1. INTRODUÇÃO
Diante da onda politicamente correta que varre o país, a arma de fogo, desde sempre instrumento de trabalho da Polícia, passou a ser vista com reservas, como se ela, genericamente, se prestasse unicamente a matar, o que não é verdade.
Em razão disso, muitos se apegam a entendimentos outros que, divorciados do espírito da norma (que é a defesa social), visam demonizar o policial e acobertar o infrator. E esse nefasto movimento é por vezes tão implacável que acaba acuando o agente, cujo temor por uma reprimenda lhe impõe um freio inibitório que pode lhe custar a própria vida.
O presente estudo tem por escopo quebrar alguns paradigmas e mostrar, sem paixões e com argumentos justificados, que as armas de fogo não têm apenas a finalidade de ceifar vidas, mas sim, e também, a de coadjuvar ações onde a força é empregada de maneira diferenciada e racional, sem a exclusiva busca pelo resultado morte.
Conceituaremos, ainda, as espécies de tiro existentes, de modo a emprestarmos subsídios legais e técnicos para os operadores do Direito e para os agentes de segurança pública nos mais diversificados cenários a que são diuturnamente submetidos e postos sob julgamento.
2. O USO LEGAL DA FORÇA
Embora por vezes tida como benevolente, a nossa lei autoriza o uso da força. E conforme adiante veremos, essa força é graduada, podendo ir da simples admoestação verbal até a retirada de uma vida, o que só deve ocorrer em casos extremos. Assim, caso injustamente agredido, o policial poderá e deverá reagir na medida do grau da ofensa experimentada. Mas como isso se aplica na prática?
Diz o art. 284. do Código de Processo Penal que não será permitido o emprego de “força”, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. E se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos “meios necessários” para defender-se ou para vencer a resistência (art. 292). E mais, preconiza o art. 25. do Código Penal Brasileiro, que pode invocar legítima defesa aquele que, usando moderadamente dos “meios necessários”, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Ou seja, nós, policiais, podemos usar a força, basicamente, em três situações: a) no caso de resistência (a lei não fala se ativa1 ou passiva2, portanto, em qualquer resistência); b) no caso de tentativa de fuga do preso e; c) em legítima defesa (ou outra justificante), própria ou de terceiro.
Mas o que é “força”? A norma não diz, só menciona que ela pode ser usada. E o mesmo ocorre com os “meios necessários” para a defesa, que também não são conceituados. Diante disso, cabe ao policial avaliar, na prática, “como, quando e em que medida” usar essa força, bem como, escolher os meios para que ela, que a rigor é mecânica, se materialize.
É por isso que os policiais usam bastões (cassetetes, retráteis ou tonfas), algemas, gases e granadas menos letais, armas de descarga elétrica e armas de fogo, pois esses instrumentos, que complementam a força física natural, acabam personificando esses assim chamados “meios necessários”, cujo sentido, pela abrangência, não é e nem pode ser taxativo.
Dessa maneira, quando o Estado dá uma “arma” a um policial, ele, de forma figurada, diz: “Tome. Use-a, se necessário for; para defender a ti, ao teu próximo e a mim”. É daí que emerge, no caso da arma de fogo, o “porte funcional de arma”, o qual decorre não da pessoa do policial, mas sim, da função pública que ele exerce.
E o que então são “armas”? Armas, a rigor, são instrumentos que tem por objetivo causar dano, permanente ou não, a seres vivos ou coisas. Dentro desse conceito temos várias espécies de armas, donde se insere a de fogo, as quais arremessam projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente. E onde estão previstos esses dois conceitos? Na nossa própria lei, art. 3º, incisos IX e XIII, do Decreto Federal n° 3.665, de 20 de novembro de 2000 (R-105).
Portanto, “arma” e “arma de fogo” envergam conceituação legal. Já a “força” e os “meios necessários”, não.
