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Princípio da função social da empresa

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13/04/2017 às 14:30

Resumo:


  • Os institutos e instituições jurídicas possuem estrutura e função definidas pela lei ou pelo exercício da autonomia privada, sendo a estrutura o suporte fático necessário para a existência individualizada do instituto, e a função a finalidade ou utilidade que o ordenamento jurídico ou as partes atribuem a ele.

  • A função social da propriedade é um princípio constitucional que impõe que a propriedade deve cumprir uma finalidade social, sendo protegida pela Constituição Federal brasileira, desde que atenda às exigências de desenvolvimento urbano, agrário e às necessidades de preservação do meio ambiente, trabalho e justiça social.

  • A função social da empresa é um princípio que orienta a atividade empresarial a gerar empregos, tributos e riqueza, contribuindo para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade, respeitando o meio ambiente e os direitos dos consumidores, conforme a legislação vigente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A função social da sociedade empresária é atingida quando ela atende aos princípios da liberdade, igualdade, dignidade, solidariedade, democracia, reduz ou procura reduzir as desigualdades sociais e cumpre os valores ambientais.

Sumário: 1. Estrutura e função dos institutos e instituições jurídicas. 2. Função Social da Propriedade. 3. Função Social da Empresa. 4. Conclusões. 5. Bibliografia


1. Estrutura e Função dos Institutos e Instituições Jurídicas.

Segundo lição doutrinária que pode ser extraída do pensamento e das obras de Norberto Bobbio e Pietro Perlingieri, todos os institutos e instituições jurídicas possuem estrutura e função, afirmando o segundo doutrinador ser “da máxima importância identificar a estrutura e a função do fato jurídico. Preliminarmente, pode-se dizer que estrutura e função respondem a duas indagações que se põem em tomo ao fato. O "como é?" evidencia a estrutura, o "para que serve?" evidencia a função”.1

A estrutura jurídica, suporte fático ou fattispecie de um instituto jurídico, portanto, é aquilo que seja necessário para que determinada figura seja considerada como existente, identificada e individualizada. Pontes de Miranda assim disserta sobre a natureza do suporte fático: “O suporte fáctico (Tatbestand) da regra jurídica, isto é, aquele fato, ou grupo de fatos que o compõe, e sobre o qual a regra jurídica incide, pode ser da mais variada natureza: por exemplo, a) o nascimento do homem, b) o fato físico do mundo inorgânico, c) a doença, d) o ferimento, e) a entrada em terrenos; f) a passagem por um caminho, g) a goteira do telhado, h) a palavra do orador, i) os movimentos do pastor diante do altar, j) a colheita de frutos, k) a simples queda de fruto. É incalculável o número de fatos do mundo, que a regra jurídica, pode fazer entrarem no mundo jurídico, - que o mesmo é dizer-se pode tornar fatos jurídicos”.2

Desta maneira, é a lei que dá estrutura ao instituto jurídico, ou, em algumas hipóteses, o exercício da autonomia privada3. Há autonomia privada tanto no Direito Civil quanto no Direito Empresarial e “no Direito Empresarial, regido por princípios peculiares, como a livre iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros setores do Direito Privado”.4

Assim, por exemplo, a prescrição (=forma de extinção indireta de uma obrigação) possui uma estrutura legal própria e que é inconfundível com o pagamento por sub-rogação e de todas as demais formas de extinção da obrigação. Na ilustração do exemplo, todos os institutos para extinção da obrigação são figuras jurídicas importantes e distintas em sua estrutura, isto é, no suporte fático que as caracteriza; o que elas tem de proximidade é que todas elas tem o poder de extinguir uma obrigação.

Todos os institutos e instituições possuem uma função específica e nesse contexto, não há instituto jurídico que não possua uma finalidade ou função própria, peculiar, que é determinada pelo ordenamento jurídico ou posta às partes como manifestação de sua vontade. Pietro Perlingieri assevera que todo fato juridicamente relevante “e, em particular, todo fato humano voluntário, todo ato de iniciativa privada tem uma função, a qual ou é predeterminada pelo ordenamento nos esquemas típicos, ou é modelada pela iniciativa dos sujeitos. A função, portanto, é a síntese causal do fato, a sua profunda e complexa razão justificadora: ela refere-se não somente à vontade dos sujeitos que o realizam, mas ao fato em si, enquanto social e juridicamente relevante. A razão justificadora é ao mesmo tempo normativa, econômica, social, política e por vezes também psicológica (assim é, por exemplo" em muitos atos familiares com conteúdo não patrimonial). E necessária uma avaliação circunstanciada e global do fato. Avaliação e qualificação são uma coisa só, porque o fato se qualifica com base na função prático-social que realiza. Não é suficiente procurar somente os efeitos próprios e qualificar um fato como produtivo, modificativo ou extintivo de efeitos. Limitar-se a isso significa não considerar a natureza dos interesses e a diversa relevância que, em concreto, os atos assumem. A individuação deve compreender a razão da constituição, modificação ou extinção”.5

