TRATAMENTO DISPONÍVEL AO MENOR TRANSEXUAL
O Código Civil, no que diz respeito à disposição do próprio corpo, restringe a liberdade até dos adultos através de norma proibitiva constante em seu art.13, “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. ”[9]
Estamos então, diante uma norma fechada, que estabelece limites rígidos sobre a disposição corporal e que não permite a análise do disponente em cada caso concreto. Todavia, em função da constitucionalização do direito civil, os limites impostos devem ser interpretados à luz dos princípios constitucionais, tendo como diretriz fundamental a dignidade da pessoa humana, de modo que a tutela jurídica do corpo não seja apenas um campo de restrição da autonomia, mas também uma garantia da liberdade de autodeterminação corporal (ALVARENGA, 2012).
Quando tratamos da figura do adolescente no que se diz respeito à disposição do próprio corpo, não podemos simplesmente afastar a participação dos pais no processo de tomada de decisão referentes à disposição e alterações sobre seu corpo, tendo em vista que cabe a eles o exercício de cuidado dos filhos menores, no entanto, devem eles se atentarem no que será capaz de gerar a realização pessoal de seu filho e a ele apoiar.
A figura dos pais para a realização do tratamento do adolescente transexual é de extrema importância, o que evidencia ainda mais a necessidade de aceitação da existência da autodeterminação do menor no que se diz respeito a sua vida e seu corpo, tendo em vista não se tratar de mera escolha do adolescente em não se identificar com seu gênero biológico.
Aos pais cabe o dever de cuidado para com o filho, sendo este um direito constitucional do menor, disposto em seu art. 227[10], o dever de cuidado constitui no dever de assistir, criar e educar os filhos menores considerando em primeiro plano a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento[11].
A primeira e uma das etapas mais importantes do tratamento disponível ao menor transexual deve acontecer no período de transição da infância para adolescência, que é a supressão hormonal, processo este que interrompe a produção de estrogênio nas meninas e testosterona em meninos. Fazendo assim que as características do gênero biológico não venham a se desenvolver completamente, aliviando o descontentamento e gerando mais conforto ao adolescente.
Os supressores hormonais dão à criança ou adolescente um período maior de tempo para que vivencie esse desenvolvimento, dando, igualmente, à equipe multidisciplinar, que integrará tal tratamento, mais tempo para avaliação do seu quadro, e também mais tempo para se auto avaliar, facilitando assim a decisão de se parar a supressão hormonal ou iniciar o uso de hormônios para a feminilização ou masculinização (Associação Mundial Profissional Para a Saúde Transgênero, 2012, p.21).
Nesse sentido, os anseios do menor e sua autodeterminação não devem ser desconsiderados por seus representantes, pois traduzem seu direito fundamento à liberdade, plenamente tutelado pelo ordenamento. Cabe aos pais, no exercício de seu dever de cuidado, identificar em que medida o menor é capaz de compreender sua escolha, guiando-o (MEIRELES, ABÍLIO, 2012, p. 347).
CONCLUSÃO
O tema aqui tratado ainda é repleto de controvérsias, preconceito e discriminação, que precisam ser combatidos com informação, pois o transexual é um indivíduo que merece respeito como outro qualquer, que tem família, amigos, desejos, cônjuge e filhos.
Assim, é necessário que o Direito se adéque à realidade do transexual e garanta a ele o direito a ter documentos compatíveis com seu gênero psíquico, tanto para aqueles que já passaram pela cirurgia de redesignação sexual, quanto para os que optaram por não realizar, retirando assim a necessidade de se recorrer ao moroso e constrangedor processo judicial para que se consiga adequar seus documentos. Cabe ao Direito adaptar-se à fluidez da realidade e das pessoas, e não o contrário.
Temos atualmente um regime das incapacidades falho, que condiciona a autonomia para tomada de decisão do indivíduo somente à sua idade, não levando em conta o seu discernimento para tal. Portanto, faz-se necessária uma adequação nesse regime, tendo em vista que o desenvolvimento do discernimento de cada indivíduo se dá em momentos distintos, podendo uma pessoa de 25 anos não ter discernimento para tomada de decisões, enquanto um adolescente de 12 já o tenha. Dito isso, registra-se a necessidade que a incapacidade seja modulada de acordo com o caso concreto, não podendo o fator idade ser o único responsável pela definição de capacidade.
