As aptidões técnicas de um profissional do direito, independentemente de sua área, lhes capacitam para praticamente todas as vicissitudes do torvelinho jurídico. No entanto, quando determinadas expertises jurídicas se entrelaçam com outros ramos do conhecimento, o que é muito mais comum do que se imagina, o profissional do direito passa a encontrar grandes dificuldades operacionais, a exemplo da necessidade de adequar os conhecimentos jurídicos às metodologias de gestão. A dificuldade é simples: o advogado não é gestor, exceto dos processos que lhe são confiados.
Ocorre que as novas tendências profissionais apontam a gestão como elemento chave para o sucesso profissional do operador do direito em um futuro quase presente. Não se imagina que um advogado preste um bom serviço profissional sem ferramentas mínimas de gestão dos processos a ele outorgados, o que certamente poderá ser determinante no crescimento ou não do profissional. A gestão de processos talvez seja uma obrigação natural da profissão, o que não é ensinado nas cátedras da faculdade.
Indo um pouco mais adiante, imaginar que um advogado possa utilizar ferramentas e metodologias de outros ramos do conhecimento para a sua atuação cotidiana parece ser um certo exagero. Essa, no entanto, é uma premissa totalmente equivocada. A utilização de ferramentas de outras áreas do conhecimento no âmbito jurídico maximiza sobremaneira o resultado prático de várias intervenções jurídicas, a exemplo da implementação de projetos de compliance e na gestão de contratos complexos.
Nesse contexto, é bastante comum constatar advogados produzindo artefatos de um plano de projeto tradicional apenas para cumprir um protocolo perante o cliente. O mais inovador utiliza um modelo de Project Charter para apresentar o projeto, ou seja, um modelo introdutório do que se pretende realizar com o projeto jurídico a ser implementado. No entanto, a ferramenta utilizada na gestão desses projetos é o velho e bom Excel, sendo este uma panaceia para quase todas as aflições jurídicas.
Não se tem como criticar as iniciativas acima, desde que o resultado final objetivado seja cumprido e expectativas sejam atingidas. A questão ganha outros contornos na medida em que novas perspectivas são exigidas na atuação do advogado, a exemplo da necessidade de atuar em conjunto com diversos setores de uma empresa na consecução de um objetivo comum traçado pela alta direção da entidade. Eis que surge a necessidade de compartilhar e gerenciar expertises diversas, o que pode parecer um grande tormento para o profissional do direito.
Pois bem, diante dessas novas perspectivas, o advogado tem a possibilidade de fazer uma imersão em outros ramos do conhecimento e utilizar novas metodologias e ferramentas em seu favor. Dentro dessas perspectivas de inovações pode-se constatar a utilização de ferramentas colaborativas na gestão de projetos de compliance e contratos complexos.
No que tange aos contratos complexos, por exemplo, verifica-se que os mesmos são dotados de diversas peculiaridades que necessitam de uma gestão mais proativa e detalhada. Imagine-se, pois, um contrato de fusão de duas grandes empresas no setor de educação, com a saída de alguns acionistas majoritários, a previsão de locações imobiliárias para os acionistas retirantes, a necessidade de readequações regulatórias, equivalência trabalhista, tratamento das contingências, gestão de parcelas compensáveis, transferência de tecnologia, entre diversos outros detalhes que transformam o contrato em um emaranhado de informações que ligam expertises jurídicas diversas. Imagine a dificuldade do cumprimento deste contrato, que não se encerra com a assinatura do mesmo, muito pelo contrário, inicia-se uma nova fase, qual seja: a gestão do contrato.
Uma sugestão bastante efetiva na gestão desse tipo de contrato é o Project Model Canvas, criado pelo professor e consultor José Finocchio Júnior. “Trata-se de um método colaborativo pleno, no qual todos os steakeholders do projeto participam com proatividade, suprimindo a tão conhecida burocracia e o excessivo preenchimento de documentos desnecessários.”[1]A ferramenta do professor José Finocchio Júnior faz todo o sentido para o gerenciamento de contratos complexos, a exemplo do contrato societário supracitado, pois a parte burocrática já está prevista no próprio instrumento contratual, mas a sua implementação e gestão deve ser fluída para não prejudicar o andamento da empresa.
O Project Model Canvas, em sua essência, permite a criação de um plano de projeto com participação e engajamento de uma equipe e principais stakeholders, podendo ser aplicado a qualquer projeto, sobretudo nesses tipos de contratos. O diagrama lógico do Canvas propõe a estruturação das seguintes áreas: stakeholders, equipe, premissas, riscos, grupo de entregas, linha do tempo, restrições, custos, requisitos, produtos, justificativas, objetivos e benefícios do projeto.
Nesse contexto, voltando ao exemplo do contrato de fusão das duas grandes empresas do setor de educação, o Project Model Canvas pode ser uma importante ferramenta na gestão deste contrato. No modelo de diagrama previsto no Canvas aplicado ao referido contrato é possível identificar os stakeholders (junta comercial, cartório de registro de imóveis e outros), a equipe (advogados responsáveis pelo gerenciamento do contrato), premissas (como atingir ao objetivo), riscos (mensuração do risco de cada etapa. Exemplo: o CADE autorizará a fusão?), grupos de entrega (divisão das tarefas previstas no contrato), linha do tempo (acompanhamento do cumprimento do contrato por etapas), custos (acompanhamento das provisões previstas em contrato), requisitos (descrição das funções e demais elementos da equipe), produtos (resultados mensuráveis do trabalho da equipe), justificativas (maximizar resultados do contrato), objetivos (cumprir o contrato em sua integralidade) e benefícios do projeto (dar segurança e agilidade ao cumprimento do contrato).
