5. Prescrição.
Não cumprida a obrigação nascida do contrato de jogo ou aposta – nas hipóteses reguladas e permitidas pelo ordenamento jurídico – pelo jogador/apostador perdente ou pela pessoa devedora ou obrigada a efetivar o pagamento do prêmio, cabe ao interessado ingressar em juízo para, mediante o devido processo legal[26], constranger o inadimplente ao cumprimento exato da obrigação contraída, estampada no título do jogo ou da aposta.
A prescrição para se exigir o pagamento de jogos e apostas permitidos pela Lei é aquela inscrita pelos normativos legais.
Como determina a Constituição Federal em seu inciso XX, do artigo 22 competir privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios, também à União caberá disciplinar sobre o prazo prescricional relativo ao prazo para cobrança de dívida de jogos e apostas permitidos.
O Decreto-Lei 6259/1944 que trata do serviço de loterias, dispõe em seu artigo 28 que o pagamento do prêmio será realizado mediante apresentação e resgate do respectivo bilhete, desde que coincida exatamente com o canhoto do qual se destacou, e não ofereça vícios ou defeitos que prejudiquem a verificação de sua autenticidade.
Também dispõe o aludido Decreto-Lei que em hipótese alguma se admitirá a substituição de bilhetes postos em circulação, ainda que sob o pretexto de furto, destruição ou extravio (artigo 29) e que o pagamento será imediato à apresentação do bilhete na sede da loteria e, dentro de 15 (quinze) dias, se em qualquer das agências sediadas nas capitais dos Estados (artigo 30).
Mas é o Decreto-Lei 204/1967 que estabelece que os prêmios prescrevem em 90 (noventa) dias a contar da data da respectiva extração e que detém potência para interromper a prescrição: (a) a citação válida, no caso do procedimento judicial em se tratando de furto, roubo ou extravio; (b) a entrega do bilhete para o recebimento de prêmio dentro do prazo de 90 (noventa) dias da data da extração na sede da Administração do Serviço de Loteria Federal ou nas Agências das Caixas Econômicas Federais.
Conquanto os normativos sejam específicos, entendemos que as regras contidas no Código Civil brasileiro sobre as causas de interrupção ou suspensão do prazo prescricional são plenamente aplicáveis, pois referem-se a questões de ordem pública. Exemplo culminante é aquele que dispõe não correr a prescrição em detrimento de menores de 16 (dezesseis) anos e incapazes (Código Civil, artigo 198, inciso I). Ademais, como há reconhecimento de que a “prescrição, por ser matéria de ordem pública, pode ser conhecida de ofício a qualquer tempo ou grau de jurisdição, não estando sujeita a preclusão”[27] e a “prescrição é matéria de ordem pública e, portanto, pode ser suscitada a qualquer tempo, não estando sujeita à preclusão, inclusive passível de conhecimento de ofício”.[28]
6. Ônus da Prova
Como regra geral, todo aquele que afirma ser titular de um direito deve fazer prova do que afirma. Quem afirma ser credor de quantia decorrente de contrato de jogo ou aposta, deve comprovar, como regra geral, o título que o habilita a receber o prêmio estipulado.
O Código de Processo Civil de 2015 estabelece em seu artigo 373 que o ônus de se provar o alegado incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
No mesmo artigo legal do diploma processual, a regra geral é excepcionada, nos “casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
O juiz, portanto, poderá determinar a inversão do ônus probatório. A distribuição dinâmica do ônus da prova, contudo, deverá operar-se de forma fundamentada, para que eventual insurgência seja realizada conforme o due process of law.
Conforme visto, o Decreto-Lei 204/1967 determina que os prêmios devem ser pagos em 90 (noventa) dias contados da data da extração e deverá ser apresentado o bilhete premiado, decerto para conferência. No caso de furto, roubo ou extravio deverá ser produzida prova para demonstração tanto da realização do jogo/aposta quanto da verificação de acerto e demonstração da titularidade do direito que assegurará ao ganhador receber o prêmio estipulado.
Grande dificuldade probatória surgirá ao autor para demonstrar a realização do jogo/aposta, de forma que se indaga sobre a possibilidade de inversão do ônus probatório.