Inexiste no ordenamento jurídico uma figura estruturada pela Lei que não possua uma função e isso em decorrência da utilidade que se espera extrair de todos os institutos jurídicos desenvolvidos no correr no decurso de milênios e séculos.


2. Função Social da Propriedade.

A Constituição Federal protege diversos valores caros à sociedade, como a liberdade, a democracia, a igualdade e a propriedade. Nesse norte, a Carta Magna consagra o Brasil como uma República Federativa baseada num Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento os valores do trabalho e da livre iniciativa. A livre iniciativa e a propriedade devem ser utilizadas em prol de sua função social.

Conforme a melhor doutrina de direito constitucional, a função social da propriedade surgiu segundo “inspiração do positivismo de A. Conte, dizia Léon Duguit que a propriedade tem como função social a de fazer riquezas. A propriedade, segundo o citado autor, é uma instituição jurídica que se formou para responder a uma necessidade econômica: a necessidade de afetar certas riquezas para fins individuais ou coletivos, bem definidos”.6 Dárcio Augusto Chaves Farias vai direto ao ponto, ao afirmar que não “parece existir dissenso significativo quanto à preponderância do papel que os princípios da propriedade privada e da função social da propriedade parece exercer na definição do conteúdo - ou capital instrumental, i. e., os bens utilizados para geração de outros bens ou rendas - que define a natureza do sistema econômico adotado; neste caso, o socialismo ideológico da carta constitucional. José Afonso da Silva afirma, na mesma direção, que a constituição econômica agasalha basicamente, uma opção capitalista, na medida em que assenta a ordem econômica na livre iniciativa e nos princípios da propriedade privada e da livre concorrência”.7

O exercício da atividade econômica - consoante estipula o artigo 170 da Constituição Federal - deve ser realizado com a valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da propriedade privada (inciso II) e a função social da propriedade (inciso III).8

Sob tal perspectiva, a “Constituição Federal impõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o seguinte conjunto de princípios gerais (topoi) que devem reger a atividade econômica (art. 170, I a IX, da CF): a) princípio da soberania nacional: significa que nenhuma vontade pode se impor de fora do pacto constitucional; b) princípio da propriedade privada: tido como condição inerente à livre iniciativa e lugar de sua expansão; c) princípio da função social da propriedade: impõe a valorização do trabalho humano e confere o conteúdo positivo da liberdade de iniciativa; d) princípio da livre concorrência: significa que a livre iniciativa é para todos, sem exclusões e discriminações; e) princípio da defesa do consumidor: significa que a produção deve estar a serviço do consumo e não este a serviço daquela; f) princípio da defesa do meio ambiente: entende-se que uma natureza sadia é um limite à atividade econômica e também sua condição de exercício; g) princípio da redução das desigualdades regionais e sociais e princípio da busca do pleno emprego: são princípios programáticos que se ajustam à noção de justiça como voluntas: vontade perpétua e constante (de reduzir desigualdades e dar emprego a todos)”.9

A Constituição Federal foi pródiga em prever que a propriedade deve atendimento à sua função social. Com efeito, há previsões explícitas quanto:

  • I – que a propriedade atenderá a sua função social;

  • II - à política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei - tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes e a propriedade urbana – e cumprirá sua função social quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor;

  • III - à Política Agrícola e Fundiária, contida no artigo 184 da Constituição Federal, ao estabelecer que competirá à União promover a expropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei;

  • IV – à previsão de que a lei – ordinária - garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social, conforme inteligência que se extrai do parágrafo único do artigo 185 da Constituição Federal;

