5 DO REQUISITO TEMPORAL PARA A CONCESSÃO DO INDULTO QUANDO CUMULADOS CRIMES IMPEDITIVOS COM NÃO IMPEDITIVOS
Conforme comentado no item 3, as penas devem somar-se para efeitos de concessão do indulto e da comutação. Nos últimos decretos, havia regra expressa quanto a esta determinação, bem como continha alusão ao procedimento a ser adotado quando da concorrência de crimes impeditivos com não impeditivos.
O Decreto nº 8.615/2015, repetido em decretos anteriores, assim tratou:
“art. 8º [...]
Parágrafo único. Na hipótese de haver concurso com crime descrito no art. 9º, não será declarado o indulto ou a comutação da pena correspondente ao crime não impeditivo enquanto a pessoa condenada não cumprir dois terços da pena correspondente ao crime impeditivo dos benefícios”.
O Decreto nº 8.940/2016, mais rígido, assim determinou:
“Art. 11. [...]
Parágrafo único. Na hipótese de haver concurso com infração descrita no art. 2º, não será declarado o indulto correspondente ao crime não impeditivo enquanto a pessoa condenada não cumprir integralmente a pena correspondente ao crime impeditivo dos benefícios”.
Já o Decreto Presidencial de 12 de abril de 2017 não trouxe qualquer regra acerca do cálculo do indulto quando da concorrência de crimes impeditivos com não impeditivos. Assim, resta dúvida se há impedimento na concessão de indulto ou comutação nessas hipóteses, e, não havendo, qual o quantum de pena do crime impeditivo a se cumprir para concessão ao não impeditivo.
Quanto à primeira questão, entendemos que não pode haver uma extensão do impedimento àqueles crimes que a lei e a constituição não definiram como impeditivos.
Conforme ensinamento de Rodrigo Roig36 (2017, p.554), “[...] as penas correspondentes a infrações diversas devem ser somadas para efeito do indulto e da comutação, e soma de penas não se confunde com unificação de penas”.
Destarte, faz-se possível, uma vez que não unificadas, separar as penas dos crimes impeditivos dos não impeditivos.
A existência de crimes impeditivos não significa que o condenado por outros crimes não possa obter tais benefícios.
Por esse motivo, formula-se uma hipótese de que, por não estar abarcado pelo Decreto, o crime impeditivo não poderia ser utilizado na soma das penas para fins de concessão do benefício.
Segundo Rodrigo Roig37 (2017, p.554), ao analisar a regra dos dois terços do Decreto nº 8.615/2015, “essa foi uma regra construída em analogia ao que se verifica no livramento condicional, em que havendo concurso entre um crime hediondo ou equiparado e outro não hediondo ou equiparado, o condenado poderá fruir do direito após cumprir dois terços do primeiro, mais um terço (se primário) ou metade (se reincidente) do segundo”.
Se Flávia, condenada a uma pena de seis anos por tráfico de drogas e a uma pena de três anos por furto, teria direito ao indulto desde que cumprida uma fração da pena do tráfico mais a fração requerida na hipótese do Decreto para fins de concessão do indulto.
Se o crime impeditivo não será agraciado posteriormente com o indulto, não poderia ele fazer parte da soma para cálculo dos benefícios.
Outra corrente alega que o comando de somar todas as penas de infrações diversas, não determinou que se somasse apenas as penas passíveis de concessão do indulto, devendo-se somar todas, inclusive as dos crimes impeditivos para aplicação da fração.
Se entendermos que se aplica por analogia o cálculo do livramento condicional, esta regra seria por demasiada prejudicial ao réu, devendo ser rechaçada.
Nos dizeres de Rodrigo Roig38 (2017, p.555) “na qualidade de contramedida da (opção política da) pena, o indulto é opção política vetorialmente apontada para a redução de danos penais. E, na dúvida interpretativa, devem imperar os princípios pro homine e favor rei”.
Ocorre que tanto na primeira quanto na segunda hipótese, a ausência de uma previsão do Decreto Presidencial quanto à fração necessária ao cumprimento da pena do crime impeditivo, deixa uma lacuna que não pode ser preenchida, sob o risco de se fazer exigências que o Decreto não o fez, violando o princípio da separação dos poderes.
Uma terceira corrente, defendida pelo próprio Rodrigo Roig e pelo STJ39, indica que a fração existente nos Decretos nº 8615/2015 e 8.940/2016 “[...] é de ordem temporal, orientado para aplicar o indulto à pena correspondente ao crime comum, quando em concurso com o crime impeditivo (nesse caso específico, de natureza hedionda). A disposição do art. 76 do CP referente à ordem de cumprimento das penas não se incompatibiliza com a regramento do Decreto, principalmente porque a finalidade do instituto é beneficiar o apenado, servindo, ainda, como instrumento de Política Criminal”.
