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Violência de gênero, feminicídio e direitos humanos das mulheres

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29/04/2017 às 09:23
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3 Violência doméstica contra a mulher no Brasil

As mudanças no Estado e sociedade em geral vêm impulsionando as modificações nas estruturas familiares, fazendo surgir novos modelos de vínculos conjugais, assim como comportamentos e maneiras distintas nos relacionamentos entre os sexos.

Aos poucos, a mulher vem conquistando seu lugar em todos os nichos da sociedade. Porém, devido a influência patriarcal (ou machista) vigente por praticamente toda a história da humanidade, a mulher enfrenta a discriminação, mesmo que velada, e a flagrante e descarada violência, em geral, por parte de companheiro ou cônjuge.

Esta realidade é diariamente vivenciada nas delegacias e tribunais, que se deparam com um incontável número de denúncias e processos relacionados a violência contra a mulher, especialmente a doméstica.

Embora não seja o foco deste trabalho, mas a psicologia pode ser uma fonte de busca de entendimento sobre as razões que levam a isso, porém, sob um enfoque jurídico, observa-se claramente a violência como prática discriminatória, abusiva e lesiva contra os direitos da mulher, tanto no âmbito subjetivo quanto material.

Por outro lado, a sociedade atual tem se acostumado a violência, devido à grande visibilidade que esse tipo de ato tem nas mídias de massa, demonstrando que se caracteriza por uma clara afronta aos Direitos da Pessoa Humana.

A lesão Corporal e a Ameaça costumam estar presentes na violência doméstica, e encontram-se previstas nos artigos 129 e 147 do Código Penal brasileiro.

Apesar disso, ainda verifica-se que, ano após anos, vêm aumentando as denúncias de mulheres que alegam sofrer violência doméstica, apontando como motivos a bebida e o ciúme do seu companheiro. (SAGIM et al., 2005)

O aumento das denúncias pode estar relacionado a um maior número de casos, mas, principalmente, ao fato de que mais mulheres têm se encorajado a denunciar, o que, há algumas décadas, era muito difícil, pela falta de efetiva proteção e insegurança a que as mulheres eram submetidas.  No entanto, ainda hoje, grande parte das denúncias são retiradas pelas vítimas em seguida, voltando para casa e, logo, sendo reiniciada a situação de violência doméstica  (SAGIM et al., 2005).

Diversos são os motivos que levam a mulher que sofre violência doméstica a retornar ao convívio com seu agressor, tais como: falta de recursos para manter-se, moradia, filhos menores, medo de sofrer retaliação, dentre outros fatores emocionais e materiais que a desencorajam a abandonar a situação de risco.

Como delineado, a sociedade vem mudando, se desenvolvendo e se tornando mais aberta a novos comportamentos e tipos de relacionamentos, inclusive quanto a participação efetiva da mulher em diversas áreas de atividades. Porém, há um antagonismo ou retrocesso quando se trata de violência doméstica contra a mulher, ou seja, o homem ainda não consegue lidar com a mulher em condições de igualdade, em um relacionamento de respeito, colaboração e cumplicidade.

A violência doméstica é um fenômeno mundial, que sempre esteve presente em todas as culturas e etnias, em nações mais e menos desenvolvidas, em todas as economias e regimes políticos, ocorrendo em maior ou menor intensidade em diferentes épocas, mas nunca deixou de existir. (SAGIM et al., 2005).

 Ao que parece, o problema maior é que não se tem dado a devida importância ao problema e, por isso, está enraizado e vem acompanhando o desenvolvimento social, sem que seja extirpado completamente.

A violência pode ter diferentes conotações. Etimologicamente, segundo o Dicionário Michaellis (2009), violência refere-se a:

1 Qualidade de violento. 2 Qualidade do que atua com força ou grande impulso; força, ímpeto, impetuosidade. 3 Ação violenta. 4 Opressão, tirania. 5 Intensidade. 6 Veemência. 7 Irascibilidade. 8 Qualquer força empregada contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. 9 Constrangimento, físico ou moral, exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem; coação. (...)