  • V – o artigo 186 estabelece que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (a) aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. ATIVIDADE DE CRIAÇÃO DE GADO BOVINO. PECUÁRIA DE GRANDE PORTE. PRAZO DE DURAÇÃO. 1. A Constituição Federal de 1988 dispõe que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII), revelando-se, pois, como instrumento de promoção da política de desenvolvimento urbano e rural (arts. 182. e 186). 2. O arrendamento rural e a parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativista são os principais contratos agrários voltados a regular a posse ou o uso temporário da terra, na forma do art. 92. da Lei n. 4.504/64, o Estatuto da Terra. 3. A atividade pecuária para a criação de gado bovino deve ser reconhecida como de grande porte, de modo que incide o prazo de 5 (cinco) anos para a duração do contrato de arrendamento rural, nos termos do art. 13, II, "a", do Decreto n. 59.566/66. 4. Recurso especial provido”.10

Entendeu no julgado que para se “concretizar referida função social, deve-se buscar o adequado aproveitamento de seus recursos, a preservação do meio ambiente e o bem-estar socioeconômico dos agentes produtores que atuam diretamente na exploração e uso da terra”.11 Desta forma, “analisando-se o Estatuto da Terra como um microssistema normativo, percebe-se que seus princípios orientadores são, essencialmente, a função social da propriedade e a justiça social (cf. arts. 1º e 2º, da Lei 4.504/64)”.12

A propriedade, seja ela pública ou privada, urbana ou rural, móvel ou imóvel, real ou intelectual, individual ou coletiva, deve atender à sua função social, como manda o artigo 5º, inciso XXIII, incidindo sobre ela verdadeira hipoteca social, no linguajar do ministro Celso de Mello. Com efeito, sendo a propriedade um direito fundamental, cabe lembrar que não há direito fundamental absoluto e o exercício de atividade econômica também “sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria CR. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade”.13

Dárcio Augusto Chaves Faria lança luzes sobre a temática, indicando que a função social da propriedade tem “como fundamento de sua legitimidade, encontra em Duguit seu principal elaborador. Duguit, ao buscar fundamentar o próprio direito de propriedade na sua função social, buscou propor uma justificativa consistente para a aplicação da teoria do abuso de direito que fosse capaz de superar a polêmica posta em torno desta no âmbito do direito de propriedade: A propriedade não é um direito, é uma função social. O proprietário, é dizer, o possuidor de uma riqueza tem, pelo fato de possuir essa riqueza, uma "função social" a cumprir; enquanto cumpre essa missão, seus atos de propriedade estão protegidos. Se não os cumpre, ou deixa arruinar-se sua casa, a intervenção dos governantes é legítima para obrigar-lhe a cumprir sua função social de proprietário, que consiste em assegurar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino”.14

Cabe realçar que não apenas a propriedade – pública ou privada – deve atender a uma função social mas, também, outros importantes institutos e instituições jurídicas seculares devem obediência à função social, como a posse, o contrato, o processo e a empresa.


3. Função Social da Empresa

A sociedade empresária pode desenvolver atividades sociais relativas à promoção do bem-estar, saúde, desenvolvimento tecnológico-científico, reinserção do preso ou egresso na sociedade economicamente ativa, reciclagem de resíduos sólidos, tratamento de água e esgoto, dentre outras funções sociais tão importantes; a função social da empresa é um norte porque ela é um instrumento social potente para propiciar a integração, o desenvolvimento e a cooperação social.

Nesse contexto, o PL 1.572/2011, da Câmara dos Deputados, que disciplinará o Novo Código Comercial/Empresarial, se aprovado, em seu artigo 7° dispõe que a "empresa cumpre sua função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos consumidores, desde que com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita".

É certo que algumas sociedades empresárias carecem de uma política ou ação não apenas nos lucros e dividendos sociais, mas na questão social como um todo. Sabe-se que quanto mais rica e próspera for a sociedade onde inserida uma empresa, maiores serão as possibilidades de realizações de negócios, com ampliação do espectro empresarial e, portanto, de lucros. Não há perda, todos ganham. Há uma simbiose entre a sociedade empresária e a sociedade e, por tal razão, entendeu o legislador em configurar o princípio da função social da empresa no ideal a ser atingido diuturnamente.

