Da criação dos aplicativos de economia compartilhada de transporte particular, um novo mercado foi criado e, com ele, os aplicativos de Smartphones, Uber, Cabify, Will GO e outros mais. Tais aplicativos surgiram como uma forma de complementação de renda para seus motoristas, e, em certos casos, até mesmo como fonte exclusiva de seu sustento; já para os passageiros, uma alternativa ao serviço de táxi. Porém, não tardou para que o serviço fosse judicializado e, com ele, surgisse uma questão assaz relevante: os supostos direitos trabalhistas de seus motoristas.
A economia compartilhada consiste no uso comum de um bem ou serviço pelos seus consumidores, ou até mesmo uma forma de compra colaborativa em que todos, na medida de sua participação, adquirem um bem ou serviço disponibilizado no mercado de consumo. Os exemplos mais comuns de economia compartilhada são: os escritórios compartilhados, onde diversos profissionais repartem o mesmo ambiente de trabalho; as hospedagens compartilhadas, onde seus usuários anunciam, descobrem e reservam hospedagens; além, é claro, do serviço de transporte particular, onde há o coletivo, colaborativo, individual ou não, transporte de pessoas, cargas e até mesmo animais.
Os aplicativos de transporte coletivo de passageiros, cargas e até mesmo animais tiveram como seu percussor o Uber, seguido pelo Cabify, Will Go e outros tantos. Assim, através de um aplicativo de smartphone, você pode inserir um destino, escolher uma opção de serviço e aguardar o motorista para que seja feita sua viagem até o destino escolhido.
Contudo, o que era um simples serviço praticado por autônomos passou a ser objeto de diversas reclamações trabalhistas junto aos Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil e do mundo. De forma que seus motoristas, insatisfeitos com as longas jornadas de trabalho, elevada demanda de serviço e nenhum direito trabalhista assegurado, ingressaram com ações trabalhistas suplicando o reconhecimento do vínculo de trabalho entre os mesmos e tais empresas de tecnologia compartilhada.
A questão que ultrapassa fronteiras foi objeto de uma ação coletiva no Reino Unido, onde, inclusive, segundo divulgado pela “CNN” houve o reconhecimento de vínculo empregatício entre os motoristas e a empresa Uber. Segundo a rede televisa “CNN”, Maria Lukdin, diretora legal do sindicato GMB, que representa os motoristas, afirmou que: “Essa é uma vitória monumental que terá um enorme impacto positivo sobre os cerca de 30 mil motoristas em Londres, por toda Inglaterra e País de Gales e para os milhares de outros em qualquer indústria em que a ideia falsa de funcionários autônomos é frequente.”. Segundo esta mesma reportagem, o Uber recorreria da decisão aduzindo em suma que os motoristas são autônomos.
Recentemente, no mês de dezembro de 2016, os motoristas de Uber do Estado de Pernambuco se sindicalizaram, fundando o Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros por Aplicativo do Estado do Pernambuco (SIMTRAPLI-PE), inclusive, filiando-se a Central Única de Trabalhadores (CUT). Já no sítio virtual “https://www.sindicatouber.com/” somos recebidos com a aprazível mensagem de boas-vindas: “Este site tem por objetivo unir os motoristas Uber, se você não é um não será aceito.”. Posso concluir, sem sombras de dúvidas, que a criação de tal sindicato é muito mais uma decisão política do que uma luta legítima por direitos, porém não é este o objetivo deste artigo.
No Brasil, o mais célebre caso acerca do tema foi o da decisão judicial proferida no processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112 pelo Juiz Federal do Trabalho, Márcio Toledo Gonçalves, onde, além do reconhecimento do vínculo de trabalho, o Magistrado condenou o Uber em diversas verbas trabalhistas, tais como aviso prévio, 13º Salário, férias proporcionais, terço constitucional de férias, horas extras e outras mais.
Segundo o Magistrado da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em uma extensa sentença de 46 laudas, haveria sido preenchido, no caso concreto, todos os requisitos para a caracterização dos institutos de empregado e empregador contidos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, no caso dos empregados: toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, e no caso dos empregadores a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço, conceito este, que se estende aos profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregado.
Afirmo: quis o magistrado Márcio Toledo Gonçalves justificar o injustificável. Explico: não há entre os motoristas e o Uber qualquer relação de emprego, seus motoristas são autônomos, prestam serviços de forma eventual, mediante o recebimento de porcentagens de lucros, e, consequentemente, não havendo nenhuma subordinação entre o Uber e seus motoristas, ou seja, o motorista de Uber está a léguas de distância de ser um empregado. Quanto ao Uber, o mesmo trata-se de uma pessoa jurídica, porém não é responsável pela direção de seus motoristas, e sequer goza de exclusividade sobre os serviços destes, isto é, o Uber não poderá ser considerado empregador, o mesmo se estende aos demais aplicativos, como o Cabify, WillGo e demais. Logo, minha conclusão é lógica, inexiste, à luz da CLT, qualquer relação de trabalho entre o Uber, Cabify, WillGo, outros mais e seus motoristas.
Finalmente, em recente julgado, a 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, através do Acórdão em Recurso Ordinário proferido no processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112, o precedente isolado do Juiz Federal do Trabalho Márcio Toledo Gonçalves foi devidamente sepultado. A decisão publicada no Diário da Justiça Eletrônico em 26 de maio de 2017 reformou a sentença de 1ª instância afastando o reconhecimento do vínculo empregatício, em suma, sob o fundamento de que não restaram preenchidos os requisitos para identificação de tal relação.
Cabe aos magistrados e desembargadores em julgamento de casos análogos preservarem o bom senso das decisões judiciais, de forma a repudiar pretensão tão risível quanto o reconhecimento da relação de emprego entre autônomos e um aplicativo de smartphone. No mais, órgãos como o Ministério Público do Trabalho devem restringir-se a sua competência e preservar os trabalhadores amparados pela CLT e não autônomos que gozam de insubordinação e total liberdade para o cumprimento de sua própria jornada de trabalho, sob pena de dano irreparável a livre iniciativa, livre concorrência e, ainda, ao valor social do trabalho.