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Direito à moradia e ao meio ambiente equilibrado: ponderação entre direitos internacionais dos direitos humanos

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03/09/2017 às 18:20
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado por serem essenciais à sadia qualidade de vida são considerados princípios que norteiam a dignidade da pessoa humana e servem de base à construção de uma sociedade desenvolvida e moldada na sustentabilidade. Todas as pessoas têm direito a um ambiente natural e social capaz de assegurar a saúde corporal e o bem-estar espiritual, sendo certo que a conciliação entre esses valores constitucionais requer uma análise holística do direito ambiental, na busca de alcançar um progresso lastreado no respeito pela natureza e pelos direitos humanos universais.

As características da indivisibilidade e da interdependência entre os valores aqui abordados demonstram a necessidade de adotar-se um comportamento de vida sustentável como critério comum a todos, haja vista que a vida verdadeiramente digna apenas será reconhecida se todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos estiverem sendo respeitados, dentro de uma lógica racional, segundo a qual determinado direito não alcança a eficácia plena sem a realização e o respeito de outros direitos humanos, como é o caso da moradia e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ainda que um deles tenha que prevalecer sobre outros em certas situações fáticas.

É difícil afirmar qual o valor constitucional preponderante numa avaliação meramente teórica, devendo ser feito acurado exame das peculiaridades em cada caso concreto, com escopo de sempre buscar a conciliação entre esse dois direitos fundamentais – moradia e meio ambiente – não sendo razoável afirmar de forma superficial que um tem primazia sobre o outro.

Impõe observar que, nesse contexto, assentamentos humanos precários ocasionam desrespeito e violação ao direito social à moradia, porquanto este não se restringe ao simples direito de ocupação de um lugar, mas sim a um espaço que ofereça condições para uma saudável e segura moradia, acompanhada de infraestrutura mínima essencial (§ 1.º, art.36, Lei n.º 13.465/2017), a exemplo de sistema de coleta de resíduos sólidos, saneamento, água potável, rede de energia elétrica domiciliar, além de outros equipamentos a serem definidos em razão das necessidades locais.

A Lei n.º 13.465/2017 não alterou os pressupostos de avaliação de riscos e prejuízos que existiam na então Legislação Federal n.º 11.977/2009, que cuidava da Regularização Fundiária Urbana. Não se deve admitir o retrocesso ambiental, com a ideia de que a qualquer custo o Poder Público regularizará a partir de agora os núcleos urbanos informais, sob pena de ferir de morte o princípio da dignidade da pessoa humana. Não basta a titulação, a regularização deverá ser acompanhada de intervenções urbanísticas, sociais e ambientais.

Por essa razão, a concessão dos instrumentos jurídicos estabelecidos no art.15 da atual lei de Regularização Fundiária Urbana, em terras públicas ou privadas, deve ser precedida de análise da situação ambiental concreta, sob pena de resultar em violações de ambos os direitos aqui realçados.

A flexibilização da tutela ambiental, portanto, somente tem razão de ocorrer em áreas de preservação permanente, quando, efetivamente, se busca atender o direito social à moradia mediante realização plena e programada da regularização fundiária, com projeto consistente e estudo prévio que demonstre melhorias das condições ambientais em relação à situação anterior, inclusive recuperando, quando possível, as áreas degradadas, realocando pessoas, despoluindo o corpo hídrico e recompondo a vegetação ciliar.

Conclui-se, assim, que no confronto desses direitos fundamentais, diante da equivalência de relevância de ambos para o ser humano, há de se ter cautela na ponderação quanto à sua proteção e realização, devendo-se tentar uma harmonização, levando-se em conta a necessidade de analisar as peculiaridades e situações concretas, para se chegar a um equilíbrio socioambiental e um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.


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Sobre o autor
José Herbert Luna Lisboa

Mestre em Direito pela UNISANTOS-SP. Foi Professor do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ por duas décadas, professor da Escola Superior da Magistratura da Paraíba -ESMA, especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas, Londrina-PR, especialista em ciências criminais pela Universidade Potiguar-RN, especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito-SP; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhaguera-SP, Juiz de Direito titular da 4.ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa-PB e ex-membro da Turma Recursal da Capital-PB, Diretor do Foro da Capital-PB, Juiz Auxiliar da Corregedoria da Justiça na Paraíba no período de 2003 a 2006 e 2017 e 2018, ex-promotor de justiça (94/95). Autor de diversos livros, a exemplo, da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia e a Regularização Fundiária, editora Dialética, 2022. Atualmente cumula suas funções jurisdicionais com a de membro da Comissão do 2º Concurso para as Serventias Extrajudiciais do Estado da Paraíba e de Diretor do Foro Cível da Capital-PB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LISBOA, José Herbert Luna. Direito à moradia e ao meio ambiente equilibrado: ponderação entre direitos internacionais dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5177, 3 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59593. Acesso em: 19 abr. 2024.

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