A relativização do direito ao sigilo bancário

07/07/2017 às 21:15

Resumo:


  • O direito ao sigilo bancário não é considerado fundamental por alguns juristas, pois não está expressamente previsto na Constituição Federal como tal.

  • O sigilo bancário envolve informações de propriedade, não se encaixando diretamente na proteção à privacidade e intimidade das pessoas.

  • O sigilo bancário pode ceder em situações de interesse público, devendo ser respeitados os procedimentos legais e o princípio da razoabilidade para sua quebra.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito ao sigilo bancário, como qualquer direito no ordenamento jurídico brasileiro, não é absoluto, podendo sua quebra ser decretada em situações nas quais prevaleça o interesse público.

Preliminarmente, deve ser abordada a natureza do direito ao sigilo bancário. Para o desembargador federal Francisco Cavalcanti e a professora Luciana Medeiros, ele não pode ser considerado um direito fundamental, alegando que essa qualidade decorre da interpretação imperfeita dos incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal (2004, p. 81), que têm a seguinte redação:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Segundo os juristas citados, a proteção constitucional à privacidade (intimidade, vida privada, honra e imagem), estabelecida pelo inciso X, refere-se à liberdade individual de ser, estar e agir, alcançando a esfera exclusiva da pessoa. Destarte, as informações inerentes ao campo da pessoalidade interessam apenas ao seu titular ou a um grupo que o mesmo convive. Conclui-se, dessa forma, que as informações que o direito à privacidade abrange não possuem repercussão social (2004, p. 82).

As informações bancárias, por sua vez, não são compatíveis com a ideia de privacidade, visto se referirem à propriedade e não à liberdade. Tais informações dizem respeito a distintas esferas de interesse, quais sejam a do cliente da instituição financeira – por serem uma forma de manifestação do seu patrimônio material –; a da própria instituição financeira – por estarem vinculadas à captação de poupança –; e a da coletividade – por serem unidades composicionais do sistema bancário e econômico.

Ainda de acordo com Francisco Cavalcanti, o inciso XII garante a inviolabilidade do sigilo de comunicação dos dados e não a inacessibilidade aos próprios dados. Conclusão diferente desta inviabilizaria qualquer tipo de investigação baseada na coleta de dados. Outrossim, há que se destacar que a ressalva contida na parte final do referido inciso dirige-se unicamente às comunicações telefônicas (2004, p. 82).

O ex-ministro Francisco Rezek do STF assim se manifestou sobre a alegação de existência de embasamento constitucional do sigilo bancário, em voto proferido aos autos do MS nº 21.729-4/DF:

Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à Corte neste mandado de segurança não tem estatura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário – do qual já se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio – de resto nada transcendental, mas bastante prosaico – da vida das pessoas e das empresas contra a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência.

(...)

Tenho dificuldade extrema em construir sobre o artigo 5º, sobre o rol constitucional de direitos a mística do sigilo bancário somente contornável nos termos de outra regra da própria Carta. O inciso X afirma invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, valores que não têm merecido, diga-se da passagem, maior respeito por parte da sociedade brasileira de nossa época – e dos meios de comunicação de massa, que em última análise atendem à demanda e ao gosto, ainda no que tem de menos nobre ou construtivo, dessa mesma sociedade.

O inciso X do rol de direito fala assim, numa intimidade onde a meu ver seria extraordinário agasalhar a contabilidade, mesmo a das pessoas naturais, e por melhor razão a das empresas. 

(...)

Do inciso XII, por seu turno, é de ciência corrente que ele se refere ao terreno das comunicações: a correspondência comum, as mensagens telegráficas, a comunicação telefônica. Sobre o disparate que resultaria do entendimento de que, fora do domínio das comunicações, os dados em geral – e a seu reboque o cadastro bancário – são invioláveis, não há o que dizer. O funcionamento mesmo do Estado e do setor privado enfrentaria um bloqueio. A imprensa, destacadamente, perderia sua razão de existir.

Ademais, analisando o histórico legislativo concernente ao sigilo bancário, constata-se que a sua regulação sempre se deu através da legislação infraconstitucional. Nesse contexto, figurava a Lei nº 4.595, de 31.12.1964, cujo art. 38 foi revogado pela Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001.

Ainda que se considere que o sigilo bancário esteja consagrado no texto constitucional, seja como espécie do direito à privacidade, seja como espécie do direito à inviolabilidade do sigilo de dados, ele não pode ser considerado um direito absoluto.

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Na lição de Francisco Cavalcanti, por ser o ordenamento jurídico um conjunto coeso de normas amparadoras de diversos bens, dentro do qual não se tolera incongruidades, sob pena de esfacelamento da própria ideia de direito, as concepções absolutistas devem ser afastadas (2004, p. 85).

 Acerca da admissibilidade de leis restritivas de direitos fundamentais, Canotilho observa que:

A determinação do âmbito de proteção de um direito pressupõe necessariamente a equação com outros bens, havendo possibilidade de o núcleo de certos direitos, liberdades e garantias poder vir a ser relativizado em face da necessidade de defesa destes outros bens. (CANOTILHO, 2003, p. 460)

 Dessa forma, quando privacidade e sigilo de dados forem invocados com o fim de macularem outros bens constitucionalmente protegidos, deve ser realizado um sopesamento de bens e interesses, havendo a prevalência de um sobre o outro de acordo com o caso concreto. Em virtude de tais direitos não serem absolutos, eles são passíveis de relativização.

É o que ocorre quando o sigilo bancário entra em confronto com o interesse público. Nesse caso, tendo em vista o princípio da supremacia do interesse público, imanente à ordem jurídica, este deve prevalecer sobre o interesse privado. Em outras palavras, a proteção outorgada ao sigilo bancário, pelo ordenamento jurídico, não pode ser utilizada como obstáculo à concretização do interesse da coletividade ou como meio destinado ao acobertamento de comportamentos ilícitos.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem o seguinte posicionamento:

CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art. 5º, X. I. - Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege art. 5º, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando as exceções na norma infraconstitucional. II. - R.E. não conhecido.

(STF - RE: 219780 PE, Relator: CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 13/04/1999, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 10-09-1999 PP-00023 EMENT VOL-01962-03 PP-00473 RTJ VOL-00172-01 PP-00302)

Partindo desse ponto, é possível a quebra do sigilo bancário, desde que observados os pressupostos, as formalidades e os procedimentos definidos pela legislação correspondente. Mesmo se considerarmos que está o sigilo bancário situado na Constituição Federal de 1988, os detalhes relativos aos correspondentes requisitos e modos de proceder deverão estar delineados na legislação infraconstitucional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.. Coimbra: Edições Almeida, 2003.

CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra; FERNANDES, Luciana Medeiros. Comissões Parlamentares de Inquérito Estaduais e Sigilo Bancário. In: Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, 2004, pp. 81-103.

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Sobre o autor
Caio e Silva de Moura

Especialista em Direito Tributário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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