Hipóteses de alteração do sobrenome
O sobrenome pode ser alterado pela adoção já que o adotado passa a fazer parte de um novo núcleo familiar, sem qualquer distinção dos demais filhos e, portanto, com direito ao uso dos apelidos de família assim como os demais (art. 47, § 5º do ECA). Ao contrário do prenome, a troca do sobrenome é obrigatória de acordo com a nova redação dada pela Lei n. 12.010/09.
A alteração do sobrenome é permitida pelo casamento, no qual qualquer dos nubentes pode acrescer o sobrenome do outro (art. 1.565, § 5º do Código Civil). Tal hipótese também se estende à União Estável e às uniões homoafetivas já que o a Constituição não permite discriminação entre elas.
Neste ponto, Daniel Carnacchioni afirma que somente é possível o acréscimo do sobrenome do cônjuge ou companheiro e nunca a supressão de um sobrenome de família. [38] Todavia, a jurisprudência, acertadamente tem entendido de forma contrária, permitindo além do acréscimo, a supressão de um ou de alguns dos sobrenomes do cônjuge para a inclusão do sobrenome do outro, desse modo evitando-se nomes muito extensos como era como no período do Brasil Imperial. [39]
Pelo divórcio, o ex-cônjuge poderá voltar a usar o nome de solteiro, caso tenha adotado o sobrenome do cônjuge no momento do casamento (art. 1571, § 2, e 1578 do Código Civil). Há que se ressaltar que esse costume é cada vez menos comum na sociedade e demonstra, além de um machismo exacerbado, uma espécie de domínio sobre a pessoa do outro, além de ser um recurso extremamente dispendioso e burocrático.
Nesse compasso, importante mencionar que também ocorre de o cônjuge homem, adotar o nome patronímico do cônjuge mulher. A legislação brasileira, não se impõe com relação a qual cônjuge deve adotar o sobrenome, ela apenas permite. Os casais também podem optar pela mudança realizada no nome dos dois simultaneamente, e na maioria das vezes isso ocorre para que os filhos tenham o mesmo nome patronímico do pai e da mãe. Recentemente, o jornal O GLOBO, divulgou uma reportagem, mostrando essa possiblidade e alteração nominal simultânea, ambos os cônjuges realizaram a alteração, e ficaram com os sobrenomes idênticos[40].
A pior situação identifica-se quando o sobrenome acrescido no casamento passa a fazer parte da vida profissional ou social da pessoa não podendo dela se desvincular sem ofensa ao seu direito da personalidade. É o caso de Marta Teresa Smith de Vasconcelos, que ficou nacionalmente conhecida como Marta Suplicy. O sobrenome Suplicy é da família do ex-marido Eduardo Suplicy, mas ex-esposa manteve o sobrenome mesmo depois de divorciada. Outros dois casos semelhantes a esse são o de Lucinha Lins (nascida Lúcia Maria Werner Vianna, cujo Lins veio com o casamento compositor e cantor Ivan Lins) e Lygia Fagundes Telles (nascida Lygia de Azevedo Fagundes) tendo adquirido o Telles quando se casou com o Professor e Jurista Gofredo da Silva Telles Jr.
Assim, entendeu recentemente o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. MANUTENÇÃO DO NOME DE CASADO NO DIVÓRCIO DIRETO. CÔNJUGE NÃO CULPADO NA SEPARAÇÃO JUDICIAL. EVIDENTE PREJUÍZO. ART. 1.578 E §§ do CC/02. DIREITO INERENTE À PERSONALIDADE. DIREITO INDISPONÍVEL. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A retirada do sobrenome do ex-marido do nome da ex-mulher na separação judicial somente pode ser determinada judicialmente quando expressamente requerido pelo cônjuge inocente e desde que a alteração não acarrete os prejuízos elencados no art. 1.578 do CC/02. 2. A utilização do sobrenome do ex-marido por mais de 30 trinta anos pela ex-mulher demonstra que há tempo ele está incorporado ao nome dela, de modo que não mais se pode distingui-lo, sem que cause evidente prejuízo para a sua identificação 3. A lei autoriza que o cônjuge inocente na separação judicial renuncie, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro (§ 1º do art. 1.578 do CC/02). Por isso, inviável que, por ocasião da separação, haja manifestação expressa quanto à manutenção ou não do nome de casada. 4. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1482843 RJ 2014/0152106-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 02/06/2015, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/06/2015)
Também pode-se alterar o sobrenome para inclusão do sobrenome de ascendente, pela União estável e pela união homoafetiva.
A anulação ou declaração de nulidade do casamento é outra hipótese de alteração do sobrenome, voltando a usar o sobrenome de solteiro. É importante ressaltar que se o casamento for putativo e de boa-fé, o cônjuge pode optar por continuar a usar o sobrenome de casado.
A Lei n. 11.924/09, conhecida como Lei Clodovil Hernandez, autoriza o acréscimo do sobrenome do padrasto e madrasta ao sobrenome do enteado (art. 57, § 8º, da Lei n. 6.015/73). O enteado ou enteada poderá requerer ao juiz o acréscimo do nome de família do padrasto ou madrasta desde que não haja prejuízo dos nomes de família. A inclusão do nome tem efeitos meramente personalíssimos não atingindo o campo sucessório.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é possível acrescentar o sobrenome do cônjuge ao nome civil durante o período de convivência do casal. De acordo com o Tribunal, a opção dada pela legislação, de incluir o sobrenome do cônjuge, não pode ser limitada à data do casamento, podendo perdurar durante o vínculo conjugal (REsp 910.094).