Conquanto entendamos que o juiz não pode substituir a atividade da parte relapsa e inerte, em situações pontuais poderá o magistrado produzir provas ex officio, especialmente em matéria que de uma maneira toque em questões de ordem pública. Paulo Cézar Pinheiro Carneiro ressalta que: “Ao magistrado também cabe determinar a produção de provas de ofício, mesmo que as partes não as requeiram (art. 370). Esta atribuição visa permitir maiores esclarecimentos destinados à reconstituição dos fatos relevantes para que, calcado na verdade (art. 378), possa alcançar a melhor decisão para o caso. Notoriamente, esta iniciativa não significa parcialidade do julgador em favor de qualquer das partes, afinal, na ordem de produção probatória, não tem condições de saber a qual delas aproveitará. E ainda que se discorde, cabe indagar: o juiz é mais parcial quando deixa de determinar a produção de uma prova que poderia levar a uma decisão mais justa, ou quando deixa de determiná-la, relegando para a distribuição do ônus da prova (neste ponto entendida como regra de julgamento) o seu veredicto, pouco importando com o resultado? Perceptível que a isonomia, atrelada às demais garantias que o novo Código estabelece, determina uma concordância com a primeira das indagações”.[29] Nesse contexto, não se pode perder de vista o que decidiu o Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591/DF, no qual ficou decidido que as “instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor”.[30]
No caso de perda (=extravio), roubo ou furto do bilhete ou título premiado, há sim, a possibilidade de inversão do ônus probatório, para que a casa ou órgão organizador demonstre não ter sido o pretendente a receber o prêmio realizado o jogo ou aposta, não sendo, portanto, titular do direito ao prêmio. Com efeito, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu a incidência das normas consumeristas em contratos de jogos e apostas.
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. CONCURSO DE PROGNÓSTICO ESPORTIVO. LOTECA. COMPETIÇÃO INTERROMPIDA. REINÍCIO NO DIA POSTERIOR. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMA GERAL DOS CONCURSOS DE PROGNÓSTICOS ESPORTIVOS: AFASTADA. PREVALÊNCIA DO CDC. 1. Por se tratar de questão eminentemente de direito, não necessidade de produção das provas. Agravo retido improvido. 2. Não há de se falar em prescrição no presente feito, vez que não se trata do ganhador do certame que está reclamando seu prêmio, e neste caso seria aplicável a prescrição de 90 (noventa dias) do Decreto 66.118/70. O autor é um participante que está a questionar o resultado, tendo como consequência o recebimento do prêmio, devendo ser aplicada a prescrição quinquenal. 3. A competição entre São Bernardo/SP e Penapolense/SP teve início no dia 8.10.2005 (sábado), sendo interrompida aos 40 minutos do primeiro tempo, devido a forte chuva, com o placar em zero a zero, com posterior remarcação da partida para o dia 9.10.2005, cujo vencedor foi o São Bernardo. 4. Os concursos de prognósticos esportivos regulam-se pela Norma Geral dos Concursos de Prognósticos Esportivos, estabelecida na Portaria do Ministério da Fazenda n. 356, de 16 de outubro de 1987. 5. As informações que constam no verso do bilhete de aposta não informam corretamente o consumidor, em afronta à Lei 8.078/90. 6. Ao autor-consumidor não foi dada oportunidade de tomar conhecimento prévio da citada Portaria/MF, não podendo a ele ser imputada a referida norma. Assim, há de se considerar válido o resultado do jogo entre São Bernardo e Penapolense, iniciado em 08.10.2005 e finalizado em 09.10.2005, devendo ser considerada a vitória do Time de São Bernardo. 7. Apelação a que se dá provimento.” TRF 1ª Região, 6ª Turma, Apelação 2006.38.00.006934-6, Relator: Juiz Federal Márcio Barbosa Maia, e-DJF1 Data: 8/11/2013, p. 587.