Portanto, a apenada deveria cumprir a fração exigida sobre o somatório das penas, restando à fração prevista um limitador temporal, no caso do Decreto de 2015, dois terços, e no caso do Decreto de 2016, a integralidade da pena.
Sob essa ótica, a não previsão de qualquer fração pelo Decreto de 12 de abril de 2017 deve ser interpretada de forma favorável à apenada, não havendo, portanto, qualquer requisito temporal de cumprimento mínimo do crime impeditivo, devendo apenas realizar o cumprimento da fração indicada na hipótese da pena total.
Portanto, se Clara foi condenada a seis anos por tráfico de drogas e a dois anos por furto qualificado, e possuir filho com menos de doze anos que esteja sob seus cuidados, terá direito ao indulto do crime não impeditivo, desde que não possua falta grave, com fulcro no art. 1º, III, alínea “a” do Decreto de 12 de abril de 2017 se cumprida um sexto do somatório das penas, ou seja, um sexto de oito anos, correspondentes a um ano e quatro meses. Ressalta-se que perdurará a condenação referente ao crime impeditivo (seis anos), pois não alcançada pelo Decreto.
Acreditamos que o Decreto não previu tal hipótese, não por atecnia, mas, considerando que a maioria dos crimes hediondos são praticados mediante violência ou grave ameaça, a condenação por outro crime violento, por si só, nos termos do art. 1º, I, inviabilizaria a concessão do indulto.
CONCLUSÃO
O indulto é uma causa extintiva da punibilidade, prevista no art. 107, II do Código Penal, concedido privativamente pelo Presidente da República, nos termos do art. 84, XII da Constituição Federal.
Diferencia-se da anistia na medida em que busca perdoar a pessoa do condenado quanto ao crime praticado, e não o fato em si mesmo. Por esse motivo, somente pode ser concedido se existente uma condenação.
O indulto pode ser individual, quando concedido a uma única pessoa, mediante procedimento especial, ou coletivo, quando o Presidente publica um Decreto contendo as hipóteses e os requisitos para a concessão, cabendo ao Juiz da Execução Penal a subsunção do caso concreto ao instrumento concessivo e a declaração da extinção da punibilidade.
O indulto, em sua essência, é instrumento de suma importância na medida em que representa verdadeiro instrumento de freios e contrapesos, no qual o Poder Executivo balanceia e controla os excessos praticados pelos demais poderes. No Brasil, o instituto do indulto coletivo é visto como forte instrumento de política criminal, voltado à redução da superlotação carcerária, que por si só, representa a violação de direitos humanos.
Portanto, é ato político, dotado de alta discricionariedade. Contudo, isto não significa que o mesmo não está adstrito à Constituição Federal e às normas do ordenamento jurídico, devendo ser exercido de acordo com a conveniência e oportunidade nos limites da lei.
Motivado pela redução do superencarceramento feminino, o Presidente Michel Temer publicou o Decreto Presidencial de 12 de abril de 2017 (o decreto não possui número) concedendo indulto especial e comutação às mulheres presas, por ocasião do dia das mães.
Por esse motivo, e em razão do termo “mulheres presas” constante do art. 1º, entendemos que o indulto especial somente abrangerá as mulheres que estiverem presas na data base estipulada para o preenchimento dos requisitos, qual seja, 14 de maio de 2017.
Considerando que o regime aberto, cumprido nas casas de albergado ou em prisão domiciliar, o livramento condicional, as penas restritivas de direito e a suspensão condicional da pena não representam violação aos direitos humanos (uma vez que as apenadas não se encontram encarceradas em cadeias públicas superlotadas, motivo pelo qual o decreto foi editado), entendemos que não se poderá estender a concessão de indulto a essas apenadas, não havendo violação da isonomia, uma vez que o indulto, por si só, é instrumento de realização da isonomia material, de forma a aliviar o sofrimento imposto em sanções mais gravosas.
Por expressa determinação do Decreto, não terão direito ao indulto as apenadas que estejam sendo processadas ou tenham sido condenadas por outro crime praticado mediante violência ou grave ameaça, ou que tenham sido punidas com falta grave. Entendemos que o impedimento de concessão a apenadas que estejam respondendo a processo criminal viola o princípio da presunção da inocência, devendo ser declarado inconstitucional e aplicado a causa extintiva independente da existência de processos. Quanto à falta grave, entendemos que somente poderão obstar faltas graves cometidas no decorrer daquela execução, sob pena de perpetuar-se sanção, violando a vedação a penas perpétuas.