Alinhado ao entendimento referido, recentemente o Superior Tribunal de Justiça divulgou julgamento onde apontou que na aplicação da Lei de Recuperação Empresarial o aplicador do Direito deve estar focado no cumprimento dos princípios da Lei 11.101/2005, uma vez que eles orientaram a elaboração e a edição do diploma legal e objetivam garantir o atendimento dos escopos maiores do instituto da recuperação das empresas em dificuldades, tais como “a manutenção do ente no sistema de produção e circulação de bens e serviços, o resguardo do direito dos credores e a preservação das relações de trabalho envolvidas, direta ou indiretamente, na atividade”. STJ, 3ª Turma, REsp 1.630.702/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 2/2/2017, DJe 10/2/2017. Informativo 598, 29/3/2017.

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No mesmo sentido, de forma similar: Precedentes do Superior Tribunal de Justiça nessa direção: 2ª Seção, AgRgCC 129079/SP, Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira, julgado em 11/3/2015, DJe 19/3/2015; 2ª Turma, AgRgREsp 1462032/PR, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 5/2/2015, DJe 12/2/2015; 4ª Turma, REsp 1173735/RN, Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 22/4/2014, DJe 9/5/2014; 2ª Seção, CC 111645/SP, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/9/2010, DJe 8/10/2010; 2ª Seção, CC 108457/SP, Relator: Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP), julgado em 10/2/2010, DJe 23/2/2010; 1ª Turma, REsp 844279/SC, Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 5/2/2009, DJe 19/2/2009; 1ª Seção, CC 79170/SP, Relator: Ministro Castro Meira, julgado em 10/9/2008, DJe 19/9/2008; CC 129626/MT (decisão monocrática), Relatora: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15/08/2013, DJe 19/08/2013; CC 115081/SP (decisão monocrática), Relator: Ministro Marco Buzzi, julgado em 06/02/2012, DJe 02/03/2012.

Atendendo aos princípios da ordem econômica e social, a função social da sociedade empresária é atingida quando ela atende aos princípios da liberdade, igualdade, dignidade, solidariedade, democracia, reduz ou procura reduzir as desigualdades sociais, cumpre os valores ambientais (incluindo o meio ambiente do trabalho), dentre tantas outras hipóteses que não podem ser exauridas, face à riqueza dos fatos sociais.

É sabido que a sociedade empresária pode ser utilizada tanto para fins socialmente corretos quanto para finalidades ilegítimas, ilegais, imorais ou repreendidas pelo Estado. Assim ocorre, por exemplo, nas sociedades com finalidades escusas, ilícitas ou que sirvam para a prática de atos fraudulentos em atos licitatórios15, contratuais, obrigacionais, ambientais, consumeristas, e em detrimento de credores e da sociedade como um todo.

Veja-se, por oportuno, o que decidiu o Tribunal de Contas da União no Acórdão 292/2017, Plenário, Relator: Ministro Augusto Sherman, Processo: 003.701/2014-0, Sessão: 22/2/2017, Ata 6/2017; Acórdão 167/2017, Plenário, Relator: Ministro Benjamin Zymler, Processo 008.719-2003-1, Sessão 8/2/2017, Ata 4/2017; Acórdão 1637/2016, Plenário, Relator: Ministro Benjamin Zymler, Processo 000.630/2012-8, Sessao 29/6/2016, Ata 25/2016 e em diversos outros precedentes.

A existência de uma sociedade empresária e do seu princípio da função social da empresa não significa que os sócios, acionistas ou administradores possuam carta-branca para praticarem atos que venham a praticar a seu bel-prazer, com desprezo da ordem jurídica estabelecida. Aliás, como bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça “a função social” reflete um “princípio do qual emanam, principalmente, deveres, não direitos”.16

A responsabilidade civil – inclusive a objetiva -, a responsabilidade criminal por atos que venham a causar danos à economia popular, a desconsideração da personalidade jurídica, inclusive a inversa, são institutos que demonstram que a má ou inadequada a utilização da sociedade empresária para fins proibidos pela ordem jurídica tem consequências jurídicas seríssimas.17

Entre a declaração de falência da sociedade empresária e a extinção de suas atividades e a continuação da exploração mercantil dela, o legislador prefere que seja possibilitada a recuperação econômica da sociedade. Desta forma, ao Poder Judiciário é vedado a declaração de falência quando mostrar-se viável a recuperação empresarial, pois a empresa, sendo parte importante do cenário sócio-econômico possui vida que deve ser preservada ao máximo em prol dos interesses sociais. Nesse sentido, entendeu acertadamente o Superior Tribunal de Justiça que “no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma, isto é, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que, além de não fomentar, na verdade inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores, sob pena de tornar inviável toda e qualquer recuperação, sepultando o instituto”18 e que “em se tratando de recuperação judicial, a nova Lei de Falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos. A inovação está no art. 47, que serve como um parâmetro a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, vale dizer, "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".19