No entanto, a definição de violência depende do que é assim considerado por uma sociedade ou cultura, ou seja, o que é considerado um ato violento para uma pode não o ser para outra, assim como também depende do momento histórico. De maneira geral, a violência é um emaranhado e dinâmico fenômeno bio-psico-social, que surge e de desenvolve na vida em sociedade. Além disso, não é parte integrante da natureza humana e que não apresenta raízes biológicas. (MICHAUD, 1989)

Em geral, quando se trata de violência, se remete ao uso indiscriminado da força física contra alguém com a finalidade de praticar ato lesivo a sua integridade física ou moral, para fins diversos (roubar, agredir, torturar, humilhar, dominar, destruir, ferir ou provocar a morte). (ROJA, 1997)

A violência, então, denota o emprego de força bruta ou instrumentos para agredir alguém visando obter algo que a vítima não pretende dispor ou que não deseja, ou mesmo impor sua opinião pelo uso da força física. Assim, a característica principal da violência é a brutalidade, o abuso, a agressão, o constrangimento e o desrespeito contra alguém.

Em se tratando da violência contra mulher, pode-se afirmar que se refere ao ato brutal que provoca danos e sofrimentos, relacionado ao corpo da vítima, podendo ter conotação física, sexual e/ou psicológica, bem como ameaças, coerção, privação de liberdade, afetando sua vida pública ou privada. (BRASIL, 1999)

A Organização das Nações Unidas procurou unificar os critérios para definir o que é exatamente a violência contra a mulher, como segue:

Violência contra a mulher, se refere a todo ato de violência que tenha e que possa ter como resultado um dano como o sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as ameaças e seus atos de coação, ou a privação arbitrária de sua liberdade, tanto que se procedam em sua vida pública ou privada. (ONU, 1993).

Como mencionado, a violência tem sido bastante alardeada pela mídia, gerando grande visibilidade, tanto porque há mais mulheres tendo a coragem de denunciar, ou mesmo porque esse tipo de ato contra a mulher esteja mais arraigada em todas as esferas sociais. Os fatos demonstram que a violência contra a mulher tem ocorrido por motivos fúteis, mas com graves danos emocionais e físicos para as vítimas.

Entretanto, a violência contra a mulher se caracteriza por um confronto direto com os Direitos da Pessoa, cujas principais conseqüências são: opressão, pânico, medo, insegurança, sensação de abandono, depressão, além da tortura psicológica, humilhação e perda da liberdade.

A violência doméstica provoca constrangimento, pois, conforme Saffioti (1997, p. 53), a família é considerada:

[...] um ninho de afeto, as pessoas sentem-se envergonhadas de admitir, mesmo para amigos, que um membro de sua família prática violência. Assim, qualquer que seja a modalidade de violência, geralmente se forma em torno dela uma conspiração do silêncio. Ninguém fala sobre o assunto.

A família é considerada a célula mater da sociedade e um espaço sagrado, onde se formam os valores, e onde seus integrantes (pais, filhos, marido, mulher, companheiros), normalmente, mantém um vínculo de amor e amizade. Quando este vínculo se rompe, seu efeito atinge todos os seus membros, inclusive aqueles que mantém vínculos de parentesco (avós, tios, primos, sogros etc).

O ideal socialmente aceito de família parte do princípio de que duas pessoas, movidas pelo desejo de compartilhar suas necessidades e desejos mútuos, celebram um pacto de união, com a finalidade de viver em condições de igualdade, respeito, deveres e cumplicidades.

Entretanto, no dia a dia das pessoas costumam ocorrer conflitos, cuja solução imediata depende da maturidade e disposição dos envolvidos na retomada do equilíbrio. Quanto isso não ocorre, o espaço familiar torna-se propício a diversos tipos de violência, prevalecendo o interesse do membro mais forte, que pode ser no aspecto físico, mas, principalmente, no econômico.  

Nesse contexto, a mulher costuma ficar em desvantagem, tanto pelo aspecto social, pela discriminação, quanto econômico, devido a, geralmente, o homem ser o mantenedor e quem mais comete os abusos.