3. O EMPREGO (USO) DA ARMA DE FOGO
Dito isso, vamos discorrer sobre o emprego da arma de fogo. Se eu, policial, estou autorizado a usar um artefato que causa danos a seres vivos e coisas, ou seja, conceitualmente, uma “arma”, cabe agora analisarmos em quais situações isso poderá ocorrer.
Pelo que vimos acima, e sendo a arma de fogo um meio de demonstração de força, seria nos casos de “resistência”, “tentativa de fuga do preso” ou “autodefesa”. Mas em que graduação? Também respondemos. A necessária para vencermos a recalcitrância; é uma regra quase que matemática. O problema é lidarmos com essa “matemática” na prática, posto que o policial, ao contrário de outros servidores públicos, deve decidir num átimo de segundo.
Embora a doutrina moderna diga que o policial deva optar pela utilização de instrumentos de menor potencial ofensivo (isto é, as chamadas “armas menos letais”), a Lei Federal n° 13.060, de 22 de dezembro de 2014, diz que essa prioridade é relativa, afinal, segundo o art. 2º da norma, o emprego desses materiais só deve ser priorizado se não colocar em risco a integridade física ou a psíquica dos policiais. Aí chegamos a um ponto importante. Se a minha integridade enquanto policial estiver ameaçada (ou, ainda, a de um terceiro) a arma de fogo deverá ser a alternativa prioritária.
A essa altura, em termos técnicos, convém distinguirmos “porte de arma” de “emprego de arma”. No “porte”, o policial traz a arma de fogo consigo, geralmente num coldre ou bandoleira, em caso de arma de apoio. Isso, por si só, já é uma demonstração de força (“força de presença passiva”), em que a postura do agente visivelmente armado acaba por vezes sendo suficiente para desestimular comportamentos ou reações antissociais. Já no “emprego”, o policial a utiliza, levando as mãos a ela, empunhando-a, apontando-a para o interpelado e, em sendo necessário, atirando.
Na hipótese de uma abordagem, o motivo principal do agente sacar a sua arma de fogo e emprega-la é a necessidade de demonstração de força, a qual, no mesmo contexto, é complementada pela autopreservação do Estado e pela possibilidade de uma reação hostil do abordado.
Num cenário normal, a não ser que as circunstâncias o exijam, o policial deve evitar apontar a arma de fogo diretamente para o abordado, pois, em assim agindo, anulará a possibilidade de flexibilização (de 45º para 90º) antes de efetuar um possível disparo. Normalmente inicia-se a verbalização com a arma em posição de “baixo-pronto” (controle), o que costuma ser suficiente. Em havendo recalcitrância, parte-se para a posição “pronto” (perigo) e, em último caso, emerge o tiro defensivo.
E qual o objetivo do disparo? Não é apenas “matar”, como pensam muitos. Ele serve para interromper, de imediato, uma conduta que esteja atentando contra a integridade de alguém. É importante estabelecermos que a letalidade jamais deve ser entendida como objetivo precípuo do policial. Ela pode ou não decorrer dos efeitos da arma, cujas variáveis de cenário (mormente as condições psicomotoras do alvo), podem influenciar no resultado “morte” e, por certo, não são de absoluto controle do agente.
O mesmo dizemos em relação ao tão propalado “stopping power”. A finalidade do “poder de parada” não é matar, mas sim, incapacitar um agressor com um mínimo de disparos, buscando-se atingir a área onde o projétil cause a incapacitação objetivada (mecânica3, gradativa4 ou imediata5), visando a cessação do risco ofertado ao policial ou a um terceiro. Por isso é necessário conceituarmos todas as espécies de disparo, a fim de que o leigo em assuntos policiais tenha maior facilidade de entender os objetivos por trás de um tiro.
4. O TRIÂNGULO DO TIRO
Como elemento de auxílio ao policial, temos a chamada regra do “triângulo do tiro”. Ou seja, de acordo com ela, eu devo atirar quando o meu agressor demonstrar “habilidade”, “oportunidade” e “perigo”.