É cristalina a necessidade de cumprimento ao princípio da função social da empresa. A empresa, ou sociedade empresária, enquanto agente econômico é fonte que produz riqueza, possibilita a contratação de pessoas, ocorrem fatos geradores de imposição tributária, desempenha forte papel ambiental, político, estratégico, nascendo daí a necessidade de sua manutenção para o bem social. Com efeito, o artigo 47 da Lei de Recuperação Empresarial e Falência expressamente dispõe que “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”, a ilustrar a importância do tema. Apreciando o princípio da função social da empresa no processo de recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça identificou três princípios a serem seguidos pelo intérprete/aplicador da norma, quais sejam: (a) a relevância dos interesses dos credores; (b) a par conditio creditorum; (c) a preservação da empresa. Tais princípios encontram destaque nos dizeres do dispositivo legal mencionado - artigo 47 da Lei 11.101/2005.

Assim, ao lado do direito dos credores também é necessário “se conjugar esse ponto de vista com o objetivo de reerguimento e manutenção da sociedade empresarial, sendo esse propósito concretizado por meio do princípio da preservação da empresa. O STJ, em diversos julgados, também sedimentou o posicionamento a respeito da relevância da preservação da empresa, dada pela Lei n. 11.101/2005 (REsp 1.207.117-MG, Quarta Turma, DJe 25/11/2015)”.20

O Superior Tribunal de Justiça, ao decidir os Embargos de Divergência no Recurso Especial 248143-PR, onde debatida a necessidade de indicação nominal da pessoa que recebeu a intimação do protesto especial para fins de falência, o voto que desempatou a controvérsia, da Ministra Nancy Andrighi, corretamente entendeu que, face às drásticas consequências do processo indica que “as formalidades para os pedidos de falência exigem uma interpretação que considere os princípios da preservação e da função social da empresa, visando garantir a continuidade da atividade empresarial com uma melhor equalização dos interesses de credores e da empresa devedora; evitando, portanto, as consequências deletérias advindas da sua extinção, que prejudicam não só a empresa, como também toda a coletividade: trabalhadores, fornecedores, consumidores e o próprio Estado. Diante disso, as hipóteses de cabimento de pedidos de falência devem exigir requisitos mais rígidos, sob pena de se transformarem em meios de cobrança, ou seja, de satisfação apenas dos interesses do credor, em prejuízo do interesse coletivo”.21

Também a sociedade de economia mista e a empresa pública terão que cumprir uma função social, estabelecendo a Carta Magna que a lei ficará na incumbência de traçar seu estatuto jurídico, incluindo suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade.

Em boa hora foi editada a Lei 13.303/2016

“Art. 27. A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.

§ 1º A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:

I - ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista;

II - desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista, sempre de maneira economicamente justificada.

§ 2º A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão, nos termos da lei, adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam.

§ 3º A empresa pública e a sociedade de economia mista poderão celebrar convênio ou contrato de patrocínio com pessoa física ou com pessoa jurídica para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica, desde que comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de sua marca, observando-se, no que couber, as normas de licitação e contratos desta Lei.”

Cabe lembrar que a função social da empresa não significa o mesmo que princípio da especialidade, isto é, que a função social da empresa pública ou sociedade de economia mista esteja cumprida com o singelo cumprimento de suas atividades-fim. Mayara Gasparoto Tonin ressalta que “a função social da empresa não pode ser confundida com sua responsabilidade social, “que se caracteriza pela exteriorização do comprometimento de uma empresa com a sociedade civil”. Diferentemente da função social, a responsabilidade social é a integração voluntária de preocupações sociais por parte das empresas e abrange atividades não relacionadas à sua finalidade constante do objeto social. Ou seja, a responsabilidade social trata-se de “gestos voluntários ou espontâneos do empresário, sem qualquer espécie de imposição legal, enquanto a função social da empresa incide sobre a atividade empresarial de modo cogente”. Em outras palavras, a “função social refere-se apenas às atividades econômicas que a empresa exerce, consubstanciadas no seu objeto social”, sendo que a responsabilidade social “consiste no cumprimento de deveres que, tradicionalmente, competem ao Estado”.”22

Entendemos que o princípio da preservação da empresa é um desdobramento do princípio da função social da empresa, pois decorre das consequências da aplicabilidade deste.