Não pode ser eclipsado o fato de que acaso o jogo ou a aposta tenham sido realizados em locais que legitimamente explorada a atividade econômica, poderá atrair a incidência da inversão do ônus da prova pelas regras consumeristas. Nesse contexto: “Semelhante regra traz o Código de Processo Civil de 2015, no seu art. 373, mantendo a distribuição estática como regra geral. Mas esse mesmo dispositivo legal autoriza expressamente, em seu § 1º, que o juiz distribua o ônus da prova de maneira diversa, desde que o faça por decisão fundamentada, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de uma das partes para cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Trata-se de regra bastante saudável. Sabe-se que muitas vezes é difícil ou impossível para uma parte fazer determinada prova que lhe compete, o que dá relevo à importante possibilidade de flexibilização dessa regra de distribuição. Com isso, possível atribuir o ônus de provar àquele que tem melhores condições de desempenhá-lo.” Remata o doutrinador: “É o que se costuma denominar de distribuição dinâmica do ônus da prova, que deve ser feita através de decisão fundamentada, precedida de contraditório, e garantindo às partes a oportunidade de desempenhar o ônus probatório que lhes foi atribuído. Aliás, sempre se discutiu o momento para o juiz alterar as regras de distribuição do ônus probatório, especialmente à vista da inversão autorizada pelo art. 6°, VIII, do CDC. Para alguns, tratar-se-ia de regra de julgamento, e como tal haveria de ser determinada na sentença, se cabível e necessária. Afinal - sustenta essa parcela da doutrina e jurisprudência - se as provas para formação da convicção do julgador vieram aos autos, não há porque se cogitar de inversão, até porque não é relevante identificar quem as produziu. Outra corrente, justamente para evitar que uma das partes seja pega de surpresa e não tenha prévio conhecimento do seu papel na instrução probatória, defende que essa inversão deva ocorrer antes que se inicie a fase instrutória. José Rogério Cruz e Tucci, dentre outros, propõe a inversão na decisão saneadora. (José Rogério Cruz e Tucci, Horizontes da nova audiência preliminar, Revista Jurídica 300, out. 2002). Andou bem o legislador não só ao admitir a distribuição dinâmica, quando for o caso, mas também ao entendê-la como regra de procedimento, determinando que seja feita por decisão fundamentada e que o juiz deva garantir à parte oportunidade de se desincumbir do ônus atribuído. Sempre oportuno que se evite surpresas às partes no processo, o que, nesse caso, é feito definindo-se claramente as atribuições que cada uma terá na fase instrutória do feito”.[31]
William Santos Ferreira esclarece, ao escrever sobre a dinamização do ônus da prova e equilíbrio possível por outro meio, que não “caberá a dinamização se o objetivo a ser alcançado pode se dar pela aplicação de outro regramento. Por exemplo, se as melhores condições envolvem apenas estar na posse de determinado documento, não cabe a distribuição dinâmica do ônus da prova para acessar este, pois há a exibição de documento em poder da parte contrária e caso não entregue este, a parte que não justificou a negativa terá contra si a presunção de veracidade do que a parte contrária pretendia provar com o documento (art. 400). Diferentemente ocorrerá se a destruição partiu da parte que possuía o documento ou esta não o protegeu, hipótese em que se for considerado que mentiu incidirá a presunção, se for verdade e o documento não mais existir provavelmente será caso de dinamização para que a parte que, por exemplo provavelmente tenha cópia ou conheça meus de recuperação de informações o faça”.[32] No caso de extravio, furto ou roubo do título ou documento que comprove o jogo ou aposta premiada, obviamente não há se falar que o apostador esteja em melhores condições de prova.
A jurisprudência já se debruçou sobre a questão probatória do título executivo emitido para solução de dívidas de jogos e apostas, consoante decisões a seguir reproduzidas.
“RECURSO INOMINADO. COBRANÇA. CHEQUES. INÍCIO DE PROVA DO DÉBITO. O cheque representa início de prova do débito para fins de amparar pretensão de cobrança. Inexigibilidade dos valores em razão de origem em dívida de jogo. Fato não comprovado. Ônus que pertence ao indicado devedor. Prova testemunhal que corrobora a existência da dívida e sua origem legítima. Sentença mantida pelos seus fundamentos. Recurso improvido.” TJRS, Turma Recursal Provisória, Recurso Cível 71005650643, Relator: Juliano da Costa Stumpf, Julgado em 30/5/2016.