Tem “habilidade”, assim, o agressor com capacidade real de, injustamente, causar danos graves ao policial ou a outra pessoa. Ou seja, ou ele está armado, ou tem compleição física elevada ou habilidades similares que lhe dão características próprias de uma “arma” (domínio da arte de combate físico, por exemplo), assim entendida como “algo” apto a causar danos sérios, vitais inclusive.
A “oportunidade” tem a ver com a possibilidade do agressor, sem motivação plausível, usar essa habilidade, isto é, a efetiva proximidade, atual ou iminente, entre ele e o atacado.
Já o “perigo” relaciona-se com a constatação da efetiva intenção do agressor em atacar, sem justa causa, alguém de maneira potencialmente letal.
Assim, se um indivíduo, com a linguagem corporal, demonstrar “habilidade, oportunidade e perigo”, o tiro, técnica e legalmente, poderá ser efetuado.
Analisemos então os cenários onde o policial se expõe, a fim de concluirmos se o tiro só pode ser dado para matar, ou se ele, na escala de progressão de força, presta-se também a outros fins menos gravosos, onde a preservação da vida do agressor e a defesa da do policial e do cidadão podem ser equalizados.
5. O TIRO DEFENSIVO DIRETO
O tiro defensivo direto é aquele que, num cenário de legítima defesa, própria ou de terceiro, é dado frontalmente na região do alvo, de modo a fazer cessar uma agressão injusta, atual ou iminente. Ele pode, segundo faremos ver, ter outras modalidades classificatórias, dentre as quais o tiro de contenção, o tiro de intimidação, o tiro contra veículo em movimento, o tiro embarcado, o tiro mediato e o tiro de comprometimento.
O primeiro exemplo de tiro defensivo direto é clássico. Policial se depara com alguém que, empregando uma arma de fogo, está agredindo ou na iminência de, injustamente, agredir alguém. Nesse caso, ele está licenciado para dar o tiro com o intuito de, imediatamente, fazer cessar aquele comportamento. A agressividade será obstada e a ação do agente estará amparada pela chamada legítima defesa de terceiro, afinal ele repeliu uma injusta agressão usando os meios necessários (arma de fogo “versus” arma de fogo).
O infrator, na prática, demonstrou “habilidade” (estava armado e tinha capacidade de causar danos); “oportunidade” (estava próximo da vítima) e “perigo” (estava atirando ou na iminência de atirar). Se o resultado morte vier a ocorrer, não há que se falar em excesso.
E se agressor estiver empregando uma arma branca imprópria, isto é, uma faca? Embora ela tecnicamente seja um utensílio, a faca tem propriedades tipicamente ofensivas, pois pode ser usada para agredir e matar. Nesse exemplo, o policial está a poucos metros de um agressor (note-se a “oportunidade”) portando uma faca, o qual, de repente, investe rápida e diretamente contra aquele, visando feri-lo ou matá-lo.
Pela regra do trinômio do tiro, a análise não seria difícil. O sujeito que emprega – e não apenas porta – uma faca de maneira ofensiva, tem “habilidade”? Sim, pois demonstrou agressividade, iniciou a execução da conduta e o utensílio ostentado tem total capacidade de causar danos graves; é, portanto, uma “arma”. Ele tem “oportunidade”? Sim, ele está na iminência de atingir o policial, mortalmente inclusive. Ele representa “perigo”? Sim, pois embora tenha sido instado a afastar-se, ele desobedeceu a ordem de parada e foi na direção do agente com o crasso escopo de agredi-lo.
Note-se que o cenário é similar ao estudado no segundo parágrafo. A diferença reside apenas no tipo de arma. No primeiro caso, ela era de fogo. No segundo, branca imprópria. Se o policial, assim, atirar diretamente e de maneira defensiva para fazer cessar aquela agressão injusta e atual, a sua conduta estará, em tese, amparada pela legítima defesa própria.