Nesse compasso, a Lei de Sociedades Anônimas acolhe o princípio da preservação da empresa em seus artigos 116 e 117, que disciplina a natureza jurídica e deveres do acionista:

“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”

e também seu parágrafo único, no sentido de que:

“O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”.

No artigo 117 da Lei 6404/1976 lemos:

“O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;

f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;

g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade;

h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Incluída dada pela Lei nº 9.457, de 1997).

§ 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

§ 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo”.23

Finalmente, o artigo 154 expressamente prevê:

“O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”

Assim, o princípio da função social da empresa encontra-se positivado no ordenamento jurídico. Também foi ele apreciado judicialmente em diversas oportunidades.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3934/DF ajuizada para contrastear os artigos 60, parágrafo único, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005, decidiu o Supremo Tribunal Federal que inexiste ofensa aos artigos 1º, III e IV, 6º, 7º, I, e 170, todos da Constituição Federal de 1988. Assim, a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada improcedente, pois: (a) inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial, fundamentos do pedido de declaração de inconstitucionalidade; (b) não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas; (c) não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. Asseverou o Supremo Tribunal Federal que o diploma legal objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho.24

Se a sociedade empresária exerce função social, mostra-se imprescindível que sua atuação seja legítima, lícita e que não viole a ordem jurídica. Assim, analisando sob o prisma das limitações relativas à função social da empresa, é interessante a utilização da chamada indenização punitiva, de larga e antiga tradição nos Estados Unidos da América, onde é conhecida como punitive damages. Em síntese apertada, significa o instituto que a indenização, além de possuir intuito de recompor o patrimônio desfalcado, também serve de caráter punitivo, exemplificativo para que práticas similares não sejam praticadas novamente no futuro, em detrimento da sociedade e dos valores caros a ela.

Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho teve oportunidade de apreciar a questão no Recurso de Revista 18509220105030111, em decisão publicada em 23/10/2015, afirmando que a “gravidade e a natureza extrapatrimonial do dano social exigem que se pense na responsabilidade civil não apenas sob a ótica tradicional (compensatória). O debate envolve a discussão sobre as distintas funções da responsabilidade civil e sobre o equilíbrio entre elas: (I) compensatória, (II) preventiva, (III) normativa, (IV) equitativa (evitar o locupletamento ilícito) e (V) punitiva, embora essa última perspectiva envolva muitas controvérsias. Em se tratando de dano de natureza extrapatrimonial, a problemática que se coloca refere-se à possibilidade de traduzir em um montante pecuniário algo que, por definição, não está sujeito tal mensuração. Os pressupostos teóricos da responsabilidade civil, nesses casos, devem ser invocados em favor da construção de um valor concreto, que seja proporcional ao dano. Nesse sentido, enquanto valores mínimos podem gerar o estímulo à prática ilícita, valores excessivos, além de incompatíveis com os pressupostos da indenização, podem comprometer a preservação da empresa”.

Uma das importantes aplicações da função social da empresa é servir como limite para arbitramento de danos de natureza moral. Na aplicação de sanções legais em decorrência de danos causados a terceiros, o valor da indenização a ser arbitrado não pode ter valor simbólico e tampouco servir de fonte de enriquecimento sem causa ou, o que é pior, ter como consequência efeito prático similar ao decreto de sua quebra, por ter valor estratosférico. O valor da indenização, portanto, deve ter valor razoável e proporcional aos danos causados. Mauro Schiavi ensina que “o quantum da reparação deve estar balizado nos seguintes critérios: a) reconhecer que o dano moral não pode ser valorado economicamente; b) valorar o dano no caso concreto, segundo as características de tempo e lugar onde ocorreu; c) analisar o perfil da vítima e do ofensor; d) analisar se a conduta do ofensor foi dolosa ou culposa, bem como a intensidade da culpa; e) considerar não só os danos atuais, mas também os prejuízos futuros, como a perda de uma chance; f) guiar-se o juiz pela razoabilidade, equidade e justiça; g) considerar a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana; h) considerar o tempo de serviço do trabalhador, sua remuneração; i) atender à função social do contrato de trabalho, da propriedade e função social da empresa; j) inibir que o ilícito se repita; l) chegar ao acertamento mais próximo da reparação, mesmo sabendo que é impossível conhecer a dimensão do dano. Por isso deve apreciar não só os danos atuais como os futuros (perda de uma chance); m) considerar a situação econômica do País e o custo de vida da região em que reside o lesado”. Finaliza o autor: “Por fim, deve-se destacar que os juízes hão de agir com extremo comedimento para que o Judiciário não se transforme, como nos Estados Unidos, num desaguadouro de aventuras judiciais à busca de uma sorte grande fabricada por meio dos chamados punitive damages e suas exacerbantes polpudas e excêntricas indenizações”.25