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. PROTESTO DE CHEQUE. DÍVIDA ORIUNDA DE "JOGO DO BICHO". NULIDADE DA CÁRTULA. INTELIGÊNCIA DO ART. 814 DO CÓDIGO CIVIL. Diante da literalidade e autonomia do cheque, o portador da cártula nada necessita provar quanto à sua origem. Ao devedor é que, em suscitando a discussão do negócio subjacente, cumpre o encargo de comprovar que o título não tem causa, que sua causa é ilegítima ou que dele constam vícios passíveis de torná-lo nulo, como ocorre na hipótese em liça, em que os elementos constantes nos autos demonstram que a dívida que ensejou a emissão do título é proveniente de "jogo do bicho". Inexigibilidade do valor estampado na cártula. Inteligência do art. 814 do Código Civil. Reforma do veredicto. Procedência do pedido. Precedentes desta Corte. Apelo provido.” TJRS, 12ª Câmara Cível, Apelação Cível 70062066071, Relatora: Desembargadora Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 27/8/2015.
“APELAÇÃO CÍVEL. MONITÓRIA. CHEQUES PRESCRITOS. ALEGAÇÃO DE QUE A EMISSÃO DOS TÍTULOS DECORRE DE DÍVIDA DE JOGO. SENTENÇA QUE ACOLHE EMBARGOS MONITÓRIOS. SUA REFORMA. REGULARIDADE DOS TÍTULOS ENTÃO INQUINADOS. PROVIMENTO DO APELO PARA CONSTITUIR O TÍTULO EXECUTIVO. 1. Insurge-se o apelante contra sentença que, em ação monitória fundamentada em cheques emitidos pelo réu sem provisão de fundos, julgou improcedente a pretensão autoral, ao fundamento de que restou demonstrado nos autos tratar-se de dívida oriunda de jogo. 2. Frise-se que a corrente demanda não se trata propriamente de cobrança de dívida de jogo, mas de cobrança de cheques emitidos sem provisão de fundo. 3. Embora em tese a discussão sobre o negócio jurídico subjacente fosse irrelevante, porque o dever de pagar, não obstante a renhida resistência do apelado, ainda assim subsistiria, restou incomprovado que a causa originária da emissão dos títulos tenha sido a aposta ilícita em corrida de cavalos, atividade que, ademais, é devidamente regulamentada. 4. Recurso ao qual se dá provimento, para constituir o título ora pretendido.” STJ, REsp 801715/MS, Relator: Ministro Jorge Scartezzini, julgado em 24/10/2006.
A emissão de títulos de créditos não causais, como cheque, desprende-se dos motivos e razões pelos quais justificou sua criação. O comercialista Fran Martins ensina que o “grande valor dos títulos de crédito é fazer com que facilmente circulem os direitos neles incorporados. Naturalmente, não seria o crédito mobilizado se o título não pudesse passar de mãos em mãos, antes de se efetivar a obrigação que ele contém. [...] O título, incorporando direitos, faz com que esses fiquem vinculados ao documento. E que está de posse do documento tem, normalmente, a propriedade dos direitos que ele encerra. [...] É assim, o título de crédito destinado, sobretudo, à circulação”.[33]
O ônus probatório da demonstração de algum vício jurídico que interfira na emissão do título é de quem o alega. A jurisprudência trafega no sentido de ser viável a investigação sobre os motivos de emissão de títulos de crédito e, no caso do cheque, especialmente quando não tenha entrado em circulação e colocado em risco a segurança jurídica de terceiros em decorrência da boa-fé.
“Em situações excepcionais, a jurisprudência tem tolerado a mitigação dos princípios norteadores dos títulos de crédito, quais sejam, a abstração, a autonomia e a literalidade, admitindo como possível ao emitente comprovar vício na assunção da dívida representada pelo título cambial, discutindo a sua causa debendi” TJCE, Apelação Cível 2001.0000.7376-7, Relator: Desembargador Ademar Mendes Bezerra, Julgamento: 20/10/2004.
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE. RESCISÃO DO NEGÓCIO. ÔNUS DA PROVA. INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO. Ao embargante cabe provar a rescisão do negócio para o qual foi emitido o cheque, que passa a ser inexigível desde que não tenha sido posto em circulação. Apelo desprovido. Sentença mantida.” TJCE, Apelação Cível 2001.03462-7, Relator: Desembargador José Arísio Lopes da Costa, Julgamento: 12/8/2002.
“I - A discussão da relação jurídica subjacente à emissão de cheque é permitida se houver sérios indícios de que a obrigação foi constituída em flagrante desrespeito à ordem jurídica ou se configurada a má-fé do possuidor do título. II - A falta de causa que justifique a exigência do título pode ser alegada e provada pelo devedor que participou diretamente do negócio jurídico realizado com o credor” STJ, REsp 221.835, Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Julgamento: 21/9/1999.