Destarte, verificamos acima que a proximidade do agressor foi determinante para o tiro defensivo direto. Mas e nos casos em que o nosso oponente, agora a uma distância maior, utiliza, ao invés de uma arma de fogo, uma arma improvisada? E se ele, em visível descontrole, possuir compleição física superior a minha? Muitos leigos, nesses casos, defendem o vulgarmente chamado “tiro na perna”. Entretanto, se esquecem de alguns detalhes dinâmicos do cenário, que podem influenciar no resultado. Falemos então sobre essa figura, a fim de demonstrarmos que, embora em tese possível e até classificável, ela nem sempre deve ser adotada como regra.
5.1. O TIRO DE CONTENÇÃO
Suponhamos, conforme sugestionamos acima, um agressor empregando uma arma improvisada, isto é, a utilizada de forma adaptada, de modo a atingir uma finalidade de ataque. São objetos que, embora não sejam armas em sentido estrito, podem o ser em sentido amplo. Uma barra de ferro, por exemplo.
O sujeito está a uma distância a princípio segura do policial (uns sete metros6), mas apresenta linguagem corporal visivelmente agressiva. O agente conduz a devida verbalização para tentar contê-lo, mas, de repente, ele empunha a barra e começa a correr na direção do policial, com a aparente finalidade de golpeá-lo.
Considerando o meio utilizado, o agente, desde que o meio seja suficiente para conter o agressor, poderá, teoricamente, optar pelo chamado tiro de contenção, o qual consiste no ataque a pontos em princípio não vitais, mas que visam impedir a continuidade do intento. São os tiros que buscam a denominada incapacitação mecânica (de deslocamento), e que são dados em áreas do corpo onde o risco de morte é menor.
É importante frisarmos que o agente “poderá” (ação sem obrigatoriedade), pois esse tiro é muito difícil de ser dado, mormente em razão dos fatores externos do teatro de operações, que podem ser ambientais, psicológicos, físicos e dinâmicos. Some-se a isso que a crônica policial tem demonstrado que uma pessoa comum pode correr cinco metros em cerca de 1,3 segundos, o que compromete a possibilidade de execução de uma visada perfeita, daí tornando a técnica, que a rigor é meramente acadêmica, de pouca aplicabilidade fática.
Mas e se o sujeito, embora com as “mãos limpas”, me superar em força física? E se ele, por exemplo, for um lutador violento e hostil que tenciona empregar a sua arte para o ataque injusto, e não para a defesa?
O princípio, entendemos, é o mesmo. Se houver, por parte dele, ameaça real de lesão grave ou morte, o policial estará licenciado para defender-se, usando os meios necessários que estiverem a sua disposição. Se um lutador profissional, de maneira agressiva, vier injustamente na direção de um policial de menor compleição com o claro escopo de atacá-lo e feri-lo, o agente deverá interpretar o ataque como se tivesse partido de alguém “armado”. Sim, “armado”, pois o homem dotado de força física elevada, e principalmente “expert” em técnicas de luta, é apto a causar danos sérios no “homem médio”, mortais inclusive. Dessa forma, em sentido figurado, ele se assemelharia a uma “arma” (lembremos que arma é aquilo que causa danos), legitimando, assim, a reação necessária.
O tiro de contenção poderia ser dado nesses casos? Hipoteticamente, sim. Entretanto, os argumentos acima deixam clara a máxima de que tudo vai depender do cenário e do comportamento do agressor. Diante disso, não é raro ocorrer, na maioria dos casos, que o tiro defensivo direto prepondere sobre o de contenção.
Se numa situação desse tipo o policial abrir mão da sua arma de fogo, ele poderá ser agredido, ter a arma arrebatada e acabar morto ou gravemente ferido. É uma escolha difícil, mas que infelizmente deve ser feita. E independente do tipo de tiro (direto ou contenção), entendemos que a excludente de antijuridicidade deverá ser invocada, pois a agressão é injusta e iminente, e o meio tido como necessário, dada a inexistência de outro considerado hábil no momento, era apenas aquele.