Com base no modelo Canvas aplicado ao contrato de fusão exemplificado, a equipe envolvida na gestão do contrato é capaz de pensar, analisar e formalizar todas as variáveis para o sucesso final do contrato, por meio de uma metodologia lógica, prática e dinâmica. A partir disso, é possível gerenciar as etapas do cumprimento do contrato e realizar o seu monitoramento e controle, até o encerramento. E sempre que houver mudanças ao longo das etapas, a exemplo das intercorrências oriundas da exigência de passivos não contingenciados (ex.: ações trabalhistas) é possível readequar o Canvas facilmente ao restante do contrato seguindo a mesma lógica. Trata-se de uma metodologia colaborativa entre a equipe e as partes envolvidas objetivando o cumprimento do contrato.
Para quem nunca utilizou o Canvas em um projeto análogo pode supor que seja algo bastante complexo, o que não é uma realidade. O objetivo do Canvas é permitir uma compreensão visual de todos os elementos e etapas do contrato, facilitando o engajamento da equipe e rápida tomada de decisões. Trata-se de um modelo de gerenciamento por meio de abordagem ágil e adaptativa, como previsto em outros modelos de gestão, permitindo uma atuação colaborativa dos advogados da equipe nas diversas etapas da gestão do contrato.
Seguindo a mesma lógica, o modelo Canvas também poderia ser certamente aplicado na implementação de projetos de compliance. Aliás, diga-se de passagem, o modelo Canvas seria ideal para esse tipo de projeto, pois unificaria uma abordagem heterogênea de entendimentos sobre o mesmo objetivo.
Na implementação de um projeto de compliance a ser desenvolvido em uma entidade do terceiro setor, por exemplo, como uma entidade beneficente de assistência social (entidade filantrópica), emerge a necessidade de que sejam criadas políticas e diretrizes institucionais, além de detectar, evitar e tratar qualquer desvio ou inconformidade, para que a instituição possa cumprir com os mais rigorosos critérios que a credenciem como entidade beneficente de assistência social (entidade filantrópica). A função do compliance, nesse caso, vai além das barreiras legais e regulamentares, incorporando princípios de integridade e conduta ética na instituição para cumprir o seu mister. A implementação do compliance em uma entidade filantrópica vai além da necessidade de evitar atos de corrupção, pois objetiva muito mais cumprir regras internas que possam subsidiar os requisitos da manutenção da filantropia.
Não obstante à minudência acima, o Project Model Canvas pode ser uma importante ferramenta na implementação de um projeto de compliance. Fazendo uma analogia possível, aplicando o Canvas a um projeto de compliance voltado para uma entidade filantrópica, seria possível identificar os stakeholders (órgão público certificador, Receita Federal, entre outros), a equipe (advogados e assistentes sociais responsáveis pela gestão do projeto), premissas (como atingir ao objetivo), riscos (mensuração do risco de cada etapa. Exemplo do risco de não cumprir integralmente a gratuidade requerida pela legislação), grupos de entrega (divisão das tarefas previstas no projeto para chegar à certificação), linha do tempo (acompanhamento do cumprimento das etapas para a certificação), custos (mensuração de custos por etapa da certificação), requisitos (descrição das funções e demais elementos da equipe), produtos (resultados mensuráveis do trabalho da equipe), justificativas (maximizar resultados das gratuidades ofertadas), objetivos (conseguir e manter a certificação como entidade filantrópica) e benefícios do projeto (beneficiar pessoas efetivamente carentes e manter a qualidade de entidade filantrópica).
Na implementação do projeto de compliance voltado para uma entidade filantrópica, por meio de uma ferramenta colaborativa, a exemplo do Canvas, seria possível estabelecer visualmente todas as etapas e requisitos do projeto, com sua descrição pormenorizada e com acompanhamento colaborativo das pessoas envolvidas. A gestão do projeto de compliance, dentro desse modelo, fica mais clara, ágil e fácil de ser realizada na consecução de um código de ética (conduta ou integridade) com a participação ativa dos representantes da entidade. As políticas institucionais passam a ser desenvolvidas diretamente entre a equipe gestora do compliance e os profissionais responsáveis por cada setor da entidade. Por exemplo, a criação de uma política de contratação e dispensa de colaboradores seria realizada com a participação da equipe do compliance e a equipe que compõe o setor de recursos humanos da entidade. Toda essa gestão seria realizada de uma forma muito clara, visual e colaborativa entre todos os setores responsáveis.
É evidente que o Canvas é um modelo simplificado, prático e estratégico de gestão, sendo concebido, inclusive, por meio de post-its pregados na parede. Nesse caso, como os projetos acima (contratos complexos e compliance) demandam a participação de vários atores em sua consecução, evidentemente que será necessário buscar auxílio da tecnologia para facilitar ainda mais essa gestão, o que aumenta sobremaneira as possibilidades. Dentro desse cenário, existe uma gama de aplicativos que pode auxiliar nesse tipo de projeto, como o Canvas, Trello, Wrike, Producteev, Podio, Asana, Basecamp, Podio, entre diversos outros. Todas essas ferramentas foram concebidas com base em uma metodologia ágil para gestão e planejamento de projetos de software chamada de Scrum. Evidentemente que se encaixa como uma luva na gestão de contratos complexos e na implementação de um projeto de compliance.
A apresentação das metodologias ágeis e ferramentas tecnológicas acima, ao contrário do que possa parecer, simplifica bastante a atuação do profissional do direito no seu mister primário, seja no foro ou em consultorias, fazendo com que o mesmo ganhe tempo para dedicar-se a outros afazeres. São soluções que permitem o cumprimento de estratégias jurídicas com agilidade, segurança e envolvimento colaborativo.
[1]. FINOCCHIO JÚNIOR, José. Project model canvas: gerenciamento de projeto sem burocracia. 1a ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.