O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, ao julgar os Embargos Declaratórios 825004720065050003, em acórdão publicado em 13/11/2007 entendeu que na recuperação judicial deve ser observado o princípio da função social da empresa, bem como dos demais princípios constitucionais conformadores dela, dentre os quais pode ser incluído o valor social do trabalho, em face do que se vê no caput do artigo 170, da Constituição Federal. O princípio da função social da empresa, portanto, não trata de princípio incondicionado ou absoluto, como, aliás, entende o Supremo Tribunal Federal relativamente aos direitos e garantias constitucionais.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos autos da Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa, Processo 9888617/PR, decisão publicada em 11/7/2013, entendeu que a decisão judicial que determina a penhora on line de ativos financeiros sobre capital de giro de empresa de pequeno porte, cadastrada no simples nacional, quando tal decisão não for cercada de cuidados, a ordem de constrição judicial pode colocar em risco o pleno desenvolvimento de suas atividades. A questão tomou cores especial, uma vez que os bens oferecidos à garantia judicial não se mostravam de difícil alienação, sendo irrazoável e ilegítima a recusa fazendária especialmente porque os valores encontrados na penhora on line retratava somente 6,75% do valor da execução, enquanto o valor dos bens oferecidos a penhora representava 157% do valor da execução. O Tribunal de Justiça, portanto, entendeu que a manutenção da decisão causava “risco de sufocamento da empresa”, em franca violação tanto ao princípio da função social da empresa, quanto à boa-fé da sociedade-empresária executada ao oferecer reforço de penhora.

O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, no Agravo de Instrumento 06246327720158060000, em decisão unânime prolatada no acórdão publicado em 23/2/2016 entendeu que a decisão judicial que determinou o processamento falimentar malferiu os princípios da função social e preservação empresarial, pois a decisão de quebra foi fundamentado em duplicatas vinculadas à contrato de locação veicular que não portava liquidez, mostrando-se o processo falimentar como veículo inadequado para buscar a satisfação do crédito. O processo falimentar, portanto, não se presta para cobrança de créditos entre credor e devedor, pois tal comportamento viola o princípio da função da empresa.

Em feito que tratava de questão atinente à exploração de recursos minerais, atividade econômica desenvolvida pela sociedade empresária que repercutia diretamente na esfera de parcela significativa da população de Barra de São Francisco, Estado do Espírito Santo, o Tribunal de Justiça entendeu ser irrelevante a origem da natureza da decisão concessiva da licença de operação e a incorporação de sociedade empresária representa continuidade da empresa e a interrupção das atividades atingiria a função social da empresa e das diversas pessoas que dependiam das atividades econômicas desenvolvidas na sociedade empresária.26

O Tribunal de Justiça das Minas Gerais, no Agravo de Instrumento 10024123323917002, acórdão publicado em publicação 18/6/2014, decidiu pela legitimidade da prorrogação do prazo de suspensão de 180 (cento e oitenta) dias estabelecido no artigo 6º , § 4º , da Lei de Recuperação e Falências, uma vez que comprovada a sua necessidade e utilidade em função do sucesso no encaminhamento do plano de recuperação da empresa. Desta forma, se restar evidenciado “que a dilação do prazo estipulado no artigo em referência, pode garantir a viabilidade da recuperação, impedir a convolação em falência, bem como garantir a continuação da atividade da empresa, ter-se-á como favorável a prorrogação, principalmente em virtude do princípio da preservação da empresa (expressamente previsto no art. 47. da Lei de Recuperação de Empresas e Falências) e do princípio da função social da empresa”. A questão ganha contornos importantes se a sociedade empresária em recuperação vem dando sinais de convalescência, isto é, se estiver cumprindo com suas obrigações processuais, sem embaraço ao andamento da recuperação judicial, não se justificando a não-concessão da prorrogação do prazo.