Assim sendo, repetimos, sempre que a situação permitir, o policial, desde que não coloque em risco a sua vida ou a de um inocente, poderá atirar na área corporal onde o risco de morte for minimizado. Nesse caso as consequências do tiro não serão piores do que as que ele poderá sofrer caso seja dominado e tenha a sua arma de fogo bruscamente rapinada. Entretanto, insistimos, dependendo do cenário e das circunstâncias do ataque, o tiro de contenção deverá ser desprezado, pois o tiro direto, este sim, será o único capaz de pôr termo a ameaça.
5.2. O TIRO DE INTIMIDAÇÃO
No tiro de intimidação, temos uma situação diferente, pois os alvos, agora, estão em maior número. Imaginemos um presídio onde estão custodiados dezenas de presos, cuja periculosidade é notória. Por óbvio, o número de agentes de segurança é menor que o de detidos e, para se garantir a paridade de forças, temos a estrutura física da cadeia e as armas de fogo dos guardas.
Suponhamos que, em razão de um infortúnio, essas centenas de presos consigam transpor as grades que os mantém detidos e, em fúria, invadam as galerias e pátios tencionando fugir. Ao perceberem isso, os agentes de segurança, armados, ficam num dilema. O que fazer?
A lei diz que não será permitido o emprego de “força”, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. Estamos, agora, diante do segundo caso. Ou seja, a força pode e deve ser empregada. Mas que força?
Bem, caso se trate de presídio de grandes dimensões e com linhas de segurança estabelecidas, os agentes, visando manter os fugitivos sob controle e também se defenderem, poderão efetuar tiros de intimidação, preliminarmente, com munições menos letais (antimotim) feitas exatamente para essas situações.
Elas são estruturadas, conforme o tipo, em polietileno de alta densidade ou elastômero. Esses tiros devem ser dados diretamente e a distâncias seguras, sob pena de serem letais. Usualmente, respeita-se uma distância mínima de dez metros do alvo, buscando-se sempre a zona abaixo da cintura, onde os danos são menores. Desse modo, os guardas poderão conseguir intimidar os presos em revolta e, assim, controlar a tentativa de evasão e reagir com a devida proporcionalidade.
Por outro lado, em casos extremos, o tiro de intimidação poderá ser substituído pelo tiro defensivo direto comum. É a vulgarmente chamada hipótese do “cavalo doido”, ou seja, da fuga em massa realizada de forma abrupta, de modo a eliminar os agentes e burlar a segurança. Se houver um avanço real e imediato, de modo a colocar em risco efetivo a vida ou a integridade dos servidores, não podemos desprezar essa espécie de disparo, sob pena das consequências, para os agentes segurança penitenciária, serem desastrosas.
O tiro de intimidação, assim, é aquele que, efetuado com projéteis menos letais, visa fazer com que o agressor, em revolta, desista da intenção de continuar com o seu propósito. Por outro lado, se a medida não surtir o efeito necessário, deve haver a mudança de estratégia, seja nos raios ainda seguros do ambiente, seja com o tiro defensivo direto, desde que o perigo se torne insuportável e inexistam outros meios hábeis de debelá-lo.
5.3. O TIRO EMBARCADO
O tiro embarcado é aquele diretamente dado pelos ocupantes (tripulantes) de viaturas, aeronaves e embarcações policiais, sempre que se virem diante de uma agressão injusta, atual ou iminente, cuja proporção assim o exija.
É também empregado na hipótese de cobertura das equipes que se deslocam em terra, no caso das aeronaves. É um tiro difícil, pois geralmente é feito sem a precisão adequada.
Esse tipo de disparo também se enquadra como sendo defensivo direto, haja vista ser dado no cumprimento do dever e em repulsa a uma agressão injusta.
