Penal e que resultam, justamente na produção de evidências e provas.
Diante disso, o presente artigo intentou estabelecer procedimentos para uma cadeia de custódia no cumprimento de MBAs, o que resultaria na maior possibilidade de evidências isentas de quaisquer vícios.
Tal objetivo resta importante para guiar os agentes de segurança durante tais operações de busca e apreensão, além de salvaguardar o princípio da verdade real, um dos pilares do Direito Processual Penal.
BIBLIOGRAFIA
CHASIN, Alice Aparecida da Matta. Parâmetros de confiança analítica e irrefutabilidade do laudo pericial em toxicologia Forense. Revista Brasileira de Toxicologia, v. 14, n. 1, p. 40-46, 2001
CURSO DE BUSCA E APREENSÃO 1, SENASP, 2014
BRASIL. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm> Acesso em 21 fev. 2017.
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Millennium, 2003.
MELBYE, Jerry, JIMENEZ, Susan B. Chain of Custody from the Field to the Courtroom. In: HAGLUND, Willian D. ; SORG, Marcella Harnish. Forensic Taphonomy: The Postmortem Fate of Human Remains. Washington, DC: CRC Press, 1997.
PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da Busca e da Apreensão no Processo Penal. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
SAFERSTEIN, Richard. Criminalistics: introduction to forensic science, 8ed. Upper Saddle River. Prentice Hall, 2004.