Mesmo havendo a proteção legal, raramente a mulher se defende, preferindo se acomodar à situação, visando uma suposta proteção dela e dos filhos, em relação a moradia, sustento e evitar os constrangimentos perante a sociedade.

Por outro lado, a mulher que resolve denunciar, muitas vezes, não encontra amparo entre os familiares e na sociedade para que possa recomeçar sua vida, não encontrando outra opção senão retornar ao convívio com o companheiro agressor. E, assim, formando um ciclo de agressões interminável, ou pior ainda, com a morte ou lesões graves, como foi o caso de Maria da Penha, a mulher que se tornou símbolo da Lei que recebeu seu nome, que hoje se encontra em uma cadeira de rodas.

Há, ainda, aquelas mulheres que, além não de reagirem às agressões, procuram manter uma aparência de que tudo vai bem, ou porque se acostumaram com a situação, ou porque acham que reivindicar seus direitos seria vergonhoso. Isso ocorre até mesmo com mulheres das classes mais abastadas, as quais, ao invés de denunciar as agressões, preferem procurar terapeutas para tentar solucionar seus problemas.

Este tipo de comportamento retira da mulher sua liberdade e individualidade, além da sua autoestima. Para as feministas, tudo começa quando a mulher aceita a mudança de nome no ato do casamento civil, quando ela deixa de ser uma senhorita para receber o respeitoso título de “senhora”. Porém, esta nova condição, ao contrário de significar  maior honra e respeito, na verdade, a torna propriedade do homem. Além disso, suas responsabilidades em relação ao lar e à família consomem todo o seu tempo, levando-a a esquecer-se de si mesma e das próprias necessidades.

Mesmo entre as mulheres que se sentem insatisfeitas por reconhecerem que são objeto de diversos tipos de violência, isso não as leva a reagir mediante agressões físicas sofridas dentro do lar. E isto está a todo o momento estampado nas mídias, demonstrando que, apesar do maior acesso à informação e liberação feminina, a violência doméstica ainda é uma realidade em muitos lares.

Desse modo, observa-se a necessidade de estudos mais aprofundados que busquem entender as variáveis desta problemática, que, ao que tudo indica, ao invés de diminuir, parece estar aumentando.

Por outro lado, não se pode deixar de mencionar que a mulher tem conquistado a igualdade de direitos em relação aos homens, o que também tem acarretado numa mudança de comportamento nas relações entre sexos. Antigamente, os meninos eram ensinados que não deviam bater nas meninas, e que “em mulher não se bate nem com uma flor”. Porém, hoje, até mesmo as mães e pais de meninos chegam a recomendar que, se agredidos por uma menina, também podem bater. Assim, trazendo uma nova conotação, ou seja, que homem pode agredir uma mulher.

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Segundo Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres[1] no Brasil (2013, p. 1):

O machismo ainda é um dos grandes causadores das agressões contra as mulheres. (...)

Homens e mulheres não são educados como iguais. Ainda vivemos uma desigualdade de gênero muito forte. Se a mulher não corresponde aos desejos do homem, ele pode discipliná-la. Por isso é tão importante o empoderamento feminino.

Por isso, em 2014, a ONU Mulheres lançou a campanha mundial Pequim+20 “Empoderar Mulheres. Empoderar a Humanidade. Imagine!”  E, assim, remetendo à ideia de que a mulher somente poderá ser realmente respeitada quando estiver em condições de igualdade em relação ao homem, especialmente nas questões de poder.

Um exemplo recente do machismo e que prevalece na sociedade e sua relação com as agressões contra as mulheres é apresentado em artigo publicado pela Carta Capital, em 14.12.2014, pelo jornalista  Deutsche Welle, em trecho transcrito a seguir:

Declarações como a do deputado federal Jair Bolsonaro dificultam conscientização. Para especialistas, machismo é a principal causa dessa violência. Número de agressões continua elevado.

As declarações ofensivas do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS) durante um discurso na Câmara nesta quarta-feira 10 voltaram a causar indignação e levaram quatro partidos – PT, PC do B, PSOL e PSB – a pedir a cassação do parlamentar.