A jurisprudência afirma ser “possível que sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares, seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim – consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas –, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia” tendo sido mencionado, à ilustração, o decidido no Recurso Especial 1.321.263/PR, Relator: Ministro Moura Ribeiro, por unanimidade, julgado em 6/12/2016, DJe 15/12/2016.

Relativamente ao direito de preferência para a aquisição do imóvel arrendado, previsto no art. 92, § 3º, do Estatuto da Terra, não é aplicável à empresa rural de grande porte (arrendatária rural) e sob tal “prisma da função social da propriedade, a terra é vista como um meio de produção que deve ser mantido em grau satisfatório de produtividade, observadas as normas ambientais e trabalhistas. No caso do arrendamento, o arrendatário tem total interesse em manter a terra produtiva, pois seria antieconômico pagar aluguel e deixar a terra ociosa. Desse modo, o exercício do direito de preferência pelo arrendatário possibilitaria a continuidade da atividade produtiva, atendendo-se, assim, ao princípio da função social da propriedade”.27

Deve haver respeito à decisão soberana da assembleia de credores sobre o plano de recuperação empresarial, pois “é de sabedoria cursiva que o mercado econômico possui vicissitudes que podem afetar o processamento da recuperação da empresa. Ademais, é a própria lei que institui a soberania da Assembleia, fazendo com que o devedor e os credores se vinculem às suas decisões. Isso está presente no art. 45, c/c o art. 59, ambos da Lei de Falências. Desse modo, apesar de já ter-se extrapolado o prazo bienal, se não há, no decorrer da controvérsia, a prolação da sentença que encerra a recuperação judicial do empresário, é mesmo permitido ao recuperando encaminhar suas novas necessidades à Assembleia de Credores. Enquanto não produzido o encerramento, por meio de sentença, esse órgão ainda permanece com sua soberania para deliberações atinentes ao plano. E, mesmo tendo transcorrido o prazo de dois anos de supervisão judicial, como não houve, como ato subsequente, o encerramento da recuperação, os efeitos desta ainda perduraram, mantendo assim a vinculação de todos os credores à deliberação da Assembleia. A propósito, a Lei de Falências entroniza a Assembleia de Credores inclusive para deliberar a respeito de quaisquer objeções feitas pelos credores não satisfeitos. É o que menciona o art. 56. da lei. Sendo assim, estando presente na deliberação da Assembleia e não conseguindo obstar a aprovação do novo plano, cabe agora ao credor dissidente se submeter à vontade da maioria, fruto da soberania advinda daquele órgão. Destaca-se, por derradeiro, que não está a se falar de descumprimento do plano apresentado. Se assim fosse, poderia o credor dissidente, nos termos do art. 62. da Lei de Falências, postular pela convolação da recuperação em falência”28

A possibilidade de a sociedade anônima de capital fechado, ainda que não formada por grupos familiares, seja dissolvida parcialmente quando, a despeito de não atingir seu fim – consubstanciado no auferimento de lucros e na distribuição de dividendos aos acionistas –, restar configurada a viabilidade da continuação dos negócios da companhia.29

Na hipótese em que o sócio de sociedade limitada constituída por tempo indeterminado exerce o direito de retirada por meio de inequívoca e incontroversa notificação aos demais sócios, a data-base para apuração de haveres é o termo final do prazo de sessenta dias, estabelecido pelo art. 1.029. do CC/02.30

No âmbito de aplicação “os princípios da função social da propriedade e da justiça social nem sempre andam juntos. O princípio da justiça social preconiza a desconcentração da propriedade das mãos dos grandes grupos econômicos e dos grandes proprietários, para que seja dado acesso à terra ao homem do campo e à sua família. Preconiza, também, a proteção do homem do campo nas relações jurídicas de direito agrário. A falta ou a ineficiência de uma política agrária faz com que rurícolas migrem para as grandes cidades, onde, não raras vezes, são submetidos a condições de vida degradantes, como temos testemunhado em nosso país, ao longo de décadas de êxodo rural contínuo”.31

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Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Horácio Eduardo Gomes. Princípio da função social da empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5034, 13 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56478. Acesso em: 22 dez. 2024.

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