Em outra decisão, o Tribunal permitiu que uma menor, representada pelo pai, alterasse o registro de nascimento. Essa menor, pretendia retirar do seu nome a partícula “de” e acrescentar mais um sobrenome da mãe (patronímico materno). O Ministro Relator do Julgado, Massami Uyeda, afirmou que há liberdade na formação dos nomes, porém a alteração deve preservar os apelidos de família.
Também, em outro julgado, o STJ já teve oportunidade de decidir que homenagem aos pais de criação, o sobrenome poderia ser alterado. A autora alegou que, não obstante ser filha biológica de um casal, viveu desde os primeiros dias de vida em companhia de outro casal, que considera como seus pais verdadeiros. Assim, desejando prestar-lhes homenagem, pediu o acréscimo de sobrenomes após a maioridade. A Terceira Turma autorizou a alteração, com entendimento de que a simples incorporação, na forma pretendida pela mulher, não alterava o nome de família (REsp 605.708).
No julgamento do REsp. n. 538.187, foi autorizado pelo Tribunal a troca do prenome “Maria Raimunda” para “Maria Isabel. A autora alegou que sofreu bastante humilhação em sua vida porque seu nome é parte de um ditado popular de conteúdo machista e discriminatório.
A alteração do prenome do Transexual e o direito ao nome social
Já tivemos a oportunidade de analisar a questão do transexualismo e a cirurgia de mudança de sexo (transgenitalização). [41] Um dos obstáculos enfrentados no início da discussão do tema era a questão que envolvia a mudança do Estado e consequentemente a mudança do prenome no registro. Hoje, o STJ já tem entendimento de que o transexual que tenha se submetido à cirurgia de mudança de sexo pode trocar nome e gênero em registro sem que conste anotação no documento, como visto anteriormente. A decisão, inédita, foi da Terceira Turma, em outubro de 2009. O colegiado determinou, ainda, que o registro da designação do sexo alterado judicialmente conste apenas nos livros cartorários, sem constar essa informação na certidão (REsp 1.008.398), conforme demonstrado alhures.
Não é objetivo da presente se aprofundar nas discussões que envolvem a identidade de gênero e orientação sexual, o acerto e erros desses termos, a intenção aqui é abordar o problema da forma que já existe em nossa sociedade. Pessoas são vítimas diariamente de discriminação principalmente pela diferença do nome civil com a forma que se apresentam na sociedade.
À medida que a sociedade evolui e se torna cada vez mais plural e complexa, as leis não conseguem acompanhar esses avanços, sendo necessário o posicionamento dos tribunais superiores para a garantia de direitos fundamentais.
O nome social é o “prenome” pelo qual, as pessoas travestis e transexuais preferem ser chamados no dia a dia, adequando suas características morfológicas ao nome que passa a ser utilizado, diferente daquele constante no Registro Público (Certidão de nascimento).
No ano de 2016, foi assinado o Decreto-Lei n. 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional[42].
O Decreto afirma que a identidade de gênero é a dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.
Através desse decreto, todo e qualquer formulário expedido pela administração pública bem como os sistemas de registro em geral, deverão conter o campo nome social para identificação dos solicitantes de algum serviço, sendo o nome civil, constantes nos registros utilizados apenas para fins administrativos internos.
A mudança é considerada um grande progresso nos direitos das pessoas trans, tendo em vista que defende sua dignidade e uma maior inserção social, diminuindo a discriminação social e de gênero a que estão expostas. O Decreto é considerado um avanço no exercício da cidadania por todos os brasileiros que sofrem discriminação diariamente.
Cabe ressaltar, que os jornais brasileiros, recentemente, noticiaram que segundo pesquisa divulgada pelo Grupo Gay da Bahia em 2017, o Brasil ostenta o triste título de país que mais mata pessoas LGBT no mundo. [43]
Considerações Finais
Por todo exposto, conclui-se que o nome civil é um dos aspectos mais relevantes dos direitos da personalidade sendo objeto de extrema divergência doutrinária e jurisprudencial.
Como principal identificador social do indivíduo, o nome civil está subordinado ao princípio imutabilidade relativa por existir interesse legítimo do Estado na sua proteção. A lei, em diversas situações admite a mudança, tanto do prenome como do sobrenome e a jurisprudência tem criados novas hipóteses em que essa mudança é permitida.
O nome também é um elemento identificador da origem do indivíduo, determina a sua estirpe, o que para muitos ainda é de extrema importância social.
Como a situação das pessoas trans ainda depende de regulamentação legal, a adoção de nome social é uma forma de amenizar a discriminação da comunidade LGBT até que uma lei seja aprovada no congresso.
O Judiciário, de um modo geral, tem muito cuidado nas ações de alteração do nome civil, tendo em vista o interesse público presente nas discussões. Todavia, a cada dia novas hipóteses não contempladas na lei vão surgindo, à medida que os indivíduos apresentam situações que demandam a adequação do seu nome civil à sua dignidade e seu direito de ser identificado no meio social da melhor forma possível.
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