Durante o discurso, Bolsonaro afirmou que só não estupraria a colega porque ela "não merecia". Atitudes como a do deputado contribuem para perpetuar o machismo e a violência contra a mulher, ainda bastante presentes no país.

 Em 2014, casos de abuso sexual a mulheres no transporte público e o incentivo a esse assédio em uma página no Facebook causaram revolta no Brasil. O fato mostra como a violência contra a mulher continua presente em espaços públicos e privados. (...) (WELLE, 2014, p.1)

Em pleno século XXI, a violência doméstica contra a mulher representa um grave problema de saúde pública e social, gerando prejuízos às vítimas, famílias, sociedade e, também, econômica,  em relação  ao aumento das despesas nos serviços de saúde e assistência social.

Segundo Heise (1995), a violência contra a mulher pode ser de diferentes tipos e, por isso, de difícil denominação.

A violência contra a mulher costuma ocorrer em todos os níveis econômicos ou sociais, como afirma Heise (1994):

A violência presente nas relações de gênero é um sério problema de saúde para as mulheres em todo o mundo. Para se ter como exemplo, a violência doméstica e o estupro são considerados a sexta causa de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade física em mulheres de 15 a 44 anos – mais que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras. Assim, o reflexo desse problema é nitidamente percebido no âmbito dos serviços de saúde, seja pelos custos que representam, seja pela complexidade do atendimento que demanda). (HEISE, 1994 apud VIEIRA et al., 2013, p. 1)

O Mapa Brasileiro de Violência, baseado em informações fornecidas pelo Ministério da Saúde, o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA) e da Escola Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), publicou  a ocorrência de mais de 4.500 homicídios femininos em 2011, principalmente entre mulheres com idades de 15 a 24 anos. De acordo com o "Mapa da Violência", o Brasil ocupa a sétima posição no mundo em termos de homicídios femininos. (CEBELA, 2013)

No Brasil, a cada 15 segundos uma mulher é violentada, sendo que 70% dos crimes contra a mulher ocorrem no lar e, geralmente, o agressor é o próprio marido ou companheiro. Destes números, 40% dos atos violentos envolvem lesões corporais graves, em consequência de agressões físicas, que desencadeiam em um impacto de 10,5% do PIB (Produto Interno Bruto), referentes a despesas com o sistema de saúde, policiamento, sistema jurídico e órgãos de apoio e atenção à mulher. (PEREIRA, 2006)

Independentemente da faixa etária, a localização mais comum para a ocorrência de violência contra as mulheres no Brasil é a própria residência da vítima. Enquanto a taxa de ocorrência no ambiente doméstico é de 71,8%, a taxa de ocorrência em áreas públicas é de apenas 15,6%, segundo dados de 2010. (FIÚZA, 2011)

Ao longo dos últimos trinta anos, tem havido um aumento de 230% no número de mulheres vítimas de assassinato no Brasil, e na última década cerca de 43,7 mil mulheres foram assassinadas. Segundo Waiselfisz (2012, p.1), “de 2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%, com a morte de mais de 48 mil brasileiras nesse período.”

Com relação aos tipos de violência, a violência física é predominante, representando 44,2% da violência total, seguida pela violência psicológica e sexual, o que corresponde a 20,8% e 12,2%, respectivamente.

As mortes resultantes de violência doméstica cresceu até 1996, permanecendo relativamente constante até 2006. Em 2007, o ano em que a Lei Maria da Penha foi promulgada, a taxa diminuiu ligeiramente, embora tenha aumentado novamente em 2008, 2009 e 2010.

Os dados estatísticos também revelam que a residência é o lugar mais inseguro para a mulher, uma vez que 48% das mulheres agredidas declaram que a violência ocorreu em sua própria residência; enquanto apenas 14% dos homens declararam sofrer agressões no interior de suas casas (PNAD/IBGE, 2009).