5.4. O TIRO CONTRA VEÍCULO
Desde 2010, a Portaria Interministerial n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010, já previa, no seu item 5, que “Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros”.
Sobre o tema, a Lei Federal n° 13.060, de 22 de dezembro de 2014, de maneira similar, diz, em seu art. 2º, parágrafo único, inciso II, que não é legítimo o uso de arma de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.
Ou seja, o tiro defensivo direto dado em veículo, nos casos de desrespeito a bloqueio, é legalmente cabível, desde que exista o risco imediato de morte ou lesão grave a policiais ou terceiros. A guarida é a mesma (excludente de antijuridicidade), afinal, na prática, o veículo, guardadas as devidas proporções, é usado como arma.
Em tempo, é bom que o policial, antes de dar o tiro, faça uma avaliação de cenário, acerca de quatro itens, quais sejam, a possibilidade de ricochete; a perda de controle do veículo em fuga no caso do motorista ser atingido; o comprometimento de eventuais vítimas embarcadas (reféns inclusive) e o revide imoderado de marginais superiormente armados.
Nesses termos, não é errado optar pela resiliência, acionando o devido apoio para iniciar uma perseguição e efetuar um cerco. É uma opção, e não uma regra, afinal, no teatro de operações, o calor dos fatos pode fazer com que reações de sobrevivência sejam quase que instintivas.
No Estado de São Paulo existem regras para os casos de uso de arma de fogo na perseguição à pessoa ou veículo, objetivando resguardar os direitos individuais, as liberdades públicas e a segurança física dos policiais civis, militares e cidadãos. Elas estão previstas na Resolução SSP-21, de 11 de abril de 1990, “in verbis”: “art. 3º - Na perseguição à pessoa ou veículo, nos termos dos artigos 1º (fundada suspeita de autoria de recente infração penal) e 2º desta Resolução, somente será permitida a utilização de arma de fogo, como meio necessário para defender-se ou para vencer resistência armada insuperável”.
5.5. O TIRO MEDIATO
Esse tiro é geralmente dado em situações emergenciais, pois é executado através de um obstáculo, a rigor, um vidro.
Em algumas espécies de abordagem, o policial pode ser surpreendido por um ataque inesperado e, por isso, acaba sendo impelido a atirar da posição em que se encontra embarcado na viatura. O tiro mediato, nesses casos, é influenciado de acordo com o calibre da arma e a munição, além da distância, do ângulo e da espessura do vidro.
Inicialmente pode haver uma deflexão mínima, mas os disparos subsequentes, em razão da fragmentação do vidro, terão melhor precisão. A legalidade é a mesma, qual seja, a legítima defesa própria.
5.6. O TIRO DE COMPROMETIMENTO
O tiro de comprometimento é terceira alternativa tática de que dispõe as forças segurança pública para a resolução de situações críticas, isto é, aquelas onde vidas estejam em perigo. É executado por um atirador de precisão, ou “sniper”, como comumente é conhecido o operador que atua com um fuzil customizado para tiros a longas distâncias.
Ele se constitui, a rigor, num único disparo que objetiva a incapacitação imediata do causador da crise (geralmente um tomador de refém), e que corresponde, na prática, com a sua morte instantânea. E isso é necessário em razão do risco da ameaça (possibilidade de morte atual), geralmente representada por um perpetrador apontando uma arma para um inocente. Nesses casos, um tiro que não seja dado no sistema nervoso central do algoz poderá pôr a vida da vítima em perigo, pois a morte do autor não será instantânea e dará espaço para um reflexo perigosíssimo em desfavor da vítima. Dessa maneira, somente com um ataque maciço a essa região (cérebro, cerebelo ou medula espinhal), o risco por parte do agressor será eliminado e a vida do refém integralmente preservada.
Esse tiro pode ser simultâneo, quando dado por mais de um atirador ao mesmo tempo, o cenário permitir e existir mais de um alvo; ou conjugado, quando preceder uma invasão tática para a resolução de uma crise com reféns.