“Cheque. Causa debendi. Possibilidade de seu exame, não havendo o cheque circulado” STJ, REsp 103.293, Relator: Ministro Eduardo Ribeiro, Julgamento: 20/5/1999.
“EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE. NULIDADE E AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ. NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. Nas hipóteses em que o cheque não circulou é possível a discussão do negócio jurídico subjacente a sua emissão. Porém, não provada a ausência de causa debendi ou a existência de vícios a maculá-la, ônus que cabia à apelante, correta a sentença de improcedência dos embargos” TJRS, Apelação Cível 70009947110, Relator: Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, Julgamento: 30/3/2005.
“Estabelecendo-se a lide entre o emitente do cheque e seu beneficiário-credor, sem que o título tenha circulado, admite-se a discussão da causa debendi” TJRS, Apelação Cível 70010087732, Relator: Desembargador Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgamento: 15/12/2004.
Pode ser discutida a causa da emissão do título de crédito, isto se ele não tiver sido colocado em circulação, uma vez que admitir o contrário seria ferir a segurança jurídica decorrente das relações empresariais/comerciais, enfraquecendo a aceitação do instituto, com prejuízo da sociedade como um todo. Assim, mostra-se viável "claro que entre o tomador e o emitente do cheque pode-se travar discussão a respeito da causa debendi. Mas o credor nada tem que provar, posto que, pela literalidade e autonomia de seu título de crédito, há em seu favor a presunção legal de liquidez, certeza e exigibilidade da dívida” E ao “devedor, por isso mesmo, é que compete o ônus de provar que o título não tem causa ou que dita causa é ilegítima. E sua prova, em tal sentido, há de ser robusta, cabal e convincente, porquanto, ainda na dúvida, o que prevalece é a presunção legal de legitimidade do título cambiário".[34] A jurisprudência é inclinada em tal direção:
"EXECUÇÃO - CHEQUE - EMBARGOS DO DEVEDOR - ACOMETIMENTO DA PROVA DA 'CAUSA DEBENDI' AO EXEQUENTE - TERCEIRO DE BOA-FÉ - INVIABILIDADE JURÍDICA - DECISUM INSUBSISTENTE - APELO PROVIDO. Traduzindo o cheque uma ordem de pagamento à vista, é ao emitente que cabe, em pretendendo desconstituir-lhe a eficácia cambiária, comprovar a inexistência de causa válida para a sua emissão ou a existência de vícios que, afetando-lhe a natureza, retirem-lhe a força executiva. Ao terceiro detentor do cheque, mormente quando não estabelecida a sua má-fé, não é dado ao emitente, em face da literalidade e autonomia que revestem o título, opor o desfazimento do negócio subjacente em razão do qual ocorreu a sua emissão. Mais inadmissível ainda, nessa hipótese, impor-se ao credor a obrigatoriedade de comprovar a exatidão da causa debendi." TJSC, Ap. Cív. n. 2000.005584-0, de Urussanga.
"CIVIL - DÍVIDA DE JOGO - CHEQUE - FALTA DE PROVA DA ALEGAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. Estando completo, o cheque constitui título de dívida líquida e certa. Não sendo coberto, é exigível em execução, presumindo-se de origem lícita. Quem alega que a cártula origina-se de jogo ou aposta, tem o ônus de comprovar a afirmação." TJSC, Apelação Cível 96.004536-8, de Jaraguá do Sul, Relator: Desembargador Amaral e Silva.
"- Cheque. Execução por terceiro. - Alegação de se tratar de dívida de jogo. - Tendo o embargante se limitado, nos embargos, a afirmar que o cheque fora emitido para cobrir dívida de jogo, sem articular má-fé por parte do exequente-embargado, acha-se este sob a proteção do art. 1.477, do Código Civil. - Inexistente, de outro lado, cerceamento de defesa, se a prova testemunhal era de todo desnecessária, porque irrelevante a origem ilícita do cheque, se inoponível a quem com ele se apresentou em juízo. - Apelo desprovido.” TJSC, Apelação Cível 36.433, de Ituporanga, Relator: Desembargador João José Schaefer.