Pesquisa do Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, em novembro de 2014, indica que 3 em cada 5 mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos. Além disso, 56% dos homens admitiram que já cometeram algum tipo de agressão, tais como: xingamentos, empurrões, agressão verbal, tapa, soco, impedimento de sair de casa e obrigou a mulher a fazer sexo. (COMPROMISSO E ATITUDE, 2015)

Outros dados  do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher, da Secretaria de Políticas ´para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), apontam que

77% das mulheres que relatam viver em situação de violência sofrem agressões semanal ou diariamente. Em mais de 80% dos casos, a violência foi cometida por homens com quem as vítimas têm ou tiveram algum vínculo afetivo: atuais ou ex-companheiros, cônjuges, namorados ou amantes das vítimas. (...)

Em comparação a 2013, o Ligue 180 registrou, em 2014, aumento de 50% nos registros de cárcere privado de mulheres, uma média de 2,5 registros/dia. No caso de estupros denunciados, o aumento foi de 18%, uma média de três denúncias/dia. A violência sexual contra a mulher, que inclui estupros, assédios e exploração sexual, cresceu 20% em 2014, uma média de quatro registros/dia. (COMPROMISSO E ATITUDE, 2015, p.1).

No Brasil, uma abordagem mais séria contra a violência doméstica foi feita com a promulgação da Lei n. 10.884, em 2004, que alterou o artigo 129 do Código Penal para incluir crimes de agressão contra um parente, cônjuge ou alguém que compartilha a mesma residência, sendo aplicada uma pena de seis meses a um ano de prisão. Esta lei criminaliza a violência doméstica.

3.1  A Lei Maria da Penha

Por muito tempo, as Casas-Abrigo e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) eram as únicas iniciativas governamentais para defesa das mulheres contra a violência doméstica. Porém, em 2003, foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres/Presidência da República, sendo ampliadas as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Assim, assegurando a prevenção, bem como os direitos da mulher, com a responsabilização dos agressores. (LOPES, 2011)

Em 2006, o Brasil aprovou a Lei n. 11.430, denominada Lei Maria da Penha, cujo principal objetivo é a proteção completa de mulheres de todos os tipos de violência.

A promulgação da Lei Maria da Penha ampliou a assistência às mulheres em situação de violência, incluindo, além dos  abrigos e as DEAMs, uma rede de atendimento, composta por centros de referência da mulher, defensorias da mulher, promotorias da mulher ou núcleos de gênero nos Ministérios Públicos, juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), dentre outros. (LOPES, 2011)

 A ideia de uma rede de enfrentamento à violência contra as mulheres envolve uma atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, com a finalidade de desenvolver estratégias para a prevenção e políticas que assegurem “o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência.” (LOPES, 2011, p.8).

A rede de atendimento contempla um conjunto de ações e serviços de diferentes setores, tais como; assistência social,  justiça, segurança pública e saúde, visando a melhoria da qualidade do atendimento, identificação e encaminhamento adequado das mulheres que vivem em condição de violência, bem como um atendimento integral e humanizado.

A rede de enfrentamento pretende fazer frente à complexidade que envolve a violência contra as mulheres, mediante uma visão multidimensional da questão, que envolve diversas áreas. (LOPES, 2011)

 A Lei Maria da Penha contém uma provisão cível, medidas de proteção especiais e disposições processuais penais. Do ponto de vista legislativo, é um passo importante em termos de proteção dos direitos das mulheres. A Lei Maria da Penha foi criada após um longo processo de lutas e esforços por parte de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica e ativista dos direitos das mulheres, bem como juristas, organizações sem fins lucrativos e outros agentes sociais.

A Lei Maria da Penha aumentou a pena para os casos em que o crime é cometido por marido, companheiro ou alguém que partilha a casa,  de 3 meses a 3 anos de prisão, a ser aumentada em um terço em casos de grave dano.

A Lei Maria da Penha amplifica a definição de violência para incluir violência sexual, física, psicológica, moral e econômica, trazendo-a, assim, em consonância com a Convenção Interamericana que visa Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), que o Brasil adotou em 1994. A Lei Maria da Penha também está fundamentada na Constituição Federal, artigo 226, parágrafo 8, que afirma que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos seus membros, criando mecanismos para coibir a violência no seio da família."