Estes requisitos, bem como a necessidade de encontrar-se presa, não representam óbices à concessão da comutação, por razões topológicas.
Dentre as hipóteses, destacam-se a possibilidade de indulto às mães e avós, com filhos ou netos menores de 12 anos, em uma defesa da chamada primeira infância, ou portadores de deficiência, que necessitem de seus cuidados. Frisamos que aos filhos menores presume-se a necessidade de cuidados maternos, dispensando-se a comprovação dos mesmos.
Com exceção da hipótese prevista na alínea “e” do inciso III do art. 1º, somente serão indultados os crimes praticados sem violência ou grave ameaça. Quanto a essa hipótese, a análise do estado gravídico, bem como do risco, deverá ser avaliado quando da data concessiva, 14/05/2017, não fazendo jus a apenada que ao tempo do decreto não se encontrava grávida.
Outro destaque, encontra-se na alínea “f” do incido III do art. 1º, que prevê a hipótese de concessão ao denominado tráfico de drogas privilegiado. Após decisão do STF no HC 118.533/MS, que desconsiderou a hediondez do tráfico de drogas quando reconhecida a causa de diminuição de pena do §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Salientamos que a sentença tem de ter reconhecido expressamente a minorante do §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, não podendo o juiz da execução aplicar a minorante e conceder indulto mesmo que preenchidos os requisitos de primariedade, bons antecedentes, não dedicação às atividades criminosas e não integração de organização criminosa.
Apesar de silente, existindo mais de uma condenação em desfavor da apenada, entendemos que as penas devem somar-se para concessão do indulto ou comutação de penas, aplicando-se a fração sobre o total de penas.
A concorrência com crimes praticados com violência ou grave ameaça é impedimento para a concessão do indulto nos termos do art. 1º, I. Contudo, será possível a concessão de comutação. Deverão ser somadas as penas para aferição dos requisitos objetivos, porém, somente serão comutadas as penas dos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, na medida em que o Decreto assim optou.
Ademais, alguns crimes não poderão ser indultados, em virtude de vedação expressa constitucional ou legal. São os chamados crimes insuscetíveis de graça ou anistia. São eles nos termos do art. 5º, XLIII da Constituição Federal: os crimes hediondos, a prática de tortura, de tráfico ilícito de drogas e de terrorismo. A Lei nº 11.343/2006, previu em seu art. 44 que também são insuscetíveis os crimes previstos no art. 34 a 37 da aludida lei.
Apesar de referir-se apenas ao termo graça, entendeu o STF que a proibição de concessão estende-se ao indulto, pois, conforme exposição de motivos da Lei de Execução Penal, o termo graça é gênero do qual é espécie o indulto.
A nosso ver, toda conduta prevista nas respectivas leis como tráfico de drogas, privilegiado ou não, tortura ou terrorismo são insuscetíveis de graça ou anistia, uma vez que a insuscetibilidade não está vinculada à hediondez de um crime. Por essa razão, entendemos que a alínea “f” do art. 1º, III é inconstitucional. Não obstante, salientamos que o STJ tem aplicado o indulto às hipóteses de tráfico de drogas privilegiado.
Portanto, mesmo que não tratado no Decreto, na medida em que o ato político deve ser praticado em consonância com a Constituição Federal e as leis, entendemos que não se poderá conceder indulto e comutação aos crimes impeditivos, quais sejam, os hediondos, a tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo e aqueles previstos nos arts. 34 a 37 da Lei nº 11.343/06.
Por fim, verificamos que o Decreto também foi omisso quanto ao tempo necessário de cumprimento de pena do crime impeditivo, no caso de concorrência deste com um não impeditivo. A existência de um crime impeditivo não pode retirar a possibilidade de concessão de indulto àqueles que a lei e a Constituição não vedaram. Em Decretos anteriores, se exigia o cumprimento de parte ou integralmente da pena referente ao crime impeditivo para fins de concessão da benesse ao crime não impeditivo.
Como o Decreto mostrou-se silente, entendemos que as penas devem somar-se para fins de aferição do cumprimento do requisito objetivo, sendo aplicada a fração prevista nas hipóteses dos arts. 1º e 2º. Conforme entendimento do STJ, a fração existente nos Decretos anteriores tratavam-se de requisito temporal que perduraria o adimplemento do benefício.
Uma vez que o Decreto não estabeleceu qualquer requisito de ordem temporal, aplicar-se-á apenas as regras e condições lá expressamente prevista sob risco de criar-se novas exigências ao Decreto, violando-se o Princípio máximo da Separação dos Poderes.