Ressalta-se também a importância da autoridade parental como fruto do processo educacional do menor, tendo os pais função essencial no desenvolvimento de sua autonomia e discernimento, pois o filho não é mais tratado como subordinado à entidade familiar, hoje ele participa como figura ativa nas decisões que dizem respeito à direitos de sua existência, com isso, se torna ainda mais claro que o menor transexual, mais que qualquer um, merece todo o cuidado e atenção em relação aos conflitos existentes em sua vida, tendo os pais papel fundamental no processo de busca à realização plena do filho.
Espera-se, assim, que os transexuais passem a ter maior visibilidade e consequentemente maior compreensão e respeito por todos, pois como já mencionado, ele é um indivíduo como outro qualquer, a única diferença é que o indivíduo transexual não se identifica com o gênero de seu nascimento, tendo que travar uma batalha dia após dia para conseguir viver como ele realmente é.
6. BIBLIOGRAFIA
ALVARENGA, Juliana Mendonça. Transexualidade e seus Reflexos no Direito e Registro Civil. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015
BARBOSA, Heloisa Helena. Cuidado e vulnerabilidade/ coordenadores Tânia da Silva Pereira, Guilherme de Oliveira. – São Paulo: Atlas, 2009.
Green R, Money J (1969). Transsexualism and Sex Reassignment. The Johns Hopkins Press (1 November 1969).
MENEZES, Joyceane Bezerra.2016. A autonomia ético-existencial do adolescente nas decisões sobre o próprio corpo e a heteronomia dos pais e do Estado no Brasil. Belo Horizonte, ano 16, n. 63, jan. / mar. 2016.
SEKEVICKS, Adriano. Os brinquedos e os jogos na socialização de gênero na infância. Disponível em: < https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/07/20/os-brinquedos-e-os-jogos-na-socializacao-de-genero-na-infancia/ >. Acesso em: 23 mai. 2016.
SOLOMON, Andrew. Longe da árvore: pais, filhos e a busca da identidade / Andrew Solomon; tradução Donaldson M. Garschagen, Luiz A. de Araújo, Pedro Maia Soares. — 1a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado – O direito das famílias entre a norma e a realidade / Ana Carolina Brochado Teixeira, Renata de Lima Rodrigues. —São Paulo: Atlas, 2010.
TEPEDINO, Gustavo, Dialógos sobre direito civil –Volume III/ Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (organizadores). - Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, Apelação Cível 1.0231.11.012679-5/001, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/08/2013, publicação da súmula em 23/08/2013)
VIEIRA, Tereza Rodrigues, PAIVA, Luiz Airton Saavedra de; Identidade Sexual e Transexualidade – Editora Roca, 2009.
Notas
[1] http://vejasp.abril.com.br/materia/ambulatorio-hospital-das-clinicas-atende-criancas-e-adolescentes-genero-nascimento
[2] http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2013/03/transexual-pode-se-descobrir-ja-na-primeira-infancia-dizem-especialistas.html
[3] http://williamsinstitute.law.ucla.edu/wp-content/uploads/AFSP-Williams-Suicide-Report-Final.pdf
[4] https://ninguemcrescesozinho.com/2015/04/13/tenho-medo-que-meu-filh-seja-gay/
[5] http://www.folhamax.com.br/curiosidades/crianca-de-mt-que-mudou-de-sexo-quer-3-filhos/75677
[6]<Juiz determina mudança de nome e gênero de criança - http://www.tjmt.jus.br/Noticias/42897#.VzrFHZErLIU – acesso em 17/05/2016>
[7] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/02/juiz-autoriza-mudanca-de-genero-e-nome-para-brasileira-de-9-anos.html
[8] Ana Carolina Brochado Teixeira apresenta a terminologia Autoridade parental como a relação contemporânea que se tem acerca da entidade familiar, antes denominado Pátrio Poder. A autora discorre que ocorreram fortes mudanças na família durante os anos. A família-instituição pré e pós código de 1916 tinha sua essência fundada no patrimonialismo e patriarcado, onde o homem era visto como autoridade superior e tinha o poder de decisão todo concentrado em suas mãos e a mulher se encontrava totalmente a margem da direção do marido, somente exercendo o poder pátrio de forma subsidiária, ela e os filhos deviam obediência ao chefe da família. Muitos fenômenos ocorridos durante o século XX foram responsáveis para a construção de uma nova arquitetura familiar, tais como quebra da ideologia da família patriarcal, a revolução feminista, a redivisão sexual do trabalho e a evolução do conhecimento cientifico.
[9] Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
[10] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
[11] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado Ana Carolina Brochado Teixeira – 2 eds. Revista e atualizada de acordo com as leis 11.698/08 11/924/09 – Rio de Janeiro: Renovar, 2009.