Importante destacar que a  Lei Maria da Penha limita-se à violência doméstica e familiar. De acordo com o artigo 5º da Lei Maria da Penha, um ato de omissão por parte do agressor é considerado como um crime. O artigo 5º também protege lésbicas, uma vez que destina-se a todas as mulheres, independentemente da orientação sexual.

O artigo 6º da Lei Maria da Penha reconhece expressamente que a violência contra as mulheres trata-se de uma violação aos direitos humanos.

Outras inovações trazidas por esta lei incluem a criação de tribunais específicos de violência doméstica, proibição de sanções pecuniárias para os agressores, a possibilidade de concessão de medidas urgentes, a possibilidade de ações que estão sendo considerados como tendo ambos um caráter civil e criminal, e alterações do Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execução Penal, bem como as normas civis.

Para que a lei seja efetivamente aplicada há passos necessários que devem ser implementadas, como a articulação dos Três Poderes da República, os investimentos em infra-estrutura adequada para atender a demanda ea formação de equipes multidisciplinares compostas por profissionais especializados para auxiliar em casos complexos.

Uma análise da distribuição dos tribunais brasileiros revela desproporcionalidade significativa na estrutura judicial presente entre os estados e regiões. Por exemplo, o Distrito Federal, com uma população de 2.609.977 habitantes, possui 10, ao passo que os Estados do Rio Grande do Sul e Paraná, com população quase cinco vezes maior (10.732.770 e 10.512.152, respectivamente), têm apenas um. (SINDEPOL, 2015)

A avaliação parcial realizada pelo Conselho Nacional Judicial (Conselho Nacional de Justiça – CNJ), quanto à aplicação da Lei Maria da Penha, revelou que a partir de julho de 2010, dentro de tribunais especializados em violência doméstica, havia 331.379 processos. Desse total, as decisões foram feitas em 111 mil desses processos, resultando em 9.715 prisões, sendo 1.577 prisões preventivas. Estes dados, apesar de incompletos devido ao fato de que o CNJ ainda carece de informações pormenorizadas sobre todos os tribunais e os sistemas judiciários especializados, contribui para a compreensão da eficácia da presente lei que ajuda as mulheres a evitar as agressões e pune seus agressores. (SINDEPOL, 2015)

A principal vantagem da Lei Maria de Penha é que torna a violência contra as mulheres especificamente mais visíveis e, assim, confronta todas as formas de opressão e agressão sofridas pelas mulheres.

De acordo com um estudo publicado pelo Senado brasileiro em março de 2013, apesar do fato de que as mulheres concordam que a violência tem aumentado entre os anos de 2009 e 2013, o estudo concluiu que as mulheres estão mais conscientes sobre a  lei Maria da Penha e se sentem mais protegidas após sua criação.

Em 2013, foi levado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 6622/13, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que tipifica como hediondo o crime de feminicídio, bem como tipifica o crime de violência psicológica contra a mulher. O projeto visa alterar o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) e a Lei de Crimes Hediondos (8.072/90). (HAJE, 2013)

Este projeto foi sancionado em 09.03.2015 pela presidente Dilma Roussef, sendo tipificada o feminicídio, representando um valioso instrumento de proteção aos direitos e à integridade da maioria da população brasileira, que, de acordo com o Censo do IBGE (2010) é do sexo feminino.

Deste modo, a legislação brasileira também define como crime hediondo a morte violenta de mulheres por razões de gênero. Tal conceito surgiu na década de 70 para dar maior notoriedade à discriminação, opressão e desigualdade contra as mulheres, que, em muitos casos, termina em morte.

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Sobre a autora
Karla Cuellar

bacharel em Direito Especialista em Direito Público e DPC Mestre em Direitos Fundamentais Doutora em Direito Público advogada e professora Universitária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUELLAR, Karla. Violência de gênero, feminicídio e direitos humanos das mulheres. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5050, 29 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56827. Acesso em: 4 nov. 2024.

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